POLÍTICA CAMBIAL E MACROECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO
Paulo Gala
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A administração do câmbio nominal foi amplamente utilizada ao longo do século
vinte como instrumento de controle inflacionário (para uma perspectiva histórica ver
Gonçalves 1999). No caso das âncoras cambiais, a fixação do preço dos bens
comercializáveis na moeda local através do congelamento do câmbio nominal introduz forte pressão estabilizadora no nível geral de preços. No caso das “tablitas” ou indexação de
preços via administração do câmbio nominal, a prática de desvalorizações nominais menores
do que o aumento de preços tem como principal função coordenar as expectativas
inflacionárias. Quanto maior a penetração de bens importados no tecido econômico e, portanto,
maior a presença relativa de bens comercializáveis na economia, maior a eficácia do
controle da inflação através da administração do câmbio. O tradicional efeito colateral
deste tipo de estratégia diz respeito à apreciação e, no limite, sobrevalorização do câmbio
real. Admitindo-se que os processos inflacionários vêm acompanhados por inércia, um
congelamento nominal do câmbio ou uma redução no ritmo de desvalorizações
nominais serão usualmente acompanhados de apreciação real devido a aumentos residuais de
preços.
O efeito será tanto mais intenso quanto maior for o aumento de preços dos bens
não comercializáveis não expostos à concorrência dos bens importados.
O controle da inflação via administração cambial depende quase que
exclusivamente da redução de preços dos bens comercializáveis. Programas de estabilização baseados
nessa estratégia terão sucesso se conseguirem reduzir os preços dos não
comercializáveis a partir do controle de preços dos bens comercializáveis. Quanto maior for a inércia de
preços no setor de não comercializáveis, maior a probabilidade de ocorrência de
desalinhamentos cambiais e crises no balanço de pagamentos. Dependendo da intensidade da
apreciação real, um ciclo de aumento de consumo nas linhas do populismo cambial poderá ser
desencadeado, resultando em grandes crises externas (ver Dornbusch 2002, pg.
251).
Ao discutir as diversas abordagens em relação à política cambial, Corden (2002)
resume a estratégia da ancoragem cambial nos processos de estabilização ao caracterizar o
“nominal anchors approach” em relação a taxas de câmbio. Nos casos de países com altos
níveis de inflação, como Brasil e Argentina, por exemplo, a fixação da taxa de câmbio em
relação a alguma moeda com histórico de baixa inflação é uma ferramenta poderosa para
conter processos inflacionários e coordenar expectativas. A taxa de câmbio passa a ser
a âncora nominal do sistema , substituindo outras âncoras como metas de inflação ou metas
de agregados monetários. Neste tipo de abordagem, a âncora cambial pode fornecer
disciplina e credibilidade ao transmitir o sinal de que déficits públicos não serão
monetizados e aumentos de preços e salários não serão sancionados por aumentos de base
monetária. Corden (2002) chama a atenção para os possíveis efeitos colaterais das
ancoragens cambiais na medida em que removem um importante instrumento de política
econômica, o ajuste do câmbio real. As conseqüências da utilização desse tipo de estratégia
em termos de recessão e desemprego podem ser bastante intensas (Corden 2002, pg. 33).
Um bom exemplo de sobrevalorização cambial decorrente de programas de controle
inflacionário está nos planos de estabilização do Cone Sul(Argentina, Uruguai e
Chile) no final dos anos 70. Ao fixar uma taxa de desvalorização cambial menor do que o
ritmo de aumento de preços na tentativa de coordenar as expectaitvas inflacionárias, os
planos de estabilização latino-americanos acabaram por criar fortes passivos externos que
resultaram na maioria das vezes em crises de balanço de pagamentos. Nos termos de Carlos
Díaz Alejandro (1991), “contar com uma taxa de desvalorização declinante e pré-anunciada
da taxa de câmbio como instrumento chave para baixar a inflação também parece ser
excessivamente arriscado. Uma inflação persistente nos preços de bens que não
são objeto de comércio internacional pode levar a sobrevalorização” (Díaz-Alejandro
1991[1981], pg.92).
Nesse registro, Calvo e Vegh (1994) identificam 7 pla nos de estabilização com
“tablitas”, ancoragem cambial e apreciações reais na América Latina no período 1970-1993. A
tabela abaixo mostra a classificação dos autores e o cálculo de apreciação do câmbio
real. Os ciclos de apreciação ocorrem em regimes tão distintos quanto as “tablitas” do
final dos 70 e a caixa de conversão com câmbio fixo da argentina no início dos 90.
As experiências de estabilização no Cone Sul no final dos 70 antecipam em muitos
aspectos o que ocorreria na América Latina nos anos 90. Como destacam Frenkel e Damill
(2003), os processos de liberalização financeira e comercial e estabilização de preços
na Argentina, Uruguai e Chile no final dos 70 terminaram em crises que em muito se assemelham
ao que se observou no México, Brasil e Argentina nos anos 90. A adoção de ritmos
declinantes de desvalorizações cambiais em relação às taxas de inflação correntes presente nas
“tablitas” acabou por resultar em intensos processos de sobrevalorização das moedas na
região (Damill and Frenkel 2003, pg.4). Num trabalho que resume muito da história recente da América Latina, Dornbusch
(2002) ressalta os problemas dos processos de estabilização com âncoras cambiais. Sobre
a seqüência apreciação, sobrevalorização e crise, destaca as dificuldades do
manejo do câmbio. Tanto nos casos de estabilização com câmbio fixo como flutuante a
austeridade da política monetária tende a sobrevalorizar a moeda. Nos primeiros devido à
indexação inflacionária e nos segundos por conta da apreciação do câmbio nominal. A
ancoragem contribui para a redução das taxas de inflação ma s aumenta a probabilidade de
crises externas, “from real appreciation it is not a far distance for overvaluation and
from there, ultimately, to an exchange market crisis” (Dornbusch 2002, pg.247).
As sobrevalorizações resultantes dos programas de estabilização inflacionária em
muito se assemelham aos episódios de populismo econômico. A fixação da taxa de câmbio
nominal ou redução do ritmo de desvalorizações associados à inércia nos preços dos bens
não comercializáveis acaba produzindo resultados parecidos aos ciclos dos programas
populistas. Ambos produzem excessivos aumentos de preços dos bens não
comercializáveis em relação aos comercializáveis resultando em desalinhamento do câmbio real. A
queda das exportações e aumento das importações provoca aumento do endividamento
externo e, no limite, crises.
Estabilizações e âncoras cambiais