Renê Corrêa do Nascimento (CV)
INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda o turismo enquanto objeto do consumo pós-moderno, bem como suas apropriações de signos e significados, por meio dos quais sofre influência ao longo do processo de produção e interpretação. Pode-se falar em signos turísticos haja vista que o turismo se realiza utilizando-se de uma coleção de referências e imagens pré-estabelecidas que sempre se aplica ao todo, ou seja, os cenários e situações que, mesmo não sendo regra, representam todo um complexo de sistemas socioculturais, ambientais e econômicos de uma determinada localidade.
Este estudo, proposto como investigação circunstanciada tem como objetivo analisar o turismo enquanto fenômeno sócioeconômico, por meio de uma interpretação crítica do consumo contemporâneo, baseando-se no universo fetichista no fenômeno turístico. Centraliza-se na análise do conceito de fetiche nos limites do fenômeno turístico, embora sejam utilizadas e referenciadas também outras terminologias relevantes para o entendimento de fatores relacionados ao turismo. Caracteriza-se como pesquisa exploratória, por meio de levantamento bibliográfico sobre questões que abordam o tema.
Em relação ao estudo de caso para análise e interpretação utilizou-se de investigação circunstanciada, neste caso o espaço turístico do Rio de Janeiro que sustenta as considerações sobre fetiche dentro do consumo turístico, bem como outras formas de agregação de valor instituídas sob a égide do consumo turístico contemporâneo – a favela da Rocinha e o Carnaval carioca -, observadas no conjunto deste artigo.
Portanto, o método norteador pode ser reiterado como dedutivo, eis que parte da evolução e interpretação do fetiche até princípios particulares, em que se evidenciam eventos e/ou outros fatos que, enquanto segmento específico, demonstram a múltipla possibilidade de análise de situações congruentes ao turismo.
O turismo utiliza-se da função metonímica da linguagem, ao apropriar-se de partes da prática social e, sobretudo, aspectos da cultura dos núcleos receptores a fim de representar o todo. No contexto dessa apropriação o turismo pode envolver a fantasia, a demonstração, o espetáculo e a simulação.
Ferrara (1996) abordou a linguagem metonímica para descrever a apropriação simbólica sofrida pelo turismo, na qual a fragmentação e a superficialidade são continuamente tecidas e reforçadas nos mais diferentes contextos. Em suas considerações relacionadas a essa apropriação o autor observa que:
O turismo favorece a metonímia, os detalhes espaciais flagrados na pose fotográfica, com sua visibilidade demonstrativa aparentemente autêntica ou nos cartões postais que destacam a referência do detalhe urbano, o monumento, a praça. Para o turismo, a parte vale pelo todo e é suficiente para despertar sonhos, lembranças, nostalgias e, sobretudo, o grande fator do mercado, a necessidade de repetir a experiência. (FERRARA, 1996, p.21)
Em seu estudo relacionado ao turismo e aos deslocamentos virtuais, o autor aborda o fenômeno sob a ótica da representação da cultura e do signo, afirmando que precisam ser amplamente entendidos, se a intenção é atingir o significado simbólico das manifestações culturais que permeiam a prática turística contemporânea.
Uma leitura semiológica no universo do turismo como possibilidade para entender o devaneio e a fantasia, intrínsecos nos mais diferentes segmentos do mercado turístico, certamente é alternativa para entender um fenômeno tão complexo e que permite múltiplas leituras, principalmente por ser prática que envolve não somente o aspecto econômico, mas, principalmente, o sociocultural.
Na medida em que a promoção do turismo e sua apropriação se dão por processos de identificação de signos e sua posterior reificação, conforme as tendências efêmeras e superficiais das sociedades pós-modernas busca-se entender o caráter semiológico no qual o turismo se insere, pois se caracteriza como fenômeno de grande influência de práticas e atitudes, acarretando intensas transformações e assimilações nos contextos em que se apresenta.
Entre os autores que abordam o fetichismo e a fantasia no âmbito do turismo, com especial atenção para Eduardo Yázigi no Brasil e John Urry em âmbito internacional, quando discorreram sobre o tema apresentaram opiniões conflitantes e, na maioria das vezes, contraditórias sobre os fatores que corroboram para a agregação de valores negativos de ordem fetichista relacionada à prática turística.
Dentre tais fatores, o sistema capitalista é a peça principal em repetidas e complexas discussões, como por exemplo, o papel de persuasão da mídia, alguns fatores psicológicos relacionados à prática do consumo turístico e as motivações turísticas.
Por outro lado, fica evidente que tanto o simulacro, quanto o espetáculo e o fetiche também podem conduzir a uma diminuição da prática turística, tornando-a fragmentada, artificial, superficial e inautêntica.
Neste contexto é de relevante interesse a conceituação de cultura. A própria definição já é complexa, suscita variáveis na sua interpretação e envolve uma série de elementos: valores, sentidos, hábitos, formas de pensar e juízos sobre o mundo.
Segundo Canclini (apud Figueiredo, 1995) cultura corresponde à produção de fenômenos que contribuem, mediante a representação ou reelaboração simbólicas das estruturas materiais, para a compreensão, reprodução ou transformação do sistema social. Santos (1994) afirma que a cultura diz respeito a tudo aquilo que caracteriza a existência social de um povo ou nação, ou então de grupos no interior de uma sociedade.
O conceito de sociedade, neste caso, é dotado de uma acepção mais lata, na qual, segundo Chinoy (2000) abrange toda a humanidade, todo gênero humano, e serve principalmente para concentrar atenção em uma ampla série de fenômenos básicos para a análise do comportamento humano, variadas e múltiplas relações que os homens estabelecem no curso da vida em grupo.
De acordo com o Keesing (apud Laraia, 2001, p.59):
Culturas são sistemas de padrões de comportamento socialmente transmitidos, que servem para adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos. Esse modo de vida das comunidades inclui tecnologias e modos de organização econômica, padrões de estabelecimento, de agrupamento social e organizações políticas, crenças e práticas religiosas, e assim por diante.
A definição de cultura é abrangente, mas há consenso de que ela é dinâmica, e, portanto, sujeita à transformação e exposta à apropriação do mercado contemporâneo como bem lhe aprouver. A cultura é matéria-prima da atividade turística, e, portanto, instigadora de motivações de viagens, tanto quanto os recursos naturais e outros valores agregados de características artificiais.
A atividade turística gera impactos sociais, políticos, econômicos, culturais e ecológicos nos mais diferentes graus, tanto positivos, quanto negativos. É comum observar que os negativos se sobrepõem aos positivos, caso não sejam tomadas medidas de consumo sustentado frente ao papel predador de determinadas correntes de visitantes.
Portanto, sendo a cultura matéria-prima essencial para a prática turística, verifica-se que ela, na sua exposição e consumo, também sofre os impactos negativos da atividade turística.
Vários autores discutem sobre as transformações negativas sofridas pela cultura em meio à prática turística mal planejada e desordenada, bem como a sua manipulação mercadológica que envolve quase sempre o espetáculo, com a finalidade de encantar o turista. Entre outros, podem-se ser citados Krippendorf (1989), Meneses (1995), Canclini e Ortiz, citado por Figueiredo (1996). Esses autores buscam entender e interpretar o aspecto das modificações e mercantilização cultural presentes nas atuais sociedades capitalistas.
Neste aspecto cabe, oportunamente, registrar que a cultura, por vezes, se representa como símbolo de fetiche, na medida em que, da forma como se dissemina, se dá de modo fragmentado, primeiramente pela própria pulverização e contradição terminológica, e segundo, pelo fato dela ter se tornado mercadoria de troca na sociedade, assumindo, assim, em casos pontuais, caráter de magia e sedução.
FETICHE E TURISMO: DISCUSSÃO CONCEITUAL
O fetiche tem sua origem na característica essencial das religiões primitivas, às quais eram atribuídos poderes mágicos e sobrenaturais a objetos inanimados ou mortos. Os povos primitivos adoravam esses objetos por achar que eles eram habitados por um espírito.
A interpretação sobre fetiche na psicologia remete a Sigmund Freud. Para êle, o fetichista recusa a realidade da falta de pênis na mãe, pois aceitar esta falta implica em reconhecer que sua própria possessão de um pênis está ameaçada. Ele encontra, então, um substituto ao pênis que falta à mãe: o fetiche.
O fetichismo assume assim, uma conotação sexual na teoria de Freud. Rivera (2003) baseou-se nos estudos de Freud, para concluir que o fetichista dá mostras do eclipse de um prazer pulsional, ou seja, fortemente emocional, impulsivo e irracional, e que é uma função direta do id (inconsciente) ou dele derivado. Assim, o fetichista tenderia a controlar seus impulsos sexuais pelo recalcaque; e nesse caso o objeto direto de seu complexo ou repulsa é separado da pulsão e erigido em fetiche, no qual ele atribui poderes capazes de satisfazer seus desejos sexuais.
Assim como na interpretação que a psicologia faz do fetiche, no universo da produção turística e nas suas relações de troca com o consumidor, também há um recorte do todo em decorrência da agregação de valores característicos de algumas partes, que no caso, valeria pelo todo. O fetiche é entendido, então, como um recorte que consequentemente leva à redução da qualidade da prática turística, de modo a fragmentar o global, em detrimento de uma real experiência holística.
O fetiche tem estreita relação com o ícone. As práticas turísticas contemporâneas são permeadas pelo “recorte” ou fragmentação, em que o atrativo turístico reina soberano. Desse modo, pode-se denominar esses atrativos, de ícones turísticos, pois são dotados de um significado comum por parte de grande número de pessoas, sendo turistas ou não. Os ícones turísticos podem se estabelecer como atrativos culturais, que possuem poderes seculares de atrair turistas de todo o mundo e, nesse contexto, no Brasil, temos não somente um ícone associado ao turismo, mas toda uma cidade iconográfica: O Rio de Janeiro.
A apropriação dos “ícones turísticos”, que despertam desejos, é objeto de discussões polêmicas. O que se pergunta é se os desejos, as fantasias e outras características intrínsecas à prática turística contemporânea fazem-se inerentes à própria imaginação humana. Também se questiona se tais desejos e fantasias, na verdade, aguçados pela mídia e publicidade, garantem, assim, status ou simplesmente a significativa fruição a quem se aventura por tais fantasias.
Campbell, (apud Urry, 1996) afirma que o hedonismo imaginativo é característica das sociedades modernas e pós-modernas, e, portanto, separados de técnicas de persuasão, tais como a propaganda. Já Urry (1996), em posição contrária à Campbell, entende que as fantasias e os devaneios não são autônomos, colocando que o turismo envolve necessariamente o devaneio [...] tais devaneios não são autônomos, porém. Envolvem propaganda e outros conjuntos de signos gerados pela mídia, muitos dos quais dizem respeito claramente a processos complexos de emulação social.
O homem, sem dúvida, nutre imaginação fértil e criadora, na medida em que cria e constrói. O que se deve evidenciar é que a viagem em si é imaginação, não no sentido metafórico, mas lato, pois abrange uma série de expectativas e pressuposições.
Sobre a colocação supracitada, Ycarim (2001, p. 27), afirma que:
No turismo, usa-se, com certa freqüência, a imagem mental, aquela que envolve a criação de uma fantasia ou de um sonho. Passamos a imaginar o lugar como se estivéssemos lá. Uma representação mental é elaborada de maneira quase alucinatória, uma transposição do real ao imaginário. Nesse aspecto, o turista faz uma viagem na mente antes de se deslocar de fato.
Percebe-se que as pessoas viajam antecipadamente em sua imaginação, planejando na razão de suas economias e decidindo o destino da viagem. No entanto, a idealização da paisagem, das pessoas, dos aspectos culturais, entre outros, não é espontânea.
Ycarim (2001, p.32), no contexto dessas observações ainda registra que: “A mídia exerce um papel fundamental nesse processo por meio da folheteria ricamente ilustrada, das propagandas televisionadas e dos anúncios impressos”. Dessa forma, a imaginação é constantemente estimulada pelos mais diferentes meios de comunicação, sendo a publicidade a que mais trabalha para este fim.
Na atualsociedade deconsumo, pode-se afirmar que o turismo representa o maior exemplo de “fetichismo da mercadoria”, pois vende fantasias, sonhos e ilusões estimulados pela mídia, causando sensações particulares a todo um exército de viajantes com perfis “fetichistas”.
O termo fetiche também foi apropriado por outros autores que pretenderam criticar determinada ordem estabelecida na sociedade, a exemplo de Benjamin (apud Pesavento, 1995). O autor analisa a mercadoria e seu valor de dominação, estritamente ligado ao universo capitalista e ao conceito de fetiche.
Pesavento (1995, p. 38) coloca que “a mercadoria fetichiza o real não apenas porque oculta ou mesmo inverte as relações sociais que lhe são subjacentes, mas porque transfigura a aparência das coisas, apresentando-as como únicas, essenciais, imprescindíveis, apetecíveis”.
Kothe (1986) já referenciava anteriormente estas considerações afirmando que na sociedade capitalista, a publicidade desempenha muito bem este papel, tornando as mercadorias pedaços do paraíso. Por conseguinte, é razoável considerar que nenhuma outra mercadoria é tão vulnerável à linguagem sedutora e dissimulada da publicidade e mídia quanto o produto turístico. Ele é intangível e vende fantasias, trabalha, sobremaneira, memórias e as emoções. Por isso, a publicidade se vale, quando convém, de termos como paraíso e éden para incitar os mais diversos desejos e motivações turísticas.
Benjamim (apud Pesavento, 1995) relata as grandes transformações sócioculturais, resultantes de complexos processos que envolvem o imaginário social e a transfiguração de signos pela sociedade capitalista. De acordo com Hall (2001, p. 9):
Tais transformações decorrem de um tipo diferente de mudança estrutural, características das sociedades modernas do final do século XX, que refletem e abrangem as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, as quais, no passado nos tinham fornecido sólidas localizações como indicadores sociais, e que na atualidade estão causando perda do próprio sujeito ou o que conhecemos por “crise de identidade”.
Segundo a assertiva do autor, tem-se que o sujeito pós-moderno pode ser caracterizado como indivíduo fragmentado, composto de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas (sem identidade fixa, essencial ou permanente).
Jean Baudrillard analisa críticamente a modernidade com base no seu caráter interpretativo do valor “onde cada configuração do valor é retomada pela seguinte e integrada como referência-fantasma, numa sucessão progressiva de simulacros”.
O materialismo histórico é para Baudrillard uma manifestação de simulacro, porque tal conceito foi tomado de forma ampla e estrutural, de modo a submeter o valor econômico como esfera dominante, autônomo e isolado das demais. Nesse aspecto o autor afirma que:
No feitichismo (sic) não é a paixão das substâncias que fala (a dos objetos, ou a do sujeito), é a “paixão do código” que, regulando e subordinando a si simultaneamente objetos e sujeitos, os vota conjuntamente à manipulação abstrata. Aí reside a articulação fundamental do processo da ideologia: não na projeção de uma consciência alienada nas superestruturas, mas na própria generalização, a todos os níveis, de um código estrutural. (Baudrillard, apud MELO,1998, p.76)
A metáfora do fetichismo não escapou da crítica de Baudrillard. Para o autor, tal metáfora nasceria da impossibilidade da civilização ocidental de responder às interrogações que lhe foram dirigidas pelas sociedades regidas por sistemas de troca a ela estranhos e, principalmente, pela incapacidade de resolver a questão da alteridade cultural que o contato com tais sociedades lhes impunha.
Assim como fetiche, a palavra simulacro foi apropriada para descrever a produção e as práticas turísticas que têm como objetivo a simples fruição “voyeurística”, sem exposição e compromisso com a totalidade e/ou realidade.
Interessa neste artigo o conceito sinônimo de espetáculo, que remete etimologicamente a specere, à contemplação humana. Refere-se ao caráter expositivo dessa representação, sua destinação a ser exibida, no sentido específico que lhe é conferido por seu caráter de representação ou de duplicação da realidade, não de sua experiência ou de seu reconhecimento.
Debord (1997) retratou no final dos anos de 1970, o espetáculo da modernidade, afirmando que a raiz do espetáculo está no terreno da economia, vindo daí os frutos que tendem a dominar o mercado espetacular em que a mercadoria impera soberana, assumindo um caráter fetichista pela inversão do valor de uso, pelo valor de troca.
O autor afirma que a realidade considerada parcialmente apresenta-se em sua própria unidade geral comoum pseudomundoà parte,objeto de mera contemplação, devido a seu caráter de inautenticidade e dissimulação. Segundo Foucault, (apud Featherstone, 1997, p. 71):
A descrição que Baudelaire faz do novo senso da natureza efêmera e passageira do tempo, que nasce com a modernidade, enfatiza que ser moderno não é simplesmente perder-se na “superficialidade”, no fluxo dos momentos que passam, isso faz supor também uma atitude ascética, quando alguém se toma como objeto de formação e elaboração.
Assim, pode-se perceber um ascetismo total em Debord, não por acaso, afinal essa “realidade” descrita por ele, era reflexo de um mundo pós-moderno que estava consolidando-se.
O autor também se refere ao fetiche da mercadoria, ao afirmar que a dominação da sociedade se faz por coisas suprassensíveis, onde deveriam ser sensíveis, ou seja, a sociedade se realiza no espetáculo, onde o mundo sensível é substituído por uma seleção de imagens sensacionalista que existem acima dele.
O referido autor vê o consumo como um devaneio, em que a satisfação também é ilusória e falsificada, pelo fato de o consumidor real só poder tocar diretamente numa sequencia de objetos de consumo fragmentados.
A publicidade assume o papel de criar e vender essas “pseudonecessidades” impostas pelo consumo moderno. As mercadorias, dignificadas pela publicidade, atingem o consumidor, que, tardiamente, reconhece a pobreza essencial das mesmas. Mas, em contrapartida, isso não impede que outras mercadorias sejam dignificadas pela publicidade que exige o seu reconhecimento, ou seja, é um círculo vicioso de falsas necessidades e falsas mercadorias. Debord ainda aponta que o tempo do consumo das imagens é meio de ligação entre todas as mercadorias, é o campo inseparável em que se exercem plenamente os instrumentos do espetáculo.
De acordo com Debord a cultura é a busca da unidade perdida. Nessa busca ela própria é obrigada a negar a si mesma. Segundo o autor, a cultura tornada mercadoria deve também se tornar mercadoria da sociedade espetacular. Desse modo o espetáculo é a ideologia por excelência, porque expõe e manifesta em sua plenitude a essência de todo sistema ideológico: o empobrecimento, a sujeição e a negação da vida real. Para Debord (1997, p.15) o espetáculo é ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de produção existente, no qual podemos observar que: “a linguagem do espetáculo é constituída de sinais da produção reinante, que são ao mesmo tempo a finalidade última dessa produção”.
Subirats (1989), também aborda vários aspectos da sociedade capitalista contemporânea, na qual a cultura caracteriza o universo do simulacro, em que a sociedade é permeada pelo valor de troca das coisas, em detrimento do seu valor de uso. Observa-se, assim, que, mais uma vez, está presente o caráter fetichista da mercadoria. Subirats acredita que o simulacro está em tudo e que nada escapa ao seu caráter global, no qual o mundo é a representação tecnicamente consumada do real. Seria então, segundo ele, o fim do sujeito e da história, em detrimento do vazio cultural e indiferente.
Tanto para Debord, quanto para Subirats, o espetáculo age em todas as esferas da sociedade. Ambos os autores enfatizam o aspecto cultural da sociedade espetacular.
O fetiche, no turismo, trata a cultura e outros elementos diferenciais como um objeto fragmentado e circunscrito, porque não é o núcleo ou comunidade receptora, o alvo de interesse por parte dos turistas, mas sim apenas partes dessa cultura, que é vendida como qualquer outra mercadoria. Ignarra (1999, p.119) discorre essas abordagens, afirmando que:
Muitas destinações turísticas se especializaram na recepção de turistas e as manifestações culturais são produzidas exclusivamente para serem mostradas aos visitantes. Como o turismo é a principal atividade econômica dessas localidades, o cotidiano se mostra artificial. O turista não quer ver apenas o show folclórico especialmente produzido para ele. Quer também conhecer o dia-a-dia do povo local nas atividades que não estão ligadas diretamente ao turista.
Em seu artigo “Subsídios sobre o papel da fantasia no planejamento do turismo”, Yázigi demonstra que o devaneio, a fantasia ou a imaginação sempre povoaram a mente humana. Para ele, tornou-se modismo criticar o papel fantasioso do turismo, principalmente quando se atribui toda a crítica advinda de um único vilão: o capitalismo. Segundo o autor a fantasia e o espetáculo contam com vasta literatura, mas uma busca bibliográfica nas redes informatizadas mostrará que seus cruzamentos com paisagem ou, mais especificamente, planejamento do turismo, ainda resulta bem pouco.
Featherstone (1997) também atribui a um passado remoto as atuais características da desordem cultural, das impressões sensoriais e dos jogos dos signos. Para o autor a inversão de valores modernos tem precedente, especificamente nos carnavais e feiras da Idade Média, apontando que na tentativa de decompor alguns dos elementos da experiência da modernidade que foram associados à problemática cultural, pode-se muito bem verificar que eles existiram, ainda que sob diferentes formas, em outras épocas e espaços. No entanto, se o surgimento do turismo como setor econômico gera vultosas e crescentes receitas no contexto da sociedade capitalista pós-industrial, é evidentemente que estamesma sociedade se faz responsável pela crítica que advém, sobretudo, dos impactos negativos do turismo. O autor afirma que ao contrário do que se tem vulgarizado, nem toda fantasia é feita para ser vendida ou é propriamente nociva. Para ele, a proposta ou o ideal, não seria adotar uma atitude simplista e gratuita com relação à fantasia no universo do turismo, mas sim tentar entender o outro lado, ou seja, o homem comum, sequioso de deleites.
Embora Featherstone acredite que o capitalismo precise de uma ética, ele defende que o prazer obtido pelas artes, modas, mídia etc. não seria o resultado da manipulação dos empreendedores, mas uma “obsessão pelo status social”, um gozo ilusório proporcionado pela fantasia.
Corroborando essa assertiva, Aoun (2001, p.33) afirma que “é no terreno do imaginário, espaço onde se formam as necessidades, os desejos e as vontades humanas, que a publicidade busca sua matéria-prima mais preciosa para os seus criativos anúncios e comerciais”.
Para Baudrillard (citado por Ycarim, 2001, p.18): “A publicidade constitui no todo um mundo inútil, inessencial. Pura conotação. Não tem qualquer responsabilidade na produção e na prática direta das coisas [...]”.
No entanto, é questionável que a atual sociedade capitalista vá ser regulada E não se visualiza que, em uma sociedade em que a economia é regida pelo máximo lucro, haja motivos para se crer que tal sociedade possa ser regulada.
FETICHE NO CONSUMO TURÍSTICO CONTEMPORÂNEO: DOIS EXEMPLOS NO RIO DE JANEIRO, BRASIL
Favela da Rocinha como objeto de análise do caráter fetichista no turismo
O caráter fetichista no turismo mostra partes de um contexto onde as opções de motivações de viagens se dão, geralmente, em relação ao exótico, o diferente; aquilo que não se tem por perto e não se presencia no cotidiano, a busca pelos contrastes. Turistas procuram em suas fantasias de viagens, conhecerem lugares cujo motivo da escolha pode, por vezes, ser a diferença que apresentam para com seus locais de residência. Assim, muitas vezes oriundos de países desenvolvidos optam por espaços com características diferenciais distintas à sua realidade. Mesmo não sendo regra, o que atrai exatamente estes turistas é a curiosidade, a simples fruição “voyeurística” em adentrar em locais que não lhes são de rotina ou mesmo não existe em seus espaços de origem.
Outro fato relevante quanto aos destinos turísticos e suas possibilidades diferenciais é que, até pouco tempo, muitos deles tinham como preocupação mostrar somente aquilo que lhes era conveniente, ou seja: o belo, o rico, o moderno. O outro lado desses destinos era intencionalmente escondido, a fim de que o turista não se defrontasse com a crua realidade dos espaços e as condições sociais que os mesmos apresentavam.
Yázigi (2000) manifesta-se em relação a essa camuflagem, porém indaga sobre a possibilidade de se divulgar e produzir pôsteres de turismo de outra maneira. Ele questiona se:
[...] poderíamos instar pessoas a visitarem o outro lado do espelho de Alice? Poderíamos dizer assim: Já que você vem ao Rio de Janeiro, aproveite para conviver nas favelas, nos antros de crime, droga e prostituição, não muito longe das praias... (YÁZIGI, 2000, p. 268)
No caso do rol de novas tendências, uma contrastante modalidade de visitação turística tem surgido como objeto de interesse por parte de turistas estrangeiros, e quaisquer outros que se interessem em contemplar o reverso da contemplação hedonística, tão comum nas práticas tradicionais de viagens.
Em reportagem publicada na revista “Próxima Viagem”, Santos (2003) acompanhou um grupo de turistas estrangeiros à favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Afirmava, ainda, que não há nada tão excitante no roteiro carioca, quanto dar uma volta na maior favela da cidade.
A Rocinha é uma das favelas de grande expressão no cenário do Rio de Janeiro, localizada entre a Zona Sul e a Zona Oeste, em uma das áreas mais ricas da cidade Apresenta ruelas apertadas e, segundo esse repórter, cabe aos turistas avaliar o custo-benefício do tour, no qual, segundo os turistas, é muito praticável, haja vista a carga de adrenalina liberada no percurso.
A Rocinha reproduz os contrastes que os turistas já viram pela cidade. É nessa imagem que, segundo os guias, percebem-se os roteiros favoritos que são permeados pelo exótico e pela pobreza, o que justifica a busca pela contrastante realidade periférica.
A visitação turística à favela da Rocinha é cena comum no Rio de Janeiro. Fantasia-se este clima de perigo, e é justamente isso que é colocado pelas agências como diferencial de viagens, buscando por um tipo de entretenimento que foge dos padrões tradicionais. Em casos como esses, o trade turístico apropria e explora o papel da fantasia que advém do turista, que parece aceitar e, principalmente, saber da real intenção de troca que se estabelece entre as duas partes.
Muitos autores, entre eles Labate (2001, p.65), vêem a exploração do trade e a aceitação por parte dos turistas registrando que:
o “pós-turista” sabe que o turismo é um jogo e que não existe uma experiência turística “única”, “autêntica”. Enfim, ele é “realista”: sabe que aquela pequena ilha de pescadores não sobrevive sem o turismo… Entretanto, “brinca” esse jogo de agir como turista. É, pois, autoconsciente, cool.
Da mesma forma Urry (1996, p.28) coloca que: “os ”pós-turistas” encontram prazer na multiplicidade dos jogos turísticos. Sabem que a experiência turística não existe, que ela não passa de uma série de jogos ou textos que podem ser exercidos ou interpretados”. Observa-se que determinados perfis de turistas estão dispostos a pagar pela fantasia e pela simulação, e, em razão dessa demanda, as empresas que comercializam turismo, não descartam nenhuma oportunidade que sirva para garantir a inversão de papéis sociais e culturais, nem tampouco a manipulação de contextos inusitados e contrastantes.
Porém, não pode passar despercebida à atuação, no seu sentido literal, de alguns moradores da Rocinha que vivenciam essa realidade. Muitos deles cobram por cada visitante que entra em sua casa para fotografar a paisagem carioca do horizonte “espetacular”, avistado do alto de sua laje. Com o pagamento dos visitantes, há um acréscimo em sua renda..
Entretanto, ao analisar o número de habitantes da favela, observa-se que até mesmo nesse contexto, a prática turística procede de maneira insustentável. Ou seja, a atividade turística beneficia em maior ou menor escala o setor empresarial e também outros que queiram obter vantagens da atividade. Por outro lado, o que a comunidade da Rocinha ganha dos turistas é irrisório, portanto, apesar de toda essa exposição, os moradores são os que menos se beneficiam com a atividade.
Yázigi (2000) afirma que se a crítica ao espetáculo passar a se pautar pelo que é realmente representativo da sociedade brasileira, ao invés dos Corcovados ou Igrejas barrocas, o trajeto dos turistas deveria ser outro. Nesse contexto, Yázigi (2000, p. 274) reflete que “No avesso da fantasia encontra-se o pesadelo suburbano, a nudez da arquitetura do desespero. São extensões de rara unidade paisagística [...]”.
No entanto, o objeto da crítica ao espetáculo não se prende ao trajeto. Afinal ele não é fator relevante que impeça o espetáculo, o mesmo está em toda e qualquer parte, desde a cobertura espetacular do ambiente bélico até as exibições sensacionalistas disputadas a peso de ouro pelas emissoras de televisão. Não se afirma que não é pudico visitar as periferias do mundo, o que se enfatiza é o caráter elitista e fetichista que permeia este tipo de prática turística estritamente dirigida, descartando virtudes originais, e, portanto, oferecendo produtos sem espontaneidade e autenticidade, e, portanto, frívola.
Rio de Janeiro e seu Carnaval: festa popular ou fetichicação social?
Para melhor entender o universo fetichista que permeia o fenômeno turístico, há de se analisar o carnaval, fenômeno mundial repleto de conotações fragmentadas e, nesse aspecto, aborda-se o carnaval carioca, que assim como o de Veneza, é ícone conhecido em todo mundo e, consequentemente, objeto de interesse, desejo e motivação por parte de significativo número de turistas.
Quanto à origem do carnaval, há grandes controvérsias. Segundo Núbile, uns a atribuem à evolução e a sobrevivência do culto à Ísis, (às bacanais, às lupercais e às saturnais romana), aos festejos em honra de Dionísio, deus grego do vinho e da embriaguez (Baco, para os romanos) e às festas dos “inocentes “e “doidos”, na Idade Média.
Outros estudiosos do carnaval, como DaMatta (1983), atribuem a origem do carnaval ao entrudo vindo de Portugal. O autor relata que foi a partir de 1840, no Rio de Janeiro, que os bailes de carnaval se tornaram populares, pois antes desta data, os bailes eram festa familiar e de bairro e acontecia nas residências.
Um ponto é unânime entre vários autores que estudaram o fenômeno do carnaval: é a festa da inversão. Todas as espécies de formalidades são abolidas; tudo é permitido, a sociedade imersa nesta grande festa e os foliões se desnudando dos pudores da sociedade. Os carnavais evoluíram ao longo dos séculos, há de se que no seu viés sóciocultural, obviamente, está sujeito à transformação. Nesse aspecto, DaMatta registra que, especificamente, o carnaval carioca, mais intensamente que os outros, sofreu grande modificação desde a sua origem. O autor analisa que o carnaval do Rio de Janeiro dramatiza a exibição em oposição à modéstia e ao recato. Nesse caso específico, DaMatta (1983, p.109) afirma que:
[...] assim, são os mais pobres que justamente acabam por vestir-se de reis, duques e nobres. Mas essa representação é exagerada, pois não se imita o rico, mas o nobre [...] o corpo não só se desnuda, mas se movimenta, revelando todas as suas potencialidades reprodutivas.
Em concordância com a assertiva de DaMatta, o carnaval carioca é excessivo em todas as suas formas, buscando por uma exuberância que compromete a sua origem de festa, com recursos e inovações tecnológicas envolvendo o evento,de acordo com a necessidade das massas.
Com o passar do tempo, o carnaval carioca tornou-se o mais cobiçado do mundo, haja vista que a própria cidade do Rio de Janeiro foi erigida e desejada à custa de imagens exóticas e eróticas, que principalmente os estrangeiros fizeram dela.
Castro (1975) estudou a natureza turística do Rio de Janeiro que o autor entende como uma construção histórica e cultural, mutável. Para ele, tal processo envolve a criação de um sistema integrado de significados por meio dos quais a realidade turística de um lugar é estabelecida, mantida e negociada tendo como resultado o estabelecimento de narrativas a respeito do interesse que a cidade tem como destinação turística.
Segundo Bakhtin (apud DaMatta, 1983) o objetivo do carnaval é abolir todas as diferenças.
Também, muitas vezes, é no Carnaval que as empresas encontram saída para enfrentar as dificuldades econômicas dos primeiros meses do ano. E, portanto, ter no mercado o nome associado ao evento alegórico é estratégia para ampliar oportunidades e consequentemente, obter um faturamento substancial.
De acordo com Araújo (2002) tendo em vista a demanda gerada pelo mercado, o evento foi sendo profissionalizado em diversas regiões do País, principalmente no Rio de Janeiro e Salvador, capitais onde o evento anualmente alavanca cifras significativas e crescentes. Mesmo com o patrocínio de grandes empresas, a prefeitura do Rio de Janeiro é a maior patrocinadora do carnaval carioca.
O marketing carnavalesco também se profissionalizou. Atualmente, grandes empresas multinacionais são patrocinadoras dos carnavais brasileiros e as suas marcas são expostas nos camarotes, carros alegóricos, alas e em pontos de vendas espalhados pela avenida marquês do Sapucaí, local onde acontecem os desfiles. Desta maneira, sob o ponto de vista econômico, não se pode falar em democratização do carnaval. Sebe (1986) coloca que: “desde remotas datas, o carnaval manteve a idéia de espaço como fundamental: os salões para a elite; a rua para o grande público, pobre”.
Núbile (1999) diz que o carnaval é universal, popular e democrático enquanto fenômeno cultural. O carnaval, além de ser uma grande inversão social, apresenta-se também, como um grande mecanismo ideológico.
Segundo Sebe (1986) existem dois grupos de estudiosos do carnaval: os continuistas e os circunstancialistas. Para os primeiros, o carnaval admite uma lógica espontânea, é o tempo da vida, segundo o ritmo da natureza. É o período que os seres humanos dramatizam o fenômeno considerado como o mais significativo da natureza. Para eles, o carnaval salienta a vida. Já os circunstancialistas pensam diferentemente. Para estes, o carnaval tem pouco a ver com os chamados “cultos ancestrais”. O carnaval seria, então, uma festa renovável, condizente com as bases de certos sistemas e calibrado segundo alguns princípios artificiais. Ainda para esse grupo o carnaval se encaixa num mosaico de festas programadas e conteria um sem número de significados religiosos, políticos e econômicos, fatores que o explicariam independentemente de suas origens. O grupo circunstancialista percebe o carnaval como uma festa racional, permitida, programada pelos homens, dentro de um sistema sóciopolítico.
De acordo com as diferentes abordagens de estudiosos que pesquisaram o carnaval, percebemos que a grande maioria deles pode ser caracterizada por continuístas, com visões quase sempre conservadoras quanto ao fenômeno carnaval. Bakhtin, (apud Núbile, 1999) tratou sobre o tema da carnavalização na literatura, insistindo no caráter paramedieval de festivais que ocorriam nas feiras, com participações de bobos, palhaços, mágicos.
Núbile (1999), vê no carnaval um espetáculo sem ribalta, ausente de distinções entre atores e espectadores, uma forma concreta da própria vida, mais festiva, sem cenários, sem palco, ou seja, sem os atributos específicos do espetáculo teatral.
Certamente os desfiles do carnaval carioca apresentam um caráter espetacular. Percebe-se, nitidamente, a grande rivalidade e concorrência entre as escolas de samba. Percebe-se que não há igualdade, nem tampouco, coletividade, nesses desfiles.
Pode-se observar que o desfile das escolas de samba são artificiais. Tais escolas, antigamente, eram compostas por pessoas do mesmo bairro e segmento social, hoje é composta basicamente por celebridades. Enfim, os desfiles são permeados pela forte pelo fetichista e, mesmo os enredos são repetitivos e quase sempre fazem uso da pouca criatividade de seus autores.
Outra autora que estudou o carnaval foi Queiroz (1999), a qual teve uma visão mais ampla do fenômeno, estudando desde as origens das escolas de samba do Rio de Janeiro, até o caráter econômico, praticamente implícito na visão de outros autores. A autora observou que os aspectos estético-musicais, poéticos, coreográficos de um cortejo, não têm o mesmo peso que outros elementos, muitas vezes desconhecidos do grande público.
Reafirma-se que quanto à questão das mudanças culturais ocorridas no contexto do fenômeno “carnaval” desde a sua incerta origem, parece fato comum. Como já se disse, a cultura é dinâmica, e, portanto, sendo o carnaval uma prática social e cultural, obviamente, que se expõe a mudanças. Entretanto, é nitidamente observável que o carnaval carioca tornou-se com o passar dos anos um dos maiores espetáculos do mundo, imperando cada vez mais o seu grande caráter econômico e servindo de ribalta para a representação fetichizada daqueles que simplesmente querem fazer parte das massas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muito se tem falado sobre a humanização do lazer e das viagens turísticas contemporâneas. No entanto, percebe-se que desde a conquista do tempo livre pelos trabalhadores, o ócioe as viagens nunca se realizaram de maneira democrática, haja vista a desigualdade na sua apropriação. Desta maneira, o lazer e o fenômeno turístico, em geral, tornaram-se mais um produto a ser comercializado e supervalorizado pelas sociedades de consumo capitalistas.
As viagens contemporâneas adotaram proporções econômicas e toda uma “indústria” foi criada a fim de satisfazer um significativo contingente de viajantes os quais nos atuais contextos pós-modernos, podem se chamar de desbravadores culturais, pois, pressupõe-se, já não existem povos e culturas intactas e que não sofreram o contato com a “civilização”.
O fenômeno turístico, nesta investigação, foi associado ao fetiche, justamente, porque o turismo incita desejos e fantasias, buscados em objetos turísticos naturais, artificiais ou culturais e principalmente, pelo poder atribuído aos objetos turísticos da atualidade. Mas, na verdade, esses objetos não possuem nenhum poder inerente a eles, são, simplesmente, elevados à categoria de totens pela mídia em geral, que os glorifica, estimulando, assim, os desejos e fantasias adormecidos nos potenciais consumidores de tais objetos-mercadoria.
Acredita-se, porém, que as viagens turísticas com características pós-modernas, em alguns casos, dificilmente serão humanizadas. Não se trata, entretanto, de um pensamento niilista. Para não parecer tão radical, diga-se que seja uma atitude ascética e realista, diante dos rumos e trajetórias traçadas por uma sólida “indústria do lazer”, destinada a uma legião de seguidores em busca de status, devaneios e fantasias.
O ceticismo quando se manifesta, se deve, principalmente, ao fato de se acreditar que para a atividade turística se humanizar e o turista moderno se realizar de maneira ativa, lúdica e holística (não somente seguindo as tendências do mercado e das massas), será preciso, primeiramente, que o próprio indivíduo moderno busque a satisfação hedonista, ou seja, a busca e o encontro de um estado de satisfação como fim em si mesmo. No entanto, entende-se que o turista moderno, na sua grande maioria, se satisfaz com os modelos efêmeros, artificiais, superficiais e fragmentados de certos atrativos turísticos, não se preocupando se esses atrativos apresentam qualidades artísticas, históricas, arquitetônicas ou culturais. O que se percebe é a criação de um número cada vez maior de atrativos artificiais e, atualmente, dirigidos a certos contextos inusitados e avessos a qualquer característica paisagística.
Cabe salientar que as considerações a respeito do estudo de caso dirigido à favela da Rocinha, não se deu pelo fato de se achar que só se deve considerar atrativo turístico o que é belo, clássico e/ou moderno. A posição na questão da visitação dirigida à favela foi tomada mediante a confirmação do fato de que o turismo, ou precisamente, os turistas dos países desenvolvidos, podem pagar por qualquer objeto (atrativo) que satisfaça os seus desejos, muitos de caráter fetichista, ou curiosidades sobre o outro, o qual, muitas vezes é visto como inferior, mesmo que de modo subjacente.
Tais considerações, tampouco se referem a qualquer tipo de xenofobismo, não é pelo fato de serem turistas estrangeiros, oriundos de diversas partes mundo, que não são lícitas as suas práticas turísticas no estudo em questão. Essa prática de lazer dirigido deve ser estudada com mais profundidade, a fim de se conhecer a fundo as reais intenções e motivações desses turistas.
Por último, esclarece-se que ambos os estudos de caso discutidos não devem ser generalizados para outros segmentos de eventos semelhantes, principalmente pelo fato da investigação apresentar um caráter dedutivo e subjetivo, especificamente na visitação à favela da Rocinha, pois o carnaval carioca é por si só um fenômeno observável em seus aspectos espetaculares que atende a interesses específicos. Desse modo, não apresentamos conclusões herméticas, devido à necessidade futura de novas investigações que permitam um maior aprofundamento sobre o tema.
Por ora, desnecessário dizer, em última instância, que ilações e outros comentários à guisa de conclusões foram, e serão propiciados pela leitura dos vários autores que induzem a raciocínios dedutivos pela clareza que se expõe nos objetos de estudo.
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