TURyDES
Vol 6, Nº 15 (diciembre/dezembro 2013)

A COMPLEXIDADE EM PROCESSO NA TURISTIFICAÇÃO DE LUGARES E OUTROS DESAFIOS URBANOS: UM ENSAIO TEÓRICO

Daniel Hauer Queiroz Telles

A turistificação do lugar como vetor informacional
            O fenômeno turístico confere uma função sistematizada de ações ao território em que se realiza. Nesse processo conjuntural, uma diversidade de aspectos se assimila na sociedade, reconfigurando lugares em suas características culturais e econômicas. Tais transformações em tempos de globalização tornam as localidades de abstração complexa, devido à efemeridade dos aspectos que as constituem enquanto meio geográfico do presente (SANTOS; SILVEIRA, 2001).
            Meio e período superpõem-se de modo acelerado até atingir a compressão do espaço e do tempo (HARVEY, 2007) tornando os lugares cada vez mais suscetíveis às “forças aplainadoras da globalização” (YÁZIGI, 2001, p.41). Uma vez que é a extensão dos diversos sistemas que mune o lugar de suas singularidades (Id. Ibid.), ao serem emanadas de longe e de modo cada vez mais volumoso, através da informação, passam também a privá-lo. Desse modo, o lugar nos instiga a elaborar uma síntese sobre a turistificação como uma de suas expressões identitátias marcantes, mesmo porque “o lugar absoluto de um só tipo de acontecer não pode existir” (Ibid.p.40).
Tendo em vista o atual papel dado às informações na difusão de espaços racionais, o território se vê mergulhado entre dois movimentos: espaços do saber e espaços do fazer (SANTOS, 2008). Em outras palavras, “espaços do mandar e espaços do obedecer” (p.304), em que uma solidariedade orgânica e outra organizacional, pelos quais as ações realizam-se no território e o configuram (SANTOS; SILVEIRA, 2001).
Está-se diante de uma carga de racionalidade presente na tecnologia, na ciência e na informação e que, através das coisas, “constituem o esquema de ação possível” (SANTOS, op. cit, p.303). Sendo que o momento que vivemos, em que a racionalização do espaço é um limite à, por outro lado, ilimitada expansão da racionalidade capitalista, que
aponta para essa perda da razão. Mas, ao mesmo tempo, e felizmente, aponta para a possibilidade de construção de um novo sentido, a partir justamente da elaboração das contra-racionalidades que a análise geográfica revela nos comportamentos atuais do campo e da cidade. [...] A racionalidade dominante e cega acaba por produzir os seus próprios limites. (Ibid., p.310)   

Nas circunstâncias contemporâneas da turistificação, é necessário considerar-se a superposição de territorialidades construídas pelas empresas e pelo Estado e a margem de atuação da informação. Essas considerações envolvem atividades racionais e simbólicas mediadas pelas técnicas de ação comunicacional. Os embates entre conflitos e complementações se dissimulam em duas caras: por um lado se desviam do interesse público; por outro lado, se arranjam em tramas ou complementações, em que o preço político é uma consequência localmente estabelecida. Havendo ausência de interesse público, as margens de barganha por parte das empresas na gestão urbana  ganha suas formas (HARVEY, 1996). 
Fruto de tais embates, a tendência à inviabilização de ações sem um preço político e, de mesmo  modo, à materialização de projetos mesmo diante de intenções meramente banais a seu favor é uma constante. A seletividade passa a se materializar nas coisas que, por sua vez, “cria meios para a afirmação de distância e desigualdades sociais” (CALDEIRA, 2008, p.259). Entra em jogo a segunda consideração, em que o status conferido aos enclaves (Id. Ibid.) impregna um nicho de práticas sociais em “jogo de distinções simbólicas” (BOURDIEU, 2009, p.24), dissimulando oposições de força e mascarando-as “sob as oposições de sentido” (p.25). Assim, polemizam-se usos do território, ao invés de viabilizá-los mesmo quando tecnicamente compatíveis. Reproduzem-se dualidades simbólicas que perpetuam, por sua vez, a afirmação de seletividades.
O conflito compromete a complementaridade existente entre a racionalidade técnica e corporativa e o interesse público propiciando um fluxo reticular e resultando em informações organizacionais, contrárias à ação solidária orgânica (SANTOS, 2010). E o turismo enquanto agente informacional, insere-se nessa discussão enquanto alternativa social de mediação em processo nos espaços e nas sociedades. Resulta em um fenômeno que ultrapassa o distanciamento entre visitantes e visitados e sua visão funcional (atividade turística) inicialmente entendida interferindo, ao mesmo tempo, na identificação e na produtividade do território.
As mediações técnica e política encontram uma via de apreensão do lugar. Sendo este a singularidade do espaço, como a clivagem de sua totalidade, uma prática investigativa que reconheça na extensão dos subsistemas (YÁZIGI, 2001) as carências e os conflitos da sociedade localizada. No lugar turístico a informação passa a ser um quesito qualitativo a ser incorporado, ainda que intrínseco aos seus componentes essenciais, quais sejam: a densidade de equipamentos, o fluxo de visitantes e uma imagem caracterizadora (Id. Ibid.).
Seja ela esclarecedora, especulativa ou alienante, a informação impõe-se como uma ação inegligenciável às dinâmicas sociais, em que está presente o fenômeno turístico. Não limita-se a protocolos meramente técnicos, ou ainda mais restritos, mercadológicos, em que não parte-se da busca por uma visão crítica e, consequentemente, de uma tomada de consciência (SANTOS, 2010), esbarrando-se no obstáculo informacional de tal ação: no caso da turistificação. Essa condição esquizofrênica do território, que na esfera do lugar conflui vetores globalizantes e contrarracionalidades (Id. Ibid.), passa a ser uma complexidade inteligível sobre o próprio processo de turistificação do território. Portanto,  um objeto complexo de discussão de base acerca das dinâmicas socioespaciais contemporâneas em seus ampliados encaminhamentos analíticos.
Da fragmentação à identificação: um sentido à propensão do lugar turístico
Ao buscarmos compreender a realidade de um território local sob o ponto de vista da heterogeneidade, ou seja, do conjunto de suas diferenças, somos levados à constatação de que a integração é, hoje, “vertical, dependente e alienadora, já que as decisões essenciais concernentes aos processos locais são estranhas ao lugar e obedecem a motivações distantes” (SANTOS, 2010, p.107). Trata-se de uma fragmentação do território que ocorre em virtude de alianças entre grupos locais, regionais, nacionais e internacionais em que as mediações entre interesses globais e grupos dominantes locais podem ser várias e complexas, e que contam com o papel do Estado (VAINER, 2007).
Quando a solidariedade é organizacional, resultando no que M. Santos (2006; 2008) denomina de verticalização, que impõe aos territórios um acontecer hierárquico, ameaça a própria concepção de totalidade como recurso de compreensão territorial para se desvendar o lugar. Isto se dá pelo fato de que as relações de trabalho estão submetidas à regulação de macroatores, atribuindo à globalização um fenômeno superposto ao espaço de todos, levando-o à fragmentação (SANTOS, 2006; 2010).
Analiticamente acaba-se sendo induzido a aprofundar sobre o entendimento de localidades com características setoriais ou complexas. Dialeticamente, há dois caminhos a serem seguidos: o primeiro enquanto ideologia, senelhante ao que A. L. A. Gazzola (2006, p.23) aponta como sendo “esvaziado pelo fracasso de aspirações utópicas”. Em contrapartida, é no encontro (o segundo) que pensamos haver a possibilidade de estabelecimento desse percurso: diminuindo a ênfase sobre a fragmentação e dando à identificação o protagonismo de um sentido ao lugar. Essa premissa dialética põe sobre a organização do território o confronto entre a informação e a identificação. Conflito e complementaridade compreendidos na natureza da turistificação.
O lugar pressupõe uma compreensão desafiante sob o ponto de vista da síntese, por existir a partir da reunião de subsistemas contextualizados que permitam compreender-se a sua heterogeneidade. Esta, diferentemente da fragmentação, deve deixar de ser vista apenas como fonte de conflitos e ser assumida enquanto fonte de valor (LECHNER1 apud.GAZZOLA, 2006). Nesse debate há um campo de discussão latente à turistificação do meio urbano na pós modernidade. Seja sob a alegação de mudanças de paradigmas submetidas aos interesses econômicos dominantes (HARVEY, 2007), ou de um projeto cultural (LYOTARD, 2009), a discussão sobre o pós-moderno nas cidades turísticas se reveste de uma indagação: o turismo é aquilo tal qual é promovido (por racionalidades informacionais), ou um sentido pelo qual a sociedade é convidada a pertencer, enquanto processo de identificação?
A dinâmica do território passa, necessariamente, pela revalorização dos lugares (SANTOS, 2010). Turistificação e identificação apresentam-se enquanto componentes da formação de uma territorialidade turística que transcenda a atual realidade segregada de equipamentos e instalações no meio em que se relaciona. Se, por um lado, o processo de integração das ambiências turísticas à cidade é o percurso da identificação, por outro, a racionalidade informacional é o percurso da turistificação alheia ao território, incorrendo, por fim, na indiferença sobre fazer turismo e conhecer o turismo (KNAFOU, 1999).
            O lugar pode ser associado ao que M. Santos (2008) denominou território compartido. Este fenômeno social coletivo se caracteriza pela
co-presença e o intercâmbio são condicionados pelas infra-estruturas presentes e suas normas de utilização, pelo mercado territorialmente delimitado e pelas possibilidades de vida cultural localmente oferecidas pelo equipamento urbano existente. A divisão do trabalho dentro dessas cidades é o resultado da conjugação de todos esses fatores, não apenas do fator econômico. (SANTOS, 2008, p.319)

            É  um ente territorial que acumula as dimensões culturais, políticas e econômicas e aufere à si uma identidade. Representa o âmbito de ações sociais que pode processar os mecanismos de transformação do mundo, fazendo prevalecer as intencionalidades que lhe venha a existir na busca de um sentido. É, nessa perspectiva, a cidade “onde há mais mobilidade e mais encontros [uma vez que] o número de viagens internas é muitas vezes superior ao de deslocamento para outros subespaços [e onde] as trocas simbólicas que unem razão e emoção” (SANTOS, 2008, p.319) adquirem sua versão geográfica, e vão além da economia das trocas simbólicas sugeridas por P. Bourdieu2 . Sendo a cidade território compartido, é a partir da força do lugar que pode-se atribuir um sentido à sua organização.
Imagem e forma da cidade
Parte-se, aqui, da condição da forma na identificação espacial, uma vez que a imagem deve ser considerada um dos requisitos na constituição de um lugar turístico (YÁZIGI, 2001). Nesta proposta, o lugar é munido da noção de imagem. Por ser utilizada por diferentes áreas, tais como a semiótica, o marketing e o urbanismo, dedicar-se-á brevemente sobre a concepção a que cabe servir de caminho para compreender os embates que sustentem a questão da dialética entre informação e identificação de lugares.
No início da década de 1970, T. S. Pinto (1972) apresentou a argumentação de que a preocupação com a forma urbana havia suscitado uma diversidade de explicações, ou “diferentes metodologias que visam a compreensão da cidade”, levando a admitir a incipiência científica da problemática da forma urbana (p.191). Dentre as correntes que se desenvolveram desde o último terno do século XX, a compreensão dos aspectos simbólicos e suas relações espaciais na cidade adquiriu, com K. Lynch, um horizonte ao urbanismo, mesmo diante da questionável validação da forma urbana enquanto status científico (Ibid.). 
Para L. D. Ferrara (2000), a cidade pode ser objeto de conhecimento a partir da imagem e do imaginário. Tendo a cidade como “espaço que agasalha uma relação social [...] a cidade, a partir da imagem e do imaginário, é um espaço físico que se individualiza” (p.194). Buscando desconstruir a noção meramente visual sobre o campo de análise da imagem, a autora atribui a discriminação e a generalização como componentes indispensáveis para a compreensão de uma cidade. Atribui à imagem e ao imaginário sintaxes próprias, em que algumas propriedades levam à inteligibilidade da cidade, e também, à sua organização (Id., Ibid.).
            A busca por um entorno contemplativo e, com isso, aprazível aos cidadãos que habitam uma cidade deve ser destacado como fator à vida. Os aspectos intrínsecos dos indivíduos e a participação destes na forma da cidade possibilitam reconstruções com base na clareza ou legibilidade da paisagem. A cidade pode adquirir significados especiais, tendo em vista que “uma base clara do meio ambiente é uma base útil para o crescimento do indivíduo” (LYNCH, 1960 p. 14).
Em termos de planejamento, a recomendação deixada por Lynch é de que seja buscada uma organização de modo aberto, possibilitadora de continuidades. A construção da imagem, neste sentido, pode se voltar à concórdia de grupos, uma vez que é possível “um modelo de ambiente que muitos possam desfrutar” (Ibid., p.17). Tais preocupações, publicadas em sua obra intitulada A Imagem da Cidade (1960), propunham, através de algumas categorias, a preocupação com o entorno urbano na vida das populações. 
A legibilidade, uma das categorias propostas por Lynch, conota a clareza espacial de uma estrutura física. Por isso, “desempenha também um papel social [afinal] um meio ambiente característico e legível não oferece apenas segurança mas também intensifica a profundidade e a intensidade da experiência humana” (Ibid., p.14-15). A imaginabilidade, por sua vez,caracteriza-se pela identificação entre um objeto e um observador qualquer. Ou seja, uma aptidão dada a tal objeto em se apresentar aos sentidos de forma intensa e definida. “Uma cidade imaginável (aparente, legível ou visível), pareceria muito bem formada, distinta, notável” (Ibid., p.20).
Anos mais tarde, o autor aprimora suas colocações acerca da mesma problemática. Agora com um adensamento conceitual em relação  aos aspectos políticos e históricos. Em um dos temas centrais de A Boa Forma da Cidade (1981), investe na discussão acerca de uma teoria normativa geral da cidade que leve em consideração a forma física. Para Lynch (2010), os avanços teóricos em relação à origem, ao desenvolvimento e ao funcionamento das cidades são reconhecidos. O mesmo se dá em relação às teorias normativas, que classifica a cidade como cosmos, a cidade como máquina e a cidade como organismo. (Id., Ibid.).
Ao evidenciar como objeto as formas da cidade associadas aos mecanismos de planejamento alega, ainda, que são inexistentes teorias mais avançadas, limitando-se a dogmas e opiniões sem haver um esforço sistemático entre forma e valor, perpassando pelas relações sociais. Utópicas, revolucionárias, científicas ou técnicas, as limitações são inevitáveis em termos teóricos (Id., Ibid.). Existiriam alguns motivos pelos quais o autor atribui a impossibilidade de, o que denomina, uma teoria normativa interligada. As chamadas objeções se sucedem na argumentação do autor acerca da problemática da forma da cidade; por conseguinte, sua imagem.
De modo que é possível considerar as influências recíprocas entre forma física e social, o que leva Lynch (2010) a afirmar: “Se se pretende modificar a qualidade de um local, normalmente é mais eficiente alterar, em conjunto, o cenário físico e as instituições sociais” (p.100). A importância da ideia de conjunto implica em entender que variações e manutenções de características compartilham uma mudança sem resultar, obrigatoriamente, no isolamento das variáveis envolvidas, em seus movimentos e suas inércias.
            A noção de conjunto na relação entre espaço e sociedade pode tornar-se um indicador da boa forma da cidade “por causa de certas regularidades na natureza dos seres humanos e suas culturas” (Ibid., p.101). As mudanças físicas acabam por exercer alguma influência social, não necessariamente vinculadas a uma mudança social estrutural, mas sobre alguns rumos. Assim, “a mudança física pode ser utilizada para apoiar, ou mesmo provocar, a mudança social” (LYNCH, 2010, p.102).
Para a forma urbana dotada de conteúdo que, por sua vez, expressa-se através das dinâmicas da sociedade, sugere-se a indução de um sentido territorial. Nessa perspectiva, a imagem une propensão e sentido, significando uma doutrina social a ser consensuada. Sendo a cidade o palco de relações técnicas, científicas, culturais e econômicas, é a esse meio geográfico que se dirige tal busca. A imagem é, também, paisagem. No entanto, vai mais afundo ao ser um atributo de valores do lugar.
Se a imagem é um atributo do lugar, a singularidade do espaço é o movimento dialético de identificação em curso, com aspectos informacionais que dão ao território uma formação singular. É o sentido em processo, cujas projeções estão, mais ou menos, associadas às paisagens e ao conteúdo histórico. Para o turismo, a materialização desse sentido é a turistificação, em que ao prestígio cabe recolocar a imagem frente ao mundo, podendo ser um indicador de êxito de organização territorial.

Prestígio, território e sentido: o devir anunciado pela imagem
            A concepção de prestígio apóia-se nas ciências políticas como um dos princípios relacionados ao Estado, ao ser analisado a partir de “seus princípios determinativos do padrão de comportamento” (RODEE; ANDERSON; CHRISTOL, 1959, p.220). Esta forma de reputação, para os autores, está intimamente ligada aos interesses vitais promovidos por uma soberania, inerente a todo Estado na ordem internacional em vigor. Muito embora o prestígio esteja sujeito a interpretações variadas, a propriedade do termo evoluiu das “virtudes de honestidade, cavalheirismo e objetividade” (p.220) para um padrão moral vinculado ao poder e à identidade.
            Nota-se que a concepção territorial está ligada à pretensão de prestígio, em que se pese uma concepção política perene e coletiva. O reconhecimento a advir do alcance por virtudes e qualidades de teor inequívocos passa por um complexo processo envolvendo a ascensão dos diversos setores da sociedade. Por fim, a projeção dessa realidade interna, em tempos de globalização, torna de interesse a obtenção de tal reconhecimento perante a comunidade externa. Transferido para o lugar, o prestígio mantém esta última assertiva, sendo que o turismo pode conferir a um lugar a imagem resultante do prestígio. Resta conceber o turismo enquanto meta política, sob o risco de um território ficar reduzido a espaço sectário, um dos reducionismos auferidos à promoção do destino (TELLES, 2012). A projeção interna de imagem adquire, assim, um sentido antes a uma estratégia neoliberal.
            Considerando a advertência de que “as nações dificilmente se veem como os outros as veem” (RODEE; ANDERSON; CHRISTOL, 1959, p.220), o prestígio liga-se a uma estimativa social em projetar valores na busca por benefícios que vão de encontro a seus interesses. Neste sentido, é pertinente a proposta de valor turístico em que as relações sociais sejam fontes de valor e as necessidades do turista não se restrinjam ao consumo (LEMOS, 2005). Sendo o lugar uma singularidade do espaço, o prestígio confere o almejar de uma imagem universal somada a aspectos intrínsecos próprios de uma localidade. É, portanto, o lugar, cujo conteúdo e forma se tornam variáveis centrais de singularidade. Fazendo uma equiparação às categorias de análise espaciais, concorda-se com R. L. Corrêa (2010), quando opta pelo o significado à estrutura e ao processo enquanto categorias de análise da organização espacial.   
O prestígio se define, pois, em fator de identificação a ser buscado pelos lugares turísticos. A cidade dotada de prestígio possuirá apelo por moradores e outros fluxos, não somente quantitativos, por parte de profissionais e frequentadores erigindo um padrão de hospitalidade socialmente mais permeável. Portanto, o sentido a que intenta-se afirmar refere-se à motivação social aliada à vocação geográfica de espaços particulares.
J. O. Gasset (2007) oferece uma reflexão sobre o sentido ao discutir a relação entre o “eterno e invariável que é a filosofia” e o “volúvel e mudável (sic) que é a história” (p.20). A sensibilidade de algumas gerações, representada pelos seus homens, recusou o enfrentamento filosófico sobre ambas as dimensões: eterna e temporal, sendo este uma superduração incluída naquele. A partir de ações e pensamentos sem uma estrutura racional, não se pode atribuir a tais culturas uma vida com sentido(ibid).
Propor o sentido implica em considerar o que foi e o que tem sido: pensar os finalmentes temporais para dar-lhes eternidade filosófica. É neste aspecto que as culturas de cada geração tiveram e têm tido uma explicação de agir e pensar racionalmente estruturadas (Id. ibid). Lugares da “produção de um sentido [...] fornecendo regras à racionalidade ou estimulando o imaginágio” (SANTOS, 1996, p.256), a psicoesfera aproxima o devir à preocupação territorial.
            As implicações comunicativas presentes na paisagem demonstram algumas tendências convergentes entre geografia e comunicação. Os efeitos da paisagem no processo de comunicação humana evoluiram para a perspectiva intersubjetiva, que ao ser apropriada pela promoção de marcas, assumiram a construção de sentido (NOGUÉ; SAN EUGENIO, 2009). Essa influência comunicativa atinge a identificação territorial, em detrimento de uma psicoesfera comprometida com o sentido histórico próprio de cada lugar.
Ao discutir o caráter dinâmico da paisagem, J. Nogué (2010) compara-a à “projeção cultural de uma sociedade em um espaço determinado” (p.127). Na perspectiva do autor, não mudam-se apenas as formas, mas os valores e os sentimentos, o que leva a discutir sobre os riscos anunciados em paisagens empobrecidas. Estas resultantes estariam associadas à homogeneização e trivialização de paisagens, sinônimos de “territórios sem discurso e de paisagens sem imaginário” (p. 128). Fatores como os observados pelo autor levam uma sociedade à perder o “sentido de lugar” (p.129), envolvido em diversos âmbitos da sociedade contemporânea.
A velocidade das transformações e a utilização do conceito de “paisagem como produto” estariam conduzindo lugares à destruição e loucura (p.128). A crise de representação torna-se, por essa perspectiva, denunciada pela paisagem e significa no mal estar social. J. Nogué associa à isto o deficitário processo de participação cidadã, que é requisito fundamental no fortalecimento de discursos e imaginários relacionados aos territórios e às paisagens (p.134).
Imaginário e turismo
L. Ferrara (2000) aproxima a imagem do imaginário na perspectiva arquitetônica da cidade, que se desprende da mera diluição do cotidiano para caracterizar seu plano ideológico. Na opinião da autora, em conjunto, imagem e imaginário atuam na produção de discursos, na transformação de arquétipos culturais e no diálogo com a história urbana. A imagem constrói, sistematiza, ordena e comunica códigos de valores da cidade:
É institucional e, no nível simbólico, corresponde a uma didática que ensina o que é e quem é quem na cidade. A imagem hierarquiza o espaço urbano na medida em que é sua referência: praça central, edifício pós-moderno. [...] Pela percepção coletiva da imagem, ensina-se a identificar o poder que organiza a cidade e dela se utiliza para perpetuar-se (FERRARA, 2000,p.198-199).

            No atributo imagético de um território turístico, a conjuntura social é, também, histórica. Deste modo, o turismo evita-se seccionar da realidade, no espaço e no tempo. Isto permite que o turismo seja uma ocasião de reaproximação histórica da sociedade, ao conduzi-la a seus valores. O desafio simbólico não é, portanto, acerca do status, mas da reversão de uma lógica alheia à própria cultura que se impregnou.
A relação que pode existir entre a imagem e a experiência do visitante evidencia a profundidade de envolvimento entre ambos: não é somente o turista que se envolve com o lugar visitado, mas também o contrário. Se o envolvimento de um visitante não é passível de relacionar-se ao território, sua experiência não pode ser maximizada, ainda que esta não seja a lógica propagada pelo mercado. Qualquer que seja o principal motivador de um público, este é propenso a complementar sua experiência podendo, inclusive, estender seus laços de afetividade, permanência e/ou comprometimento com o local visitado, desde que existam condições favoráveis, em que inclui-se uma ambiência satisfatória. Da mesma maneira, o visitante desprende-se de rótulos ou perfis, passando a se aproximar de uma experiência de si e de outrem, inclusive de moradores descompromissados com o turismo, seja praticando ou apreciando a ambiência do lugar.
As paisagens urbanas nem sempre podem ser consideradas recursos turísticos por completo. É necessário que a dinâmica da paisagem esteja integrada a outras particularidades socioeconômicas e culturais do lugar a que se refere. A ruptura que se pode perceber entre paisagens urbanas, com e sem apelo turístico, merece ser debatida na dimensão integrada do território. Comumente, em cidades brasileiras, as alternâncias vertiginosas nas formas circunvizinhas da cidade repercutem em uma confusão imagética. Fato semelhante à essa problemática é explicado por E. Yázigi como “anamorfoses da pobreza” 3 (2009, p.546), da qual o turismo tem sobrevivido no Brasil. A paisagem enquanto recurso ao turismo tem nos fatores do meio físico-ecológico, a priori, qualidades decisivas. Esta é uma constatação de que as cidades brasileiras tem passado por um processo de enfeiamento sem precedentes na história da humanidade (YÁZIGI, 2009).
Um modelo que precisa ser encarado como problema para o desenvolvimento do turismo e a organização do território, pois envolve o espaço de todos. É o que propõe-se enquanto apontamento crítico de discussão provisoriamente entendido como experiência insatisfatória, em se oferecer um produto turístico de forte apelo imagético a um visitante desprendido da racionalidade dos roteiros. Se, por um lado, essa hipótese mereça ser considerada, por outro, a visitação pode ocasionar satisfação, mesmo desligada da noção de consumo. O que se visita não é unicamente destino: é lugar.
Patrimônio ambiental urbano, territorialidade e valores aproximativos
A contribuição do conceito de patrimônio ambiental urbano em países emergentes (YÁZIGI, 2006) permite avanços por conduzir a complexidade analítica de desvendar o destino possibilitando o lugar. A ideia de patrimônio é, muitas vezes, entendida a partir de sua classificação enquanto natural, histórico e cultural. Essa classificação incorre em reducionismo de níveis abordados, como acontece com a utilização dos termos cultura, turismo e ambiente. Ocorre que, nesses termos, temas de suma importância ao território ficam em “gavetas separadas no resto da organização social e econômica” característico aos planos de governo “como que pairando no ar”, “o que reduz a dimensão de seus conteúdos” empobrecendo a “possibilidade de planejamento” (YÁZIGI, 2003).
Pelamaneira como estabelece a definição relacional de ambiente, o conceito propõe que sejam considerados os valores e as relações, tendo em vista a dimensão temporal pela qual o processo de patrimonialização rege a organização do território. Atribui à experiência urbana o “apreço ao lugar por cidadãos de dentro e de fora” (Ibid.p.75). Tendo em vista que um território possa bem evoluir como involuir na busca de aproximação entre sociedade e natureza, o termo ambiental se faz entender enquanto sinônimo de relações. Por conseguinte, uma ação ambiental se refere à modificação na cidade e na natureza que vise a aproximação de ambas (LEITE, 2012), e a qualidade ambiental é a dimensão qualitativa de recapturação da natureza pela sociedade, em especial nas cidades (Id. Ibid.).
O patrimônio ambiental urbano privilegia uma perspectiva não meramente mercadológica. A noção de entorno remete aos diversos subsistemas que convergem a uma zona de frequentação turística. Trata-se de um sentido do território, antes de preenchê-lo de empresariamento. Ora público, ora privado, ora misto, zonas turísticas disseminam uma imagem da própria cidade, muito embora não sejam detentoras dessa difusão. O sentido  conduzido por uma lógica de consumo, seja sob o ponto de vista da informação ou da identificação, ainda se volta para grupos específicos e seletos. “O consumo não se configura como fator de integração (COSTA, 2013 p.50).
Por outro lado, a territorialidade inversa, ou seja, emanada por uma lógica da sociedade é que se figura como a questão desafiadora de análise sobre a turistificação, uma vez que tem-se acompanhado a evolução do turismo, em cidades brasileiras, concorrente ao suprimento de algumas latências. Materializar-se em relações sociais fluidas no território que turistifica-se, aproximar o homem do território e reconhecer a identificação singular dos espaços como  patrimônio podem ser considerados apontamentos para as sugeridas latências.
As múltiplas territorialidades que convivem no espaço podem, ou não, serem dotadas de um sentido. Esta é uma opção conjunta da sociedade e se dá no nível das gerações e não das governanças. A inexistência de sentidos simbólicos e funcionais pode ser motivo de territórios alheios às vontades endógenas, alvos fáceis das redes. Resultam em cidades verticalizadas em seus diferentes subsistemas: marcadas por segmentos paralelos ao invés de sentidos convergentes. Neste sentido, a multiterritorialidade é uma condição de complexidade (HAESBART, 2004) pela qual devemos admitir a influência de mecanismos normativos, movimentações simbólicas no seio cultural de dada sociedade, interesses e riscos de mercado, além de outras heranças e contrarracionalidades próprias de cada lugar. Nesse amálgama, o turismo enquanto tema afim às diversas perspectivas postas seria um dos pontos de convergência ao arranjo territorial (BENEVIDES, 2007), campo de embates a tolher as divergências historicamente existentes na sociedade. Uma construção, ainda que em termos conceituais, que adquira tom a ponto de desvendar e contrariar a seletividade locacional das empresas nas cidades turísticas, que precisam do turismo, além de um campo de negócios.
Considerações finais
O pós-moderno e a esquizofrenia do espaço geográfico, em interação, convidam a se repensar a turistificação como discurso e como processo histórico do presente. Apresentam, com esse convite, a possibilidade de recuo ao buscado entendimento sobre o turismo, num trabalho dialético e menos linear, mas que vise avançar neste campo de análise, caro a algumas cidades brasileiras.
Sendo que a reivindicação por um entorno qualificado pode se tornar, ao mesmo tempo, uma vontade social, uma estratégia funcional e uma afirmação cultural, pode a territorialidade turística se constituir em elo comum entre estas perspectivas? A desafiante implantação de lugares turísticos unificando política, cultura, economia e cotidiano. Esse tipo de territorialidade, ainda que doutrinária, permitiria discussões acerca da imagem no advento do turismo. Se o turismo é função e fenômeno de lugares, a imagem resultante podese tornar elemento de prestígio. E, se imagem é prestígio ao lugar, ela pode se tornar a reivindicação por um sentido.
Eis a complexidade da turistificação vista sob a ótica do  lugar.
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1 LECHNER, Norbert. A Disenchantment Called Postmodernism. The Post Modern Debate in Latin America Special Issue boundary 2, 20, 3, 122-139.

2 Economia das trocas simbólicas, é o título traduzido de uma das importantes obras de P. Bourdieu (2009). Não a menciona-se aqui, no sentido de pormenorizá-la, pelo contrário, é uma importante contribuição. Entretanto, a ênfase metodológica é geográfica, em que o território conduz as discussões. Por isso, a maneira que o texto alude à contribuição do autor.

3 O autor associa a esta técnica artística de projeção de imagens aparentemente deformadas, a ambiência urbana de países pobres e medianos, como o Brasil.



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