Crítica da estratégia de crescimento com poupança externa
Tesis doctorales de Economía

POLÍTICA CAMBIAL E MACROECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO

Paulo Gala

 

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Crítica da estratégia de crescimento com poupança externa

No argumento convencional sobre fluxo de capitais e crescimento, a abertura da conta de capital poderia contribuir para o aumento da renda per capita de um país na medida em que ampliaria as opções de investimentos produtivos de seus agentes locais. Um país de renda per capita baixa e, portanto, com baixo estoque de capital, apresentaria um produto marginal do capital mais elevado quando comparado a um país desenvolvido, com elevado estoque de capital. O maior retorno do investimento permitiria ao país mais pobre ampliar sua capacidade produtiva a partir de empréstimos externos, pagando futuramente ao país mais rico os juros e o total da dívida contraída com os resultados da aplicação produtiva dos recursos emprestados. Para o país desenvolvido, a possibilidade de aplicação de poupanças a uma taxa maior do que a remuneração doméstica também traria ganhos de bem estar. A abertura da conta de capital permitiria um processo de arbitragem que, em tese, seria capaz de igualar os produtos marginais do capital nas diversas economias, aumentando o bem estar de países pobres e ricos num possível arranjo ótimo (ver, por exemplo , Williamson 2005, pg.22).

Uma das principais conclusões desse argumento é a de que países em desenvolvimento deveriam necessariamente conviver com déficits em contas correntes, pois só assim estariam aproveitando a poupança externa. Nas palavras de Obstfeld e Rogoff: “economic policy makers often express concern about national current account deficits or surpluses. Our simple model makes the very important point that an unbalanced current account is not necessarily a bad thing. […] intertemporal trade makes possible a less jagged time profile of consumption [or investment]” (Obstfeld e Rogoff 1996, pg.18). Como conseqüência, um nível de câmbio real relativamente apreciado e permanentes déficits em conta corrente seriam situações normais e recomendáveis a países em desenvolvimento. Na estratégia de crescimento com poupança externa, o “policy mix ” é direcionado para situações de déficits em contas correntes, acompanhados por relativas apreciações ou sobrevalorizações cambiais.

Ao criticar a estratégia de crescimento com poupança externa sugerida pela teoria convencional, Bresser-Pereira e Nakano (2003) levantam importantes questões relacionadas à administração estratégica da taxa cambial ignoradas pela maioria da literatura sobre o tema. Os autores questionam os argumentos favoráveis à abertura da conta de capitais, ressaltando que o mercado não é capaz de fornecer os estímulos de preços relativos necessários para que a absorção de poupança externa seja utilizada de forma adequada. Num processo de abertura da conta de capitais, com forte ingresso de recursos externos, o que se observa é uma intensa apreciação cambial que direciona o gasto dos agentes internos na direção de bens de consumo importados. O aumento artificial dos salários decorrente da valorização cambial provoca um aumento do consumo no país que importa capital, trazendo problemas de solvência em períodos posteriores. A ausência de oportunidades lucrativas de investimento somada a altas taxas de juros também contribuem nesse sentido. A dívida contratada é utilizada para financiar consumo que não gera o retorno suficiente para saldá-la. O aumento do passivo externo cria uma dinâmica de dívida insustentável e, frequentemente, o resultado desses ciclos de endividamento é uma crise no balanço de pagamentos sem acréscimos no estoque de capital (ver Bresser-Pereira 2001).

Nesse tipo de análise, a questão dos fluxos de capital passa para segundo plano e a política cambial para primeiro. O que importa nessa linha de raciocínio não é o regime escolhido pelo BC, fixo ou flutuante, ou ainda a liberdade de fluxos de capital, mas o nível relativo do câmbio real. Fluxos positivos de capital podem levar a uma apreciação cambial excessiva que reduz o investimento na produção de bens comercializáveis para exportação e aumenta

o consumo dos mesmos. A variação do preço dos bens comercializáveis induz uma mudança na composição do gasto agregado. Com preços de comercializáveis baratos na moeda local e ausência de oportunidades lucrativas de inversão, o consumo aumenta domesticamente e o nível de produção cai. O aumento do valor do salário real leva a um aumento do gasto nacional em consumo de importados e uma redução da produção nacional para exportação. A poupança doméstica e as exportações caem. No sentido inverso, uma redução do salário real reduz o gasto doméstico em consumo de importados e aumenta a produção doméstica de exportações (Bresser-Pereira 2004a, pg.16).

De acordo com essa argumentação, o nível do câmbio real determina a composição do gasto agregado da economia. Um câmbio real mais depreciado significa, tudo mais constante, um salário real mais baixo que estimula as exportações e investimentos no setor de comercializáveis e inibe as importações e o consumo. Uma apreciação cambial produz o inverso. O nível do câmbio real determina a poupança, o consumo e o investimento domésticos como proporção do PIB. Câmbios reais relativamente depreciados estariam associados a altos níveis de poupança doméstica e exportações em termos agregados. Câmbios reais relativamente apreciados estariam associados a altos níveis de consumo e baixos níveis de poupança doméstica e investimento.


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