Revista: TURYDES
Turismo y Desarrollo local sostenible / ISSN: 1988-5261


LOUÇAS DE BARRO COMO PATRIMÔNIO CULTURAL? UM ESTUDO NA COMUNIDADE QUILOMBOLA NEGROS DO RIACHO – CURRAIS NOVOS/RN

Autores e infomación del artículo

Ana Catarina Alves Coutinho 1
Docente na Universidade Federal do Maranhão/ UFMA
Doutoranda em Turismo - PPGTUR/UFRN

Mayara Ferreira Farias 2
Doutoranda em Turismo - PPGTUR/UFRN

Lissa Valéria Fernandes Ferreira 3
Doutorado em Administração de Empresas pela Universidade de Barcelona
Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

 


Resumo: As discussões de patrimônio cultural têm possibilitado a inserção de novas questões para além dos elementos materiais, envolvendo também o patrimônio imaterial conjugado com a identidade social e educação patrimonial como meio de preservação. Neste sentindo, as Comunidades Quilombolas, objeto de estudo deste trabalho, passam a inserir nesta discussão por meio da apreciação das questões de preservação e conservação das questões relacionadas ao seu patrimônio cultural. Com base nisto, este trabalho tem como objetivo analisar o Patrimônio Cultural em comunidades quilombolas, especificamente na Comunidade Quilombola Negros do Riacho/RN, enfatizando a questão da produção de louça e de outros itens que têm o barro como matéria prima. Para tanto, realizou-se coleta de dados, em 2018, do tipo documental e entrevista com representantes. Ademais, utilizou o storytelling através do core story como opção metodológica. Os resultados evidenciam impactos negativos caso a produção deixasse de existir, baseada em dados internos e externos e o core story evidenciou uma mensagem, um conflito, um personagem e um enredo que identificam a produção da louça de barro como um patrimônio cultural material baseado nas peças e imaterial baseado no modo de fazer.
Palavras-chave: Comunidade Quilombola. Patrimônio cultural. Storytelling.

Abstract: The cultural heritage discussions have made it possible to insert new issues beyond the material elements, also involving intangible heritage coupled with social identity and patrimonial education as a means of preservation. In this sense, the Quilombola Communities, object of study of this work, begin to insert in this discussion by means of the appreciation of the questions of preservation and conservation of the questions related to their cultural patrimony. Based on this, this work aims to analyze the Cultural Heritage in Quilombola communities, specifically in the Comunidade Quilombola Negros do Riacho/RN, emphasizing the issue of the production of crockery and other items that have clay as raw material. For this purpose, data collection was done in 2018, of the document type and interview with representatives. In addition, he used storytelling through core story as a methodological option. The results evidenced negative impacts if production ceased to exist, based on internal and external data, and the core story evidenced a message, a conflict, a character and a plot that identify clay crockery production as a material cultural heritage based on the pieces and immaterial based on the way of doing.
Keywords: Quilombola Community. Cultural heritage. Storytelling.

 

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Ana Catarina Alves Coutinho, Mayara Ferreira Farias y Lissa Valéria Fernandes Ferreira (2019): “Louças de Barro como Patrimônio Cultural? Um estudo na comunidade Quilombola Negros do Riacho – Currais Novos/RN”, Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n. 26 (junio/junho 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/turydes/26/quilombolas.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/turydes26quilombolas


1. INTRODUÇÃO

Entendem-se como Patrimônio Cultural todas as manifestações e expressões que a sociedade e os homens criam e que, ao longo dos anos, podem se articular e acumular-se com as produzidas pelas gerações anteriores. Como herança, cada geração as recebe, desfruta delas, podendo inclusive modificá-las de acordo com sua própria história e necessidades, dando a sua contribuição, resguardando ou esquecendo essa herança. Essas práticas são constituídas, por exemplo, pelo artesanato, utilização de plantas como alimentos e remédios, formas de trabalhar, plantar, cultivar e colher, pescar, construir moradias, meios de transporte, culinária, folguedos, expressões artísticas e religiosas (Grunberg, 2007).
As especificidades de cada grupo social refletem também uma relação com o processo de construção de uma política, suas manifestações socioculturais, modos de produção e manejo ambiental em relação à terra que tradicionalmente ocupa, caracterizando a noção também de território enquanto espaço habitado e socialmente construído (Silva & Midlej, 2012). Deste modo, patrimônio é um conjunto de significados e interpretações que surgem da relação entre objeto e indivíduo, que supõe uma constante modificação. Sem a interação não há significado, e, portanto, não há patrimônio (Ibarlucea, 2015).
Levando em consideração a Comunidade Quilombola Negros do Riacho, objeto de investigação deste trabalho, dentro da sua organização social, encontra-se a produção de artefatos materiais, inclusive, considerada um modo de vida, por meio das manifestações socioculturais. Estas comunidades, dentro de um contexto histórico, buscam auto-reconhecimento identitário e afirmação cultural que estão diretamente relacionados a problemas socioeconômicos. Assim, em seu contato com os outros que habitam territórios vizinhos, sofre de marginalidade social e pobreza, como por exemplo, ligado à falta de visibilidade e modo de vida.
A busca de atividades alternativas que contemplem a preservação cultural e ambiental das áreas onde vivem essas comunidades e promovam desenvolvimento a nível humano é um desafio contínuo para esses grupos (Silva & Midlej, 2012). Não diferentemente, a comunidade Quilombola Negros do Riacho produz maneiras singulares de viver, através da produção de louças de barro. Esta arte de fazer louças de barro, principalmente, panelas, está sinalizada na entrada da comunidade (BR 226) com uma produção de panela de barro atraindo olhares de quem passa pela mesma. É neste sentido que insere o Patrimônio Cultural que se discute neste trabalho.
Deste modo, este trabalho objetiva analisar o Patrimônio Cultural em comunidades quilombolas, especificamente na Comunidade Quilombola Negros do Riacho/RN, enfatizando a questão da produção de louça e de outros itens que têm o barro como matéria prima.
O trabalho busca identificar por meio da construção social os recursos e elementos patrimoniais da comunidade quilombola, o que significa afirmar que também há um processo de narrativa patrimonial. Entende que estes relatos atribuem valores gerais e específicos aos objetos analisados, neste caso a produção das louças de barro.
Visualiza importância deste trabalho por suscitar que a sociedade reconheça seu patrimônio, estimulando ações futuras de seus integrantes, no sentido de procurar por políticas públicas, ações e direcionamentos que embasem e financiem o reconhecimento do Patrimônio Cultural da Comunidade Quilombola em questão. Ademais, em um contexto de grande intolerância social e radicalismo, faz-se necessário discutir e trazer ações propositivas para uma sociedade menos desigual que se paute na emancipação social e no reconhecimento da diferença, respeitando as diferenças de uma sociedade em plena transformação.

2. PATRIMÔNIO CULTURAL E EDUCAÇÃO: QUESTÕES DA CULTURA QUILOMBOLA

O patrimônio cultural possui um caráter multifacetado, estando ora relacionado a nacionalidades e as questões do Estado Nacional, ora como a imersão no processo de civilização de formas tradicionais ou pouco conhecidas, reconhecendo a diversidade cultural que compõe o planeta. Deste modo, destaca-se a importância de patrimônio cultural para além dos monumentos construídos, mas também devendo atentar para a natureza imaterial do patrimônio mencionado.
De acordo com Ibarlucea (2015) o processo de patrimonialização remete a um conjunto de operações que ocorrem para transformar o estado de bem cultural, que pode ser simbólico construindo operações transversais, de influência mútua que reforça os laços sociais. Nesta concepção Morais, Sena Júnior & Ferreira (2014) afirmam que o patrimônio envolve sentimento de pertencimento do indivíduo por está diretamente relacionado com a singularidade do território em que vive, permitindo o resgate de sua identidade, isto é, um patrimônio para além dos fatores materiais.
Tais ações e discussões contribuíram para a criação do Decreto nº 3.551, de 04 de agosto de 2000 instituindo os saberes, celebrações, formas de expressão, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas, bem como lugares e espaços onde venham a se concentrar e reproduzirem práticas culturais coletivas (Sant’anna, 2000 apud Macedo, 2014).
Neste prisma, assim como ocorre em relação aos povos indígenas, a terra para os quilombolas é mais do que um bem econômico. Terra e identidade, para essas comunidades, estão intimamente relacionadas em uma relação étnica distinta do restante da sociedade.
A categoria quilombola deve compreender todos os grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e representação dos seus modos de vida característicos num determinado lugar cuja identidade se define por uma referência histórica comum, construída a partir de vivências e valores partilhados (Assunção, 2009). É a cultura de um povo associada aos seus bens patrimoniais que foram se constituindo ao longo do tempo, seja na forma material ou imaterial.
Assim, as comunidades quilombolas se constituem em grupos étnicos que conferem pertencimento através de normas e meio empregados para indicar aflições ou exclusão, cuja territorialidade é caracterizada pelo uso comum, pela sazonalidade das atividades agrícolas, extrativistas e outras e por ocupação do espaço que teria por base os laços de parentesco e vizinhança acentuados em relações de solidariedade e reciprocidade (Assunção, 2009; Silva & Midlej, 2012). Esta relação também permite novas formas de organização social e, portanto, cultural no processo de partilhas de construção social.
O patrimônio cultural constitui objeto da administração pública por meio de ações preservacionistas e de tombamento, com o intuito de preservar, através da Lei, bens de valor histórico, arquitetônico, cultural, simbólico e ambiental para a população, impossibilitando que venham a ser destruídas ou tiradas as suas características próprias, visando, assim, preservar referenciais, marcos de uma sociedade e de cada uma de suas dimensões interativas.
Os primeiros processos de patrimonialização brasileiro iniciaram com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ainda na década de 1930. Paralelamente às ações do IPHAN, também se observam ações de inventário patrimonial por meio de pesquisas, como o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros que buscam trabalhar a questão racial nos espaços acadêmicos trazendo discussões, trabalhos de extensão, seminários, cursos de formação que buscam valorizar a cultura negra e promover a educação das relações étnico-raciais (Gomes, 2009). No contexto internacional, é importante sinalizar um dos principais documentos é a Carta de Burra, elaborada pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) visando à conservação dos locais que possuem valor cultural (Morais, Sena Júnior & Ferreira, 2014).
Refletir a questão do Patrimônio Cultural Material para fins de inventário sugere, então, considerar os componentes históricos e etnológicos da formação de determinado grupo (Almeida, 2006; Gomes, 2006; Linhares, 1999; Souza Filho, 2008).
É, neste sentido, que as comunidades quilombolas são exemplo de luta por seu reconhecimento, principalmente se considerar que o registro e propriedade de terras, locais de valor histórico, estão condicionados à identidade afrodescendente (Nogueira, 2008; Silva & Midlej, 2012). Identidades estas que foram construídas em disputas e negociação de sentidos e que continuam sendo marcas do seu processo e afirmação enquanto identidade negra, dotada de relações territoriais especifica (Zubaran, 2012). Pensar em quilombos, de acordo com Silva & Midlej (2012) é pensar em grupos sociais cuja identidade se constrói em um processo dinâmica que envolve história, território, cultural, identidade e relações de poder.
Diante disso, vale inferir, ainda, que a consciência da nova definição do patrimônio como sendo um lugar de memória já não limitado à ideologia nacionalista de legitimação dos países que despontou determinado campo simbólico de conflitos e disputas, dimensionando, por conseguinte, a ação preservacionista para mais adiante de uma inclusão destes novos patrimônios (Nogueira, 2008).
Para além das ações de tombamento, a administração pública realiza medidas preservacionistas ligadas ao meio educacional, que possibilitou a criação da Lei nº 10.639/2003, a qual modificou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), exigindo a inclusão da história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares em escolas do Brasil. Abre-se possibilidades de preservação por meio da educação, incluindo, neste contexto, a Cultura Quilombola (Sansone, 2011).
De acordo com Gomes (2009, p. 93) “Buscar práticas educativas que permitam aos professores e as crianças conhecerem a cultura negra é, pois, uma forma de promover relações de respeito e valorização da diversidade e da diferença dentro desse espaço de educação”. Neste contexto, “a educação patrimonial traz importante contribuição para fortalecer a interação entre a escola e a comunidade negra, assim como a educação na diversidade e na diferença”. Entende-se a Educação Patrimonial como um instrumento de alfabetização cultural, que possibilita uma leitura do mundo em uma visão macro, ancorada nos processos histórico-temporais em que está inserido. Ademais, reforça a autoestima e valorização social (Horta et. al., 1999).
É importante considerar que, nem sempre, as manifestações da cultura quilombola, foram valorizadas como patrimônio. Por todo período colonial e no Império, chegando a meados do século XX, a matriz cultural europeia predominou, tendo sido a africana, por vezes, até proibida de ser estimulada e exibida. A capoeira, por exemplo, foi uma dessas representações culturais que eram, frequentemente, proibidas de serem realizadas. Em contraponto, algumas manifestações folclóricas foram estimuladas e toleradas, como por exemplo, expressões culturais como o lundu e as congadas.
No entanto, foi a partir de meados do século XX, com a luta dos diversos Movimentos Negros, que esta realidade passou a mudar, com algumas expressões culturais afro-brasileiras passando a ser admiradas e por vezes elevadas à condição de representantes da identidade nacional, atraindo olhares não só de pobres, mas principalmente de uma elite intelectual brasileira.
Assim, por meio da Lei Nº 10.639/2003, os planos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), contemplaram a questão de se estudar a pluralidade cultural, englobando o conhecimento e a valorização com o patrimônio sociocultural do Brasil, bem como a questão da identidade e da memória nacional (Nogueira, 2008).
O supracitado autor infere, ainda, que, o Decreto nº 3.551/2000 coloca como prioridade para o registro de determinados bens culturais de natureza imaterial ou intangível a sua continuidade histórica e relevância nacional para a memória, identidade e formação da sociedade brasileira.
No Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), criado pelo decreto, está o reconhecimento e a valorização do patrimônio a partir da instituição do inventário e do registro. A meta é contribuir para preservação da diversidade étnica e cultural do país e para a disseminação de informações sobre o patrimônio cultural brasileiro a todos os segmentos da sociedade (Nogueira, 2008). É importante pontuar que o inventário, mencionado acima, ainda não foi realizado na Comunidade Quilombola Negros do Riacho, fato que deveria ser levado em consideração para a efetivação de ações voltadas a esta questão.
Deve-se destacar também a dimensão territorial do Brasil que apresenta pluriculturalidade e busca-se, com isso, reconhecer a diversidade cultural dos povos e suas maneiras de expressar. Reconhecer a diversidade não significa que uma seja superior à outra, mas, sim, que há características regionais que fazem com que a cultura seja tão rica e variada, e possa ser um recurso para o desenvolvimento (Grunberg, 2007; Silva & Midlej, 2012; Morais, Sena Júnior & Ferreira, 2014).
Neste sentido, a Educação Patrimonial tem papel central na construção desta nova sensibilidade, sendo o Patrimônio Cultural considerado como uma fonte e matéria-prima para a aprendizagem, seja de crianças seja de adultos, atingindo diferentes grupos sociais através das ações educativas, proporcionando, porquanto, um contato mais próximo com o patrimônio em sua dimensão quer seja ela tangível ou intangível. A experiência com esses documentos possibilita, pois, que todos os envolvidos neste processo adquiram experiências, conhecimentos, valorização e o sentimento de apropriação deste legado cultural (Nogueira, 2008).

3. MEMÓRIA COLETIVA E IDENTIDADE EM COMUNIDADES QUILOMBOLAS

No senso comum, a memória é significada como um acontecimento singular, peculiar de cada pessoa. Contudo, o sociólogo francês Maurice Halbwachs, entre as décadas de 1920 e de 1930, já enfatizava que a memória necessitava ser compreendida como um acontecimento coletivo e social, sendo estabelecido pela coletividade e submetido a transformações constantes (Halbwachs apud Pollak, 1992).
Ainda segundo o autor supracitado, na maioria das memórias existe, pois, marcos que não variam, são quase que imutáveis. Tais afirmações foram possíveis ao realizar entrevistas de história de vida, por exemplo, onde notou que no desenrolar de uma entrevista muito extensa, existe alguma coisa que não varia. Em outras palavras, é como se em determinada história de uma pessoa, ocorressem fatos iguais levando em consideração memórias construídas de forma coletiva, existindo, por conseguinte, elementos irredutíveis, em que o trabalho de solidificação da memória não possibilitou que houvesse mudanças (Pollak, 1992).
Para Ibarlucea (2015) a memória social é construída por meio de dispositivos que resultam de um caráter heterogêneo que compõe os discursos, as instituições, as leis, as descobertas científicas, as questões morais, filosóficas, entre outros. Assim, os dispositivos de memória social remetem a condutas que modelam e referem a uma lembrança do passado e são representadas por meio de um conjunto compartilhado
Neste contexto, a identidade cultural consiste em uma relação viva a partir de relações e inter-relações de um patrimônio simbólico que foi historicamente partilhado, e, portanto, passa a ser compartilhado por diferentes indivíduos de uma determinada sociedade. Assim, uma identidade marcada por diversas representações sinaliza uma série de situações que podem incluir diversos elementos, como por exemplo, da fala até uma participação em determinadas situações (Sousa, 2014; Ibarlucea, 2015).
Diante disso, considera-se a constituição de um patrimônio cultural caracteriza-se por um campo em que a existência de conflitos estará na quase totalidade dos casos presentes, principalmente no concernem às possibilidades de construção da memória de uma coletividade por representar uma luta e construção de identidade que vão contra a ideologia dominante que resguarda a homogeneidade. Desse modo, a preferência por bens culturais mesmo quando preocupados em representar seja a identidade nacional, ou signifique a representação dos diversos grupos/etnias que compõem uma determinada sociedade, isso será sem dúvida, uma intervenção política (Nogueira, 2008).
Destaca-se, ainda, que, por bastante tempo, o pensamento sobre uma identidade cultural não foi devidamente problematizado no contexto das ciências humanas. Além disso, com a ampliação das sociedades modernas, consequentemente, vários teóricos apresentaram perturbação ao que concerne ao perigo que o progresso das mudanças tecnológicas, políticas e econômicas poderiam ofertar a grupos sociais específicos. Nesse prisma, determinados grupos defendiam a preservação de práticas e tradições específicas que iam a favor de seus ideais (Sousa, 2014).
No contexto de identidade cultural de um povo, ressalta-se, ainda, que, o contexto sobre a territorialização quilombola é constituinte de lutas para uma tentativa de continuar a existir, considerando a reinvenção duma identidade política composta por direitos existentes em uma memória ancestral. Assim sendo, as memórias contêm importância basal ao que concerne às comunidades com forte tradição oral e que descobre na reinvenção de suas identidades uma chance de recriar sua história (Sousa, 2014), revestida de dispositivos de memórias (Ibarlucea, 2015).
A invenção de identidades político-culturais é, pois, recorrente, ao ponto que grupos específicos se colocam em constante oscilação para uma tentativa de reivindicar o que lhe é fundamental. É necessário, pois, compreender a constituição desta identidade considerando às lutas pela conservação e restauração de um espaço simbólico e ao mesmo tempo material, considerando, porquanto, o processo de territorialização baseado nos conflitos das relações estabelecidas (Silva, 2012)
Além disso, pode-se afirmar que é para além de uma identidade negra atrelada ao sujeito ou a uma cultura estática, que é necessário que haja o registro de determinado patrimônio histórico a ser divulgado e aberto a uma visitação ao público. Outrossim, esta noção de coletividade deve ser abrangida como algo que transporta reconhecimento de direitos de igualdade a todos os cidadãos, simbolizando, ainda, uma busca por promover cotidianos melhores, galgados no respeito e na dignidade humana (Leite, 2000).
No caso dos moradores da Comunidade Quilombola Negros do Riacho, os dissensos familiares assumiram um vocabulário étnico que dividiram os negros e os misturados - descendentes de negros e caboclos. Para os sujeitos miscigenados havia a possibilidade de revelar uma ou outra identificação étnica. Sempre que se coloca em questão a posse da terra, ressalta-se a herança deixada pelos negros velhos. No entanto, a marca negra que revela o direito de uso e posse do território expressa, igualmente, uma herança de escravos, elemento que deve ser esquecido ou ultrapassado, pois agrega estereótipos diversos, tem no seu íntimo um apelo pejorativo. Por fim, pode-se inferir que, um passado em cujos destroços não possibilitou construir uma história prestigiosa, digna de ser lembrada e recontada entre gerações (Silva, 2009). Esta questão também é suscitada por Silva e Midlej (2012) em pesquisa realizada no Maranhão, em que revelam que a denominação a agrupamentos quilombolas seria de terra de preto.
Tais estereótipos relembram o que foi mencionado anteriormente, remetendo à comunidade a uma imagem marginalizada por meio de estereótipos considerando a posição da sociedade em que está inserida que a encaram como um local constituído de pessoas pobres e que vivem de doações.
Contudo, tal imagem que alguns ainda possuem da comunidade, é diminuída considerando a ação que alguns professores realizam na comunidade – estudiosos e coordenadores de projetos – que, encantados pelos modos de vida e os materiais que produzem como a louça de barro, o divulgam por onde quer que estejam. Contribui-se, assim, para consolidação e afirmação de uma identidade e abertura a novas visitações e que os Negros do Riacho têm a oferecer.

4. DESENHO METODOLÓGICO

O presente trabalho buscou, através da visão dos quilombolas do Riacho, investigar sobre a questão do apreender os sentidos do patrimônio, os quais devem ser acessados pelos próprios sujeitos. Em consenso com autores de estudos metodológicos (Strauss, 2008; Severino, 2007) este artigo se caracteriza como exploratório e em relação ao tratamento do objeto, nomeia-se qualitativo. Para tanto, realizou-se coleta do tipo bibliográfica, documental e de campo através de entrevistas, com diversos representantes sobre a temática durante o ano de 2018.
Ainda como opção metodológica, realizou um storytelling sobre a comunidade quilombola e produção das louças de barro. Entende-se que um contexto de profunda transformação social, busca-se um novo significado, proporcionado pela independência e autenticidade dos lugares, oferecendo um valor emocional antes de uma resposta racional. É inserido nessa capacidade de contar e recontar essas experiências de forma impactante que se resume a função do storytelling.
Fog, Budtz e Yakaboylu (2005) afirmam que o uso mais efetivo do storytelling é quando há adoção de uma abordagem holística englobando tanto aspectos internos como externos. Os autores utilizam a metáfora da árvore para representar diferentes formas de atuação da história no processo de decisão de compra, onde em cada galho simbolizam uma determinada percepção sobre a localidade e que por sua vez criará uma história. Como base da árvore, encontra-se o core story que representa o centro da história, o seu propósito principal, ligado a seus valores. Ainda de acordo com os autores, o desenvolvimento da core story deve ser contada de dentro para fora, em um contexto em que as pessoas que contam devem ter claro de que maneira fazem diferença na vida das outras pessoas, apesar de existir influencias externa.
Para compor a core story, Fog, Budtz e Yakaboylu (2005) apresentam um conjunto de etapas, que foram seguidos como opção metodológica desta pesquisa. O primeiro passo é denominado pelos autores como atestado de óbito, buscando identificar o que aconteceria se a localidade morresse. A segunda etapa abrange levantamento de dados tanto internos quanto externos para entender a imagem percebida da localidade. Para fins de coleta de dados desta pesquisa, foi realizada entrevistas com a comunidade local para entender a imagem interna e observação não participante para contexto externo. A terceira etapa, de acordo com os autores, remete a análise e interpretação desse material que por fim será feita a formulação efetiva do core story. Esta ultima etapa se baseia nos quatro elementos fundamentais que configura toda história: mensagem, conflito, personagem e enredo (figura 01).
Segundo Fog, Budtz e Yakaboylu (2005) a mensagem é a afirmação ideológica que funciona como um tema central da história, e, portanto, não deve ser confundida com um slogan. O conflito é a força motriz que dirige uma boa história. Quanto aos personagens, tem que existir um envolvimento com a história. Por fim, chega-se ao enredo que é a forma como a história deve progredir, o fluir da história.
Para tanto, é importante considerar que como escolha metodológica o trabalho discute a possibilidade das louças de barro como patrimônio e, portanto, utiliza o método do Storytelling dando ênfase ao core story, justamente por entender que o patrimônio deve ser entendido em um contexto mais amplo, que interage com o público e não meramente estático. Ademais, assim como outros métodos, não há uma formula fixa, uma vez que o storytelling é um processo cíclico e holístico que deve estar presente na cultura social. Com base no exposto, a seguir apresenta os principais resultados da pesquisa.

5. COMUNIDADE QUILOMBOLA NEGROS DO RIACHO/RN E A RELAÇÃO COM O PATRIMÔNIO IMATERIAL

A Comunidade Quilombola Negros do Riacho, está localizada no estado do Rio Grande do Norte, no município de Currais Novos/RN, região Nordeste do Brasil. Possui 3,6 hectares onde vivem cerca de 150 pessoas, cuja atividade econômica é centrada na pequena agricultura de subsistência e na produção de louça de barro. Existe a posse Legal da Terra, com registro no INCRA, permitindo que os mesmos permaneçam neste ambiente desenvolvendo suas atividades e trabalhos cotidianos, promovendo seu sustento e o conhecimento de preservação, conservação e ensino voltado ao Patrimônio imaterial através do Projeto “Mãos no barro” – o qual procura repassar para jovens e crianças o como fazer os utensílios de barro que são expostos e comercializados na Comunidade e possibilitam valorizar a cultura e identidade locais.
Afirma-se, desta forma, que identidade não é apenas aquilo que supostamente exigimos que o outro exiba e sim um sentimento de pertença e um sentido comum de origem histórica e cultural, fato identificado nos Negros do Riacho com grande veemência, ao ponto que seus moradores se orgulham de fazer parte da Comunidade e de se identificarem como produtores de panelas de barro. Assim, a panela imensa, encravada no meio do mato acinzentado, nas margens do asfalto, via de acesso ao Riacho por uma estrada de pedra e barro, monumentaliza um saber antigo e se torna um lugar de memória, convidando a todos a conhecerem seu modo de vida e produção.
Em acordo entre a União, o Estado e o Município, foi realizado em 2005, o Projeto Dignidade, de responsabilidade do Governo do Estado do Rio Grande do Norte com a intenção de promover a cidadania e diminuir as dificuldades sociais vivenciadas pelos moradores da Comunidade Negros do Riacho e conduzir atividades voltadas para as ações afirmativas do estado. A partir de tal Projeto, foram desenvolvidas ações como, por exemplo, o acesso à documentação civil básica, habitação, serviços relacionados com a infraestrutura, com o esporte, com a saúde, com a educação e com o lazer.
Neste projeto também foi instituído um espaço para produção coletiva da louça e exposição dos produtos que, após a execução do projeto, funcionou por pouco tempo. Tendo em vista que a cerâmica continuou a ser produzida esporadicamente, feita por encomenda e nas casas familiares, conforme dados da pesquisa.
Dentre as ações do projeto que se mostraram inabaláveis foram o acesso a água, a edificação de 16 casas em substituição às moradias em taipa. As outras, de tão efêmeras, não conseguiram produzir resultados duradouros.
Um exemplo claro dessa efemeridade foi o pouco ou nenhum sucesso alcançado pelas tentativas de tornar a louça um produto decorativo adequado às demandas do mercado, acrescentando a cerâmica um valor étnico e melhorando a técnica/estética na sua confecção com o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).
Tais ações foram, por conseguinte, negadas tendo em vista que os moradores do Riacho se negaram a reaprender um ofício conhecido desde a infância e ensinado pelos mais velhos, um saber impregnado na história individual e familiar das louceiras (Silva, 2009) que foi construído por meio de dispositivos de memórias (Ibaluarte, 2015).
Um dos motivos para sua não aceitação, conforme dados das entrevistas, é o fato de que as louceiras consideram a técnica muito sofisticada remetendo ao uso de maquinários, o que descaracteriza a forma artesanal de elaboração das peças de barro, ao ponto que não existiria diferencial diante de outras peças produzidas por outros artesãos. As técnicas lhe eram sofisticadas porque nada diziam sobre a forma como aprenderam. A tecnologia, desta forma, através do advento de maquinários para a produção do artesanato, viria como algo que descaracterizaria a produção artesanal da Comunidade.

As louceiras afirmam que algumas medidas têm sido tomadas para a preservação da identidade dentro da comunidade, por meio de oficinas dentro das escolas, repassando o aprendizado da técnica de se fazer louças de barro.  Tais iniciativas estão arraigadas no seu processo histórico onde a confecção da louça antigamente unificava as gerações de uma mesma família, a parentela mais próxima e mesmo não reunindo todos os membros da comunidade, garantiam que os filhos auxiliavam suas mães nas atividades, e assim por diante.
É importante sinalizar, ainda, que em meados dos anos de 1980, conforme dados da pesquisa, havia sete fornos para a queima das peças, construídos junto aos núcleos familiares (Silva, 2010). A comercialização da louça ocorria de forma ambulante em toda a região (com trajeto feito em animais) ou nas feiras da cidade. Além disso, era elevado o número do consumo e de produção das peças de barro (potes), promovendo, por conseguinte, o sustento de muitas famílias, as quais não precisavam pagar pela matéria prima.
A atividade é caracterizada por uma figura feminina, por questões históricas, práticas e simbólicas, entretanto, os homens também foram incluídos na arte de trabalhar com o barro ao longo do tempo, uma vez que os afazeres masculinos estavam direcionados a atividades que exigiam maior esforço, como a lida com o carvão e o trabalho em comunidades circunvizinhas (Silva, 2010).
Atualmente, em 2018, a produção é feita por sete artesãos, sendo cinco mulheres e dois homens, e, portanto, tal configuração mudou, havendo encontros para a fabricação destes nas casas dos próprios louceiros. E existem somente dois fornos na localidade, refletindo o baixo número na produção de louças de barro na Comunidade. Utiliza-se a técnica ensinada pelos antepassados, refutando-se a ideia de modernização proposta em projeto, por entender que são esses elementos que o caracterizam como singulares.
Tal persistência está relacionada com a esperança de que tal conhecimento seja repassado aos mais novos, tal como ocorre por meio das oficinas, e que estes possam dar continuidade a esta tradição na Comunidade. Além das oficinas nas escolas, há momentos de confecção de louças de barro por meio das ações do Projeto “Mãos no barro”, como forma de repassar o “saber fazer” para as gerações atuais. Tais medidas são realizadas de forma quinzenal e este saber engloba, todo o processo, desde o conhecimento sobre o solo de onde é retirada a matéria prima, perpassando pelo manuseio na forma de sentir, pegar e modelar o barro, até o seu resultado final: a louça de barro. Este modo de fazer e produzir tem um significado interno para seus moradores e considerado como uma terapia para outros que o visitam e participam das oficinas.
A cerâmica é, portanto, um saber artesanal que passa de geração em geração, uma prática cultural, elemento de identidade e pertença. Ainda que produzida em pequena quantidade, a arte de fazer a louça demanda tempo onde cada louceiro imprime as peças sua marca e estilo, há diferenças entre as formas de fazer, cada um tem seu treino, marcado no movimento das mãos e do corpo (Silva, 2010).
De acordo com dados, contemporaneamente, os tamanhos dos objetos feitos de barro foram desenvolvidos em formas de miniaturas, como maneira de possibilitar uma maior produção e comercialização de tais produtos a quem visitar a Comunidade ou fizer encomendas para servir de lembranças da localidade. Também são produzidos com o barro panelas pequenas, outras médias, alguns pratos, vasos e enfeites. Esta miniaturização da arte foi denominada por Graburn (1976) de arte no 4ª mundo que o torna mais dinâmica e possibilita novos usos.
Entende-se, através da visão dos atores da pesquisa - moradores da comunidade, professores, louceiros, representante da associação e estudiosos que pesquisaram ou pesquisam sobre a comunidade – que, na atualidade, a produção de louça de barro ainda pode ser considerada como a identidade principal da Comunidade Negros do Riacho, mesmo que tenha havido uma diminuição da produção da mesma, comercializando-as, por conseguinte, na própria localidade, nas feiras livres realizadas na cidade de Currais Novos, por encomenda ou em momentos festivos do local.
O Patrimônio Cultural Material e Imaterial da Comunidade Negros do Riacho contempla artesãs que trabalham de forma pontual na produção de utensílios de barro (potes, panelas, jarros e miniaturas para momentos festivos) e máscaras africanas, além de casas de barro que mantém sua originalidade e de possuírem a documentação de suas terras enquanto remanescentes de quilombolas.
A realidade da comunidade reflete que, no contato de pais, avós, netos e filhos, a tradição oral e de confecção da louça de barro tenta ser repassada como algo marcante na cultura da comunidade em questão. Contudo, a produção é pequena, feita por encomenda, poucos têm interesse em aprender as formas de como produzir a louça com o barro e, embora seja comercializada em momentos de feiras e nas casas das loiceiras em dias de visitação, ainda há muito que ser desenvolvido para sensibilizar aos novos a aprender e praticar com os experientes.

6. ANÁLISE DA COMUNIDADE NEGROS DO RIACHO E A PRODUÇÃO DA LOUÇA DE BARRO: CORE STORY

De acordo com a metodologia de Fog, Budtz e Yakaboylu (2005) para definir a core story, primeiramente deve-se investigar o que compõe o atestado de óbito da produção da louça de barro da comunidade quilombola Negros do Riacho/RN, isto é, os aspectos que seriam notados se a produção de louça de barro deixasse de existir. Entende-se que a produção da louça de barro remete a um processo histórico de formação desses quilombos que unem família a seus valores morais e étnicos possibilitando a conservação e valorização social. Em tempos áureos representou a principal atividade econômica da localidade, mas que ainda é considerada como uma das principais atividades da comunidade representando o saber fazer. Caso deixasse de fabricar deve-se considerar que algumas das 150 famílias que produzem, deixariam de ter uma renda familiar e este potencial mercadológico que se transformou a partir da miniaturização ficaria a deriva. Ademais, deve-se considerar que o saber fazer de uma comunidade estaria minando os riscos de existir como tal.
Já o governo teria grandes custos em apoiar e desenvolver outras medidas econômicas para a localidade, angariando projetos sociais para garantir a sobrevivência da comunidade. Alguns problemas sociais poderiam ser atingidos a partir da ociosidade das pessoas e da mão de obra, possibilitando a abertura a mercados negros e acesso a dinheiro fácil. Deixaria de lado o potencial turístico que a produção de louça de barro a partir da sua identidade proporciona a região e refletiria uma imagem negativa concentrada no tráfico de drogas e a violência.
Seguindo na metodologia proposta, os próximos passos são complementares que tratam sobre o levantamento do máximo de informações e o seu devido tratamento. O objetivo desta etapa está em entender o que a produção da louça de barro da comunidade representa enquanto história e o que as pessoas percebem. Dentro deste processo, verifica-se que há uma forte preocupação de alguns setores da sociedade, a saber: setores públicos (governo do estado, governo municipal – escolas) e terceiro setor (Sebrae) em ações de investimento por entender a relevância da produção para a sociedade em um contexto mais amplo. Em um cenário micro, analisa as ações dos próprios moradores que criou as oficinas como forma de repassar este aprendizado e garantir sua identidade.
Adiante com a proposta de Fog, Budtz e Yakaboylu (2005) está o momento de formulação da core story da localidade. Para tanto, coloca-se em evidência os quatro elementos essenciais do storytelling: a mensagem, o conflito, os personagens e o enredo.
No caso da produção da louça de barro pela comunidade quilombola Negros do Riacho/RN, a mensagem está focada em repassar a tradição e o saber fazer de pessoas simples em contexto de luta e identidade social que são apaixonadas pela produção de louças de barro. Ela simboliza a cultura e os valores, inclusive, imateriais dos quilombolas que, mesmo diante de inúmeras dificuldades, sentem orgulho de sua arte.
O conflito da core story constrói em posicionar-se como uma produção que não pertence a uma única pessoa, mas um conjunto que hoje representa algumas das 150 famílias que habitam este território. Tal conflito representa a luta por uma identidade baseado em questões históricas, mas nem todas possuem o mesmo interesse em produzir as louças de barro, baseada em uma mão de obra mais feminina e mudança de hábitos sociais que deixam de consumir o produto em grande escala como era antigamente. Com isso, a comunidade tem se dedicado a outras atividades por não entender a sua relevância.
Para repassar a mensagem e lutar dentro do conflito, criou-se a personagem Maria que por ser moradora mais antiga e dominar todas as técnicas que aprendeu com seus antepassados, configurou-se como uma personagem que identifica esta produção. A representação transmite a vontade de pertencer a algo maior que faz parte de uma comunidade e seu conjunto de saberes e identidades.
Quanto ao enredo, percebe-se uma linha de evolução que é muito mais ampla do que a produção da louça de barro, mas que está inserida em um contexto social onde pode ser delimitado dois principais momentos: 1) a inserção da luta dos diversos Movimentos Negros, em meados do Século XX, e 2) a Lei nº 10.639 promulgada em 2003 que contempla a questão de se estudar a pluralidade cultural e com isso houve uma valorização do modo de vida de diversas culturas, dentre elas a quilombola. O foco, naquele momento, era criar a consciência de outros matizes culturais para além da europeia que hoje emanam na participação das oficinas, no saber fazer e na miniaturização desta arte.
Contemporaneamente, a partir da discussão destes elementos, há uma identidade e valorização de culturas diferentes e da produção de louça de barro na comunidade quilombola Negros do Riacho.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relevância histórica da comunidade remete para o fato de que utilizam para fabricar seus produtos/utensílios de barro, comercializando em feiras e a visitantes para a localidade, possibilitando uma alternativa econômica para sustento e como forma de colocar em prática o que aprenderam com seus ancestrais. Além disso, remete para a categoria de resistência que demarca, em grande medida, os sentidos da permanência e da unidade social e para o sentimento de pertença e a produção de uma identidade étnica singular.
A maneira como a comunidade se apropria do lugar e do seu território enquanto ancestralidade é afetada na resiginificação e memória do lugar, formando o valor patrimonial. Embora se observe ações para transformação dentro de um contexto social mais amplo, observou-se um enraizamento e respeito as questões históricas, conservando traços que o fazem singular.
O storytelling descrito neste trabalho elevou a discussão da comunidade caso sua produção deixasse de existir, baseada em dados internos e externos e a formulação de um core story, evidenciando elementos da mensagem, do conflito, do personagem e do enredo. Com isso, entende-se que a produção da louça de barro deve ser um elemento que cada vez mais possa ser valorizado por considerar os valores culturais, históricos, sociais e artísticos pensando, ainda, em agregar valor a todos os trabalhos manuais considerados Patrimônio Cultural, possibilitando que seja iniciado um processo de inventário para um possível tombamento. Sendo, porquanto, a louça de barro produzida, a maior representatividade do Patrimônio Material (cada peça) e Imaterial (modo de fazer) da Comunidade Quilombola Negros do Riacho.
Constitui como limitação deste estudo explorar a discussão e reflexos da educação formal, a partir do momento que insere a discussão da cultura africana nos parâmetros curriculares, buscando correlacionar com as problemáticas que são inerentes a busca de identidade da cultura Quilombola e como este processo possibilitou novos olhares/horizontes. Ademais, explorar a formulação de uma marca baseada no storytelling da produção da louça de barro na comunidade quilombola Negros do Riacho.
Longe da pretensão de encerrar o debate, mas de possibilitar novas reflexões, espera-se, que as constatações deste trabalho, bem como suas limitações possam servir de inspirações para novas perspectivas dos estudos que envolvam turismo, patrimônio cultural e comunidade quilombolas. O trabalho além de científico deve buscar discutir e promover um bem-estar social.

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1 Doutoranda em Turismo Pelo Programa de Pós Graduação em Turismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Docente na Universidade Federal do Maranhão - UFMA - Campus de São Bernardo. Mestre em Turismo (UFRN). É lider do Grupo de Pesquisa em Planejamento e Gestão do Turismo (GPPGTUR). coutinho.catarina1@gmail.com
2 Doutoranda em Turismo - PPGTUR/UFRN. Graduada em Letras Espanhol - IFRN. Mestre em Turismo - PPGTUR/UFRN. Bacharel em Turismo - UFRN. Licenciada em Filosofia - ISEP. Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana -UFRN. Especialista em Gestão Pública Municipal - UFPB. Especialista em Política de Promoção da Igualdade Racial (UNIAFRO) - UFERSA. Técnico em Guia de Turismo Regional – IFRN. mayaraferreiradefarias@gmail.com
3 Doutorado em Administração de Empresas pela Universidade de Barcelona. Mestrado em Comunicação e Estratégia Política pela Universidade Autônoma de Barcelona. Atualmente é professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Membro permanente do programa de Pós-Graduação em Turismo Stricto Sensu (PPGTUR/UFRN), membro pesquisadora do Grupo de Estudos em Gestão do Turismo (GESTUR)/CNPq e do Programa de Propaganda e Marketing na Gestão de Marcas pelo Departamento de Publicidade da UFRN. lissaferreira.iadb@yahoo.es


Recibido: Enero 2019 Aceptado: Junio 2019 Publicado: 17 de junio 2019



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