Priscyla Christine Hammerl (CV) y Rogério Leandro Lima da Silveira (CV)
O turismo, uma das atividades econômicas de maior crescimento no mundo, apresenta grandes possibilidades de atração de investimentos com significativo efeito multiplicador nas economias locais. Mas cabe observar que uma das características que diferenciam fundamentalmente o turismo de outras atividades econômicas produtivas é o fato desta atividade ser, antes de tudo, uma prática social em que o “espaço” é o principal objeto de consumo.
Pensar o turismo nestas perspectivas é entender que esta atividade se dá na “escala e efervescência da vida dos lugares” e que ingressar no competitivo rol dos destinos turísticos nacionais e internacionais não é fácil de ser alcançado, pois exige compreender “os contra-movimentos, contra-racionalidades e horizontalidades” inseridas nas relações sociais historicamente construídas por diversos atores que compõem o lugar turístico (CRUZ, 2006).
Neste processo de produção do espaço com a função turística temos, portanto, por muitas vezes, divergentes interesses entre os sujeitos sociais envolvidos, sendo que uma das ações possíveis para viabilizar o “desenvolvimento” do turismo em uma localidade se dá por meio do planejamento territorial.
Ao analisarmos o conceito de desenvolvimento e planejamento territorial, devemos levar em consideração que ambos supõem “a existência de ‘um projeto social’ que comporta os objetivos coletivos, o que implica na busca de equilíbrio entre os imperativos econômicos e as necessidades sociais” (FIRKOWSKI, 2008, p.79). Mas há de se considerar que estas práticas se dão por meio da intervenção sócio-governamental, cuja metodologia de aplicação destes projetos sociais nem sempre garantem a coerência, eficiência e eficácia das medidas que pretendem corrigir o curso dos desequilíbrios decorrentes da produção espacial. Neste sentido, o planejamento aparece como uma alternativa de uma “atividade técnica e política cujo propósito é intervir deliberadamente no processo de mudança social para acelerá-lo, controlá-lo, e orientá-lo na função de uma imagem futura da sociedade, de sua estrutura e funcionamento” (LIRA, 1990, p.1 tradução nossa).
Ao tratarmos especificamente sobre os projetos de desenvolvimento turístico devemos considerar que estes, muitas vezes, se tornam políticas de governos que investem grande volume de recursos na recriação daimagem urbana e na construção de empreendimentos que possam tornar-se atrativos parainvestidores e turistas, gerando renda, empregos e impostos. Este é o caso de muitas localidades brasileiras, dentre as quais se destaca a estância turística de Campos do Jordão – SP.
Este destino, localizado no Vale do Paraíba em São Paulo, é um núcleo urbano eqüidistante às capitais paulista e carioca, tendo um fluxo expressivo de turistas que asseguram o fortalecimento da principal atividade econômica da cidade. Contudo, a produção desse espaço turístico não se deu por mero acaso. A localidade que funcionava como estância de saúde para tuberculosos foi modelada em um destino turístico por meio de ações políticas e de planejamento de uma elite paulistana articulada com a esfera federal. Trata-se de um espaço cujas ações de planejamento sobre ele lançadas, revelam em seu histórico, importantes dados para compreender como se deu a estratégia de formação de um destino turístico e suas articulações nas esferas local e regional.
Nessa perspectiva de análise, busca-se apresentar neste artigo dados obtidos por meio de pesquisa documental em um período histórico definido (1950-1960), delimitação dada pelos seguintes fatores: 1) a documentação acerca do planejamento turístico municipal e regional é escassa e fragmentada, dificultando o acesso adados em sua totalidade. 2) as décadas de 1950 e 1960 são as mais significativas para a compreensão da consolidação do destino turístico, sendo que importantes fatos políticos na esfera regional e global também são observados em relação ao objeto de pesquisa no período dado.
Dada a conjuntura, a análise do planejamento turístico de Campos do Jordão trata-se de um exemplo relevante para compreender como diferentes atores sociais orientam suas ações para a modelação de novas funções a um espaço pré-definido, que por sua vez, passa por reordenamento, ocasionando não apenas mudanças técnicas, mas também materiais. Desta forma, pretende-se mostrar as origens do planejamento turístico no Brasil revelando o que se entende por “desenvolvimento do turismo” em uma escala local e regional em um período histórico ainda pouco explorado pelos pesquisadores de turismo.
A metodologia utilizada foi basicamente pesquisa documental. Foram consultadas bibliografias a respeitos dos temas abordados bem como crônicas, relatos de viagens e jornais da época, o que possibilitou traçar um perfil histórico de Campos do Jordão. A investigação utilizou uma documentação diversificada e fragmentada, que podemos identificar, com o “mosaico de pequenas referências” de que fala Matos(2002), ao realizar os estudos sobre a cidade de São Paulo (1850-1920) e, de Borges Pinto (1994), em sua pesquisa sobre as condições de trabalho e de sobrevivência no cotidiano, diante da economia informal, na capital paulista, a partir de 1880.
Conforme Possas (2001), as riquezas de informações podem e devem ser obtidas pela agudeza do olhar e na sensibilidade de perceber inúmeros indícios existentes nas “entre linhas” dos documentos, oficias ou não. Uma “leitura do subjacente” deve ser resgatada, uma vez que todo discurso é uma produção, onde se evidencia as tramas de vidas, as relações de poder, conflitos e os movimentos no cotidiano, que fogem aos dualismos e polarizações aparentes, evidenciando amplas articulações e infinitas possibilidades de captar o real.
Para a realização do trabalho seguiu-se as orientações de pesquisa documental de Bacellar, que recomenda a pesquisa em arquivos do Poder Legislativo. Segundo o autor “o mais interessante, nesse sentido, é consultar as atas de sessões, em que se podem acompanhar as discussões dos mais variados projetos legislativos, com os vereadores, deputados e senadores defendendo seus pontos de vista” Ademais:
São fontes importantes, também, as séries de Registros das câmaras
municipais, onde todo tipo de documentação relativa à atuação das câmaras écopiado: correspondência recebida e enviada, ordens régias e legislação, entremuitas outras (BACELLAR in PINSKY, 2005, p.34).
Neste sentido, foram consultados três tipos de documentação. Primeiramente, no acervo da Câmara Municipal de Campos do Jordão, foram digitalizadas as atas de reuniões de 1949 a 1963. A delimitação do período se deve à disponibilidade do acervo e tempo de realização da pesquisa. Na Assembléia Legislativa de São Paulo, foram consultados decretos e leis de 1921 a 1978, havendo uma triagem em datas específicas que fossem relevantes ao objeto de estudo. Por último, foram consultados os exemplares do periódico A cidade de Campos do Jordão, do período de 1949 a 1965 (vale ressaltar que no acervo não foram encontrados todos os exemplares. Assim, os anos analisados foram: 1949, 1951, 1952, 1954 e1965) a fim de confrontar os dados da pesquisa.
O presente trabalho, com suas preocupações teórico-metodológicas, traz como abordagem as linhas que permeiam os fundamentos acerca do conceito de planejamento e seus desdobramentos, a ser: planejamento territorial, planejamento regional, planejamento urbano e, por fim o planejamento turístico. Tal arcabouço de terminologias torna-se passível de análises na medida em que cada uma destas concepções incide de forma direta ou indireta sobre a análise do objeto de pesquisa. Dessa maneira, o presente item buscar expor diferentes dimensões acerca do lineamento geral do planejamento a fim de confrontar com os resultados obtidos na pesquisa sobre Campos do Jordão.
Segundo os estudos de Lira (1990), todo o processo de planejamento parte do pressuposto de que em cada sociedade, em cada momento histórico, existe um projeto político que instrumentaliza o planejamento. Nesta perspectiva temos algumas concepções importantes a destacar: em primeiro lugar, o projeto político tem, não raras as vezes, como força motriz o poder público. Nesta perspectiva, as intervenções ocorrem quase sempre concentradas nas mãos do Estado. Isto não seria problema se as etapas do processo de planejamento aferissem a participação de diferentes atores neste processo. Segundo Silveira e Campos (2012, p.205):
De uma maneira geral os modelos tradicionais de planejamento se caracterizam pelo fato de serem predominantemente normativos, impessoais e pretensamente neutros uma vez que baseiam seus resultados e interpretações no determinismo da racionalidade técnica e instrumental do próprio modelo de planejamento. No planejamento tradicional pressupõe-se a existência de um sujeito planejador, via de regra, o Estado, e de um objeto em que o planejamento incide – uma determinada realidade econômica, espacial, social. Para essas concepções os demais agentes sociais e econômicos apresentam um papel eminentemente passivo e previsível.
Esta é realidade de grande parte da prática em planejamento observada na maioria dos projetos observados em diferentes áreas do conhecimento. Surge como alternativa ao modelo tradicional, ainda segundo os referidos autores, a proposta de planejamento estratégico e participativo que “se firma e se legitima como instrumento de planejamento e de gestão a ser desenvolvido em conjunto com a sociedade”. Pensar um planejamento estratégico participativo, contudo, não é uma tarefa simples. A multiplicidade de atores sociais e os conflitos de interesse e discursos são os maiores desafios para a construção de uma metodologia adequada para nortear o planejamento.
Mas estas perspectivas tornam-se ainda mais contundentes quando observa-se que além consonâncias e dissonâncias diretas e indiretas entre os grupos sociais que permeiam as relações de poder, tem-se também implicações sobre as condiçõesda configuração espacial de um dado território. Consideremos para tanto, segundos as teorias de Santos (2002), que o espaço éuma instância social e o território éo espaço usado, reorganizado, configurado, normatizado, racionalizado. Ainda segundo o autor (2002, p.07), o “território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência”.
Sendo assim, compreendemos que o planejamento territorial deva levar em consideração os conceitos de espaço e território, como observa Fischer (2003, p.10) que define o planejamento territorial como:
O conjuntodas intervenções do poder público baseadas emobjetivos públicos e em projetos sociais coletivos e quevisam, pela aplicação de políticas de monitoramento (resposta a uma demanda expressa) e de políticas detreinamento (antecipação de uma solicitação futura), arequalificar espaços degradados ou em crise, a aumentara atratividade e os potenciais de certos territórios, agarantir um mínimo de equilíbrio inter-regional dentro do espaço nacional.
Uma das abordagens recentes em relação ao planejamento está justamente pensar o espaço e o território em busca de “um equilíbrio inter-regional”. É nesta linha de ação que surge o conceito de planejamento regional. Segundo Lira (1990, p.10 – tradução nossa), o planejamento regional constitui “em essência, uma escala decisória intermediária entre o planejamento nacional setorial por um lado e, por outro o planejamento local servindo de interface entre as forças centrifugas e centrípetas que atuam a favor ou contra os processos de desenvolvimento regional”. O planejamento regional trata-se de uma importante estratégia para fortalecimento das economias locais a fim de que as mesmas possam se inserir competitivamente na escala global.
Quando se trata da inserção da escala local na escala global, não podemos deixar de ressaltar, além do planejamento regional, o planejamento urbano. “Agora, vistas como plataformas produtivas e vetores econômicos, as cidades são pensadas, sobretudo, a partir da construção e reprodução de vantagens competitivas e das estratégias de desenvolvimento local capazes de assegurar-lhes uma posição favorável no espaço da competição interurbana” (GONÇALVES, 2012, p.41).
Dada a conjuntura, o planejamento urbano se divide em diferentes linhas de atuação, dentre as quais se destaca o planejamento turístico, que de acordo com Braga (2007, p.8), pode ser definido como:
Processo de avaliação do núcleo receptor (comunidade, oferta turística e de demanda real) da demanda potencial e de destinos concorrentes, com o intuito de ordenar ações de gestão pública direcionadas ao desenvolvimento sustentável e, conseqüentemente, fornecer direcionamento à gestão privada para que ela estruture empreendimentos turísticos lucrativos com base na responsabilidade socioambiental.
Embasados neste conjunto teórico, elabora-se os seguintes questionamentos sobre o planejamento turístico de Campos do Jordão:
A área em que se situa Campos do Jordão foi sesmaria de Ignácio Caetano, que em 1771 fundou a fazenda Bom Sucesso. Após a morte de Ignácio, seus herdeiros venderam as terras para o Brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão, dando origem assim ao nome da cidade: “Campos do Jordão”.
Campos do Jordão é formada por três Vilas. Quem deu origem ao primeiro núcleo urbano foi Mateus da Costa Pinto, ao fundar em 1874 a Vila de São Mateus do Imbiri que mais tarde se tornaria a Vila Jaguaribe, em homenagem ao médico e escritor Domingos Jaguaribe, grande divulgador das virtudes climáticas de Campos do Jordão. O segundo núcleo urbano do município foi a Abernéssia, fundada em 1914 por seu loteador escocês Robert JonhReid. O terceiro núcleo de Campos do Jordão, o Capivari, desenvolveu-se a partir de 1920 e teve origem em área de terras dos médicos sanitaristas Emílio Ribas e Victor Godinho, admirados entusiastas do clima da região (FILHO, 1988).
Foram igualmente, Emílio Ribas e Victor Godinho que, através do empreiteiro português Sebastião de Oliveira Damas, iniciaram a construção da Estrada de Ferro de Campos do Jordão, unindo o município ao Vale do Paraíba. Por falta de recursos, os serviços da ferrovia foram paralisados e só finalizaram-se em 1915, quando finalmente a EFCJ passou a funcionar (FILHO, p.17,1997).
Assim, com a divulgação dos médicos sanitaristas Victor Godinho e Emílio Ribas a respeito dos benefícios do clima de Campos do Jordão pra o tratamento da tuberculose (doença comum da época) aliados à facilidade de chegar à cidade (por meio da ferrovia), inicia-se então o “ciclo da saúde” em Campos do Jordão.
Diversos autores relatam a caracterização de Campos do Jordão durante seu “ciclo da saúde”: “A cidade era um festival de pensões de tuberculosos, que ‘se localizavam, em sua maioria em Abernéssia, mas se estendiam também a Jaguaribe e alguns em Capivari, embora nesta Vila morassem os doentes de melhor nível econômico alugando ou comprando casas particulares’” (FARIA, L. F. in FILHO, p.256,1986) “A tuberculose ligou-se de tal arte ao nome de Campos do Jordão nos anos 30 e 40, sobretudo a partir da implantação dos primeiros sanatórios, em 1929, que confessar-se natural ou residente na terra logo sugeria um tuberculoso à frente, com direito a todos os bacilos de Kock” (FILHO,p.25, 1988) “Todas as atenções tinham como pólo central o enfermo, todas as atividades visavam o principal objetivo: a saúde da população composta, na maioria, por forasteiros” (MASAKAZU, p.7, 1985a).
Os benefícios realizados pelo clima de Campos do Jordão em pessoas que procuravam tratar da tuberculose era fortemente divulgado. “Muitos pensavam que bastava chegar, respirar o clima puro de montanha e logo retornar curados” (FILHO, p.258, 1986). Contudo, a realidade era outra. Os sanatórios tinham disciplinas rígidas, e a cura da tuberculose ocorria não apenas pelo clima, mas também por regras de alimentação e acima de tudo, de higiene. Recomendava-se, por exemplo, ferver os talheres, ter copos individuais e escarradeiras descartáveis que deveriam, depois de utilizadas, serem destruídas com soda cáustica. “Alguns hábitos higiênicos eram generalizados: tomar banho e ir para cama, não tomar corrente de ar, lavar as mãos sempre, e visitar-se o doente conforme sua temperatura” (FILHO, p. 269, 1986).
Embora Campos do Jordão nas décadas de 30 e 40, conforme os relatos citados, fosse uma localidade totalmente ligada ao tratamento da tuberculose, e devido a esse fato, era também alvo de preconceito, mesmo assim há relatos que comprovam a visita de veranistas (como eram chamados os visitantes na época) no município:
A pensão Sanatório de Campos do Jordão, instalada num amplo prédio de três pavimentos (onde hoje localiza-se o Hotel Montanhês) era um internato de pessoas de posse. De regime semi-sanatorial, os doentes gozavam de relativa liberdade sem o rigor disciplinar da vida sanatorial. Alguns internados nem eram doentes, vinham passar temporadas de repouso e descanso”(MASAKAZU,p.29, 1985b).
O surgimento de alguns hotéis exclusivos para “não tuberculosos” também marca o aumento na presença deturistas e o início da transição da cidade saúde para a cidade turismo:
A primeira manifestação oficial, relativa às potencialidades turísticas de Campos do Jordão, foi inserida na Lei 2.140, de 1.10.1926, diploma que criou a Prefeitura Sanitária de Campos do Jordão. Continha expresso dispositivo que determinava a edificação de um hotel de repouso, com 100 quartos, no mínimo, destinado a pessoas sãs” (FILHO, p.585, 1986).
Também podemos citar outros exemplos que visam estimular o aumento no número de visitantes no município, dentre eles temos o caso da E.F Campos do Jordão, que em outubro de 1922, pede autorização da secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas para o tráfego de um trem de excursão, que funcionaria somente aos domingos, com a ida e a volta no mesmo dia, devido ao “grande número de pessoas que deseja[vam] conhecer Campos do Jordão e que, não o faz[iam] presentemente, por falta de condução de volta no mesmo dia, a fim de evitar o pernoite naquela localidade” (FILHO, p.585, 1986).
O fato das pessoas quererem evitar pernoitar em Campos do Jordão deve-se, contudo, ao medo do contágio da tuberculose, uma vez que “quem subia a Serra da Mantiqueira em direção a Campos do Jordão até 1948 encontrava um ambiente de cidade enferma. Assim, o viajante que por aqui passava sentia um certo arrepio e mesmo medo de ser contaminado pela doença” (CAMARGO, p.19).
Assim, temos o grande marco na transição da cidade enferma para a cidade turismo, por meio do zoneamento da Estância(grifo nosso):
Através do decreto nº. 11.781, de 30 de dezembro de 1940, que seccionou a cidade em duas zonas, reservando as Vilas Jaguaribe e Capivari para a área turista e Abernéssia e a zona sanatorial para tratamentos da enfermidade pulmonar” [...] “O decreto obrigou as autoridades a regulamentar [sic] a hospedagem no município, baixando normas para evitar a permanência e hospedagem de doentes nos hotéis, instituindo a exigência obrigatória de atestado médico radiológico dos pulmões, a todos os freqüentadores de estabelecimentos destinados a pessoas sadias” (FILHO, p.263, 1986).
Logicamente, as medidas sanitárias adotadas em 1940, levaram um certo tempo para serem postas em prática e divulgadas entre os visitantes. Mas, aos poucos as notícias foram se espalhando e repercutindo em outras localidades. “Com isso, Campos do Jordão, aos poucos, foi se transformando e ganhando forma de cidade turística, com o aumento paulatino do número de seus visitantes” (CAMARGO, p.23).
Como prova de tal fato temos o aumento no número de hotéis em Campos do Jordão, alguns inclusive de classe internacional, como se pode averiguar:
O Grande Hotel foi construído em 1944 pelo Governo do Estado. No ano seguinte foi instalado o cassino que funcionou até 1946. Outros hotéis de classe internacional constituíram-se em fatores de incremento do turismo, que nascia nessa década: Hotel Toriba em 1943, Hotel Rancho Alegre em 1946 e Hotel Vila Inglesa em 1947” (MASAKAZU, 2006).
No entanto, a ascensão da fase turística de Campos do Jordão é favorecida pela decadência da função de destino de saúde que a cidade, apesar das reformulações políticas, sustentava até o momento.
Um dos fatores determinantes na decadência da fase-saúde de Campos do Jordão foi a descoberta de medicamentos para o tratamento da tuberculose: “com o avanço da medicina, o tratamento quimioterápico da tuberculose, a suspensão dos convênios do Ministério da Saúde com os sanatórios, passando para o sistema ambulatorial, diversos hospitais foram desativados e outros transformados em hospitais gerais...”(MASAKAZU, p.29, 1985b).
Tais transformações são concretizadas com a mudança na política nacional de combate à tuberculose, “o Governo Brasileiro, através do Ministério da Saúde, adotando diretrizes da Organização Mundial da Saúde, reformulou totalmente o programa de combate à tuberculose” (FILHO, p.275, 1986), adotando efetivamente os esquemas terapêuticos, o que fez com que a teoria da cura pelo clima caísse em desuso, assim como a necessidade do regime sanatorial.
Como pôde ser visto, a cidade de Campos do Jordão sofreu a transformação de um destino para um destino turístico, assim houve a necessidade de planejar a nova atividade que se iniciava. Para melhor entender como ocorreu este planejamento vamos estudá-lo separadamente.
Neste período, muitos debates acerca do planejamento da estância estão sendo realizados, sendo que os jornais do período são repletos de notícias acerca do assunto. Contudo as discussões políticas em Campos do Jordão, embora representadas no jornal, são frutos dos amplos debates ocorridos na Câmara Municipal. Portanto, a análise das atas das sessões é imprescindível para compreender o processo que abarcou a transição de estância de saúde para estância turística. Embora as conjunturas políticas e econômicas que rodeiam a entrada da década de 1950 buscassem o fomento do turismo, as atas revelam que há ainda uma forte preocupação com as circunstâncias de falta de leitos para os tuberculosos pobres que buscavam o município.
O problema tornava-se ainda mais grave em razão do número de doentes que eram encaminhados por outros municípios paulistas, bem como de outros Estados. Assim, embora houvesse a tentativa de fomentar o turismo, e também o acesso à estreptomicina (medicamento utilizado no tratamento da tuberculose), que poderia diminuir o quadro de doentes em regime sanatorial, o problema de leitos ainda persistia. As iniciativas da Companhia de Hotéis de Campos do Jordão são indicadoras do problema. A criação da Taxa de Proteção ao Turista foi uma das alternativas encontradas, mas essa não era suficiente. Esta taxa era aplicada aos estabelecimentos de hospedagem para ajudar na manutenção da zona sanatorial do município. Segundo o Vereador Joaquim Corrêa Cintra, a taxa, que em 1949 tinha arrecadado uma verba anual de trezentos mil cruzeiros, era suficiente para manter apenas cinquenta leitos e complementa:
Enquanto não dispormos de outros meios, só poderemos assumir compromisso com cinqüenta doentes. É preciso que tenhamos coragem de fazer voltar os doentes que os municípios mandam para cá sem mais nem menos. É preciso que esses municípios sintam a angustia que nós sentimos deparando com esses pobres de organismos minados pela terrível peste branca (ATA, 12/08/1949).
Desde 1948, a Prefeitura Sanitária de Campos do Jordão vinha pleiteando junto aos demais municípios paulistas e aos órgãos estaduais verbas para a manutenção de um Parque Sanatorial. A ideia era construir um conjunto de sanatórios e dispensários com sede em Campos do Jordão para contemplar os doentes sem condições financeiras para tratamento, com leitos que seriam mantidos com verbas dos municípios participantes. As discussões, envio de ofícios, relatos de visitas, tomam conta da maior parte das sessões da Câmara de Campos do Jordão durante o ano de 1949.
O que se observa, no entanto, é o grande número de ofícios encaminhados pelos municípios indeferindo o pedido de verbas. Sem adesão, o Parque Sanatorial, cujo estatuto é lançado em 1950, é realizado com pouca ajuda do Estado e com a ampliação de leitos gratuitos nos sanatórios já existentes. Dentre as iniciativas, destacam-se as ações de Leonor Mendes de Barros que faz uma doação para a construção de mais quarenta leitos para indigentes no ano de 1949. Foi igualmente a esposa de Adhemar de Barros quem providenciou a construção de um abrigo para recolher os doentes que ficavam em praças públicas e estações de trens.
O conjunto que compõe a lei de zoneamento da cidade, a criação da Taxa de Proteção ao Turista, a fala de Joaquim Corrêa Cintra, a tentativa de organização do Parque Sanatorial e os atos de Leonor Mendes de Barros, levam-nos a crer que as ações de manutenção de leitos gratuitos representam muito mais a preocupação com o ato de isolar o doente pobre para não prejudicar a imagem de progresso e crescimento do turismo que vinha sendo construída, do que propriamente com o tratamento dos mesmos. Nesse sentido, os artigos dos jornais que buscam desmistificar o mito de cidade-enferma, colaboram com a teoria acima citada.
As ações de embelezamento da cidade também são cada vez mais comuns. A preocupação com a estética da estância também são observadas nos despachos realizados pela Câmara. Tal fato pode ser exemplificado pela ordem de desapropriação de dois lotes de terrenos na Vila Capivari para construção de uma praça ajardinada (ATA, 12/041949). Como já era comum às estâncias, o conceito de cidade-jardim também é vislumbrado em Campos do Jordão. O plano de urbanização que vinha sendo realizado pela Companhia de Melhoramentos de Campos de Campos do Jordão, também se preocupa com o rigor estético e sanitário de suas ações.
O modelo idealizado se embasa nas estâncias climáticas europeias, sobretudo, no imaginário de transformar Campos do Jordão na “Suíça Brasileira”, agora não mais por suas propriedades terapêuticas, mas sim pela marca do estilo de suas edificações e dos moldes de vida proporcionado pela Estância. Basta observar as fotos dos hotéis e sanatórios para constatar a semelhança com os padrões europeus de clima similar. Além das janelas grandes e das sacadas em madeira que possibilitam a fruição do meio natural, a ostentação e o luxo também são contemplados na estrutura das obras.
Mas não são apenas as preocupações de cunho estético que permeiam as discussões dos melhoramentos a serem realizados na Estância. Nos anos de 1950 são as demandas de benfeitorias das vias de acesso a Campos do Jordão que imperam. São diversos os relatos que comprovam esta necessidade. Há, como exemplo, ofícios expedidos à Comissão de Viação e Obras solicitando que seja considerada de utilidade pública a rua que parte da Confeitaria Elite em demanda ao Hotel Vista Alegre (ATA, 28/02/1950), pedidos de reparação e conservação da estrada que ligava o Hotel Toriba até a estação de Eugênio Levrève (ATA, 04/10/1949) e solicitações de reformas das estradas que levam a pontos turísticos, como a Pedra do Baú e a Gruta dos Crioulos, sob a alegação de que elas são muito utilizadas pelos turistas (ATA, 25/03/1952).
Observa-se que, tratando-se de turismo, os pedidos são, na maioria das vezes, prontamente atendidos, como comprova o ofício da prefeitura informando que estão sendo procedidos os reparos na estrada que leva à Gruta do Crioulo (ATA, 26/05/1952), três meses após a solicitação citada anteriormente. Em contrapartida, nota-se que as verbas não são suficientes para suprir a demanda de todas as necessidades apontadas pela Câmara. No mesmo ofício, a Prefeitura declara que os serviços a serem feitos na estrada que vai para a Pedra do Baú, dependem de verba.
Contudo, apesar das referidas iniciativas para melhorias das vias de acesso internas ao município, os esforços da Câmara se concentram, sobretudo, em projetos que viabilizam a ligação de Campos do Jordão com outras municipalidades. Amplamente divulgadas, as obras que ligam o município paulista às cidades mineiras de Piquete e Itajubá fazem parte de um plano maior: inserir-se no “Circuito das Águas”. Em Minas Gerais, a interligação das Estâncias Hidrominerais já era realidade desde 1930. O processo consistia em ligar as cidades do Circuito por rodovias e ferrovias, facilitando a afluência de turistas/pacientes entre as cidades, refletindo diretamente nas economias locais (SILVA JÚNIOR, 2004).
O sucesso do Circuito das Águas mineiro, certamente despertou o interesse das autoridades e empreendedores jordanenses que buscavam incrementar o turismo no município, visto que a exploração dos cassinos não era mais possível. O Circuito seria, então, uma excelente alternativa para elevar a demanda de turistas. Nesse ínterim, busca-se uma regulamentação das fontes hidrominerais da cidade, lembrando que, apesar de ter o título de Estância Hidromineral em razão das suas águas radioativas, não existia ainda uma infraestrutura para a utilização terapêutica das mesmas. É em razão dessa condição que os artigos no jornal A cidade de Campos do Jordão contemplam assuntos como estudos sobre o poder curativo das águas e apresentam as discussões políticas referentes ao processo de consolidação de Campos do Jordão enquanto Estância Hidromineral.
Assim, iniciam-se os investimentos e acordos políticos vislumbrando o objetivo almejado. No exercício de 1950, por exemplo, foi gasto pela Prefeitura a importância de 2.840.000 cruzeiros apenas para a desapropriação da fonte da Água Santa, com o objetivo de explorá-la terapeuticamente. Ademais, constam em discussões realizadas na Câmara, inúmeros pedidos de auxílio oficiais e extra-oficiais para autoridades dos poderes estaduais e federais com o objetivo de arrecadar verbas visando à realização de obras necessárias para ligar o município ao Circuito das Águas.
Observa-se, aqui, os esforços para unir o poder público estadual e municipal para a construção de estradas, hotéis e programas de atração turística. Nesse sentido, destacam-se as visitas dos governadores Juscelino Kubitscheck e Lucas Campos a propriedades na divisão de Campos do Jordão com a cidade mineira de Itajubá, a convite de vereadores do município, dentre os quais se destaca Noé Ribeiro. Os contatos políticos com as autoridades dos dois Estados permitem um acordo que promete a expansão turística no Circuito das Águas.
Dessa maneira, iniciam-se as obras da estrada que liga Campos do Jordão – Itajubá – Lorena. Não por acaso, o caminho possibilita a visualização da Pedra do Baú, ponto de atração turístico muito conhecido e admirado pelos turistas que frequentam a região. Em virtude dos contatos políticos, outra obra é realizada beneficiando Campos do Jordão: a construção da rodovia Presidente Dutra. Com o advento do novo acesso, o percurso que liga São Paulo a Campos do Jordão, que antes era realizada em seis horas, passa a ser executado em três horas.
Sendo assim, embora muito tenha sido feito com o objetivo de transformar Campos do Jordão em uma Estância Hidromineral e de fazê-la participar do Circuito das Águas, o acesso da via Dutra (1951) é que foi o maior responsável por aumentar o fluxo de turistas no município. Com a rapidez e o conforto do acesso, observa-se um aumento na demanda de turistas que visitam a cidade nos finais de semana e, logicamente, o processo é complementado por uma propaganda turística.
O Centro de Planejamento de Campos do Jordão, em parceria com a Companhia de Hotéis de Campos do Jordão, e pouco depois com a Associação de Amigos de Campos do Jordão, toma as primeiras providências em relação à divulgação do turismo. Dentre elas, a organização de concursos para adoção de um slogan, melhor fotografia e desenho do brasão.
Contudo, as instituições acima citadas são entidades civis. Em vistas do crescimento do turismo na cidade, aliado às cobranças para a organização da atividade enquanto alvo de políticas públicas, surge a necessidade de institucionalizar em meio público oficial, um órgão capaz de planejar o turismo municipal. É nesse contexto que o vereador Joaquim Corrêa Cintra, propõe em vinte e dois de novembro de 1952, o Projeto de Lei que cria a Diretoria Municipal de Turismo (D.M.Tur) (ATA 22/11/1952).
A aprovação desse projeto, no entanto, dependeria da criação de uma emenda ao orçamento, originando assim a Taxa de Desenvolvimento Turístico. Aprovado, o projeto que criou a D.M.Tur, regulamentado pela Lei 129/52, tinha como objetivo realizar as melhorias para incremento do turismo no município. Tendo como presidente Orlando Lauretti (03/1953 a 07/1956), as verbas provenientes da Taxa de Desenvolvimento Turístico são utilizadas, sobretudo nos primeiros anos de atuação da D.M.Tur, na organização de eventos e no investimento em formas de divulgação da estância.
Dentre as primeiras ações da D.M.Tur, destaca-se a organização do I Congresso Nacional de Turismo, sediado no município. A notícia de que Campos do Jordão seria a sede do evento é proclamada por Joaquim Corrêa Cintra (presidente da Câmara), a quem os memorialistas atribuem o empenho para a realização do mesmo. Na Câmara, Cintra anuncia que o evento seria patrocinado pelo Conselho de Turismo da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e pelo Serviço de Turismo e Hospedagem da Comissão do Quarto Centenário de São Paulo (ATA, 10/02/1953). Como pode ser observado, embora se trate de um evento nacional, a sua idealização e organização é estritamente paulista.
Analisando mais atentamente o processo que originou o evento, nota-se que se trata de uma iniciativa que objetiva colocar Campos do Jordão como centro das atenções nacionalmente. O ideal de transformar a Estância em uma potência turística nacional é observado, em alguns textos publicados no jornal A Cidade de Campos do Jordão, os quaisdatam desde a época em que se idealizava a ligação da cidade com o Circuito das Águas, como pode ser observado no texto de Perroy publicado em 1949:
Um dos mais belos e confortáveis circuitos turísticos do mundo será sem dúvida, nosso Circuito das Águas [...] Campos do Jordão, ligada à Rodovia Presidente Dutra por Pindamonhangaba e às Estâncias Mineiras, via Itajubá ou Delphim Moreira, será uma das capitais turísticas da América Latina.
Em 1951, o artigo de Nidoval Reis publicado em 11 de novembro no jornal Acidade de Campos do Jordão, que tem por objetivo reforçar a propaganda de Campos do Jordão como Estância Turística em detrimento da visão de cidade-enferma, reforça nossa hipótese: “Campos do Jordão, a Suíça Brasileira, como é conhecida e chamada pelos turistas e estrangeiros que a visitam é a mais bela estância climatérica do Brasil e há mesmo que diga da América do Sul”.
Busca-se, ainda, copiar em Campos do Jordão, iniciativas que são destaque turístico no país. Dentre elas, o projeto de lei apresentado por Paulo Abreu, com o objetivo de transformar o Parque Estadual de Campos do Jordão em Parque Nacional e utilizá-lo para exploração turística, tal qual ocorria no Parque Nacional da Serra dos Órgãos no Rio de Janeiro. Embora a ideia não tenha vingado, nota-se que a iniciativa representa a necessidade de incrementar o turismo na cidade reforçando as condições que a tornem reconhecida em âmbito nacional.
Portanto, o I Congresso Nacional de Turismo organizado pela D.M.Tur não foge a esse cenário. Realizado em agosto de 1953, no Grill Room do Grande Hotel, o evento não contou inicialmente com as atenções das autoridades federais. Mas, sua realização apresenta, todavia, alguns pontos relevantes para a análise das discussões que ocorriam em relação ao turismo naquele período. Segundo Joaquim Corrêa Cintra, o Congresso contaria com a apresentação de um número significativo de trabalhos a serem apresentados pelos municípios, dentre os quais se destaca o que ele apresentaria, intitulado “O turismo como atividade social” (ATA, 03/08/1953). Não foram encontrados documentos que elucidassem os conceitos que foram abordados por Joaquim Corrêa Cintra na apresentação desse trabalho, e uma análise embasada apenas no título dá margens a múltiplas interpretações.
Por outro lado, pode-se afirmar que dentre as discussões realizadas durante o evento, destaca-se a verificação da necessidade de organização da atividade turística em âmbito nacional. Em 1965, Cintra, ao escrever o artigo intitulado “Medidas práticas em favor do turismo”, rememora o evento e revela:
Em 1953, partiu do I Congresso Nacional de Turismo realizado em Campos do Jordão, a recomendação ao Governo da União para constituir um órgão Federal para conduzir a política do turismo brasileiro [...] Após vários anos de indiferença, salvo intermitentes manifestações de uns poucos homens obstinados, o Congresso Nacional aprovou recentemente o Instituto Brasileiro de Turismo (Ibratur) (A CIDADE de Campos do Jordão,16/05/1965, p. 2).
Cabe lembrar que, desde 1939, já existia uma preocupação por parte dos estancieiros com a organização do turismo nacional, exemplificada pelas solicitações do Prefeito de Poços de Caldas. Contudo, nota-se que, com a descontinuidade do DIP e sua Divisão de Turismo, bem como com a mudança de Governo Federal, o turismo enquanto política nacional foi praticamente inexistente, por um longo período.
Contudo foi novamente pelas mãos de um político mineiro, que se buscou uma forma de planejar o turismo no âmbito nacional em fins da década de 1950. Assim, em 1958, Juscelino Kubitschek criou a Comissão Brasileira de Turismo (Combratur) por meio do Decreto-Lei nº. 44.865. Apesar da iniciativa, a Combratur também não proporcionou muitos resultados ao desenvolvimento do turismo nacional. Segundo Flores (1998 apud QUEIROZ, 2005), o único trabalho que o órgão chegou a realizar foi o primeiro Mapa Turístico do Brasil.
Ainda segundo a autora, por falta de uma estrutura adequada a Combratur foi extinta pelo presidente Jânio Quadros em fevereiro de 1962, e “as atribuições do governo federal em relação ao turismo foram assumidas por uma Divisão de Turismo (lei 40.084/1961), no recém-criado Ministério da Indústria e Comércio (FLORES, 1993, p. 68 apud.QUEIROZ, 2005, p.325)”.Coube, portanto, aos Estados a tarefa de fomentar e organizar a atividade.
No caso de São Paulo, foi Adhemar de Barros que possibilitou novas diretrizes em favor do desenvolvimento turístico. Quando novamente ocupando o cargo de Governador, em 1962, executa o Plano de Desenvolvimento Integrado (Pladi) que, dentre as diretrizes, está uma campanha para incremento do turismo nas estâncias. Ademais, é também Adhemar quem promulga a Lei nº 8.663, de 25 de janeiro de 1965, que cria a Secretaria de Estado dos Negócios do Turismo do Estado de São Paulo. (http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/224049/lei-8663-65-sao-paulo-sp).
Nesse ínterim, enquanto não são tomadas as devidas providências para a organização do turismo no âmbito estadual e federal (o que ocorreu apenas 12 anos após o I Congresso Nacional de Turismo), o município paulista caminha rumo ao desenvolvimento do que os próprios entusiastas da atividade chamam de “mentalidade turística”. A expressão, proferida por Jacques Perroy e por diversas vezes repetida no jornal A cidade de Campos do Jordão, refere-se ao processo de tomar consciência do que é o turismo, e como desenvolvê-lo. Não se trata apenas de uma ação que entrevê a mentalidade dos empreendedores do setor, mas também a formação da mentalidade do turista.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a D.M.Tur muito contribuiu para a formação da “mentalidade turística”, a começar pelo incentivo dado à execução do filme Floradas na Serra.Ofilme, cuja trama se passa em Campos do Jordão evidenciando as belezas naturais, bem como o entretenimento oferecido pelos equipamentos de apoio ao turismo, que foi divulgado e parcialmente financiado pela D.M.Tur, teve grande repercussão nacional e insere-se em um processo que busca modelar comportamentos e influenciar opiniões. A divulgação da prática do turismo, os convites a visitar Campos do Jordão enquanto destino turístico e as campanhas que visam desmistificar o mito de cidade-enferma direcionam o município para a consolidação do turismo como fonte de renda.
Um dos primeiros pontos a se destacar sobre o planejamento turístico de Campos do Jordão, é que o mesmo se inicia por iniciativa de entidades civis. Instituições como a Companhia de Hotéis de Campos do Jordão, Centro de Planejamento de Campos do Jordão e Associação de Amigos de Campos do Jordão, são representativas destes grupos sociais. Sendo assim, observa-se que diferentemente dos processos de planejamento turístico tradicionais em que o “controle” é assumido pelas instâncias públicas e precariamente absorvido pelas demais instâncias sociais, no caso do objeto de estudo observa-se que é o “poder civil” que condiciona o surgimento de um “poder público”, traduzido pela gestão da D.M.Tur.
Mas não podemos, no entanto, confundir esse “poder da sociedade civil” com evidências de um “planejamento participativo”. Embora nem sempre representando a totalidade do empresariado jordanense, as instituições acima citadas são formadas por membros da elite local, sendo que boa parte destas personalidades têm interesses no desenvolvimento turístico da estância não apenas como forma de incremento econômico, mas também como uma estratégia para a melhoria da qualidade de vida no município. Elevar os padrões da cidade aos níveis de uma cidade européia são os desejos evidentes de uma elite que almeja viver em um local livre do estigma sanatorial.
Outros segmentos sociais até são inclusos em algumas práticas destas instituições, como pode ser observado nos concursos abertos à comunidade para a escolha da “casa mais florida”, do “melhor brasão”, da “melhor fotografia da cidade”, dentre outras ações que visam integralizar demais grupos sociais em um processo denominado “construção da mentalidade turística”. A terminologia, transcrita tal qual observado nos documentos oficiais, nos revela a intenção de forcejar uma prática que não era realidade até então. Naturalizar, portanto, o desenvolvimento de uma atividade que não era comum (ou largamente difundida) nem a empreendedores, nem a viajantes, nem a comunidade receptora.
A inicialização do turismo no município ainda era um ponto a ser desbravado, sendo necessário incutir uma “nova mentalidade” a toda sociedade. Embora assumido de bom grado pelas instâncias governamentais e, aparentemente, sem relutâncias da sociedade jordanense de maneira geral, que observava um discurso de turismo voltado a ideia de progresso, a resistência à refuncionalização da cidade ficou por conta dos doentes e municípios vizinhos emissores destes tuberculosos. As diversas tentativas de Campos do Jordão de “se livrar” da função sanatorial em prol do desenvolvimento turístico evidencia os conflitos entre diferentes atores bem como o tensionamento de Campos do Jordão na escala regional.
Explicando de forma simplista, poderíamos indicar que a relação local x regional em Campos do Jordão se dava da seguinte forma: no âmbito local o turismo é observado como ideal de progresso. No âmbito regional, o turismo é observado como uma “ameaça” à função da cidade saúde. Aqui cabe uma ressalva: como já pôde ser constatado, o conceito de “desenvolvimento turístico” presente no planejamento turístico do município é sinônimo de “progresso”, de “equivalência aos moldes europeus” e de “inovações urbanas”.
O conceito de “desenvolvimento turístico”, ao que tudo indica, não abarca em um primeiro momento, as diretrizes de equidade social. Embora tenha sido observada a inserção de um trabalho apresentado no I Congresso Nacional de Turismo com a intitulação “o turismo como atividade social”, não se tem, até o presente momento da pesquisa, informações suficientes para afirmar que as discussões evidenciavam uma busca pela equidade por meio do turismo. Contudo, destaca-se que existem mais documentos em acervo sobre o referido evento a serem pesquisados, que futuramente, poderão, talvez, elucidar esta questão.
Mas relação local x regional não se restringem a conflitos. As políticas visando integrar Campos do Jordão ao circuito das águas evidenciam práticas de um planejamento que visa fortalecer as escalas locais para competir globalmente. As inúmeras ações voltadas ao planejamento das vias de acesso de Campos do Jordão são representativas do aumento planejado de fluxos turísticos. Com o aumento da demanda, modifica-se a estrutura urbana, que por sua vez, também passa pelas ordens do planejamento urbano.
As diretrizes que definiam o ordenamento espacial de Campos do Jordão preocupavam-se (além da questão higiênica indicada pelo zonemento), com o embelezamento, com a estética da cidade, além de referenciar também a sustentabilidade. A criação do Parque Estadual de Campos do Jordão é significativa deste processo, pois além de operacionalizar um bem natural para uso turístico, acabou por priorizar a conservação de uma área natural que se encontrava ameaçada.
Dessa maneira, conclui-se que o planejamento turístico da cidade, cujas ações voltaram-se, sobretudo, para a inserção da cidade no modo de produção capitalista na escala global foram bastante diferenciados, pois sua tríade de implementação partiu da seguinte ordem: sociedade civil èórgãos públicos locais èórgão públicos regionais, além de evidenciar o planejamento nas dimensões econômica, espacial, social, político e regional.
Documentos consultados
Atas de reuniões da Câmara Municipal de Campos do Jordão (1949 – 1963)
Jornal A Cidade de Campos do Jordão
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