Noémi Marujo (CV)
1-INTRODUÇÃO
O estudo da cultura pertence essencialmente ao campo das ciências sociais e, por isso, possui uma gama de significados de acordo com o contexto em que é analisado. Alguns académicos de formação em antropologia, sociologia, história, geografia e até filosofia, estudaram o fenómeno da cultura e forneceram uma plataforma relevante para muitas áreas das ciências sociais como, por exemplo, o turismo (Ivanovic, 2008).
A cultura é uma construção histórica e está relacionada com todos os aspetos da vida social. Nenhuma cultura existe em estado puro, idêntica a si própria. Todas as culturas sofrem influências internas e externas e, por isso, “toda a cultura é um processo permanente de construção, desconstrução e reconstrução. O que varia é a importância de cada fase, segundo as situações” (Cuche, 1999: 98). De facto, todos os aspetos da nossa vida são afetados por uma série de culturas em constante transformação. Somos influenciados por essas culturas e também influímos essas e outras culturas.
É óbvio que a cultura faz parte de uma realidade, onde a mudança é um aspeto essencial e, por isso, ela é dinâmica, varia de lugar para lugar e é transmitida de geração em geração. Como a cultura é ativa, significa que pode sofrer transformações através do comportamento e atitudes de indivíduos ou de grupos que, uma vez movidos por necessidades, podem introduzir novas regras, costumes e valores. Todas as culturas, devido ao facto universal dos contactos culturais, são em diferentes graus culturas mistas feitas de continuidades e descontinuidades.
Todas as sociedades urbanas ou rurais possuem cultura. Ela é constituída pelos signos, símbolos, valores e representações de uma comunidade, ou seja, constitui o elemento de identidade de um povo, de um lugar, de um grupo. Assim, cada sociedade reflete, através da composição da sua cultura, a maneira de ser e sobreviver em determinado espaço ou território. Se a cultura representa as diferentes formas de compreensão e ação de cada sociedade, então ela “…compreende a totalidade das criações humanas. Inclui ideias, valores, manifestações artísticas de todo o tipo, crenças, instituições sociais, conhecimentos científicos e técnicos, instrumentos de trabalho, tipos de vestuário, alimentação, construções…” (Dias e Aguiar, 2002: 130).
A globalização despertou no ser humano o desejo de conservar a sua identidade cultural. Ou seja, passou a valorizar as particularidades das regiões que se encontram, muitas vezes, nas iniciativas locais associadas ao espírito do lugar. Atualmente, países, regiões, cidades, vilas e aldeias desejam, cada vez mais, dar a conhecer as suas culturas. Por isso, no campo do turismo, a cultura constitui o principal elemento da diferença para atrair turistas e visitantes. Vende-se a cultura, manipula-se a cultura com um único objetivo: atrair turistas.
2-A CULTURA E O TURISMO
A cultura, na maioria dos casos, constitui um trunfo importante para o desenvolvimento do turismo. Ela, em muitos casos, é considerada um fator determinante do crescimento do consumo de lazer e turismo (Richards, 2001) e, por isso, turismo é cultura (Urry, 1996). A cultura ajuda a determinar o que o turista quer fazer, como resultado de uma educação formal ou informal, os valores e os costumes culturais (Macleod e Carrier, 2010).
De acordo com Hughes (2002), o estado atual da investigação sobre a relação entre cultura e turismo é insatisfatório. Os estudos têm apresentado, de uma forma geral, duas perspetivas antagónicas: uma que defende a preservação dos bens culturais, mas critica a sua relação com o turismo, pois considera que a defesa do património deve ser feita primeiramente e diretamente com a comunidade à qual ele está ligado, podendo a atividade turística interferir negativamente nesta relação; e a outra que vê na atividade turística, de forma controlada, uma oportunidade para preservar e conservar o património, tanto pela justificativa de uso, quanto pelo lucro que traz (Choay, 1999). De facto, “a argumentação pró e contra uma maior relação entre turismo e cultura encontra-se, com frequência, inquinada, na medida em que não são estabelecidos o objeto e objetivos da discussão, muito menos é apresentada evidência empírica que sustente as teses que se confrontam na área. Assim, aquilo que habitualmente acontece é que o tipo de discussões (enviesadas) que se estabelecem não permite discutir com rigor as problemáticas em causa” (Costa, 2005: 279).
Os argumentos acerca do papel do turismo na cultura “revestem-se de horizontes dissonantes que refletem uma tensão marcada por dois eixos analíticos essenciais: o da trivialização e desqualificação da cultura versus a sua revitalização e desenvolvimento” (Santos, 2008: 7). Por outro lado, Craik (2003) refere que a cultura do turismo abrange uma gama de fenómenos do turismo desde uma base cultural até às componentes culturais não intencionais do turismo de massas. Para esta autora, a cultura do turismo foi modificada devido a uma série de desenvolvimentos contraditórios que ocorrem no campo da cultura. Tais desenvolvimentos incluem a mercantilização da cultura e dos produtos culturais; a reestruturação da produção cultural em indústrias culturais; o aumento do consumo cultural por uma série de pessoas.
Os autores contemporâneos, que estudam a relação do turismo com a cultura, alertam para um maior diálogo entre os dois sectores, pois consideram que a questão da cultura, sobretudo a cultura local e regional, deve ser trabalhada no sentido de procurar compreender as suas singularidades e estimular a participação da comunidade criando, deste modo, possibilidades para a revitalização da identidade através do património cultural material ou imaterial (Meethan, 2001; Craik, 2003; Richards, 2007).
É importante que a comunidade participe no processo turístico, pois se for inserida no processo de valorização da cultura local pode atuar diretamente em diferentes tarefas e, assim, pode assumir uma maior responsabilidade na preservação da sua identidade cultural através da difusão das suas riquezas culturais. Por outro lado, e a nível turístico, a sua participação fornece ao destino uma maior originalidade. Note-se que a atividade turística sempre procurou retratar a cultura com base na vivência humana e, por isso, não se deve analisar o turismo de forma isolada do seu contexto social. Por outro lado, a cultura e o turismo têm uma relação mutuamente vantajosa, ou seja, a conexão entre cultura e turismo pode ser benéfica para reforçar a atratividade e a competitividade de países, regiões e cidades. Portanto, “criar uma forte relação entre turismo e cultura pode ajudar os destinos a serem mais atraentes e competitivos como locais para viver, visitar ou trabalhar” (Richards, 2009: 17).
Durante a maior parte do séc. XX, e de acordo com Richards (2009), a cultura e o turismo foram vistos como aspetos distintos dos destinos. Por um lado, os recursos culturais eram percebidos como parte do património cultural dos destinos onde estavam relacionados com a educação da população local e a identidade cultural. Por outro, o turismo era visto como uma atividade de lazer separada da vida quotidiana e da cultura da população local. Segundo o autor, esta visão mudou gradualmente no final do século, uma vez que o papel da cultura foi um elemento distintivo de outros destinos. Como se pode verificar no quadro seguinte, a articulação crescente entre a cultura e o turismo foi estimulada por uma série de fatores (Quadro I).
Quadro I: Fatores que estimularam a relação entre cultura e turismo
Lado da Procura |
Lado da Oferta |
¨Maior interesse na cultura principalmente como fonte de identidade e de diferenciação face à globalização; |
¨Desenvolvimento do turismo cultural para estimular o emprego; |
Fonte: Baseado em Richards (2009: 20)
Segundo Richards (2009), a estimulação dos fatores acima referidos fez com que a cultura passasse a ser cada vez mais utilizada como um aspeto do produto turístico e da imagem estratégica do destino. O turismo, por sua vez, foi sendo integrado nas estratégias de desenvolvimento cultural como um meio de preservação do património. No campo do turismo, “a cultura impõe-se como metáfora intermediária de uma disputa que não a perfilha como um meio, mas apenas como um guia instrumental das suas práticas” (Santos, 2007: 111).
Pires (2004), realça que a convergência que existe entre turismo e cultura deve-se à ‘culturalização da sociedade’ e à ‘culturalização das práticas turísticas’, fenómenos que conjugados deram origem à designada ‘cultura do turismo’. Por outro lado, “o binómio cultura-turismo é o resultado dos processos de mercantilização e reificação da cultura e do património cultural” (Pérez, 2009: 112). Segundo Barretto (2007), é possível falar de uma ‘cultura do turismo’, dado que o turismo é também um fenómeno cultural historicamente determinado. Assim sendo, “poderíamos dizer que a cultura do turismo ou as culturas do turismo estão constituídas pelas regras que regem o comportamento dos turistas na fase de preparação durante as suas viagens e no regresso dos mesmos, regras estas que estão socialmente determinadas” (Barreto, 2007: 21). Para esta antropóloga, os estudos sobre as tipologias turísticas e sobre o comportamento dos turistas permitem atestar que existem culturas turísticas diferentes em função dos grupos sociais que as praticam. A autora refere que a cultura turística dos viajantes com níveis educacionais mais baixos é diferente da cultura turística daqueles que têm mais alfabetização. Por outro lado, argumenta que “são diferentes as regras para viajar, o porquê, o para onde e a forma” (Barreto, 2007: 22). De facto, as motivações, as expectativas e o consumo de experiências turísticas culturais variam de indivíduo para indivíduo.
A conceção de cultura associada ao turismo estabelece-se por meio do património cultural, sendo este o seu principal atrativo (Barreto, 2007). No entanto, essa relação é diversificada dado que cada país ou região responde de forma diferente aos desafios do turismo. Ou seja, trabalham o turismo em função da sua história e da essência da sua cultura. Cunha (2013) afirma que as relações entre turismo e cultura também podem ter um duplo sentido: Por um lado, existe o turismo como um ato cultural ou forma cultural, entendido como o investimento promocional da cultura. Por outro, o turismo cultural que permite ao homem o acesso às formas de expressão cultural proporcionando, deste modo, o encontro das culturas pré-existentes e estabelecendo relações com os valores adquiridos, promovendo e negociando o acesso a essa cultura e transformando-a num produto. Assim, e para este autor, é o turismo que combina diversos fatores para permitir que um indivíduo possa desfrutar de uma manifestação de expressão cultural, de heranças históricas, científicas ou do estilo de vida local de uma comunidade. A partir dessa relação é possível vislumbrar uma dinâmica que combina três elementos: cultura; turismo e desenvolvimento local sustentável do território (Cunha, 2013).
Para Cooper et al (2003), os principais temas que caracterizam a interface entre cultura e turismo são: a) a mercantilização onde a procura turística leva à transformação e, às vezes, à destruição do significado das perfomances culturais e eventos; b) a autenticidade encenada que pode ser vista através da realização de pseudo-eventos para satisfazer as necessidades e expectativas dos turistas; c) as experiências turísticas exóticas.
Segundo Mathieson e Wall (1982) existem três formas de cultura que atraem os turistas: a) As formas de cultura inanimada como, por exemplo, a visita a monumentos históricos; b) As formas de cultura retratadas na vida quotidiana do destino turístico e que, em muitos casos, constituem uma das motivações principais para muitos turistas; c) As formas de cultura especialmente animadas e que podem envolver acontecimentos especiais como, por exemplo, as feiras medievais ou festas com tradições culturais.
De acordo com Ashworth e Pompl (1993), a relação entre turismo e cultura pode ser estruturada em três formas: A primeira forma estabelece-se entre o turismo e a arte. Nesta relação, a cultura pode ser usada como um atributo para atrair turistas a determinados destinos. Espetáculos de música, teatro, museus e galerias de arte são algumas das atrações que compõem o chamado produto turístico ligado às artes. Assistir, por exemplo, a espetáculos na condição de turista pode conferir status a algumas pessoas e confirmar a integração num determinado grupo social (Henriques, 2003). Por outro lado, Hughes (2002) considera que a combinação de cultura e turismo numa viagem de férias ligada às artes pode ser um modo efetivo de demonstrar identidade, superioridade e diferenciação. A segunda forma da relação entre turismo e cultura está relacionada com o turismo e o património monumental. Neste caso, a cultura assume uma dimensão mais ampla agregando, para além das atividades artísticas, o património histórico construído (Henriques 2003). A terceira forma estabelece-se entre o turismo e um lugar específico que compreende, na sua totalidade, a gastronomia, o folclore e outras manifestações culturais enraizadas no espírito do lugar.
Saliente-se que as identidades e diferenças culturais, transformadas em produtos de consumo, têm contribuído claramente para o desenvolvimento do turismo em muitas localidades. De facto as diversidades culturais, concretizadas através do património cultural material e imaterial, constituem o grande atrativo para o desenvolvimento do turismo regional ou local. Tais diferenças fazem com que o turismo conquiste uma maior visibilidade no mercado que, atualmente, está cada vez mais competitivo e globalizado. Portanto, o turismo vive muito da diversidade cultural existente em todo o mundo, daí que exista uma forte ligação do turismo com a cultura. Por isso, “é impossível desconsiderar a cultura como uma das mais importantes motivações das viagens turísticas” (Ruschmann, 2008: 50).
A cultura é o grande vetor que torna possível conhecer os pormenores de uma região ou localidade e de um dado momento histórico sendo, dessa forma, um fator de grande relevância para os povos. Portanto, sem cultura não há turismo (Urry, 1996; Richards, 2007). Ou seja, “não pode existir turismo sem cultura, daí que possamos falar em cultura turística, pois o turismo é uma expressão cultural” (Pérez, 2009: 108). Ou seja o turismo, pela sua essência e natureza, implica uma procura pelas diferenças que são projetadas pela cultura material e imaterial. Assim, a cultura é “aquela cultura viva, praticada pela comunidade no seu quotidiano. Não é um espetáculo, que se inicia quando o autocarro de visitantes chega, mas uma atividade que a comunidade exerce rotineiramente” (Gastal, 1998: 129). É verdade que o turismo, sobretudo quando em excesso, pode afetar a arena cultural de uma região ou localidade, mas também é um facto que ele surge como um instrumento de reafirmação de culturas. Note-se que uma das grandes tendências na revitalização de um local está no desenvolvimento de uma herança, ou seja, na preservação da história dos lugares, do seu património, das suas gentes e dos seus costumes culturais.
Os destinos turísticos de maior sucesso são aqueles que conseguem criar uma sinergia positiva entre cultura e turismo (Richards, 2009) e, por isso, a exploração da cultura enquanto atributo distintivo de cada lugar é, cada vez mais, estimulada pelos promotores do turismo. Os destinos para conquistarem turistas precisam de os estimular de uma forma atrativa e sedutora. Note-se que “a maneira pela qual os destinos são apresentados ou a promessa é retratada, é fundamental para a decisão de compra dos turistas” (Ruschmann, 2001: 12). Deste modo, os promotores do turismo procuram criar significados que possam contemplar o ‘olhar’ dos turistas. Ou seja, atrações inventadas, construções de significações culturais para encantar as expectativas dos visitantes (Urry, 1996). Assim, “é o diferente que a sociedade anfitriã sabe que deve exibir enfaticamente, consciente do que se espera dela por parte de quem acorre turisticamente a visitá-la. Os turistas, pela sua parte, não esperam na realidade nada de novo, nada distinto do que viram nas fotografias exibidas nos livros ou nas revistas de viagens, nos postais turísticos, nos documentários de televisão…Chegaram até aí somente para confirmar que tudo o que foi mostrado em sonhos existe de verdade” (Ruiz, 2000: 34).
3- O TURISTA CULTURAL
Atualmente assiste-se cada vez mais a um aumento de visitas culturais por todas as partes do mundo que se deve, sobretudo, ao facto de mais e mais atrações turísticas serem definidas como culturais (Richards, 2001). Por outro lado, o consumo da cultura está cada vez mais influenciado pelo processo de decisão e seleção dos turistas. Esta procura pelo consumo da cultura depende de uma série de fatores como, por exemplo, das imagens veiculadas pelos meios de comunicação, da globalização e da disponibilidade de tempo. De certa forma, a componente cultural subjaz na totalidade das deslocações turísticas, uma vez que a curiosidade em conhecer outras formas de vida e outros lugares está na mesma génese do fenómeno turístico (Vaquero, 2006). Para este autor, existe uma vasta gradação na intensidade da motivação cultural relacionada com a finalidade da visita e, por isso, este fator possibilita a diferenciação do turismo cultural como modalidade turística.
Cada destino possui uma marca própria, uma singularidade que o torna diferente dos outros (destino gastronómico, destino literário, destino patrimonial, destino artístico, etc.) e, por isso, torna-se um atrativo diferencial para muitos dos visitantes com motivações culturais. O turista cultural quando viaja procura a diferença, ou seja, peculiaridades diferentes da sua zona de origem, dos seus hábitos e costumes. A inserção do turista como ‘ator do cenário’, que vivencia e experimenta o que acredita ser algo ‘real’ na cultura local ou regional, faz com que esse ‘novo turista’ tenha, de certa forma, uma experiência profunda e autêntica do lugar (Avighi, 2001). De acordo com este autor, “o viajante de vanguarda procura a realização interior e dá ênfase ao meio ambiente, à compreensão da cultura e da história de outros lugares, quer conhecer povos e se enriquecer culturalmente” (Avighi, 2001: 102).
O turista cultural procura relacionar-se com a comunidade, valorizar a cultura em toda a sua complexidade e singularidade. Ele movimenta-se à procura de ícones que, de certa forma, caracterizam a identidade local/regional e a memória coletiva. Stebbins (1996) defende que alguns dos turistas culturais são como que profissionais nas suas convicções, ou seja, são motivados pela sua perseverança, chegando a fases de aquisição de conhecimentos especializados, tornando-se membros de um mundo distinto, na formação de identidade e o desejo de atingirem vantagens a longo-prazo. Portanto, o turista cultural é aquele para quem a cultura assume um papel fundamental no processo de decisão da escolha do destino e nas atividades (passivas ou ativas) que ele desenvolve durante a sua permanência no local visitado. Todavia, o aprofundamento do conceito de turista cultural exige uma “clarificação na determinação da razão primeira da deslocação, ou seja, requer a determinação se estamos perante um indivíduo motivado a viajar por razões de turismo cultural, ou se estamos perante um indivíduo que procura profundas experiências culturais quando viaja” (Henriques, 2003: 105).
A motivação do turismo cultural é multidimensional e, por isso, o turista cultural não procura uma única experiência na sua viagem. Andrade (2002) refere, por exemplo, que a motivação do turismo cultural depende mais dos turistas como elementos ativos do que da cultura dos anfitriões que eles visitam, pois “…a simples oportunidade de constatação de realidades estranhas pode ser insuficiente para que elas se tornem, de facto, conhecidas” (Andrade, 2002: 71). O autor considera ainda que a motivação cultural consiste no desejo ou necessidade do turista participar em ambientes e sociedades diferentes do que aqueles que lhes são próprios. Assim, o turista dispõe-se a interferir e a integrar-se num processo cultural, como elemento ativo e passivo de influência. Se o turismo cultural lida com a identidade das sociedades e as diversidades culturais, então, a motivação do turista corresponde à procura do conhecimento e à satisfação da curiosidade em relação ao património cultural material e imaterial. Smith (2003) estabeleceu uma distinção entre o pós-turista e o turista cultural, onde confirmou que podem existir diferenças nos seus interesses, motivações e expectativas (Quadro II).
Quadro II: O pós-turista e o turista cultural
Pós-turista |
Turista cultural |
¨Gosta das experiências simuladas; ¨Pouca diferença entre o turismo, o lazer e o estilo de vida; |
¨Interessa-se pela deslocação pessoal ao lugar e valoriza a noção de viagem; |
Fonte: Smith (2003: 35)
Para muitos turistas, uma visita a uma atração cultural e patrimonial representa uma atividade secundária da viagem e não a razão principal para viajar (McKercher e Cros, 2002). Os autores sublinham que alguns turistas culturais são primariamente motivados a consumir as questões culturais ou patrimoniais de uma região e procuram, desta forma, uma experiência cultural profunda ao fazê-lo. Por outro lado, argumentam que outros turistas podem ser igualmente bastante motivados para tais visitas, mas têm uma experiência qualitativamente diferente; enquanto para muitos outros, o turismo cultural desempenha um papel relativamente pequeno na decisão para visitar um destino. “Na verdade o turismo cultural pode não desempenhar nenhum papel na escolha de um destino, se bem que alguns turistas visitem atrações culturais” (McKercher e Cros, 2002: 139). Os autores identificaram cinco tipos de turistas culturais baseados na centralidade do motivo da viagem e na profundidade da experiência (Figura I):
Figura I: Tipologia do turista cultural
Fonte: McKercher e Cros (2002: 140)
1- Turista Cultural (Purposeful) – Centralidade do motivo alta e experiência profunda: Viaja por motivos culturais e procura uma experiência cultural profunda. Portanto, possui um elevado envolvimento com as atrações culturais visitadas e procura adquirir conhecimento sobre elas. É o caso, por exemplo, do turista que procura interpretar a cultura patrimonial do destino que visita;
2-Turista Cultural (Sightseeing) – Centralidade do motivo alta e experiência superficial: Viaja por motivos culturais, mas a experiência é mais superficial. Procura visitar essencialmente as atrações culturais mais importantes. A sua viagem está mais orientada para o lazer. É o caso, por exemplo, do turista que procura visitar e observar os atributos culturais (museus, etc.) do destino;
3- Turista Cultural (Casual) – Centralidade do motivo modesta e experiência superficial: A cultura é um motivo fraco para visitar um destino, e o resultado da experiência é superficial. No entanto, visita os principais ícones culturais do destino divulgados, especialmente, pelos meios de comunicação;
4- Turista Cultural (Incidental) – Centralidade do motivo baixa e experiência superficial: Não viaja por razões culturais, mas durante a sua estada participa em atividades de turismo cultural, tendo uma experiência superficial. É o caso do turista que tem como principal motivação um destino de sol e mar mas que, depois, visita de forma passiva atrações culturais;
5- Turista Cultural (Serendipitous) – Centralidade do motivo baixa e experiência profunda: Não viaja por razões culturais, ou seja, a cultura ou o património possui pouca importância na decisão de visita ao destino. Todavia, uma vez no destino visita ou participa em atividades culturais e, assim, acaba por beneficiar de uma experiência de turismo cultural profunda. Trata-se, por exemplo, de um turista que ao chegar a determinado destino tem conhecimento de um festival e participa ativamente nele adquirindo uma experiência educativa.
Através da Figura (I), e segundo McKercher e Cros (2002), verifica-se que o eixo horizontal reflete a centralidade do turismo cultural na decisão global para visitar um destino. Segundo o autor, este eixo confirma que o papel que este tipo de turismo desempenha no processo de decisão para visitar um destino turístico pode estar relacionado com a motivação ou não. Por sua vez, o eixo vertical representa a profundidade da experiência. Ou seja, os autores consideram que o desenvolvimento de uma tipologia de turistas culturais deve passar por duas dimensões:
a) Centralidade da experiência:Nem todos os turistas culturais são semelhantes e, por isso, qualquer tipologia de turistas culturais deve reconhecer a centralidade ou a primazia do turismo cultural na decisão de visitar um destino turístico. Para alguns indivíduos a possibilidade de adquirirem uma experiência cultural ou patrimonial conduzirá à decisão da viagem. Alguns podem planear ter uma experiência de turismo cultural como importante, mas não determinante na sua viagem. Outros, não planeiam visitas a atrações culturais ou patrimoniais, mas apesar disso visitam alguns sítios durante as suas viagens. De facto, algumas pessoas estão mais motivadas para participar em turismo cultural do que outras.
b) Profundidade da experiência:Diferentes tipos de turistas procuram benefícios das atrações que visitam. Por outro lado, os turistas possuem diferentes condições para se envolverem com as atrações culturais e patrimoniais baseadas num conjunto de fatores, os quais incluem o seu nível de educação, o conhecimento do lugar antes da visita, o seu interesse nesse sítio e o significado que este tem para ele e a disponibilidade de tempo.
Assim, a centralidade e a profundidade da experiência existem ao longo de um continuum, ou seja, não estão separadas. Portanto, a centralidade da cultura pode ser a razão principal pela qual um turista escolhe um destino, mas também pode desempenhar um papel secundário. Noutros casos, não desempenha nenhum papel na seleção do destino. Por outro lado, a profundidade da experiência é variável oscilando entre uma experiência ligeira ou superficial e uma experiência profunda e orientada para a aprendizagem (McKercher, 2002).
Note-se que todas as tipologias do turista cultural ilustradas (Figura I) podem ser encontradas ao mesmo tempo num destino turístico. A mistura de todos os tipos de turistas muda de destino para destino dependendo das características do próprio lugar, da atração a ser visitada no interior do destino e da origem do turista cultural (McKercher e Cros, 2002). Por outro lado, os autores referem que o conhecimento geral do lugar e a sua reputação como turismo cultural influenciam também o tipo de visitante. De facto, aqueles destinos que apresentam características culturais e patrimoniais bem conhecidas como, por exemplo, as cidades históricas classificadas como património da humanidade, não só atraem um maior número de turistas do que os destinos menos conhecidos, como também atraem mais turistas com propósitos culturais. Assim, “os turistas decidirão visitar tais lugares devido ao seu renome cultural e patrimonial. Se estes turistas procuram uma experiência profunda ou ligeira é um caso aberto para debate” (McKercher e Cros, 2002: 144).
Sublinhe-se que muitos turistas, no processo de decisão de escolha da sua viagem, expressam um forte desejo em conhecer e aprender algo sobre outros povos e outras culturas, mas depois podem envolver-se apenas numa experiência superficial. Tal é o caso do turista de observação, ou seja, que se limita apenas a observar os sítios. Aliás, não é por uma região ou localidade serem famosas (pelas suas características culturais) que serão bem conhecidas pelos turistas. Pois muitos dos turistas, influenciados especialmente pela informação turística dos media, visitam essa região ou localidade apenas para obterem status social. Os media promovem a imagem de certos destinos turísticos definindo-os como distintos e elegantes. Esse pormenor faz com se crie um determinado status social e, portanto, visitar esse destino passa a ser moda. Por isso, para estes turistas o importante não é o conhecimento e a aprendizagem sobre as atrações ou manifestações culturais, mas sim a possibilidade de visitar um lugar em evidência. Saliente-se que alguns turistas ou visitantes apresentam, por vezes, um desconhecimento cultural sobre o lugar ou, então, visitá-lo-ão com um conhecimento tão limitado que será impossível para eles ter uma experiência profunda. Outros, em muitos casos, procuram envolver-se numa experiência intencional de turismo cultural. A presença dos diferentes tipos de turistas culturais em qualquer destino será também influenciada pela origem desses visitantes (McKercher e Cros, 2002). Os autores argumentam que, para os visitantes internacionais quanto maior for a distância entre a cultura anfitriã e a cultura do viajante maior será a atração que o destino exercerá nos turistas com fortes motivações culturais. Por outro lado, os turistas domésticos preferem experiências culturais turísticas quando os lugares que eles visitam refletem uma maior proximidade cultural. Sublinhe-se que esta questão é discutível se bem que a proximidade cultural seja um elemento fundamental para a satisfação identitária dos turistas domésticos.
Outra tipologia pode ser encontrada em Jansen-Verbeke (1997), que num estudo sobre as motivações dos turistas culturais, desenvolveu três tipos:
a) Turista de motivação cultural: seleciona o destino em função das características culturais que ele apresenta. Está altamente motivado para aprender e, por isso, passa vários dias na região ou cidade visitada. Portanto, é aquele turista que viaja intencionalmente para visitar os atributos culturais de um destino e que procura essencialmente uma experiência educativa.
b) Turista de inspiração cultural: aquele turista que é atraído pelas manifestações culturais específicas de um destino. Ou seja, as visitas incluem lugares culturais com prestígio turístico reconhecido como, por exemplo, Dublin (Irlanda) que foi reconhecida pela UNESCO, em 2010, como cidade da literatura.
c) Turista atraído pela cultura: o destino não é selecionado pela oferta cultural. No entanto, e uma vez no lugar, aproveitam as oportunidades culturais disponíveis.
4-CONCLUSÃO
O turismo baseado na cultura ganha cada vez mais força porque, independentemente dos motivos pelos quais a deslocação desse turismo ocorre, existe um elemento comum a quase todas as experiências da viagem turística: a curiosidade do turista para com a cultura das outras sociedades, ou seja, uma cultura que não é a sua. Portanto, todo o turismo é cultural, uma vez que toda a deslocação de pessoas para um lugar diferente, que não o da sua ambiência normal, oferece o acesso a novas experiências, encontros com outras realidades e aquisição ou aprofundamento de conhecimentos culturais. Por outro lado, e pelo que foi exposto, pode-se afirmar que a relação do turismo com a cultura fundamenta-se num importante pilar: a existência de pessoas com interesse em conhecer diversas culturas.
Relativamente ao turista cultural, considera-se que ele pode ter diferentes motivações, ou seja, pode viajar por motivos especificamente culturais ou pode conciliar as atrações culturais com o principal motivo da sua viagem. Saliente-se, todavia, que um indivíduo pode assumir diversos papéis nas suas viagens. Ou seja, o turista numa viagem (x) pode adotar características de um turista cultural acidental, mas numa viagem (y) pode assumir particularidades de um turista cultural motivado. Por isso, “…não podemos esperar que as pessoas se projetem apenas como um tipo de turista: as pessoas podem mover-se entre tipos e destinos dependendo de oportunidades e de múltiplas necessidades de expressão, de realização ou de fuga” (Prentice, 2004: 276). Aliás, Seaton (2002) argumenta que para realizar perfis e tipologias de turistas culturais, de forma a entender melhor as suas motivações, é necessário analisar os papéis temporais e não os papéis permanentes de cada turista. Portanto, o turista pode adotar diferentes personalidades na sua visita a um destino. Assim, é “interessante caracterizar os turistas de acordo com os papéis que eles desempenham e a personalidade a adotar, embora tenha sido debatido que a maioria dos turistas não o faz conscientemente” (Smith, 2003: 36).
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Recibido: 19/12/2013
Aceptado: 10/02/2014
Publicado: Junio 2014
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