Evolução da taxa de câmbio real na Ásia e América Latina
Tesis doctorales de Economía

POLÍTICA CAMBIAL E MACROECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO

Paulo Gala

 

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Evolução da taxa de câmbio real na Ásia e América Latina

Com o intuito de avaliar os efeitos do câmbio e do protecionismo em trajetórias de crescimento, Dollar (1992) constrói um índice de distorção cambial ou “outward orientation” para 95 países no período 1976-1985. Baseando-se nos dados de Summers e Heston, compara níveis de preços relativos entre esses países e os Estados Unidos. Aplica, ademais, um ajuste de renda per capita para corrigir o efeito Harrod-Balassa-Samuelson que vincula aumentos do nível renda per capita a apreciações cambiais. No índice de “outward orientation” calculado pelo autor, um alto nível de preços relativos significa um câmbio real apreciado e maior protecionismo tarifário e um baixo nível de preços significa menor protecionismo e um câmbio relativamente depreciado. Alguns autores, como Rodrik (1994) por exemplo, criticam o trabalho de Dollar (1992) argumentado que seu índice não é adequado para medir graus de protecionismo, sendo muito mais apropriado para medidas de apreciação cambial. Seguindo essa interpretação, os resultados de Dollar apontam para uma relativa desvalorização nas moedas dos países asiáticos quando comparados a América Latina e África. Para o período 1976-1985, o autor encontra uma apreciação relativa de 33% das moedas latino-americanas e de 86% das africanas em relação as asiáticas (Dollar 1992, pg.539, para uma análise de apreciações na África ver Ghura e Greenes 1993 e Shatz e Tarr 2000).

Ao medir posições de câmbios reais para os anos de 1993 e 1998 a partir de desvios de PPP para 61 países desenvolvidos e em desenvolvimento, Benaroya e Janci (1999) também encontram evidências de que moedas asiáticas estavam em posições relativamente depreciadas em relação ao dólar americano em linha com Dollar (1992). Li Lian Ong (1997) trabalha com o índice Big Mac para medir posições cambiais de 34 países. Calcula subvalorizações e sobrevalorizações de moedas baseando-se no preço do Big Mac em dólares em cada país, “the perfect universal commodity”. Encontra relativa desvalorização no sudeste da Ásia, especialmente nos países do ASEAN: Malásia, Cingapura, Tailândia, Filipinas e Indonésia (Ong 1998, pg.89).

Além das tradicionais comparações baseadas em preços PPP (Big Mac PPP index), constrói um índice para corrigir o que chama de “productivity bias” resultante da hipótese Harrod- Balassa-Samuelson. Desconta das variações cambiais um componente de aumento de produtividade que usa como “proxy” o GDP per capita real de cada país. Seguindo esse cálculo, encontra uma relativa subvalorização das moedas asiáticas, novamente com destaque para os países do ASEAN. Ong (1997) mostra que para a média do período 19861994 o ringgit da Malásia, o dólar de Cingapura e o baht da Tailândia estavam subvalorizados respectivamente em 53%, 26% e 19% em relação ao dólar americano. Para

o ano de 1997 o índice apresenta alguma valorização, indo de encontro à interpretação de autores de que uma sobrevalorização das moedas asiáticas teria contribuído para a crise de 1997 (ver Lim 2004). Em trabalho sobre o tema, Rajapatirana e Athukorala (2003) analisam o impacto dos fluxos de capital nas taxas de câmbio real de 8 países da Ásia e América Latina entre 1985 e 2000. Mostram que a apreciação das moedas asiáticas em relação a uma cesta de moedas de parceiros comerciais foi menor do que as latino-americanas, especialmente nos casos de China e Índia (para uma análise de “real exchange rate targeting” na Índia, ver Patel 1997). As apreciações latino-americanas situaram-se na faixa de 14,7% e 43,5%, enquanto que para as moedas asiáticas esse número variou de 2,3% a 11,2% atingido pelas Filipinas (Rajapatirana e Athukorala 2003, pg.625). Segundo cálculos dos autores, para cada 1 ponto percentual de acréscimo de fluxos de capital no período, com a exceção de investimento direto externo, observa-se uma apreciação de 1,7 pontos percentuais nas moedas de países da América Latina e 0,56 pontos percentuais para a média de toda a amostra. Curiosamente, os autores encontram uma correlação negativa entre investimento direto estrangeiro (IDE) e

o nível do câmbio. Quanto maior o IDE, mais depreciado o câmbio real. Esse resultado poderia ser explicado pelo o que os autores chamam de “tradeable bias” presente no IDE, ou seja, a tendência destes investimentos se concentrarem primordialmente no setor de comercializáveis, que necessita de uma taxa de câmbio mais competitiva. Ainda nesse registro, Sachs et al (1996) analisam as causas da crise mexicana de 1995 e seus efeitos em 20 países emergentes: Turquia, África do Sul, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru, Venezuela, Jordânia, Sri Lanka, Índia, Indonésia, Coréia do Sul, Malásia, Paquistão, Filipinas, Tailândia, Zimbábue e Taiwan. Elencam três fatores como causas principais para a explicação de crises: sobrevalorização cambial, baixo nível de reservas cambiais e falta de solidez no sistema financeiro. Segundo os autores, economias que apresentavam essas três características sofreram com muito maior intens idade o efeito tequila: Argentina e Filipinas. Ao comparar a posição de câmbios reais em relação à cesta de moedas de parceiros comerciais no período 1990-1994 com base em 1986-1989, encontram novamente câmbios relativamente apreciados na América Latina em comparação com a Ásia, com a exceção de Chile e Colômbia. Na Ásia, as Filipinas são a exceção, “a striking fact in the data is that the Latin American countries experienced sharper real appreciations than did East Asian economies” (Sachs et al 1996, pg.4).

Comparando-se as médias da posição de câmbios reais para 10 economias de cada região a partir dos dados de Easterly (2001), complementados com o cálculo de um índice para o Brasil no período 1970-1985, pode-se analisar a tendência das posições das moedas asiáticas e latino-americanas para um longo período de 30 anos. A média dos índices para os 10 países latino americanos no período 1970-1999 atinge 104,5, ou seja 4,5% acima do equilíbrio de PPP (representado pelo eixo horizontal no gráfico abaixo ) em relação à moeda americana enquanto que para as moedas asiáticas a média dos índices de câmbio real atinge 82,7, ou seja 17,7 pontos percentuais abaixo do equilíbrio de PPP. Os dados abaixo mostram que os níveis de câmbio real em termos de dó lar na América Latina parecem estar relativamente apreciados em relação aos asiáticos no período 1970-1999. Argentina, Peru, Brasil, Uruguay e México apresentam uma tendência de depreciação nos 80 e apreciação nos 90. Bolívia e Paraguay apresentam apreciação nos 80 e depreciação nos 90. Chile, Venezuela e Colômbia apresentam uma tendência persistente à depreciação nos últimos anos. Na Ásia, Taiwan, Coréia do Sul e Cingapura apresentam uma tendência de apreciação nos últimos anos. Todos outros países da amostra, Índia, Tailândia, Malásia, Filipinas, Indonésia, Sri Lanka e Paquistão apresentam uma tendênc ia recorrente à depreciação. O gráfico 2.1 do apêndice apresenta essa evolução de forma mais detalhada.

Importante notar que as apreciações na América Latina estão muito mais ligadas a ciclos populistas e programas de estabilização do que a um desempenho exemplar do setor exportador. As apreciações de países como Taiwan, Coréia do Sul e Cingapura estão associadas ao sucesso exportador e recorrentes períodos de superávits em contas correntes que acabam por pressionar o câmbio. As apreciações asiáticas parecem muito mais sadias do que as latino-americanas já que decorrem de bons desempenhos no comércio externo e aumentos de produtividade. Para ficar em 3 exemplos, as rendas reais per capita de Taiwan, Coréia do Sul e Cingapura passaram de uma média de 10% da renda americana no final dos anos 60 para mais de 60% no final dos anos 90, sendo que Cingapura atingiu mais de 80% da renda per capita dos USA em 1999. Em 1995 o superávit em transações correntes de Cingapura atingiu 14% do PIB e foi quase que totalmente utilizado para comprar reservas que eram à época da ordem de 67 U$ bilhões para uma população de 3 milhões de habitantes.

O gráfico abaixo mostra uma comparação entre distorções cambia is entre países, medidas como desvios do câmbio real em termos de dólar em relação à regra Harrod-Balassa- Samuelson; quanto maior a renda per capita de um determinado país, mais apreciado deve estar seu câmbio em relação aos seus parceiros comerciais (para índices com construções semelhantes ver Dollar 1992, Ong 1997 e Benaroya e Janci 1999). A partir desse índice de correção cambial RER * (a respeito da construção, ver o último capítulo ), a diferença entre os dois grupos fica ainda mais clara. O gráfico 2.2 do apêndice apresenta essa evolução de forma mais detalhada.  

A média dos índices de distorção no período 1970-1999 atinge 79,67 para os asiáticos e 113,79 para os latino-americanos. No grupo dos asiáticos, com a exceção das Filipinas, todos os países apresentam uma clara tendência de desvalorização nos anos 80 e 90. Para os latino-americanos, o padrão do índice segue o comportamento do câmbio real apresentado acima. Peru e Uruguai apresentam uma tendência de apreciação contínua. Argentina, Brasil, e México apresentam uma tendência de deprecia ção nos 80 e apreciação nos 90. Bolívia e Venezuela apresentam apreciação nos 80 e depreciação nos 90. Paraguai, Colômbia e Chile apresentam uma tendência persistente à depreciação nos últimos anos.

Utilizando-se os dados de Easterly (2001) para uma simples regressão em “cross-section” com 58 países em desenvolvimento com “dummies” para Ásia, África, América Latina e Europa, o nível de c âmbio real RER apresenta também grandes diferenças regionais (ver o último capítulo para uma discussão detalhada acerca da construção destas séries). As “dummies” de África e América Latina são significantes a 5% e apresentam o sinal esperado. No período 1960-1999, países localizados nestas duas regiões apresentaram câmbios reais mais valorizados do que na Ásia. A tabela abaixo mostra que, na média, países latino-americanos e africanos apresentaram, respectivamente, níveis de câmbios reais mais apreciados em 27 e 38 pontos percentuais quando comparados a países asiáticos. Essa simples regressão representa mais evidências da discussão apresentada até então.

Conclusões mais robustas em relação às regressões dependeriam, obviamente, de futuras pesquisas empíricas mais detalhadas sobre os diversos determinantes do nível do câmbio real.


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