Raquel Mª Fontes do Amaral Pereira (CV)
INTRODUÇÃO
Os municípios do litoral de Santa Catarina vêm registrando, nas últimas décadas, uma expansão urbana responsável por profundas transformações sócio-espaciais, decorrente do crescimento da população residente e do aumento de veranistas e turistas, promovido pela ampliação e melhoria da malha rodoviária estadual que estimulou a proliferação de grandes empreendimentos imobiliários e a implantação de novos atrativos turísticos. Essa dinâmica recente resulta de “múltiplas determinações” que extrapolam os limites físicos do próprio espaço em análise e para o qual tem afluído, ao lado de veranistas, um expressivo número de turistas, especialmente na alta temporada. Diferentemente dos estados vizinhos (Rio Grande do Sul e Paraná), Santa Catarina não possui grandes metrópoles, muito embora apresente uma nítida concentração de núcleos urbanos na fachada atlântica e nos vales florestados da vertente do interior, áreas de domínio da pequena produção mercantil. Essa singularidade, aliada ao processo de povoamento e colonização, ajuda a entender às características da rede urbana catarinense, visto que a falta de unidade espacial deu origem a várias sub-regiões urbanas independentes, cuja compreensão exige, também, a apreensão do processo de implantação das atividades primárias e secundárias em Santa Catarina (Mamigonian, 1966, p.35). Impulsionadas nas últimas décadas por um novo dinamismo econômico e demográfico, as cidades litorâneas de Santa Catarina vêm passando por grandes mudanças na sua configuração sócio-espacial, sobretudo as que se localizam ao longo do eixo da BR-101, importante rodovia federal que corta o litoral de Santa Catarina no sentido norte-sul, cuja porção norte já está duplicada. Dados econômicos e demográficos recentes atestam o acelerado crescimento dos municípios situados ao longo da BR 101, especialmente entre a capital do estado (Florianópolis) e Joinville, o município economicamente mais rico e mais populoso do estado. Nesse trecho se concentram seis dos dez municípios catarinenses com maior população, bem como os principais pólos turísticos de Santa Catarina, dentre os quais se destacam Florianópolis e Balneário Camboriú. Muito embora Florianópolis não seja o município com maior população, a região metropolitana da capital do estado é, sem dúvida, o maior aglomerado urbano catarinense no qual vem ocorrendo, nas últimas décadas, grandes transformações sócio-espaciais. O sistema urbano de Santa Catarina, analisado no contexto sul-brasileiro, apresenta algumas especificidades estreitamente vinculadas à configuração do quadro natural marcado pela presença de várias regiões, separadas não só pelas escarpas das Serras do Mar e Geral, como também pela presença de numerosos vales atlânticos que desembocam diretamente no oceano, como também pelos vales da vertente do interior, pertencentes às bacias do Rio Uruguai e do Rio Iguaçu, bem como à gênese e evolução das formações sócio-espaciais catarinenses caracterizadas pelo predomínio do latifúndio agropastoril no planalto e da pequena produção mercantil no litoral e encostas (Vieira & Pereira, 1997, p. 459).
A ocupação do litoral catarinense foi feita inicialmente pelos “vicentistas” (paulistas originários da capitania de São Vicente, que se deslocaram para o Sul acompanhando a orla marítima) seguidos pelos açorianos. Já a região do planalto, isolada do litoral pela barreira representada pelas serras, obstáculo natural que foi determinante para a evolução das duas regiões, teve seu povoamento iniciado com o ciclo do gado no século XVIII e por suas características naturais tornou-se propícia para a introdução da pecuária extensiva e extração vegetal. As raízes do povoamento da faixa litorânea datam do século XVII com a fundação dos núcleos de São Francisco, Desterro e Laguna, sendo esse último o povoado costeiro mais meridional do território colonial português. A situação de isolamento entre as duas macrorregiões (litoral e planalto) do estado de Santa Catarina, provocada pela barreira constituída pelas serras do Mar e Geral se prolongou praticamente até o século XX, dificuldade essa só superada com a construção e asfaltamento da rodovia federal BR-282. Havia, pois, um isolamento físico entre as localidades situadas no planalto e as que se localizavam na faixa litorânea já que as rodovias no sentido Leste-Oeste foram abertas somente no século XX, o que provocou o distanciamento entre estas duas áreas do estado de características naturais tão distintas, ocupadas igualmente por diferentes fluxos de povoamento. Como também não existem rios que cortem o território catarinense no sentido Leste-Oeste, as duas correntes de povoamento, a “vicentista” e a açoriana do litoral e a paulista no planalto, se mantiveram isoladas praticamente até a chegada dos imigrantes europeus que promoveram uma nova dinâmica sócio-espacial em Santa Catarina (Bittencourt, 1999, p.27). Ao se iniciar a fase do Brasil Independente, os numerosos vales fluviais e as imensas áreas florestais situadas na porção ocidental do planalto catarinense ainda permaneciam praticamente virgens (Pereira, 2011, p.25), pois foi apenas na segunda década do século XIX que se estabeleceram no sul do Brasil as primeiras colônias alemãs. Particularmente no caso de Santa Catarina, foi fundada a colônia São Pedro de Alcântara, em 1929. A instalação desses imigrantes em pequenas propriedades abriu um novo ciclo povoador caracterizado pela sucessão de várias correntes de imigrantes que foram se estabelecendo, inicialmente, no Vale do Itajaí (Blumenau, em 1850) e no norte do estado (Joinville, em 1851). Como destaca Mamigonian (2000, p.43), diferentemente de São Paulo onde a pequena produção mercantil se insere espacialmente no interior da estrutura latifundiária cafeicultora, em Santa Catarina ela se instala paralela à estrutura latifundiária de forma muito mais dinâmica do que a alcançada pela pequena produção dos colonos açorianos, apesar dessa última ter levado ainda no período colonial a produção de gêneros alimentícios do litoral catarinense, à posição de destaque no período colonial. Ainda no final do século XIX, colonos italianos juntaram-se aos primeiros imigrantes, ocupando as bordas de áreas povoadas pelos alemães e fundando novos núcleos de colonização no litoral sul de Santa Catarina que se expandiram rapidamente. A ocupação do território catarinense se completou apenas nas primeiras décadas do século XX, com a comercialização de glebas de terra situadas na porção oeste do planalto, num fluxo de colonização originário do Rio Grande do Sul. A diversificada pequena produção mercantil rural desses núcleos de colonização produz excedentes comercializados através do sistema colônia-venda, possibilitando a aquisição de outras mercadorias que, articulado às complexas relações sócio-econômicas inter e extra-regionais decorrentes da evolução do capitalismo no Brasil, intensifica o fluxo de produtos, o que implica na necessidade de abertura de novas vias de comunicação entre essas diferentes áreas do território catarinense.
1- A EVOLUÇÃO DO SISTEMA RODOVIÁRIO DE SANTA CATARINA
1.1 As estradas pioneiras
A rede de comunicações que se instala gradativamente no Brasil meridional após o descobrimento segue duas tendências: uma marítima, ou seja, os diferentes pontos do litoral se comunicavam através das embarcações que desciam e subiam a costa brasileira através da navegação de cabotagem e a outra compreendida pelas picadas abertas pelos indígenas, chamados Peabirus que permitiam o deslocamento a pé, associado à navegação em alguns trechos de rios que seguiam para o interior do continente, utilizando canoas fabricadas a partir de troncos de árvores. Como os índios praticavam o semi-nomadismo, um importante peabiru aberto pelos indígenas que ficou famoso na história por ter sido utilizado por desbravadores europeus, entre os quais Álvar Nuñes Cabeza de Vaca e Aleixo Garcia, era formado por uma complexa rede de trilhas que uniu o litoral atlântico aos Altiplanos andinos, funcionando como uma rota de comunicação com o império Inca (Santos, p. 32). Esse peabiru estendia-se por cerca de 3.000 quilômetros, atravessando os territórios dos atuais Peru, Bolívia, Paraguai e Brasil, colocando em contato a costa do Atlântico com a do Pacífico. Em outubro de 1541, Cabeza de Vaca saiu da Ilha de Santa Catarina e rumou numa expedição rumo ao norte e, tendo conquistado a amizade dos índios, atingiu o rio Iguaçu, adentrou em território do atual estado do Paraná, seguiu sertão adentro alcançando o rio Tibagi, “de onde despediu os índios catarinenses que lhe haviam servido de guias, enchendo-os de presentes – e foi atingir Assunção, depois de longa e penosa viagem, transpondo terras e vadeando rios desconhecidos...”, aonde chegou em março de 1542 (Cabral, 1968, p.25).
Como já foi destacado, o relevo de Santa Catarina nitidamente marcado por duas grandes regiões, promovia o isolamento entre a porção litorânea e o planalto. A dificuldade de articulação terrestre impediu até o século XX a circulação de pessoas e mercadorias entre essas duas áreas do território catarinense, apesar da presença de inúmeros vales em contato direto com o mar. Não por acaso a constituição do território catarinense foi definida por alguns autores, como é o caso de Mamigonian (1986, p. 104) como um território de passagem atravessado basicamente por duas linhas de comunicação: uma que seguia pelo planalto a qual tem sua origem relacionada ao caminho das Tropas e que acabou dando origem a BR 116 e a outra acompanhando a orla litorânea, representada atualmente pela BR 101.
Segundo Barbosa (2010, p.22), grande parte das estradas abertas no estado de Santa Catarina foram consolidadas e expandidas somente a partir da Independência, com a chegada das novas frentes de colonização que promoveram a diversificação da produção, o aumento do comércio e um acelerado ritmo de crescimento populacional. A Vinda da Família Real para o Brasil e a Abertura dos Portos, em 1808, representaram um estímulo às atividades comerciais no território colonial e a formação de uma classe social vinculada ao comércio de importação e exportação no novo país, até então comandado por uma classe de vassalos (do rei de Portugal) e de senhores de escravo. É ainda Barbosa que salienta as dificuldades de superar as características impostas pelo quadro natural catarinense e a difícil tarefa de abrir as primeiras vias terrestres de comunicação, de modo a favorecer a ligação dos diversos núcleos coloniais entre si e com os demais centros urbanos. Em artigo publicado na Revista Brasileira de Geografia, Silva (IBGE, 1941) já identificava dois grandes sistemas de estradas em Santa Catarina: um no planalto e outro no litoral, citando as seguintes estradas pioneiras: 1) Ligação de Desterro a São Francisco do Sul; 2) Caminho de Viamão a Laguna; 3) Estrada dos Conventos; 4) Caminho das Tropas; 5) A estrada de São José a Lajes; 6) Estrada Dona Francisca.
1.2 O plano rodoviário nacional
Nos países de industrialização tardia, como é o caso do Brasil o processo de formação do parque industrial se faz através da substituição de importações, ou seja, a industrialização avança, conforme Singer, diante da implantação de ramos antes inexistentes cujos produtos eram até então importados de países mais desenvolvidos “ou ela reorganiza ramos manufatureiros pré-existentes, mediante a introdução de mudanças no processo de produção que permitem o aumento da produtividade através do uso da máquina.” (1986, p. 214).
Até 1930, as duas vias de industrialização estavam severamente comprometidas no Brasil, isso porque o custo do transporte aumentava a tal ponto o valor do produto importado que tornava a produção nacional mais onerosa. Por outro lado, a proteção oferecida pelas tarifas aduaneiras não garantia ao produto fabricado no país uma vantagem competitiva que fizesse o consumidor brasileiro dar preferência ao produto nacional. Assim, a substituição de importações dependia de uma margem de proteção que não foi concedida aos produtos fabricados no Brasil antes de 1930, sobretudo porque a oligarquia cafeicultora detentora da hegemonia política priorizava a produção para o mercado externo, temendo que uma política protecionista muito escancarada pudesse provocar discriminações e/ou represálias contra as mercadorias brasileiras, especialmente o café, compradas pelos países industrializados. A evolução da produção industrial brasileira dependia da unificação física do mercado interno através de um sistema adequado de transportes, apesar da visível expansão da rede ferroviária que passou de 9.320 km, em 1888 a 31.857 km, em 1928 (Singer,1986, p. 215). Essa rede servia basicamente à produção para o mercado externo (agro-exportação), pois era constituída por ferrovias regionais que ligavam diretamente as regiões produtoras aos portos exportadores. Isso significa dizer que não havia uma interligação entre esses sistemas regionais, prejudicados também pela diferença de bitola que exigia a transferência das cargas, encarecendo o transporte.
A política desencadeada por Getúlio Vargas, após a Revolução de 1930, age no plano espacial no sentido de eliminar os mercados regionais e iniciar a formação de um mercado nacional, baseado no sistema rodoviário. Na verdade, o que ocorre no Brasil a partir de 30, relativamente às relações de produção, é a articulação da “via prussiana” segundo a qual as mudanças exigidas por pressão de baixo são controladas e implementadas de cima para baixo, pelo Estado. Com o fim das oligarquias regionais dominantes, ligadas ao mercado externo (esvaziamento do poder dos cafeicultores), segundo Ignácio Rangel, uma nova composição de classes chega ao poder: os latifundiários que, como sócios hegemônicos, vão dirigir esse processo, tendo como aliados os representantes do capital industrial, defensores, naquele momento, da expansão do mercado interno que dependia da unificação de “cada uma das ilhas que então compunham o arquipélago econômico brasileiro, quase sem intercâmbio entre si, quase inteiramente orientadas para os mercados exteriores” (1981, p. 25). O Brasil, porém, só teria uma política rodoviária nacional a partir da criação do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, em 1937. A eclosão da II Guerra Mundial impediu crescimento da rede rodoviária, favorecendo nesse período uma maior utilização das ferrovias, em virtude das dificuldades de importação de petróleo.
A história das rodovias brasileiras, enquanto rede nacional de transportes começa a tomar forma a partir da segunda década do século XX, época em que os dados estatísticos passam a comprovar que “o automóvel, o caminhão e os combustíveis derivados do petróleo passam a ocupar um lugar cada vez mais importante na pauta das importações” (Singer, 1986, 261). Corroborando com essa realidade, o Governo de Washington Luís Pereira de Sousa, adotou o lema “Governar é abrir estradas”, sendo construída nesse período a rodovia que liga o Rio de Janeiro à São Paulo, bem como a que liga o Rio de Janeiro à Petrópolis. Na década seguinte, em 1937, foi criado o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – o DNER, com as seguintes metas, relativas às rodovias federais: “Construir e Conservar, Sinalizar e Policiar; Fiscalizar os Serviços de Transportes de Passageiros e Carga; Colaborar com os Estados em Questões Rodoviárias”. Com o final da “República Velha”, encerrada com a Revolução de 1930, a ditadura Vargas que se estendeu de 1930 a 1945, adotou um modelo econômico para o país que privilegiava o mercado interno, em substituição ao modelo anterior apoiado na agro-exportação do café, principal produto escoado pelo porto de Santos. A ação do Estado se fez no sentido de estimular a substituição de importações incentivando o desenvolvimento industrial, fato que passou a exigir a integração do mercado interno, priorizando a construção de estradas para facilitar a circulação de mercadorias e, consequentemente, quebrando as barreiras regionais. Para tanto, era preciso desestruturar os vários arquipélagos geoeconômicos espalhados pelo país, interligando-os visto que representavam potencialmente mercados consumidores para a indústria nacional nascente (Cunha, 2009). Foram, a partir de então, instituídos vários planos de base para a construção de rodovias, transformando a rede rodoviária na espinha dorsal do sistema de transporte no país, fato que contribuiu decisivamente para o desenvolvimento do capitalismo industrial. Convém destacar que a introdução do sistema rodoviário estava em harmonia com os interesses hegemônicos naquele momento em que ascendiam ao poder, diante da fase depressiva do terceiro ciclo longo (1921-1948), os latifundiários feudais cuja produção destinava-se ao mercado interno, tendo como aliados a burguesia industrial emergente (Rangel, 1981).
O período da ditadura de Getúlio Vargas foi marcado por uma forte intervenção do Estado na economia, como planejador macroeconômico e executor de políticas para o desenvolvimento do parque industrial brasileiro que foi sendo gradativamente montado de modo a substituir as importações, pois, como destaca Rangel, diante da fase recessiva do ciclo longo que restringe as importações, o Brasil se industrializa substituindo produtos importados do centro do sistema capitalista, em especial da Inglaterra. Assim, a expansão industrial irá superar a agrícola graças a uma reorientação radical da economia, com ênfase na ação do Estado e em políticas protecionistas. A economia brasileira até então centrada nas exportações volta-se prioritariamente à produção para o mercado interno. Muito embora a discussão sobre a construção de rodovias tenha se iniciado na década de 1920, o governo Vargas aprovou, em 1934, o Plano Geral de Viação Nacional que contemplava todas as modalidades de transporte. Entretanto, é necessário salientar o fato de que a segunda Revolução Industrial (final do século XIX) penetrou no Brasil por meio do automóvel e do caminhão, que passaram a ser importados em larga escala. A implantação da indústria automobilística no território brasileiro, a partir de 1956, representou um grande estímulo para o desenvolvimento rodoviário nacional.
O automóvel, o caminhão e os combustíveis derivados de petróleo já vinham ocupando um lugar cada vez mais importante na pauta das importações brasileiras desde meados da década de 1920. A deflagração da Segunda Guerra Mundial, em 1939, deu início a um período de grandes incertezas para o comércio mundial, dificultando as importações, visto que todo o esforço produtivo estava direcionado para a guerra. Entretanto, foi na década de 1940 que a Via Anchieta, ligação rodoviária entre São Paulo e Santos e a Via Dutra, ligando São Paulo ao Rio de Janeiro, foram construídas. Nesse mesmo período foi implantada, em Volta Redonda (RJ), a Companhia Siderúrgica Nacional-CSN para a produção do aço. Financiada por capital norte-americano e localizada estrategicamente entre os dois maiores centros industriais do país, São Paulo e Rio de Janeiro, a CSN é um marco na industrialização brasileira. Foi também durante a guerra que o governo criou a Fábrica Nacional de Motores – FNM, a primeira empresa brasileira a produzir veículos. O fim da Segunda Guerra Mundial trouxe mudanças significativas, impondo uma nova ordem mundial caracterizada pela Guerra Fria e pela bipolaridade entre o mundo capitalista, liderado pelos Estados Unidos e o mundo socialista, liderado pela União Soviética. No Brasil, o Sistema Nacional de Viação – SNV aprovado pelo decreto Lei nº 8.463, de 27/12/1945, conhecido como Lei Joppert, foi outro marco histórico que deu condições legais, jurídicas e financeiras para criação de uma infra-estrutura rodoviária nacional no pós-guerra. No segundo governo de Getúlio Vargas, em 1953, foi estabelecido o monopólio estatal da exploração e refino do petróleo, com a criação da Petrobras. A implantação da Companhia Siderúrgica Nacional, em 1941 (embora a produção de aço só tivesse começado em 1947) e a criação da Petrobrás foram fundamentais para acelerar o desenvolvimento rodoviário, pois o Brasil passava a dispor, então, de aço para a construção de pontes e de asfalto para a pavimentação das estradas. Foi no governo de Juscelino Kubitschek que a malha rodoviária do país expandiu-se. Seu programa de governo visava completar a integração física do território nacional através da mudança da capital para o centro do país e da construção de uma ampla rede rodoviária para interligá-la às demais regiões do Brasil. Assim, em 1960, quando Brasília foi inaugurada como a nova capital do país as principais rodovias estavam praticamente prontas, o que deu um grande estímulo à indústria automobilística nacional implantada na Região Sudeste a partir de meados da década de 1950. As Diretrizes do Conselho Rodoviário Nacional, definidas em 1967, previam a integração do território brasileiro através de Rodovias Radiais, Longitudinais, Transversais, Diagonais e de Ligação, cada qual com um significado e sentido. As estradas radiais partem da capital federal em direção aos extremos do país (mar ou fronteira). A identificação é dada pelas letras BR em maiúscula, o primeiro algarismo é 0 e os seguintes variam de 10 a 90, sempre múltiplos de 10 e no sentido horário. Exemplos: Br-010 (Brasília – Belém), BR-020 (Brasília – Fortaleza), BR-040 (Brasília – Rio de Janeiro). Em Santa Catarina não existe nenhuma BR dessa natureza. Já as rodovias longitudinais são as que cortam o país na direção Norte-Sul. A nomenclatura é composta pelas letras BR, tendo como primeiro algarismo o número 1. As duas mais importantes rodovias longitudinais que atravessam o estado de Santa Catarina são a BR 101 e a BR 116. As rodovias transversais são as que cortam o território brasileiro no sentido Leste- Oeste. O primeiro algarismo é o 2 e os restantes variam de 00, no extremo Norte do país, a 50, em Brasília, e de 50 a 99 no extremo Sul. As diagonais são aquelas que apresentam dois modos de orientação: Noroeste-Sudeste ou Nordeste-Sudoeste. Sua nomenclatura é composta pelas letras BR em maiúscula e o primeiro algarismo é o número 3. As rodovias de ligação correspondem àquelas cujo traçado segue em qualquer direção, geralmente ligando rodovias federais, ou pelo menos uma rodovia federal a cidades ou pontos importantes ou ainda a nossas fronteiras internacionais. São designadas pela sigla BR, seguida do número 4.
O crescimento da rede de rodovias fez, naturalmente, crescer o número de veículos em circulação no país e o caminhão passou a ser o representante máximo dos transportes de cargas atuando em praticamente todos os segmentos de transporte. Por sua flexibilidade percorre os lugares mais difíceis e distantes.
1.3 As grandes rodovias de Santa Catarina
Como já foi colocado anteriormente, o desenvolvimento rodoviário brasileiro começou timidamente na década de 20, do século passado, no governo de Washington Luís, a partir do lema “Governar é abrir estradas”. Atualmente percebe-se que o maior adensamento rodoviário é encontrado nas regiões Sudeste e Sul do Brasil. No caso específico dos estados que integram a região Sul e, em particular do estado de Santa Catarina, o processo de integração do território foi bastante lento, tendo em vista que apenas na segunda metade do século passado é que o finalmente o litoral e o planalto foram interligados através da BR 282. O complexo rodoviário catarinense, responsável por praticamente todo o movimento de cargas e passageiros no Estado, é formado por rodovias federais, a cargo do DNIT 1; rodovias estaduais de responsabilidade do DEINFRA/SC 2 e rodovias municipais que são de responsabilidade das Prefeituras Municipais. Para que se tenha uma noção geral da ampliação da rede rodoviária catarinense, é importante destacar que apenas no período de 1965 a 1970, a extensão das estradas federais pavimentadas em território catarinense passou de 369 km para 907 km, enquanto a rede de rodovias estaduais pavimentadas cresceu de 446 km para 1.054 km (Pereira, 2003, p.115).
As mais importantes rodovias longitudinais (direção Norte-Sul) que cortam o território catarinense são a BR 101 que segue paralela ao litoral; a BR 116 que atravessa o estado passando por Mafra e Lages; a BR 153 é a quarta maior rodovia do Brasil, ligando a cidade de Marabá (Pará) ao município de Aceguá (Rio Grande do Sul), totalizando 4.355 quilômetros de extensão. Em Santa Catarina, a BR 153 corta o meio oeste, ligando Concórdia a Porto União; e a BR 163, com aproximadamente 3.500 quilômetros de extensão, dos quais cerca de 1.000 quilômetros ainda não asfaltados, interligando os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Pará.
A rodovia longitudinal BR 101 tem uma extensão aproximada de 4.100 quilômetros e seu traçado segue pelo litoral desde o estado do Rio Grande do Sul até o do Rio Grande do Norte. O trecho catarinense da BR 101 tem origem nas vias de comunicação ou caminhos que ligavam os diversos núcleos do litoral. As obras para sua construção demoraram dezoito anos para serem concluídas. Iniciada em 1953 e inaugurada em 1971, a BR 101 ao cortar o litoral catarinense deixou à vista suas belezas até então pouco conhecidas e proporcionou o desenvolvimento de vários núcleos de povoamento, tais como Tijucas, Biguaçu, São José e Palhoça e outras regiões ainda quase totalmente desabitadas. Ela teve um papel significativo para o aumento do fluxo turístico, sobretudo na alta temporada de verão constituindo via de escoamento para as praias catarinenses, não só de turistas argentinos e uruguaios, com o também de turistas procedentes de outros estados brasileiros. É responsável pela movimentação de passageiros e de mercadorias destinadas a outras regiões do país e sua conclusão no início da década de 1970 foi determinante para a expansão do turismo no estado. Como principais polos turísticos no litoral de Santa Catarina destacam-se Florianópolis e Balneário Camboriú, bem como outros municípios como é o caso de Itapema e Bombinhas. Eles têm em comum paisagens naturais exuberantes e os turistas que os visitam, especialmente nos meses de janeiro e fevereiro, acessam esses destinos de automóvel. Aliás, o automóvel é considerado um símbolo do capitalismo no pós-guerra, instrumento através do qual juntamente com outras melhorias técnicas, tal como as ocorridas no setor da aviação contribuíram para consolidar o turismo de massa a partir da segunda metade do século XX (Cunha, 2009, p. 67). No recente processo de concessão de rodovias federais, o governo de Luís Inácio Lula da Silva privatizou cerca de 2,6 mil quilômetros de rodovias federais que foram a leilão em 9 de outubro de 2007. O grupo espanhol OHL foi vencedor do leilão para explorar, mediante a cobrança de pedágio por 25 anos entre outras, das rodovias BR-116 (no trecho de São Paulo a Curitiba e de Curitiba à divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul) e BR-101, no trecho Curitiba (PR) – Florianópolis (SC) que passou a denominar-se Autopista Litoral Sul. A concessão passou a vigorar a partir de fevereiro de 2008 e o seu vencimento se dará em fevereiro de 2033. A Autopista Litoral Sul é uma das nove concessionárias da OHL Brasil S/A 3 e uma das maiores companhias do setor de concessão de rodovias do Brasil em km administrados.
Tabela 1: Evolução da Demanda Turística de Santa Catarina (1990-2012)
Total de Turistas (mil) Alta Temporada – Janeiro/ Fevereiro |
|||
Ano |
Nacionais |
Estrangeiros |
Total |
1990 |
810,6 |
120,8 |
931,4 |
1991 |
956,1 |
146,3 |
1.102,40 |
1992 |
1.091,50 |
247,8 |
1.339,30 |
1993 |
1.205,70 |
378 |
1.583,70 |
1994 |
1.205,20 |
335,2 |
1.540,40 |
1995 |
1.238,10 |
112,5 |
1.350,60 |
1996 |
1.443,30 |
117,7 |
1.561,00 |
1997 |
1.997,60 |
266,8 |
2.264,40 |
1998 |
1.661,40 |
153,6 |
1.815,00 |
1999 |
1.993,60 |
292,9 |
2.286,50 |
2000 |
2.255,90 |
465 |
2.720,90 |
2001 |
2.194,50 |
568,7 |
2.763,20 |
2002 |
2.001,00 |
158,9 |
2.159,90 |
2003* |
|
||
2004 |
2.712,10 |
246,9 |
2.959,00 |
2005 |
2.570,60 |
202,2 |
2.772,80 |
2006 |
2.937,50 |
211,7 |
3.149,20 |
2007 |
3.539,10 |
468,9 |
4.008,00 |
2008 |
3.794,30 |
509 |
4.303,30 |
2009 |
3.836,30 |
518,3 |
4.354,60 |
2010 |
4.750,12 |
414,97 |
5.165,90 |
2011* |
|
||
2012 |
4.441,76 |
419,10 |
4.860,86 |
* Não disponível no site da SANTUR
Fonte: Santa Catarina Turismo SA. SANTUR, 2013
A BR 101, embora não atravesse diretamente o município de Florianópolis, constitui uma importante rota turística, sobretudo na temporada de verão quando ao movimento de turistas nacionais soma-se o fluxo de turistas estrangeiros. Essa rodovia cumpre múltiplas funções dando vazão, ao mesmo tempo, ao tráfego local e ao de longa distância, encontrando-se atualmente em processo de duplicação, na porção sul do litoral. Em toda a orla costeira catarinense, em especial na região da Grande Florianópolis e da Foz do rio Itajaí-Açú, cujo trecho já se encontra duplicado, o intenso tráfego de mercadorias e de passageiros na BR-101 vem alterando a dinâmica sócio-econômica dos municípios situados nessa porção Centro-Norte do litoral de Santa Catarina.
Quanto à BR-116, sua origem está relacionada ao trajeto percorrido por tropas de gado da região dos pampas até a região de mineração a ser abastecida no centro do país. Tem início na cidade de Fortaleza, no estado do Ceará e término na cidade de Jaguarão, no estado do Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai. A extensão total dessa rodovia é de aproximadamente 4.385 quilômetros, passando por dez estados e ligando importantes cidades brasileiras.
O alto índice de urbanização da região, por sua vez, está a exigir investimentos em obras nos pontos críticos das rodovias estaduais SC-474 (Massaranduba/Blumenau), a SC 418 (Rodovia João Karsten), que liga Pomerode à BR-470, a SC-477 (Timbó/BR 470) e SC-470 (Gaspar/Blumenau), sobretudo para a construção de trevos de acesso dos municípios da região a essas rodovias, bem como de anéis viários que impeçam a passagem do trânsito pelo centro das cidades. Por fim, é necessário acrescentar que tanto a BR 470 como a SC 470 são rodovias de intenso movimento por escoarem a produção regional. Nas suas margens estão localizadas grandes empresas, escolas e moradias, com trânsito intenso de alunos e trabalhadores, aos quais se soma na alta temporada de veraneio o trânsito de turistas que se deslocam para o litoral catarinense. Por outro lado, a rodovia transversal BR-282 que liga o extremo-oeste ao litoral de Santa Catarina é a principal e mais extensa via no sentido leste-oeste, partindo de Florianópolis para atingir a fronteira com a Argentina, permitindo a chegada às praias de turistas e veranistas procedentes do interior do estado (planalto, meio-oeste e extremo oeste). Conhecida pelos catarinenses como a rodovia da integração do território estadual, a BR-282 atravessa inicialmente a região da Grande Florianópolis, uma área litorânea com grandes densidades demográficas na qual se concentram alguns dos maiores municípios do estado em população, entre os quais se destacam São José e Palhoça. Após a subida da serra, chega ao planalto de Lages, onde há um importante entroncamento rodoviário para os estados vizinhos e região oeste catarinense. Nessa última, a mais ocidental de Santa Catarina, a rodovia exerce um papel fundamental para o “escoamento de uma das maiores produções de aves e suínos do mundo, além de atender a uma elevada demanda de circulação da população local, funcionando como única via que interliga os municípios do oeste catarinense diretamente à capital” (Barbosa, 2010, p.9).
Na rede de estradas da Ilha de Santa Catarina, merece destaque a SC 401, rodovia fundamental para o desenvolvimento das praias do norte da Ilha que são as que recebem o maior fluxo de turistas. A SC-401 localiza-se inteiramente na parte insular da cidade de Florianópolis e constitui a principal ligação entre o Centro da cidade e o Norte da Ilha, estendendo-se do bairro do Itacorubi até o bairro de Canasvieiras. Inicialmente duplicada até Jurerê, teve recentemente sua duplicação ampliada até a praia de Canasvieiras. Desde os anos 1970 quando foi asfaltada representa a principal via de acesso às praias localizadas no norte da Ilha, tais como Ingleses, Ponta das Canas, Canasvieiras, Praia Brava, Daniela, Jurerê e Jurerê Internacional, as mais procuradas pelos turistas estrangeiros, sobretudo argentinos. Nela os engarrrafamentos são constantes em períodos de intenso movimento de turistas (final de ano, mês de janeiro, período do Carnaval) e até mesmo nos finais de semana, visto que as praias mais procuradas de Florianópolis são justamente as que se situam no norte da Ilha. Através da SC 401 pode-se acessar também os bairros de Santo Antônio de Lisboa, Cacupé, Vargem Grande, além de Ratones e outros.Essa rodovia possui uma praça de pedágio desativada por pressão das comunidades locais que se posicionaram contra a obrigatoriedade de pagamento de pedágio para transitar dentro do próprio município. Outra importante rodovia da Ilha de Santa Catarina, o maior polo receptor de turistas do estado, é a SC 404, também conhecida como Rodovia Admar Gonzaga, que liga o bairro do Itacorobi à Lagoa da Conceição, destino muito procurado pelos turistas. A estrada é bastante sinuosa e possui uma subida bastante íngreme, sendo que do seu ponto mais alto se descortina a bela paisagem da Lagoa da Conceição, cartão postal de Florianópolis e um dos lugares mais procurados pelos turistas que visitam o estado. O intenso trânsito no verão e nos finais de semana mantém a estrada constantemente engarrafada, dificultando a circulação da população local e de turistas. Assim como em outras rodovias catarinenses de tráfego intenso, na SC-401 e na SC 404 são frequentes os acidentes envolvendo veículos de turistas e moradores locais. São também frequentes os deslizamentos de terras no período de chuvas intensas, comprometendo ainda mais a circulação de veículos.
2- DIAGNÓSTICO DA MALHA RODOVIÁRIA CATARINENSE
2.1 Seu traçado e a relação com o turismo
O adensamento da população no litoral brasileiro tem, como é sabido, raízes históricas, em conseqüência do próprio processo de colonização. Dentre os estados que integram a Região Sul do Brasil, porém, Santa Catarina é o único que, desde o início da colonização, concentra o maior contingente populacional na faixa costeira, onde foram surgindo vários povoados. A concentração de núcleos urbanos ao longo do litoral pode ser explicada pelas características do seu quadro natural e pela evolução do processo histórico de ocupação do território, sendo reforçada pela melhoria gradativa das vias de comunicação que fomentaram interações espaciais mais eficientes no fluxo de pessoas, mercadorias, capital e informações.
O litoral do Estado de Santa Catarina se estende por 561,4 km, desde a foz do Rio Saí-Guaçú, na divisa do Estado do Paraná, até a foz do rio Mampituba, na divisa com o Estado do Rio Grande do Sul. Pontilhada por inúmeras praias, a zona costeira catarinense tornou-se alvo de uma crescente demanda turística sazonal iniciada pelos representantes da burguesia industrial das áreas de imigração do vale do rio Itajaí-Açú, que foram os primeiros a construir casas de veraneio nos balneários situados junto à foz do citado rio. A atração pela orla marítima teve início nos primeiros anos do século XX, estimulada pela construção de segundas residências para famílias procedentes das áreas coloniais situadas próximas à faixa litorânea. Com a popularização do veraneio e a dinamização das atividades turísticas, os municípios da orla catarinense passaram a conhecer ritmos diferenciados de ocupação e crescimento, o que fez com que alguns deles se tornassem muito cedo centros de atração de fluxos de veranistas e turistas, enquanto outros foram afetados só muito recentemente. Apesar de ocupar apenas 1,12% do território brasileiro, o litoral de Santa Catarina apresenta alguns dos principais polos turísticos do Brasil, como é o caso do Balneário Camboriú e Florianópolis que se afirmaram nacional e internacionalmente como rota de veraneio, tanto por sua geografia privilegiada quanto pela proximidade com os países do Cone Sul.
No caso da denominada região da Grande Florianópolis, por exemplo, a vertiginosa expansão demográfica ao lado da peculiaridade do seu próprio sítio urbano, cuja área central fica localizada na Ilha de Santa Catarina, gerou uma mancha urbana praticamente contínua pelas terras circunvizinhas do continente, unindo o espaço urbano da capital com o dos municípios próximos, o que cria uma intensa movimentação viária eles. Até mais da metade do século passado, a expressão de Florianópolis no contexto catarinense restringia-se basicamente às suas funções político-administrativas como capital do estado, bastante restritas em razão das dificuldades de comunicação com as demais regiões do território catarinense. Atualmente, porém, a complexificação de suas funções ao mesmo tempo em que ampliou a sua importância regional, dependendo da distância e do acesso, também contribuiu para minimizar a influência das capitais dos estados vizinhos sobre Santa Catarina, somando-se a isso o fato dela ter se transformado num importante destino turístico.
Já a região da Foz do rio Itajaí-Açú que tem como principal polo a cidade de Itajaí, agrega também ao seu núcleo metropolitano os municípios de Penha, Navegantes, Balneário Camboriú e Camboriú, além de incluir em sua área de expansão ainda Balneário Piçarras, Porto Belo, Itapema e Bombinhas. O acelerado crescimento urbano dos municípios localizados junto à Foz do rio Itajaí-Açu, pode ser atribuído, genericamente, nos últimos anos às atividades portuárias, à indústria pesqueira e naval, ao desenvolvimento do comércio (atacadista e varejista), ao incremento do setor de serviços, à popularização do veraneio e à dinamização das práticas de lazer e turismo. Estas últimas promoveram formas diferenciadas de ocupação e crescimento populacional, transformando precocemente algumas localidades em centros de atração de veranistas e turistas, como foi o caso de Balneário Camboriú e Itapema, enquanto outras foram afetadas apenas recentemente, como aconteceu com Bombinhas e Penha (Pereira, 2011, p. 263). Percebe-se muito claramente que a ocupação desses balneários por veranistas e turistas está intimamente relacionada às facilidades de acesso, à expansão e melhoria da rede catarinense de estradas de rodagem. Assim, por exemplo, entende-se porque justamente Balneário Camboriú e a praia de Cabeçudas (município de Itajaí) foram os primeiros pontos do litoral do estado a receber veranistas motivados pela relativa facilidade de acesso, já nas primeiras décadas do século XX.
A emergência da era rodoviária, a partir dos anos de 19504 , relegou a um plano secundário o transporte ferroviário, marcado por uma rigidez e linearidade responsáveis por uma certa inércia espacial decorrente da implantação de fixos de elevados custos. Além do transporte ferroviário se caracterizar por um deslocamento muito mais axial e pelo acesso restrito a um número relativamente reduzido de paradas, as estradas de ferro catarinenses não convergiam para a capital do Estado, muito embora tenham desempenhado um papel expressivo na configuração da rede urbana de Santa Catarina. A substituição do sistema ferroviário por um meio de transporte de natureza flexível favoreceu o acesso quase irrestrito às diferentes localidades, provocando um forte impacto na redefinição dos espaços. Aliada ao sistema rodoviário federal que facilitava o contato direto com as duas metrópoles da Região Sul e com o restante do país, a rede de rodovias estaduais exerceu um papel decisivo na configuração urbana de Santa Catarina. As principais cidades que, ao longo do litoral, localizavam-se próximas de eixos rodoviários e/ou acessos portuários adquiriram um novo dinamismo, traduzindo no território catarinense as determinações de uma lógica capitalista expressa por novas relações políticas e econômicas.
Por outro lado, se desde os anos de 1960 já era possível constatar o fluxo de veranistas do Paraná e do Rio Grande do Sul em direção ao litoral catarinense, a conclusão da BR-101 no início da década de 1970 aproxima o litoral catarinense dos estados vizinhos, propiciando a chegada de turistas procedentes destes estados, bem como de outros situados no centro-sul do país e até mesmo da Argentina e do Uruguai.
Finalmente, há que se destacar que a difusão do uso do automóvel voltado ao transporte de pessoas para deslocamentos de curtas e médias distâncias, assim como o privilegiamento do transporte de mercadorias através do sistema rodoviário provocou um crescimento contínuo na frota nacional de veículos, já que entre 2001 e 2009, o país ganhou 24 milhões de carros, caminhões, motocicletas e outros veículos, o que representou uma alta total de 76% na frota total, no citado período.
2.2 Panorama atual da rede rodoviária catarinense
A malha rodoviária do Estado, formada por estradas federais, estaduais e municipais, possui atualmente mais de 62 mil km e apresenta inúmeros pontos críticos, quer nas rodovias federais, quer nas estaduais, a espera de investimentos que possam, não apenas evitar os prejuízos materiais, como preservar vidas. Desde a década de 1980, em consequência de uma nova fase depressiva da economia mundial deflagrada a partir de 1973 com a crise mundial do petróleo, os investimentos em infra-estrutura tiveram uma drástica redução provocada pela diminuição da entrada de capitais estrangeiros no país. Os elevados índices de inflação e o crescimento da dívida externa, colocaram a economia brasileira em crise e inviabilizaram investimentos estatais em infra-estrutura de transportes. A situação das rodovias brasileiras agravou-se ainda mais nos anos de 1990, com a adoção de políticas econômicas neoliberais adotadas no governo de Fernando Henrique Cardoso. O endividamento do Estado brasileiro impossibilitava a dotação de recursos para manutenção e execução de novas obras na malha viária, ao mesmo tempo em que impedia a retirada de novos empréstimos para viabilizar investimentos em infra-estruturas de transporte. Uma nova etapa, apesar das dificuldades estruturais e financeiras em que se encontravam os órgãos responsáveis pelo planejamento e execução de obras rodoviárias, teve lugar a partir de meados da década de 1990 quando foi concluída a pavimentação do trecho Florianópolis-Lages da BR-282 e iniciado o processo de duplicação da BR-101, no seu trecho norte, que culminou com a inauguração do túnel do morro do Boi (entre Itapema e Balneário Camboriú), em janeiro de 2000. O desgaste associado à precariedade do sistema rodoviário brasileiro e catarinense representou, evidentemente, prejuízos ao desenvolvimento econômico fazendo com que a responsabilidade de implantação e conservação das rodovias, até então asseguradas pelo Estado, fossem transferidas, em muitos casos, sob a forma de concessões, à iniciativa privada, cabendo ao Estado as funções de administrar e gerenciar, através da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ATT.
Além da contribuição da malha rodoviária para a integração regional, é preciso destacar o impulso que a abertura da BR-101 representou para o litoral catarinense que se tornou alvo de grandes investimentos direcionados para o setor imobiliário e da construção civil, atraindo trabalhadores de outras regiões do estado e do país, bem como investidores de diferentes origens. Atualmente é indispensável a execução de obras que aumentem a segurança de quem trafega pelas rodovias catarinenses, já que são frequentes os deslizamentos de terras e os acidentes de trânsito causados muitas vezes pelos constantes reparos realizados na pista, que também são responsáveis por engarrafamentos quilométricos, sobretudo durante a temporada de verão.
O problema de Santa Catarina é que grande parte das rodovias federais que cortam o estado são também responsáveis pela ligação intermunicipal, sobretudo nas áreas de colonização européia e na orla litorânea, onde a pequena produção mercantil deu origem a um grande número de centros urbanos. É preciso considerar ainda que, nas últimas décadas, o processo de urbanização vem induzindo a conurbação dos núcleos urbanos, particularmente os do litoral Centro-Norte, situação esta intensificada pelos crescentes fluxos turísticos que contribuem para a aceleração das transformações na organização socioespacial das cidades localizadas na faixa litorânea. O intenso tráfego existente nessas áreas acaba transformando o eixo representado pela BR-101 numa rodovia de ligação intermunicipal em que caminhões e veículos de passageiros que por ela circulam estão em constante disputa. Enquanto via de escoamento da produção, a BR-101 estimulou o desenvolvimento econômico regional que redundou na concentração de indústrias e empresas prestadoras de serviços nas suas proximidades, bem como no aumento da densidade demográfica. Constata-se, pois, que a rota representada pela BR-101 caracteriza-se como uma via de escoamento da produção local e regional – exercendo um papel fundamental para a economia da Região Sul – e, ao mesmo tempo, como um corredor de turismo, abrigando em suas margens uma população residente que ali está em função das dinâmicas industrial e comercial, além de veranistas e turistas que se destinam aos importantes balneários situados no litoral de Santa Catarina.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As origens e a expansão do sistema rodoviário estadual, como ficou demonstrado ao longo desse artigo, estão intimamente relacionadas aos aspectos naturais característicos do território catarinense, bem como ao seu processo de povoamento e colonização, além dos vínculos com as diferentes etapas do desenvolvimento sócio-econômico brasileiro e catarinense em particular. Ao lado do relevo acidentado, da densa vegetação e das características climáticas do estado, o processo lento e disperso com que se deu a ocupação do território, propiciou um desenvolvimento regionalizado e a inserção tardia de Santa Catarina no cenário econômico nacional. Essas particularidades imprimiram às vias de transporte terrestre no estado um caráter de rotas independentes que, em vários casos, demonstravam uma vinculação maior com os estados vizinhos do que com as diferentes regiões que compõem o território catarinense, o que explica a ausência de uma grande metrópole em Santa Catarina, como ocorreu com o Paraná e o Rio Grande do Sul. A dispersão dos fluxos econômicos e populacionais ocasionou um desenvolvimento regionalizado que acabou por consolidar o traçado de vias de transporte voltadas ao atendimento de demandas de circulação inter-regionais, desconectadas, muitas vezes, das regiões circunvizinhas mais próximas.
O traçado das primeiras vias de comunicação terrestre vincula-se a diferentes fases do processo histórico de ocupação das terras catarinenses, relacionadas, por sua vez, à evolução da própria formação sócio-espacial brasileira e à inserção do Brasil Meridional às atividades econômicas dominantes no centro do país. Foram os caminhos rudimentares, alguns inclusive utilizados pelos índios, como também mais tarde os abertos pelas tropas de gado que deram origem às estradas catarinenses que, graças à evolução tecnológica permitiram uma verdadeira revolução nos meios de transporte. Assim como no restante do Brasil, em Santa Catarina a rede ferroviária perdeu espaço gradativamente com a expansão e consolidação do sistema rodoviário que, em particular, no pós - II Guerra Mundial se firmou com o estabelecimento da indústria automobilística e com as melhorias técnicas na construção de estradas de rodagem.
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1NOTAS
O Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes – DNIT substituiu, em 05 de junho de 2001, o extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER.
2 O DER/SC – Departamento de Estradas de Rodagem de Santa Catarina, deu lugar ao DEINFRA – Departamento Estadual de Infra-estrutura.
3 A OHL Brasil S/A é uma empresa brasileira com 60% do controle detido pela OHL Concesiones – sociedade espanhola que desde novembro de 2000 desenvolve atividades na área de infra-estrutura. Atualmente a OHL Concesiones, além de ser acionista majoritária da OHL Brasil S/A, administra diversas sociedades concessionárias na Espanha, no Chile, no México e na Argentina (disponível em www.ohlbrasil.com.br, acesso em 26.06.2012).
4 O pós-II Guerra Mundial representa a fase do boom do automóvel no mundo em particular nos Estados Unidos que não tardaria a ter seus reflexos no Brasil ainda que as peculiaridades de nossa formação social tenham imprimido a este processo características próprias. A introdução de uma política nacional crescentemente rodoviarista articulava-se às mudanças no paradigma tecnológico que ocorriam nos países centrais.
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