Revista: TURYDES
Turismo y Desarrollo local sostenible / ISSN: 1988-5261


OS IMPACTOS SOCIOECONÔMICOS DO TURISMO EM SANTO ANTÔNIO, QUEIMADA DOS BRITOS E ATINS – COMUNIDADES DO PARQUE NACIONAL DOS LENÇÓIS MARANHENSES

Autores e infomación del artículo

Laís Antunes Furtado*

Elizabeth Kyoko Wada**

Universidade Anhembi Morumbi, Brasil

ekwada@anhembi.br


Resumo
O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses é uma Unidade de Conservação sob administração do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ICMBio, localizado na costa leste do estado do Maranhão. No perímetro preservado encontram-se diversas comunidades rurais que se estabeleceram ali às margens de seus rios, praias e até mesmo em clareiras nos campos de dunas. Regiões de áreas protegidas e de belezas naturais incomuns tendem a atrair visitantes e no PNLM o turismo é considerado hoje a principal atividade econômica dentre seus municípios e povoados. Dentre impactos positivos e negativos, inerentes da atividade, estudiosos e autoridades internacionais acreditam que o turismo, quando implantado de forma sustentável e integrada, pode estabelecer um papel bastante importante no que se diz respeito ao crescimento econômico, o que pode resultar na redução de níveis de pobreza nessas comunidades. Fez-se pertinente então verificar a validade dessa função do turismo em comunidades do PNLM. Santo Antônio, Queimada dos Britos e Atins foram as comunidades objeto de estudo desta pesquisa, analisadas a partir de um estudo de caso múltiplo, pesquisa empírica e de caráter exploratório e qualitativo. Para fundamentação teórica os temas abordados foram: hospitalidade, serviços, stakeholders, turismo e próprio Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Até 2004 não havia circulação de moeda no povoado de Queimada dos Britos. O comércio funcionava através do escambo, ou seja, residentes de outros povoados vinham até a Queimada para fazer a troca de alimentos como arroz ou farinha pelo peixe pescado no local. Santo Antônio e Atins viveram a mesma realidade, porém mudanças ocorreram durante os últimos vinte anos. Em Santo Antônio e na Queimada dos Britos, todos os serviços turísticos prestados nas comunidades, são praticados pelos nativos, preservando não somente a economia, mas a identidade e o senso de orgulho da cultura e da capacidade de cativar visitantes. No Atins, estimasse que a população atual seja 50% nativos e 50% estrangeiros, que compram terras de locais e estabelecem residência no povoado e passam a empreender ali. Os nativos entendem que essa é uma oportunidade de melhorar a vida deles e não hesitam em vender suas terras. No entanto, estes que partem, em determinado momento retornam, incapacitados de se adaptarem à diferentes regiões; no retorno, tampouco podem estabelecer moradia no Atins novamente, devido ao mercado imobiliário e o custo de vida inflados. Membros das comunidades se sentem extremamente inseridos no contexto turístico e não se sentem afetados pela presença de não-nativos, pois entendem que, sem esses investidores, atividades turísticas não existiriam e as comunidades nunca teriam novas oportunidades além da pesca e agricultura. Esse encantamento com os benefícios econômicos do turismo pode, no entanto, mascarar os impactos negativos. Na comunidade de Santo Antônio, foi apontado que casos de doenças sexualmente transmissíveis, anteriormente desconhecidas na região, emergiram com o aumento do fluxo de turistas e no Atins, há casos de brigas corporais entre nativos e certo empreendedor estrangeiro que se recusou a receber locais em seu estabelecimento e acabou sofrendo retaliação de um grupo de membros da comunidade.
Palavras-chave: Hospitalidade - Serviços - Stakeholders - Turismo - Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (PNLM).
Abstract
Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (PNLM) is a conservancy unit managed by the “Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade”, ICMBio, located at the east coast of Maranhão state, Brazil. On the preserved perimeter, there are many rural communities that established themselves by the rivers, beaches and even in glades among the dunes. Protected areas and regions with unusual natural beauty tend to attract visitors and at the Parque Nacional Lençóis Maranhenses tourism is considered the main economic activity among its cities and villages nowadays. From positive and negative impacts inherent in the activity, specialists and international authorities believe that tourism, when implemented in a sustainable and integrated way, has a very important role in the economic growth which may result in a reduction of poverty levels in those communities. Therefore, it seems pertinent to verify the different impacts of the touristic activities in the Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses communities. Santo Antônio, Queimada dos Britos e Atins were the chosen communities as objects of study of this research, analysed by a multiple case study, as an empirical research, of exploratory and qualitative nature. Theory fundaments themes approached were hospitality, services, stakeholder, tourism and the Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses itself, due to the complexity of the levels of underdevelopment that it presents. For instance, until 2004 there was no currency circulation in the village of Queimada dos Britos. Trade relations were of barter, i.e. residents of other villages came to that community to perform the exchange of goods, providing rice and flour by fish. Santo Antônio and Atins lived the same reality, but the changes have occurred in the last twenty years. In Santo Antônio and Queimada de Britos, all tourist services provided within the community are carried out by locals, preserving not only the economy, but the identity and the sense of pride of their culture and their ability to captivate the visitors. In Atins, it is estimated that the current population is of 50% native and 50% foreigners who buy land from natives and establish housing and local businesses. The natives understand this as an opportunity to improve their lives and do not hesitate to sell their land. Those departing often return, unable to adapt to other locations; on this return, they cannot establish residence again because of the inflated cost of living. Community members feel extremely inserted in the tourism context and do not feel affected by the presence of non-native individuals, understanding that, without those investors, touristic activities would not be implemented, and the communities would never have the same opportunities. However, that enchantment with economic benefits may mask, to some extent, the negative impacts of tourism. In the community of Santo Antônio, it was indicated that cases of sexually transmitted diseases, before unknown, emerged with the increased flow of tourism and in Atins there are reports of body fights between natives and a foreign entrepreneur who refused to host locals in his establishment and suffered retaliation of a group of the community members.

Keywords: Hospitality – Services – Stakeholder – Tourism - Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (PNLM).

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Laís Antunes Furtado y Elizabeth Kyoko Wada (2018): “Os impactos socioeconômicos do turismo em Santo Antônio, Queimada dos Britos e Atins – comunidades do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses”, Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n. 25 (diciembre / dezembro 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/turydes/25/impacto-socioeconomico.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/turydes25impacto-socioeconomico


INTRODUÇÃO

O turismo é uma atividade econômica que gera grandes impactos nas localidades onde é desenvolvido, estes podendo ser positivos ou negativos. Pode acontecer espontaneamente ou de maneira planejada e pode seguir de maneira sustentável ou caminhar para um fim, um esgotamento ou saturação. É um campo de estudo multidisciplinar e engloba vários aspectos em sua implementação.

Em um cenário de inequidade e investimentos em atividades econômicas não inclusivas que só ampliam as disparidades, e na busca de soluções para o alivio à pobreza mundial, agências internacionais avistaram soluções no turismo, visto que “gastos com bens e serviços da atividade turística, que envolve diversos segmentos, são capazes de proporcionar a geração de postos de trabalho diretos e indiretos que impulsionam toda a economia” (PEREIRA et al., 2017) no local onde se estabelece.
A ideia de inserção da parcela mais carente da população na economia como agentes ativos e participativos foi exposta na teoria da base da pirâmide de Prahalad (2005). O autor afirma que a população mais pobre tem um potencial econômico enorme, porém marginalizado. Ele também argumenta que se lhes fosse dado visibilidade e ferramentas para o desenvolvimento, a pobreza poderia ser erradicada.

Seguindo esta linha de raciocínio, em 2002 a Organização Mundial do Turismo lançou um programa com objetivo de reduzir a pobreza desenvolvimento e promovendo formas sustentáveis de turismo, chamado ST-EP – Sustainable Tourism – Eliminating Poverty. (UNWTO, 2017). Esse programa analisa a capacidade do turismo em gerar benefícios para as comunidades de diversos destinos, quanto a questões tais como empregabilidade, mitigação do vazamento de capital, melhorias na infraestrutura local, investimentos e suporte social.

Esse artigo traz um panorama do turismo como atividade econômica, mas principalmente, como possível ferramenta de progresso socioeconômico e investiga este fenômeno nas comunidades de Santo Antônio, Atins e Queimada dos Britos, localizadas no perímetro do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (PNLM), levando em consideração aspectos tais como as relações de hospitalidade entre stakeholders e os serviços oferecidos nestes locais como elementos chave do desenvolvimento do turismo. Estas comunidades específicas foram escolhidas como objeto de estudo haja vista possíveis e diferentes impactos do turismo às populações, devido as suas localizações e à forma como o turismo se dá em cada uma delas e pelo fato do estado do Maranhão apresentar índices de desenvolvimento muito abaixo da média quando comparado com demais localidades no Brasil.

MÉTODO


  Esse artigo busca compreender a seguinte problemática: de que forma as relações de hospitalidade entre stakeholders e a prestação de serviços, no âmbito do turismo, podem transformar socioeconomicamente comunidades de um destino?

Para responder à problemática apresentada, elaborou-se três proposições: (P1) A atividade turística demanda serviços e, assim, gera oportunidades de negócios às comunidades de um destino; (P2) As relações de hospitalidade entre os stakeholders, estabelecidas com o turismo, possibilitam o melhoramento da infraestrutura de um destino; e (P3) O turismo é visto pelas comunidades locais como uma atividade benéfica e de impactos positivos.

Essas proposições foram investigadas e analisadas através de uma pesquisa empírica, qualitativa e exploratória. Inicialmente foi feito um levantamento do referencial teórico através de livros, artigos e relatórios internacionais que foram consideradas relevantes para a base da observação dos impactos socioeconômicos do turismo, como estes: hospitalidade, serviços, stakeholders, o turismo em si e o objeto de estudo, o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (PNLM).

O segundo momento foi reservado para a pesquisa in loco, um estudo baseado nas diretrizes do estudo de casos múltiplos e as contribuições de Yin (2010) neste tema. Segundo o autor, em temáticas como a proposta nesta pesquisa, onde se questiona o porquê e como algo se dá, e, quando se tem pouco controle sobre os eventos, o estudo de casos múltiplos e a triangulação de evidências é a modalidade ideal de pesquisa.

Foram coletadas informações através de entrevistas com stakeholders do turismo no PNLM. Tais dados foram então categorizados e analisados, resultando em respostas às proposições feitas.

A TRÍADE: HOSPITALIDADE, SERVIÇOS E STAKEHOLDERS


Hospitalidade

Para que se entenda a relação ou possíveis relações interpessoais entre anfitriões e visitantes nas comunidades escolhidas, é necessário abordar o conceito de hospitalidade e seus desdobramentos no turismo.

O termo hospitalidade, em sua essência etimológica, origina do latim hospitalitate, que significa o ato de hospedar/alojar alguém. Acredita-se que sua origem na vida em sociedade, especialmente na vida em sociedade urbana, dá-se como um paralelo da origem da própria sociedade (SALLES, BUENO e BASTOS, 2010). Pode-se dizer ainda que a hospitalidade é apresentada durante a história em vários cenários e situações de diferentes formas, mas que, unanimemente, “a função da hospitalidade é estabelecer um relacionamento ou promover um relacionamento já estabelecido” (SELWYN, 2004, p.26).

Diante das diversas vertentes e aparições da hospitalidade, esta é dividida, por Lashley (2004) em três domínios, representados pelo social, privado e comercial com o intuito de compreender a fundo seu desenvolvimento. Como sugerido por seus nomes, o domínio social é o estudo da hospitalidade baseado no contexto histórico específico em que ocorre; abarca crenças, valores e a moral de um povo, em um determinado momento, considerando assim, aspectos culturais e antropológicos. O domínio privado, refere-se à “oferta alimentos, bebidas e acomodação nos ambientes domésticos” (LASHLEY, 2004, p.14) e às relações que acontecem através dessas trocas. Por fim, o domínio comercial trata da hospitalidade inserida nas atividades econômicas, perdendo o contexto de agente de valor e focando nas relações estabelecidas através da troca de serviços por moeda.

Essas distinções tornam-se importantes para este estudo e para a compreensão da hospitalidade, bem como para o entendimento da convergência entre domínios. Como o objeto de estudo deste artigo são três comunidades rurais ainda isoladas e pouquíssimo desenvolvidas que só tiveram contato com os primeiros elementos da civilização, tais como energia elétrica, há alguns anos, o domínio social tem uma forte influência no domínio comercial, que surge com o advento do turismo na região. As experiências vividas pelos visitantes destas localidades podem ser equiparadas a passagens distantes da história concomitantemente com seu rigor comercial ao oferecer serviços.

Serviços

Um destino inexplorado e inóspito só se torna passível de receber o turismo quando oferece aos seus visitantes o mínimo para que estes fiquem no local. Dessa forma, serviços são a chave para a ocorrência da atividade turística.

Observa-se que o “serviço é qualquer ato ou desempenho, essencialmente intangível, que uma parte pode oferecer a outra e que não resulta na propriedade de nada. A execução de um serviço pode estar ou não ligada a um produto concreto.” (Kotler & Keller, 2006, p.397). Afirma-se, ainda, que “um serviço é uma experiência perecível, intangível, desenvolvida para um consumidor que desempenha o papel de coprodutor” (Fitzsimmons & Fitzsimmons, 2014, p.30). Sendo assim, a maneira a qual um serviço é prestado tende a ser diferente em cada situação, já que os clientes, em sua coparticipação, interferem e influenciam na “produção”.

Os serviços são ditos intangíveis, pois não podem ser fisicamente tocados ou vistos e isso faz com que existam muitos desafios que os permeiam, especialmente relacionados ao desempenho de um negócio e à medição de sua qualidade. O comportamento humano, que está constantemente variando, limita a constante em relação a provisões dos serviços e padronização, bem como as variantes de demanda e, no caso do turismo, a sazonalidade. (Spiller et al., 2011).

Sendo assim, há várias tentativas de criar sistemas que ajudem a abrigar processos para alcançar sucesso na entrega de serviços, assim “O Triângulo do serviço” (figura 1) apresentado por Albrecht (2000:1984):

Nesse modelo, a estratégia de serviço é entendida como a consolidação da ideia ou objetivo do ato de servir ou do serviço prestado. O pessoal representa o estimulo do pessoal de linha de frente à concentração total no cliente e em suas necessidades. O exercício da percepção e constante conexão com o cliente, acima de padronização e atendimento automático sem nenhuma empatia. Por fim, o último elemento são os sistemas que apoiam a prestação de serviços - instalações, procedimentos, políticas, processos de comunicação – que devem ser moldados de maneira que atendam, em primeiro lugar, as necessidades do cliente, acima das necessidades da organização.

Trazendo esses conceitos para o campo do turismo e da hospitalidade explorados na pesquisa deste artigo, serviços apresentam-se, nas vidas das comunidades investigadas, como meio de sustento e a existência destes ocorre através dos esforços dos residentes e de suas próprias perspectivas no que é ser hospitaleiro e como transformar esta demanda em um meio alternativo de renda ou lucro.

Um último elemento, então, completa a tríade que fomenta a base para o entendimento do turismo como atividade econômica e como atividade que impacta sócio e economicamente a região, levando em consideração que existe, por trás do caminhar do turismo, uma rede de conexões e relações entre indivíduos e organizações que tornam possível a existência do turismo nos Lençóis Maranhenses: os stakeholders.

Stakeholders

O conceito de stakeholders e uso desta estratégia surge entre os anos 70 e 80 no mundo dos negócios, em um cenário de grandes mudanças e de turbulências, quando gestores já não conseguiam gerir seus negócios baseados nos sistemas de estratégias tradicionais. A necessidade da criação de novos sistemas era latente diante de um cenário onde o foco e sucesso das organizações seguia sendo unilateralmente o financeiro (GOMES, 2006).

O conceito de stakeholder foi consagrado através de um estudo de R. Edward Freeman, quem denominou stakeholders como qualquer grupo ou indivíduo que pode afetar ou é afetado pelas conquistas do objetivo de uma corporação. Stakeholders incluem empregados, clientes, fornecedores, acionistas, bancos, ambientalistas, governo e qualquer outro grupo que pode ajudar ou prejudicar a corporação. (FREEMAN, 1984, p. VI). Afirma-se, então, que se os estudos de Albrecht (2000:1984), citados anteriormente, focavam na importância do cliente como elemento de participação do fluxo de negócio, este cliente nada mais era do que um stakeholder.

Freeman et al. (2010) categoriza stakeholders como primários e secundários. Primários são aqueles que são vitais para o crescimento e amadurecimento de qualquer negócio, quanto que os secundários são aqueles que, ainda que não afetem uma organização diretamente, atuam no mesmo ambiente em que os stakeholders primários e, com isso, podem afetar as relações que mantém.

O estudo de stakeholders em modelos de negócio como o turismo se torna extremamente importante a partir do momento em que o ambiente onde ocorre é também o motivo para existir o turismo, especialmente no caso de ecoturismo. O que atrai os visitantes é o próprio espaço físico e o estilo de vida que existe ali. Desta forma, os impactos causados pela atividade turística têm uma forte influência no meio ambiente e nas comunidades locais, tanto sócio como economicamente. O entendimento e fortalecimento das relações de hospitalidade entre stakeholders é, então, crucial para a promoção de melhorias no modelo de negócio turístico.

O TURISMO E O PARQUE NACIONAL DOS LENÇÓIS MARANHENSES


Turismo e pobreza

O turismo representa 10,4% do PIB mundial e é responsável por ofertar 1 em cada 10 empregos (WTTC, 2018) e nos últimos sessenta anos viveu uma constante expansão e diversificação, ao que hoje o leva a ser tido como o setor econômico de maior e mais rápido crescimento no mundo, tendo como característica marcante a sua resiliência, que o preserva diante de crises mundiais, por exemplo. (UNWTO, 2016).

No Brasil, os números são em menor proporção que os dados mundiais, mas se destacam principalmente nos últimos quatro anos - entre 2013 e 2016 - com os megaeventos esportivos, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas e Paralimpíadas de 2016. O país ganhou visibilidade, grandes investimentos na rede hoteleira e investimentos governamentais, que tomaram estes eventos como uma aposta de introduzir o Brasil no mercado turístico internacional.

O setor representa, diretamente, 2,9% do PIB nacional e o percentual sobre para 7,9% quando levado em consideração as atividades indiretas e induzidas.  Responde ainda por 2.3 milhões de pessoas trabalhando diretamente no turismo, o que representa 2,6% do total de empregos no país totalizando 6.5 milhões quando contabilizados os empregos indiretos ou 7,3% de representação no mercado. (WTTC, 2018).

Diante deste cenário, o turismo é visto como uma maneira de promover desenvolvimento e possíveis soluções para amenizar os enormes níveis de pobreza em certas regiões, especialmente no Norte e Nordeste do país.

É válido apontar ainda que até 2016 o Governo Federal brasileiro dedicou-se extensivamente à redução desses níveis de pobreza e miséria através de programas assistencialistas tais como Fome Zero (2003), Luz para Todos (2003), Bolsa Família (2003), Minha Casa, Minha Vida (2009) com grande participação do Banco Mundial entre outras organizações internacionais. O sucesso dessas políticas públicas pode ser constatado através dos mais diversos índices de desenvolvimento, como o apresentado na figura 2, que mostra a queda constate na porcentagem de residentes em domicílio permanente com renda per capita menor ou igual à um quatro do salário mínimo, o que caracteriza extrema pobreza:

Entretanto, essas medidas são vistas por muitos como passíveis de gerar uma estagnação limitando o desenvolvimento atingido através delas. É necessário que exista um crescimento econômico desta parcela da sociedade e efetiva transformação na realidade dessas famílias. Não se limitando ao Brasil, esse cenário se repete em diversos países em desenvolvimento e um forte movimento emerge na busca de alternativas mais eficientes.
Diante de questões como essa, Prahalad (2005) desenvolveu uma teoria que afirma que a maneira mais eficaz de promover desenvolvimento econômico para as populações mais pobres é a inserção destas na atividade econômica.
O autor divide a sociedade de acordo com seu poder de compra e chama o grupo de menor poder de “base da pirâmide”. Ele argumenta que, ainda que sofra marginalização, a base da pirâmide também tem potencial empreendedor e de consumo. Sendo assim, a partir do momento que lhe é dado poder de compra, também lhe é dada dignidade para experienciar coisas antes restritas às classes acima destes, bem como o poder de escolha e a oportunidade de desenvolver novos produtos e serviços.

Agências internacionais como a Organização das Nações Unidas, ONU, identificou a possibilidade de implementar esse ideal no turismo, garantindo a participação ativa da população local de um destino nas atividades turísticas, tanto no âmbito dos serviços, na oportunidade de emprego em negócios que se estabelecem naquela localidade por meio da demanda, quanto em seus próprios empreendimento.  Esse movimento promove também proteção e sustentação da vida local, do meio ambiente e da cultura e está diretamente associado a nichos mercadológicos com práticas sustentáveis e de menor impacto, tal qual o ecoturismo. (Mieczkwski, 1995, p.459)

Em 2002 a Organização Mundial do Turismo lança um programa com o objetivo de reduzir a pobreza através do desenvolvimento e da promoção de formas sustentáveis de turismo, intitulado ST-EP – Sustainable Tourism – Eliminating Poverty. (UNWTO, 2017)

Da observação de 90 projetos implementados em 31 países, a UNWTO elencou sete mecanismos, que encontrou em comum nestes projetos, pelos quais populações carentes podiam se beneficiar no turismo:

  1. Empregabilidade em empresas que ofertam serviços para o turismo;
  2. Fornecimento de produtos e serviços para empresas do turismo;
  3. Venda direta de produtos e serviços para turistas;
  4. Pequenas empresas ou negócios de oferta de serviços gerenciados pela comunidade;
  5. Impostos ou taxas coletadas no turismo e revertidos para melhorias nas comunidades;
  6. Suporte voluntario dos turistas ou de empresas relacionadas ao turismo;
  7. Melhorias em infraestrutura estimuladas pelo turismo, mas que beneficiam também as comunidades. (UNWTO, 2017)

 

O ST-EP propõe às comunidades não só benefícios oriundos das empresas que ali se estabelecem, mas também meios de se desenvolver e lucrar com o turismo através de trabalhos realizados por eles antes da chegada do turismo, comumente a agricultura, pesca e produção de artesanato.

O turismo é uma atividade que usufrui e se apropria dos recursos encontrados em um destino, especialmente os naturais, e os transforma em fontes de lazer e consumo, o que gera impactos ambientais, mas que também afeta a comunidade sócio e economicamente. (CORIOLANO, 2007) Desta forma, “a escolha de apostar no turismo como opção de desenvolvimento precisa ser feita após serem considerados todos os fatores relacionados ao seu impacto e aos recursos nos quais ele irá se basear” (COOPER et al. 2007, p. 166) e, assim, ser tocado de maneira planejada.

O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (PNLM) é, então, tratado como um destino de estudo e investigação da validade dessa modalidade de mercado, principalmente por ser um destino localizado em uma região que apresenta altos níveis de pobreza e um desenvolvimento divergente e que tem apresentado crescimento no turismo nos últimos anos.

O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (PNLM)

O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses localiza-se na região costeira do estado do Maranhão, no litoral oriental. Possui 155.000 hectares de extensão, dos quais 90.000 são formados por dunas de areia branca recortadas por lagoas pluviais cristalinas, as quais podem atingir até três metros de profundidade (FSADU, 2002). Seu bioma é o cerrado e a região conta com áreas de restinga, campos de dunas livres e costa oceânica, fazendo desde um destino com muita diversidade de atrativos naturais.

É uma das 52 reservas naturais protegidas e administradas pelo Governo Federal, através do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade Brasileira, autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Foi declarado Parque Nacional em 1981 (ICMBio, 2018) e é o maior representante das belezas naturais do Maranhão e de seu patrimônio turístico. 

A entrada ao parque é gratuita e regulada, em teoria, pelo ICMBio, porém por sua extensão e possibilidade de acesso por diversos caminhos, não existe controle rígido quanto a capacidade de carga do PNLM, nem dados numéricos.

Três são os municípios inseridos no perímetro do PNLM, estes: Primeira Cruz, Santo Amaro e Barreirinhas, o maior e mais desenvolvido e principal porta de acesso ao parque. Estes municípios abrangem ainda diversos outros povoados ou comunidades, que usufruem de sua infraestrutura e são governados por suas prefeituras, dentre os quais Santo Antônio, Queimada dos Britos e Atins foram os selecionados para este estudo.

A população destas comunidades tem origem em ancestrais quilombolas em sua maioria, e em algumas outras em migrantes pescadores cearenses. De certo, todas são comunidades que viveram até meados dos anos 2000, inteiramente da pesca e do plantio, em uma situação econômica de escambo, sem eletricidade e sem acesso à bens de consumo.

Ainda que haja registros da presença de visitantes desde os anos 80, uma mudança exponencial ocorre nessas comunidades quando, através da construção da MA-402, inaugurada em 2002 (FSADU, 2002), o turismo ganha força. Esta foi a primeira estrada asfaltada a conectar a capital do estado do Maranhão, São Luís, à Barreirinhas, a cidade porta de entrada do Parque. Essas mudanças foram o foco desse estudo e serão apresentadas a seguir através da categorização dos três objetos de estudo onde a pesquisa se deu.

Objetos de estudo

Três comunidades foram selecionadas como objetos de um estudo de casos múltiplos que debate o mesmo problema, estas Queimada dos Britos, parte do município de Santo Amaro e Santo Antônio e Atins, parte de Barreirinhas. Os resultados foram provenientes da aplicação de entrevistas com residentes in loco, primeiramente com uma figura expoente para o turismo e, através de indicações, com residentes que são diretamente beneficiados ou não pelo turismo.

O critério usado na escolha dessas comunidades foi, essencialmente por suas localizações e, consequentemente, pelas diferentes realidades socioeconômicas que apresentam e pelas formas as quais o turismo se dá em cada uma delas, de modalidades e intensidades diferentes.

5.1 Queimada dos Britos

A comunidade da Queimada dos Britos tem origem da migração de cearenses em busca de melhores condições de pesca. Não se tem a dada exata do povoamento da região, que se perdeu no silêncio de histórias não contadas, mas é certo que por volta de 1950 nasciam os primeiros nativos, filhos do Sr. Manuel Brito Garcia e Sra. Joana Corrêa Garcia, que quando pequenos foram com seus pais para a região e ali se criaram e se estabeleceram.

Como o sobrenome Garcia é comum entre as duas famílias, a família Brito, primeira a chegar, consagrou o local com seu nome e ainda que hoje os herdeiros carreguem o nome Garcia, são todos reconhecidos como “os Britos”.

Geograficamente, a Queimada está localizada dentro da área de preservação do PNLM e é considerada uma Zona Primitiva pelo ICMBio. Visto de fotografias de satélite, estes povoados se mostram como duas manchas de vegetação em meio ao campo de dunas (ICMBio, 2018).

Por ser uma Zona Primitiva, o acesso deve ser feito sempre a pé e com o mínimo de impacto, salvo as famílias que ali residem – cerca de 30 – que tem autorização do ICMBio de fazer o transporte de pessoas, alimentos e materiais em veículos motorizados. É proibido, no entanto, o transporte de turistas e visitantes nos veículos, mesmo que dirigidos por nativos.

Em 2004 a Queimada recebeu sua primeira turista, ainda de forma despretensiosa. Alfonso Leal, proprietário da agência Tropical Adventure, que passeava com uma repórter francesa pela região, indagou ao Sr. Raimundo, considerado líder da comunidade, a possibilidade de hospedar a visitante em sua casa e, desde então, a família Brito vem melhorando as estruturas para receber mais e mais turistas.

O propósito do turismo na região é o trekking de travessia do PNLM, que pode durar até cinco dias, com pernoites em povoados ao longo do perímetro do parque, entre meio de dunas, lagoas e da praia.

Os Britos são então os responsáveis pelo início do turismo na região e são também quem promove o destino, com o auxílio de parcerias firmadas com agências e operadoras. A família trabalha com um meio de hospedagem iniciado em sua própria casa, chamado de redário, que consiste em dois galpões de construção rudimentar que abrigam redes e um banheiro de alvenaria localizados em frente à casa dos Britos, onde são servidas as refeições. A 4ª geração, ao comando de Carlos Malheiros, desenvolve o trabalho de guia turístico e são os mais respeitados e requisitados da região do PNLM, por serem nativos e de fato entenderem os caminhos e movimentos das dunas.

Das dificuldades de viabilidade do turismo, apresenta-se a falta de energia elétrica – utilizam apenas um gerador de energia – o que limita o uso da geladeira e do armazenamento de alimentos perecíveis. Desta forma, tudo que é servido no redário é extremamente fresco e local. A proibição do acesso de turistas em veículo motorizado limita também a expansão do turismo, bastante restrito à um nicho que possui, acima de tudo, bom condicionamento físico e disposição para a caminhada pelas areias de 2 horas entre o município de Santo Amaro e a Queimada.

5.2 Santo Antônio

O povoado de Santo Antônio, dividido em três blocos de famílias – Santo Antônio II, III e IV – é o povoado mais próximo à cidade de Barreirinhas, sede urbana do PNLM. O Rio Preguiças é o que divide os dois, sendo assim, a única maneira de chegar ao Santo Antônio é por meio de embarcação ou das três balsas ali operantes.

É uma comunidade bastante rural, que segue com ruas de areia (figura 4), casas de nativos feitas de palha ou de taipa, técnica típica de região, e pouca influência urbana. Seus habitantes têm origem quilombola e viveram, até pouco tempo, apenas da pesca e do plantio.

Com solo arenoso, a alimentação e sobrevivência se dava apenas da mandioca, e assim, da farinha, e do feijão e do caju. Se a situação por si só, da ausência de solo fértil e de outras opções de sustento já era alarmante, as mudanças climáticas tornaram o plantio um sustento impossível, pois há relatos de que desde 2010 os níveis de chuva diminuíram a tal maneira que as plantas já não se desenvolvem mais.

No entanto, por ser tão próxima do maior centro urbano da região, a comunidade sempre teve alguns privilégios comparado aos demais povoados. Famílias que conseguiam que seus filhos estudassem, tornavam possível que estes galgassem, posterirormente, cargos em órgãos públicos ou empregos na cidade, o que maximizava a renda e eliminava a necessidade do árduo plantio.

A luz elétrica chega através do prefeito Anselmo Ferreira (1993-1996) que faz a instalação de postes de energia nas comunidades localizadas para além do rio Preguiças (figura 4). Água e saneamento permanecem provenientes de poço artesanal e fossa construída pelos próprios moradores.

A trilha mais acessível às dunas corta a comunidade do Santo Antônio, que, desde meados de 1987, se beneficia de alguma forma do turismo, seja pela oferta de serviços, de meios de hospedagem ou de empregos nas agências e operadoras.

Por sua localização, atraiu também diversos ludovicenses, que compraram terras na região, às margens do rio Preguiças e construíram casas de veraneio, tornando-se o maior destino turístico dos moradores da capital, tanto por sua proximidade quando pela beleza natural. Essas casas também geraram desenvolvimento para a comunidade e grande oferta de emprego como doméstica, caseiro, vigia e barqueiro de lanchas.

Em termos de infraestrutura, o Santo Antônio conta ainda com escola própria, que oferece transporte em embarcações para as crianças que moram em povoados do outro lado do rio, e já tem também seu próprio posto de saúde, dispensando a travessia até Barreirinhas para problemas de saúde mais simples.

5.3 Atins

Atins é uma comunidade localizada na confluência do Rio Preguiças com o mar. Sendo assim, é rodeada pela praia, por canais do rio, mangues e dunas. É, em sua essência, uma vila de pescadores, famosa pelo camarão e, assim como as demais comunidades objetos desse estudo, constituída de ruas de areia e construções de palha. Sem registro formal, estimasse que sua população chegue a 2 mil habitantes.

É um povoado parte do município de Barreirinhas, ponto de acesso terrestre por meio de veículos traçados que percorrem uma trilha de areia de 27km, o que leva em torno de 1h15. Outro meio de chegar ao Atins é pelo Rio Preguiças, percurso feito usualmente com voadeiras, que dura em torno de 50 minutos.

A energia elétrica trifásica, como a usufruímos em cidades urbanas, chegou, de fato, em toda a cidade, no ano de 2015, mas os primeiros registros de luz elétrica, por gerador, datam 1980, trazia por um empreendedor ludovicense que enxergou o potencial do local e que é tido como pai do Atins, o Carlos Antônio Buna ou, como é conhecido, o Buna.

Os primeiros turistas foram trazidos pelo Buna, no fim dos anos 80. Muitos de seus amigos realizavam expedições off-road e passaram a fazer passeios pelas dunas e usufruir do rancho do Buna como ponto de apoio e de hospedagem. Desse movimento Buna construiu a primeira pousada da região.

Hoje o foco do turismo é a prática do kite surf e o povoado teve seu boom em 2013, ficando ainda mais conhecida em 2014 com a realização do evento “Red Bull Rally dos Ventos”, uma proposta de Kite Endurance - prova de habilidade e velocidade, na qual seus participantes percorreram 16km entre lagoas e dunas.

O rally teve repercussão internacional e desde então iniciou-se o movimento de imigração de investidores estrangeiros na região. Hoje o Atins conta com grande número de moradores italianos e franceses que ali estabeleceram residência e montaram negócios voltados ao turismo.

Desta imigração deu-se também o movimento de migração dos nativos para outros povoados e, em especial, para a cidade de Barreirinhas, usufruindo da oportunidade de vender suas terras aos estrangeiros e galgar uma vida mais urbana. Na mídia, equipara-se este fenômeno ao que ocorreu em Jericoacoara, cidade hoje tomada pelo turismo, com resorts luxuosos, restaurantes e por empreendimentos em geral em sua maioria não-nativos. Acredita-se que o Atins tem o potencial de chegar a este nível.

Análise e discussão de resultados

As entrevistas com os representantes do turismo de cada uma dessas três localidades e demais stakeholders revelaram que o turismo ainda ocorre de forma muito espontânea. Não há diretrizes, nem regulamentação governamental das atividades ou qualquer preservação da cultura local. O meio ambiente ainda é considerado o único impactado sob os olhos das autoridades.

Ainda assim, o turismo é unanimemente considerado pelos locais como uma atividade que trouxe muitos benefícios à região, especialmente no âmbito econômico, defendido por Cooper et al. (2007), que afirma que “o turismo é um meio muito eficaz de distribuir renda”, já que “(...) ele tende a acontecer nas áreas de beleza paisagística menos populosas e industrializadas. Portanto, o turismo oferece uma oportunidade para criar empregos e renda em áreas com fontes alternativas limitadas.” (COOPER et al., 2007, p. 310)

Comunidades também concordam que o contato com o visitante permite uma troca de informação, uma aproximação à intelectualização e dá acesso a um conhecimento inexistente antes do turismo. Isto é explicado por Nuñez (1989) através da teoria de aculturação. Nesse encontro de culturas, a comunidade anfitriã é posta na posição de adaptação e aproximação à cultura do visitante, no intuito de facilitar as relações de hospitalidade no turismo (NUÑEZ, 1989, p.266).

Até o ano de 2004 não havia circulação de moeda no povoado de Queimada dos Britos. Relações de troca eram feitas através do escambo, ou seja, residentes de outros povoados vinham até o local para fazer a troca de alimentos como arroz ou farinha pelo peixe pescado ali. Sendo assim, não existia mercado e nenhuma forma alternativa de sustento. Santo Antônio e Atins viveram a mesma realidade, porém as mudanças ocorreram há pelo menos vinte anos, os colocando em uma posição mais desenvolvida quanto à questão econômica.

Em Santo Antônio e na Queimada dos Britos, todos os serviços turísticos dentro da comunidade são conduzidos pelos locais, preservando não apenas a economia, mas a identidade e o senso de orgulho da sua cultura e habilidade em anfitrionar. A hospitalidade é uma característica expoente dessa região, que segue os preceitos do domínio social de Lashley (2004), onde o receber se torna importante não apenas para o sucesso de um negócio, mas pela influência que exerce em suas crenças, valores e moral.

Ainda que essas características sejam marcantes, com a descoberta dessas localidades por estrangeiros, o cenário fica um pouco diferente. No Atins, estimasse que a população hoje seja de 50% nativos e 50% estrangeiros, que compram as terras dos nativos e ali estabelecem moradia e empreendimento.

Os nativos, que veem aquela oportunidade como uma chance de melhorar a vida, não pestanejam em vender suas terras e seguem em busca de outro lugar para morar. Aqueles que partem em êxodo, muitas vezes retornam à terra, por não conseguirem se adaptar à outras localidades e, que uma vez que regressam, já não conseguem fixar residência no Atins, visto que as terras na região, bem como serviços, produtos e custo de vida em geral, têm seus preços extremamente inflacionados devido à demanda.

Ainda que haja este vazamento de capital com a participação de “prestadores de serviço estrangeiros, como transporte, operadoras de turismo, agentes de viagem e serviços de informação, que não sejam localizados no destino” (Cooper et al. 2007, p. 310), fator de lugar comum no turismo, as comunidades se sentem extremamente inseridas no contexto turístico e não se sentem lesadas pela presença de indivíduos não-nativos no mercado. Enxergam que sem esses investidores, o turismo provavelmente não teria deslanchado e as comunidades jamais teriam as oportunidades que têm agora.

Em termos de infraestrutura, é unanimemente acordado que as comunidades só puderam experenciar uma vida menos primitiva, com o advento do turismo, quando o governo passou a investir nesta região e trouxe luz elétrica, a construção de centros de saúde e acesso por estradas asfaltadas. Se hoje existe um diálogo entre os gestores e as comunidades, isso só se dá pela existência do turismo.

Observa-se ainda que o encantamento pela prosperidade econômica mascara, de certa forma, os impactos negativos do turismo, citados apenas por dois dos nove entrevistados. Na comunidade de Santo Antônio, foi indicado que casos de doenças sexualmente transmissíveis, desconhecidas no passado por eles, emergiram em paralelo com o aumento do fluxo de turismo, especialmente do turismo internacional. No Atins, há relatos de um caso de violência física entre um nativo e um empreendedor estrangeiro, que se recusou a receber em seu bar alguns locais e assim, sofreu retaliação de um grupo da comunidade.

Ainda que essas comunidades sejam extremamente organizadas e tenham associações de moradores que tentam resolver questões por si só, não é possível evitar impactos negativos desse nível ou conter a chegada acelerada de investidores estrangeiros em determinados destinos. No Atins, por exemplo, e a tendência é que, sem a intervenção de políticas públicas para proteger a integridade dos locais, o turismo seja tomado por esses estrangeiros.

Dos resultados obtidos, ainda que um vasto número de outras questões tenha sido levantado, concluiu-se que a proposição (1) foi ratificada em todas as três comunidades, pois o turismo de fato gerou oportunidades de negócio e aumentou a empregabilidade local. Já a proposição (2), sugeria que a expansão de diálogo entre stakeholders, fosse entre nativos, o governo, prestadores de serviço ou com o próprio turista, faria possível o melhoramento da infraestrutura local, não apenas para os turistas, quanto para toda a comunidade. Em Santo Antônio e no Atins essa proposição foi ratificada, porém refutada na Queimada dos Britos, onde melhorias foram feitas pelos habitantes locais e onde as relações entre stakeholders se limita às relações comerciais entre locais e prestadores de serviços. Por fim, a visão dos anfitriões sobre o turismo permanece, amplamente, a de atividade benéfica e, muitas vezes, glorificada, mas também desperta reflexões sobre certos questionamentos que podem eventualmente mudar essa ideia. Dessa forma, a proposição (3) foi ratificada na Queimada dos Britos, que ainda vive uma experiência de baixo impacto do turismo e de visitantes mais conscientes e foi parcialmente ratificada nas outras comunidades pois alguns entrevistados afirmaram que existem sim impactos negativos.

Esse estudo teve como propósito mais profundo observar como o turismo se dá em comunidades do PNLM da perspectiva do anfitrião e, a partir disso, revelar se a presença da atividade ajuda de alguma forma os parâmetros socioeconômicos e se há algum suporte na minimização da pobreza local.

De modo geral, o turismo foi percebido como uma atividade que se estabeleceu despretensiosamente, iniciado pelos esforços da iniciativa privada e de expedicionários que passaram a explorar o PNLM com o turismo de aventura e esportivo. Em um segundo momento surge o interesse do setor público em investir na região, porém nota-se que em catorze anos, o destino pouco se desenvolveu e o turismo segue sendo realizado e divulgado completamente pelo setor privado.

Este é o primeiro indício da falta de planejamento no turismo e primeira conclusão que se atingiu nesta pesquisa: a da carência de um plano sistemático que de fato faça uso do turismo como uma ferramenta capaz de transformar a realidade da região. Acima disso, idealmente o PNLM precisaria de um planejamento e desenvolvimento integrado, que abrangesse “todas as formas de planejamento – econômico, físico, social e cultural.” (COOPER et al., 2007, p. 318).

A primeira etapa a ser implementada em um planejamento integrado é o reconhecimento e a preparação do estudo feito através do diálogo entre as autoridades públicas, a iniciativa privada e a comunidade local. O intuito é desvendar se naquele destino em questão, “o turismo é uma opção desejável de desenvolvimento, juntamente com certas consequências dos limites dentro dos quais deverá se desenvolver”. (COOPER et al., 2007, p. 318). Indo mais a fundo, em um planejamento feito de forma ideal, a própria definição do perímetro de uma Unidade de Conservação, “que na maioria das vezes acontecem de forma vertical sem nenhum parecer ou opinião expressa das comunidades locais” (FONSECA, 2017, p. 8) deve ser um momento de inclusão e criação de vínculos.  Dois elementos são destacados aqui: limites e participação.

Volta-se, então, à teoria da base da pirâmide de Prahalad (2005) e do quão essencial é inserção destes indivíduos menos abastados, que no caso desta pesquisa são todos os três povoados em relação a seus respectivos municípios, para o desenvolvimento socioeconômico de suas comunidades.

Trazendo a teoria para a realidade dos povoados de Santo Antônio, Queimada dos Britos e Atins, o turismo já se estabeleceu antes mesmo de qualquer planejamento e já se mostra também como uma ferramenta benéfica no crescimento econômico. Desta forma, faz-se ainda mais imprescindível a intervenção governamental na região a fim de reestruturar o turismo e, então, oferecer a possibilidade de uma transformação uniforme de toda a população.

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* Graduação em Hotelaria pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM) e BA in Hospitality with Sustainable Development of Tourism (GIHE, Suíça). É assistente de vendas da operadora na Matueté – Produtora de Viagens. Email: laisfurtado@gmail.com.br
** Pós-Doutorado em Turismo (UFPR), Doutorado e Mestrado em Ciências da Comunicação (ECA-USP), Especialização em Marketing (EAESP-FGV), Graduação em Relações Públicas (ECA-USP) e em Turismo (UNIBERO). É Coordenado ra do PPG em Hospitalidade da Universidade Anhembi Morumbi e pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Social e Tecnológico (ISAM). Email: ekwada@anhembi.br


Recibido: Mayo 2018 Aceptado: Diciembre 2018 Publicado: Diciembre 2018

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