Rodrigo Burkowski*
Sérgio Roberto Pinto**
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil
rodrigo@ufop.edu.br
Resumo
O São João é uma manifestação cultural do Estado do Maranhão, nordeste brasileiro. Apesar de existir algumas formas de compreender o significado cultural da manifestação, existem limitações na mensuração dos valores sistêmicos dessa experiência. Apoiado no conceito de serviços ecossistêmicos ambientais (SE) busca-se analisar o serviço ecossistêmico cultural (SEC). Propõe-se uma adaptação na técnica de valoração denominada método custo da viagem, para analisar o valor econômico de uma manifestação cultural. A proposta metodológica inova ao superar um limitador do método tradicional, pois isola a variável que motiva a viagem. O presente estudo utilizou como fonte primária, uma pesquisa realizado pelo Observatório de Turismo do Maranhão (OTM) e os dados de transporte fornecidos pela INFRAERO. Foram aplicados e validados 272 questionários, o que representa um erro amostral de 6% e confiança de 95%. Os dados obtidos, apontam para um valor de R$ 11.868.600,71. Este dado vai de encontro aos valores de impacto financeiro divulgados pelos gestores públicos, o que suscita novos questionamentos, principalmente em relação aos recursos públicos investidos.
Palavras-chave: São João; Transporte aéreo; Método Custo de Viagem; Serviços Ecossistêmicos; Cultura.
São João do Maranhão: Methodological proposal to measure ecosystem value
Abstract
The São João is a cultural manifestation of the State of Maranhão, northeastern Brazil. Although there are some ways of understanding the cultural significance of manifestation, there are limitations in measuring the values of that experience. Based on the concept of environmental ecosystem services (ES), we seek to analyze the ecosystem cultural service (ECS). It is proposed an adaptation in the valuation technique called cost of travel method, to analyze the economic value of a cultural manifestation. The methodological proposal innovates by overcoming a limiter of the traditional method, since it isolates the variable that motivates the trip. The present study used as a primary source a research carried out by the Tourism Observatory of Maranhão (OTM) and the transport data provided by INFRAERO. 272 questionnaires were applied and validated, representing a sampling error of 6% and 95% confidence. The data obtained, point to a value of R $ 11,868,600.71. This figure is in line with the financial impact figures disclosed by public managers, which raises new questions, especially in relation to public funds invested.
Keywords: Sao Joao; Air Transport; Travel Cost Method; Ecosystem Services; Culture
São João do Maranhão: Propuesta metodológica para medir valor ecosistémico
Resumen
El San Juan es una manifestación cultural del Estado de Maranhão, nordeste brasileño. A pesar de existir algunas formas de comprender el significado cultural de la manifestación, existen limitaciones en la medición de los valores sistémicos de esa experiencia. Apoyado en el concepto de servicios ecosistémicos ambientales (SE) se busca analizar el servicio ecosistémico cultural (SEC). Se propone una adaptación en la técnica de valoración denominada método costo del viaje, para analizar el valor económico de una manifestación cultural. La propuesta metodológica innova al superar un limitador del método tradicional, pues aísla la variable que motiva el viaje. El presente estudio utilizó como fuente primaria, una investigación realizada por el Observatorio de Turismo de Maranhão (OTM) y los datos de transporte proporcionados por INFRAERO. Se aplicaron y validaron 272 cuestionarios, lo que representa un error muestral del 6% y una confianza del 95%. Los datos obtenidos, apuntan a un valor de R $ 11.868.600,71. Este dato va en contra de los valores de impacto financiero divulgados por los gestores públicos, lo que suscita nuevos cuestionamientos, principalmente en relación a los recursos públicos invertidos.
Palabras clave: San Juan; Transporte aereo; Método Costo de Viaje; Servicios Ecosistémicos; Cultura.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Rodrigo Burkowski y Sérgio Roberto Pinto (2018): “São João do Maranhão: Proposta metodológica para mensurar valor ecossistêmico”, Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n. 25 (diciembre / dezembro 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/turydes/25/sao-joao.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/turydes25sao-joao
1.Introdução
O São João do Maranhão, um dos mais conhecidos Bumba meu Boi do Brasil, é uma manifestação cultural do Estado do Maranhão, nordeste brasileiro. Para o turista, o valor da experiência é uma das principais motivações para a viagem. A vertente cultural do fenômeno impulsiona cada vez mais novos fluxos. Apesar de existir algumas formas de compreender o significado cultural da manifestação, existem limitações na mensuração dos valores sistêmicos dessa experiência (ARMBRECHT,2014). Nessa linha, apoiado no conceito de serviços ecossistêmicos ambientais (SE) busca-se analisar um serviço ecossistêmico cultural (SEC). Os SE são os bens ou serviços que o homem obtém direta ou indiretamente do ecossistema, sendo a variável cultural um destes serviços (MEA, 2005; TEEB, 2010). Este artigo visa contribuir para a valorização da variável cultural nos estudos sobre SE, corroborando com a tese defendida por pesquisadores sobre a validade de um Serviço Ecossistêmico Cultural (DANIEL et. al, 2012). Propõe-se, por meio de uma adaptação no método custo da viagem, mensurar o valor econômico do São João do Maranhão. Essa técnica de valoração foi desenvolvida, inicialmente, para a mensuração do valor recreacional de áreas verdes com potencial turístico (ARMBRECHT,2014; Choi, 2009; Throsby, 2003). Para Sinclair e Stable (2009) poucos estudos utilizando o método de custo de viagem foram feitos para avaliar recursos urbanos, principalmente por conta da dificuldade de identificar separadamente os benefícios gerados pelo recurso específico e os inúmeros motivos de visita.
O estudo utilizou como fonte primária, uma pesquisa qualitativa realizada pelo Observatório de Turismo do Maranhão (OTM) e os dados de transporte fornecidos pela INFRAERO. Adotou-se soluções conservadoras para minimizar a probabilidade de supervalorização dos serviços ecossistêmicos culturais. O Mintur(2017) afirma que os arraiais de São Luis movimentaram em 2016 mais de 200.000 pessoas e R$ 53.000.000,00. Esses números incluem os moradores e as atividades realizadas durante o ano todo, como os ensaios. O universo considerado nessa pesquisa foram somente os turistas de fora do Estado do Maranhão. Por sua localização geográfica (distante mais de 2.000km dos principais polos emissores), optou-se por analisar somente aqueles que desembarcaram no Aeroporto internacional de São Luis no período do festejo. De acordo com a INFRAERO (2018) foram 26.518, 23.201 e 22.776 desembarques para os anos de 2015,2016 e 2017 respectivamente. O desembarque considerado foi no período de 13/06 a 23/06. A modificação proposta no método custo de viagem foi considerar no universo de visitantes, não o total de desembarques, mas sim o excedente da demanda média. Essa modificação se justifica pois os destinos turísticos já possuem uma demanda média na baixa e outra na alta temporada. Foram aplicados e validados 272 questionários, o que representa um erro amostral de 6% e confiança de 95%, estimada por Santos (2018).
Os dados obtidos vão de encontro aos valores divulgados pelos gestores públicos, o que suscita novos questionamentos, principalmente em relação aos recursos públicos investidos.
2. Patrimônio e Bumba meu Boi
O São João do Maranhão, um dos mais conhecidos Bumba meu Boi do Brasil, é uma importante manifestação cultural do Estado do Maranhão. Presente em várias regiões, principalmente norte e nordeste, o Bumba meu Boi narra uma história de amor e devoção. Para Albenaz(2010) no Maranhão a cultura popular e dentro dela o bumba meu boi, assumiu uma centralidade simbólica, numa configuração cultural que aglutina outros significados, ao ser acionada para afirmar os conteúdos de identidade local frente à nação, a partir dos anos 1970. O Bumba Meu Boi é, para Cascudo (1962), um retrato das relações sociais e econômicas vivenciadas na região no período colonial pois nessa época o nordeste brasileiro vivia da monocultura e da criação de gado, apoiando-se em um regime de escravidão. O boi representava um valor econômico e sentimental para o dono da fazenda.
O bumba compõe-se de auto e dança com distintos personagens, dentre eles o “amo”, dono da brincadeira e do animal boi (representado por uma figura de madeira leve e tecido bordado chamado couro conduzido por um dançarino). Em linhas gerais, conta a história do roubo deste boi por Pai Francisco para realizar o desejo de sua esposa grávida, desencadeando as ações de sua recaptura. Nos bois maranhenses os brincantes do cordão, que realizam coreografias em volta desses personagens são as índias e índios, caboclos, vaqueiros. No Maranhão ele é feito em homenagem a São João, apresentando-se principalmente em junho, época do verão e das colheitas agrícolas. Tem ainda a peculiaridade de se dividir em distintos sotaques, alguns em extinção como o costa de mão relacionados a diferentes localidades do estado ou mesmo bairros de São Luis-MA. São mais de 400 agremiações-grupos em todo o Estado. Uma característica regional é que independente do sotaque, o boi maranhense usa penas e de plumas que não são comuns nas indumentárias dos grupos existentes em outras partes do país.
De acordo com Albenaz(2012) no final da década de 1990, as festas juninas passaram a ter organização e financiamento centralizados nas instituições governamentais de cultura. São os gestores quem definem a grade de programação e o tipo de atrações dos arraiais, que são distribuídos por toda a cidade, considerando uma classificação dos bairros em periféricos, centrais e de classe média (turistas e classe média se concentram nos arraiais centrais). Essa dinâmica interfere no que é visto, valorização e reconhecido como manifestação cultural.
O São João recebe um volume de recursos estatais, que supera o investimento no carnaval e no natal, outras festas populares localmente significativas. Como parte da cultura maranhense, os governos realizam vultosos investimentos para sua manutenção e fortalecimento. Esses recursos são direcionados por meio de editais públicos ou por meio de lei de incentivo à cultural. Nos últimos três anos foram investidos R$ 23.000.000,00 (PINTO et al. 2018). Para justificar esse montante, além da importância cultural, os gestores o fazem por meio da divulgação dos impactos econômicos, oriundo do turismo, que o evento promove. Para os gestores, o evento movimentou em 2017, R$ 25.000,00.
Para Albenaz(2012) tais ações respondem a um plano de desenvolvimento de turismo cultural que concorre, dentro do país e fora dele, com outros destinos definidos nestes termos, sendo que essas ações intensificam o debate sobre os símbolos culturais que afirmam identidade regional e acentuam a preocupação com as consequências das mudanças para continuidade das manifestações de cultura popular.
Em 2018, o Bumba meu boi do Maranhão foi escolhido para como candidato brasileiro a registro como patrimônio cultural da humanidade.
3. Serviços Ecossistêmicos e Serviços Ecossistêmicos Culturais
Uma contribuição da valoração ambiental esta no fato de criar um valor de referência que sinaliza ao mercado algo tangível, possibilitando, assim, o uso "racional" e sustentável dos recursos ambientais. Inexiste uma classificação universalmente aceita sobre as técnicas de valoração econômica ambiental. Todavia, a valoração de ativos ambientais regionais busca demonstrar o preço que este recurso possui, tornando possível a determinação de políticas que visem conciliar a manutenção e conservação do meio ambiente e com desenvolvimento sustentável (SILVA, 2003, MOTTA, 2006).
Existem quatro organizações que norteiam as pesquisas sobre a temática: Millennium Ecosystem Assessment (MEA), The Economics of Ecosystems and Biodiversity (TEEB), The Common International Classification of Ecosystem Services (CICES), The Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES), sendo que as duas primeiras são as mais conhecidas.
Para Roma et al (2013), o MEA (2005) teve como objetivo reunir as bases científicas para avaliar as consequências de alterações dos ecossistemas e aumentar a conservação e o uso sustentável desses em benefício do bem-estar humano. Dentre as diversas contribuições desse trabalho, para Roma et al (2013), embora as evidências científicas sejam ainda incompletas, são suficientes para indicar que o processo de degradação de 15 dos 24 serviços ecossistêmicos mundiais estudados, atualmente em curso, está aumentando a probabilidade de ocorrerem mudanças abruptas, que afetarão de modo negativo o bem-estar humano.
O segundo estudo intitula-se A economia de ecossistemas e da biodiversidade – The Economics of Ecosystems and Biodiversity, mais conhecido pelo acrônimo inglês TEEB. De acordo com Roma et al (2013) este trabalho foi inspirado no Relatório Stern, que estimou os impactos econômicos esperados ao longo dos próximos cinquenta anos em decorrência das mudanças climáticas, o TEEB teve por objetivo principal estimar os efeitos da perda global de biodiversidade, e assim evidenciar os benefícios econômicos de sua conservação.
No modelo acima e em outros, a cultura é um dos elementos que compõem o SE. Apesar da sua relevância para a manutenção do sistema, tende a ser colocada como um produto do processo. No MEA, por exemplo, a sequência é regulação, provisão, suporte, e cultura. Espera-se avançar no desenvolvimento desse modelo, valorizando a variável cultural.
4. Valor e Métodos de Valoração
Os métodos de valoração econômica ambiental são técnicas específicas para mensurar financeiramente os impactos econômicos e sociais de projetos cujos resultados numéricos vão permitir uma avaliação mais holística (HUFSCHMIDT et al., 1983: MOTTA, 1998; SINCLAIR e STABLE, 2006).
Admite-se que cada método de valoração dos bens ou serviços ambientais apresenta suas limitações na captação dos diferentes tipos de valores do recurso ambiental. Sendo assim, não há como comprovar a eficiência de um em relação a outro, mesmo porque não há como precisar o real valor de um recurso ambiental.
Os métodos de preferência revelada, particularmente o método do custo de viagem, receberam atenção crescente (Alberini & Longo, 2006; Bedate, Herrero, & Sanz, 2004; Pinto et al. 2018)
4.1 Método custo de Viagem
O método do custo de viagem (MCV) estima a demanda por uma área Y com base nos custos incorridos pelos usuários de Y para acessar Y (MOTTA, 2006). Pressupõe que os custos de viagem representam, portanto, os preços máximos que os visitantes estariam dispostos a pagar para acessar um sítio (Motta, 2002; Fleming & Cook, 2008). Portanto, o MCV usa o custo de viajar como proxy para inferir os benefícios fornecidos por um recurso (Driml, 2002). Hanley e Spash (1993) afirmam que o MCV pode reivindicar ser a mais antiga técnica de valoração de bens não transacionados em mercado, remontando suas origens a 1949. Além de ser uma das mais antigas metodologias de valoração econômica, o MCV vem sendo muito utilizado para a valoração de patrimônios naturais de visitação pública (Motta, 1998; Alberini & Longo, 2006; Fleming & Cook, 2008; Ruijgrok, 2006). O valor do recurso ambiental é determinado pelos gastos dos visitantes para se deslocar ao patrimônio, incluindo transporte, tempo de viagem, taxa de entrada e outros gastos complementares (Fonseca, Lima e Rezende, 2015). Maia (2008) inclui o custo de oportunidade nessa análise, mas essa inclusão não é obrigatória (SINCLAIR e STABLE, 2009).
O método baseia-se no pressuposto de que o preço pago para acessar um destino aumenta com o aumento da distância (Hotelling, 1949). Para Ambrecht (2014) um conceito-chave no MCV é a taxa de visitação, refletindo o número de visitas em relação à população. Estudos apontam que a distância e os custos de viagem influenciam diretamente a taxa de visitação (Mintur, 2008). O método constitui um método indireto denominado Clawson e Knetsch (SINCLAIR e STABLE, 2009) e mede o excedente do consumidor individual (Motta, 2006). Tal como os métodos de preferência declarada, os métodos de preferencia revelada foram desenvolvidos na economia ambiental.
Existem dois tipos de modelos de custo de viagem: o método individual (MCVI) e o custo de deslocamento zonal (MCVZ). Sinclair e Stable (2006) incluem também o hedônico. O primeiro método usa o número de visitas por ano como variável dependente. O segundo método usa o número de viagens para um local, em relação à população da zona particular, como a variável dependente. O MCVI é aplicável a sites locais frequentemente visitados, enquanto o método zonal é apropriado para sites visitados com pouca frequência (Fleming & Cook, 2008). Para aplicar o MCVZ com sucesso, os custos de viagem de zonas mais distantes do destino devem ser maiores, o que resulta em menores taxas de visitação (Dharmaratne & Brathwaite, 1998). Para o objeto de estudo escolhido, o festejo é geograficamente e temporalmente limitado. Sendo assim, os visitantes só podem usufruir dele uma vez por ano. Consequentemente, a demanda por experiências é naturalmente referenciada, apoiando o uso de MVCZ neste estudo.
Um problema ao aplicar o MCV é que uma viagem pode ser motivada por vários atrativos. A dificuldade está em determinar qual parte do custo deve ser atribuída a um atrativo específico. De acordo com Bedate et al. (2004), este problema pode ser resolvido usando o custo da viagem da parada antes do local em questão (Smith, 1971); atribuir uma parte do custo total a cada um dos destinos e calcular uma função de demanda para cada um (Haspel & Johnson, 1982); distribuir os custos de acordo com o tempo que cada visitante gasta em cada um dos sites; ou redefinir o site da visita como o conjunto de sites na visita polivalente (Mendelsohn, Hof, Peterson, & Johnson, 1992). No entanto, para Ambrecht (2014), nenhuma dessas sugestões é convincente uma vez que tudo pode levar a uma situação em que as pessoas que moram perto de um sítio pagam mais do que as que moram mais longe, mas que fizeram viagens de múltiplos propósitos. Isso contradiz o princípio de que a demanda e o preço estão inversamente relacionados (BEDATE et al., 2004). Portanto, como inovação e modificação no método, propõe-se que apenas o excedente da demanda média seja considerado como consumidores do São João do Maranhão. Dessa forma, a demanda seria expressa pela fómula: DemanSJMA = E(DM Período Festivo – DM)n
6. Resultados
A variação pontual na demanda pode ser justificada pela ocorrência de algum evento. Os dados obtidos apontam para uma forte correlação (r=1) entre demanda total com demanda no período do festejo de São João. Nesse caso, os festejos juninos interferem diretamente na demanda, conforme quadro abaixo:
O excedente de passageiros foi de 4.058, 3.826, 2.522 para os anos de 2015, 2016 e 2017 respectivamente. A média foi de 3.469 pax.
Apesar de, em números absolutos, o total de desembarque de 2017 ter sido 38% inferior ao total de desembarque em 2016 e 27% inferior que a média geral dos anos analisados, o dia 23-06-2017, véspera do São João, apresenta o maior desembarque absoluto dos últimos três anos, com 2.580 passageiros, para o período analisado. No gráfico abaixo pode-se ver a dispersão dos excedentes de desembarque (Gráfico 01):
Esse dado pode ter relação com o calendário, pois em 2017, dia 24 foi no sábado. Além disso, no dia 25-06-2017, registrou-se o maior embarque diário (excedente) com 652 pax. O gráfico 1 também demonstra, por meio da linha de tendência polinomial, que há uma crescente na demanda pré-São João, com ápice nos dias anteriores ao principal festejo (dia 24). Após o evento o fluxo cai consideravelmente, sendo retomado após alguns dias. Os triângulos também permitem inferir que o São João provoca impactos na demanda turística da cidade.
Os dados oficiais calculam os impactos do São João multiplicando uma estimativa de turistas pelo gasto médio. Utilizando dos dados da FGV(2015) de um gasto de R$ 1.712,00 por turista X 24.176 (média do total de passageiros dos três anos), o impacto seria de R$ 41.389.312,00.
Esse resultado é próximo do divulgado pelo governo federal, como sendo o impacto do São João no Maranhão. Todavia, neste trabalho propõe-se uma variação no método do custo de viagem que adiciona algumas variáveis a essa fórmula, bem como considera como impacto do evento somente o excedente da demanda média.
6.1 Custo transporte
O custo do transporte é uma das mais relevantes variáveis do método custo de viagem. Ele pode ser expresso em distância ou tempo, sempre relacionado ao valor financeiro. No presente estudo optou-se por usar a distância como referência de custo.
A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC,2017) divulgou em setembro de 2017 um documento no qual o estado do Maranhão apareceu com a terceira passagem mais barata do nordeste e décima terceira do Brasil. No comparativo entre o primeiro semestre de 2011 e o primeiro semestre deste ano, houve queda de R$ 125,70 na tarifa aérea média doméstica. O valor do Yield Tarifa Aérea Médio Doméstico Real (valor pago por km voado) foi de R$ 0,22/km, em 2017. No primeiro semestre de 2011, o yield chegou a R$ 0,33/km no Maranhão. Dessa forma a passagem média para o Maranhão apresentaria os seguintes valores, em função da distância.
Para a referida Agência, a passagem média foi de R$ 355,31 no primeiro semestre de 2017. Entretanto, a média ponderada da amostra selecionada aponta para uma passagem de R$ 410,84. Por fim, existe uma correlação discreta entre o preço da passagem e o número de visitantes, r=0,293106.
6.2 Custo de oportunidade
O custo de oportunidade expressa às outras possibilidades que o consumidor teria em relação ao destino que esta visitando, inclusive continuar trabalhando. Para Botelho (2005), o custo de oportunidade na função dos estimadores é o fator mais complexo, uma vez que este se associa às oportunidades que são deixadas de lado e sua omissão tende a estimar para baixo excedente do usuário. Entretanto, como já mencionado, a inserção do custo de oportunidade na função não é ponto pacífico na literatura e no caso analisado o perfil do visitante justifica a exclusão. Deve-se também fazer uma ressalva quanto a férias remuneradas e mesmo a impossibilidade de se trabalhar durante esse período. No caso, 8,8% dos entrevistados são autônomos, ou seja, o grupo que realmente abriu mão de uma possível remuneração para estar de férias. Portanto, respeitando a premissa de precaução nas estimativas, o trabalho irá adotar R$ 0,00 como custo de oportunidade.
6.3 Ingresso
O São João do Maranhão, diferente dos seus concorrentes, ainda não cobra para que o público possa assistir as apresentações. Esta estratégia pode ser um diferencial para atrair turistas já que o custo do ingresso será somado ao custo total da viagem.
O festival de Parintins1 possui ingressos que variam entre R$ 200,00 e R$ 450,00 por noite e pacote para camarote a partir de R$ 3.600,00 para os três dias. Considerando que são três dias de festa o turista irá gastar entre R$ 750,00 e R$ 1.350,00 com os ingressos. Por conta da localização geográfica Parintins é o destino de Bumba boi mais caro entre os quatro pesquisados.
No caso de Caruaru e Campina Grande, que disputam o título de maior São João do mundo, existe uma programação gratuita e outra paga. Para a programação paga os ingressos variam de R$ 20,00 a R$ 300,00.
Dessa forma, estudos futuros poderão apontar a relevância de se cobrar dos brincantes e turistas um ingresso e seu peso no processo decisório mas neste trabalho será adota R$ 0,00 para o custo do ingresso.
6.4 Permanência
A localização geográfica de São Luís em relação aos principais polos emissores do país e os custos de transporte, tendem a aumentar a permanência do turista na cidade. Conforme a pesquisa (Gráfico 4) 82% dos turistas irão permanecer até 10 dias na cidade. Como nossa premissa é tentar não superestimar os serviços ecossistêmicos culturais, o trabalho irá considerar o prazo médio de 7,2 dias de permanência.
Diferente da literatura internacional Ambrecht (2014), Bedate et al. (2004), existe uma fraca correlação entre permanência e gasto médio diário. Essa correlação é (r=-0,05388). No caso, o trabalho irá adotar a diária média de 188,00, conforme análise do site TRIVAGO.
6.5 Cálculo do Valor
Considerando o exposto acima, forma feitas três análises levando em consideração a seguinte fórmula para mensurar o valor econômico do Serviço Ecossistêmico Cultural:
Valor econômico do Serviço Ecossistêmico Cultural =
(((TM x GMD + GMH x TM)x ExD) + (GMI x ExD) + (ExD x CO) + (GMT x ExD)).
Onde TM é tempo médio de permanência, GMD o gasto médio diário, GMH o gasto médio com hotel, GMT, gasto médio transporte, ExD o excedente da demanda, GMI gasto médio com ingresso, CO o custo de oportunidade.
No primeiro cenário, o mais prudente e realista dos três, têm-se: Excedente demanda (ExD): 3469 pax; Tempo Médio de permanência (TM): 7,2 dias; Gasto médio diário (GMD): R$ 173,06; Gasto médio hotel (GMH): R$ 188,00; Gasto médio transporte (GMT): R$ 821,70; Gasto médio ingressos (GMI): R$ 0,00; Custo de oportunidade (CO): R$ 0,00.
Utilizando a fórmula acima, obtêm-se o valor de R$ 11.868.600,71. Esse seria o valor econômico dos serviços ecossistêmicos culturais do Bumba meu Boi do Maranhão para os turistas que visitaram a cidade, utilizando avião como meio de transporte.
No segundo cenário, utilizando os valores mais altos dos dados da planilha têm-se: Excedente demanda (ExD): 4058 pax; Tempo Médio de permanência (TM): 7,2 dias; Gasto médio diário (GMD): R$ 300; Gasto médio hotel (GMH): R$ 233,00; Gasto médio transporte (GMT): R$ 1320,00; Gasto médio ingressos (GMI): R$ 0,00; Custo de oportunidade (CO): R$ 631,74 o valor chegaria a R$ 23.493.141,72.
Por fim, um cenário no qual todos os pax que desembarcaram em São Luís no período do festejo seriam turistas interessados na manifestação. Excedente demanda (ExD): 26518 pax; Tempo Médio de permanência (TM): 7,2 dias; Gasto médio diário (GMD): R$ 173,06; Gasto médio hotel (GMH): R$ 188,00; Gasto médio transporte (GMT): R$ 821,70; Gasto médio ingressos (GMI): R$ 0,00; Custo de oportunidade (CO): R$ 631,74 o valor chegaria a R$ 107.490.819,07.
7. Discussão
A modificação no cálculo da demanda do festejo como forma de estimar o valor ecossistêmico do patrimônio apresenta duas vantagens: Por um lado, ela permite isolar o aumento na demanda em função de um evento específico, ou seja, o destino já apresenta uma demanda média na baixa e na alta temporada que existiriam independente do evento. Por outro lado ela permite um cálculo mais conservador nas estimativas de receita e serviços ecossistêmicos culturais, subsidiando processos de alocação de recursos públicos. Com isso, a proposto metodológica inova ao superar um limitador do método tradicional, que é isolar a variável que motiva a viagem.
Os dados oficiais tendem a calcular os impactos do São João multiplicando uma estimativa de turistas pelo gasto médio, podendo dessa forma superestimar o valor da manifestação e seus retornos financeiros. A adoção de medidas mais conservadoras torna-se então o caminho mais justo pois os recursos públicos investidos na realização do evento poderiam ser aplicados em outros serviços. Portanto, como a premissa do trabalho é ter cautela em relação aos reflexos financeiros dos serviços culturais ecossistêmicos, em especial o valor econômico da manifestação, os autores optam por trabalhar com o cenário 01, valorando em R$ 11.868.600,71. Esse valor é limitado ao público analisado.
Outro ponto de destaque é que a situação econômica dos polos emissores influenciam na demanda cultural, ou seja, com maior desemprego, inflação crescente, mesmo com a diminuição no valor médio das passagens, a tendência é diminuir o consumo de serviços culturais.
Apesar do esforço dos pesquisadores, a pesquisa apresenta algumas limitações, dentre elas a existência de um percentual de turistas que estão dentro daquele total de passageiros mas que não foram incluído no excedente da demanda. A utilização de pesquisas de terceiros, mesmo tendo acesso aos dados brutos pode também ser considerado uma limitação.
Por fim, sugere-se o aprimoramento do ajuste metodológico proposto, o aprofundamento de um modelo de serviços ecossistêmicos culturais, um estudo sobre a sensibilidade ao preço dos ingressos e os possíveis impactos do reconhecimento como patrimônio no valor do Bumba meu Boi.
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