TURyDES
Vol 4, Nº 10 (julio/julho 2011)

O TURISMO NA BASE DA PIRÂMIDE: PERFIL DO TURISTA RODOVIÁRIO DE BAIXA RENDA EM VISITA À CIDADE DE SÃO PAULO

Rafaela Camara Malerba (CV)

 

INTRODUÇÃO

Recentemente, diversas publicações e institutos de pesquisa sinalizam a expansão das classes C e D no Brasil e seu crescente peso nos mercados consumidores. Estudos do DataPopular indicavam que, em 2010, 90 milhões de brasileiros possuíam renda familiar mensal entre R$ 1.115 e R$ 4.807, integrando a classe C, ou chamada “nova classe média”. Essas famílias seriam responsáveis por 76% do consumo no país, respondendo por 50% da renda nacional, isto é, quase R$ 500 bilhões de reais (NICÁCIO, 2010).

O surgimento da chamada nova classe média estaria inserindo no mercado consumidores com padrões diferentes daqueles aos quais as empresas estão acostumadas. Tratar-se-ia de uma ascensão social possibilitada, principalmente, pelo acesso a bens e serviços. Em relação ao setor turístico, isso significaria novos passageiros e hóspedes com desejos e comportamentos diferentes dos tradicionais.

Segundo estudo realizado também pelo DataPopular no primeiro semestre de 2010, sessenta por cento dos brasileiros que planejam viajar de avião pela primeira vez em um prazo de doze meses são da classe C, ou seja, têm renda familiar de três a doze salários mínimos. O impacto deste novo segmento viajando seria muito maior ao impacto da Copa do Mundo: 600 mil estrangeiros e três milhões de brasileiros devem circular pelo país durante a competição, no entanto, até julho de 2011, 10,7 milhões de pessoas farão sua primeira viagem de avião. Desses, sete milhões serão da classe C e 1,7 milhão da classe D (LAGE; ROLLI, 2010).

É indiscutível que esses fatos provocam mudanças nos setores de turismo e hospitalidade. E como o mercado turístico brasileiro está procurando se adaptar a este público? A operadora CVC é pioneira em facilitar parcelamentos para pagamentos de viagens, mas outras empresas também têm procurado se adequar ao novo mercado. A companhia aérea TAM, por exemplo, firmou parceria com as Casas Bahia – historicamente pioneira em facilitar pagamentos por meio de crediários – para venda de passagens aéreas. A Azul, por sua vez, negocia vendas com o Magazine Luíza.

Em 1995, Hamel e Prahalad já sinalizavam a importância de as empresas reinventarem seu conjunto de crenças, valores e normas, para trabalhar com mercados em constante mudança.

Para chegar ao futuro, uma empresa precisa estar disposta a jogar fora, pelo menos em parte, seu passado. [...] O que impede as empresas de criar o futuro é uma base instalada de ideias – as convenções e ameaças e os precedentes não desafiados que constituem a estrutura gerencial existente. (HAMEL; PRAHALAD, 2002, p.69)

O cenário do turismo no Brasil apresenta aos gestores de empresas e destinos turísticos novos desafios com a inserção de uma nova classe de consumidores do mercado turístico. Do ponto de vista acadêmico, seria também um grande equívoco ignorar esta demanda. Dessa forma, faz-se urgente compreender os novos desafios e oportunidades que este mercado apresenta para empresários e gestores em turismo e hospitalidade.

A cidade de São Paulo é o centro econômico da América Latina e o principal destino turístico do Brasil em termos quantitativos. A imagem da cidade de São Paulo como destino turístico está, geralmente, vinculada a uma cidade global, com foco em negócios e eventos, e uma ampla e qualificada oferta de lazer e entretenimento, com destaque para a gastronomia, shows e demais atividades culturais. Entretanto, dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE (2008, apud SPTURIS, 2008) mostram que cerca de 70% da demanda turística doméstica no destino têm renda mensal inferior a 10 salários mínimos o que, segundo os parâmetros do DataPopular (2006), corresponderia às classes C, D e E. Diante desses dados, indaga-se sobre como se processa, nesta cidade global e sofisticada, o turismo de baixa renda.

Tendo em vista dar um passo inicial na busca por essas respostas, este artigo reflete sobre os hábitos de viagem dos segmentos de baixa renda, com ênfase no turismo receptivo às classes C, D e E na cidade de São Paulo, por meio do perfil dos passageiros das linhas regulares de ônibus do Terminal Rodoviário Tietê. Trata-se de um estudo exploratório que pretende levantar questões a serem aprofundadas em estudos posteriores.

A reflexão apresentada realizou-se mediante pesquisa bibliográfica e análise do perfil a partir de banco de dados sobre o perfil do turista que vem a São Paulo em linhas de ônibus rodoviário regulares, resultado de 984 entrevistas realizadas por alunos do curso de Tecnologia em Gestão de Turismo, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) no âmbito da disciplina de “Prospecção mercadológica”.

Base da pirâmide: o mercado de baixa renda

Segundo Prahalad (2005), considera-se base da pirâmide pessoas que vivem com US$ 2 por dia. Em valores atuais do Brasil, isso corresponde a uma renda em torno de R$ 4 diários ou R$ 120 mensais. Seria equivocado transportar esse parâmetro para a realidade brasileira. Primeiramente, porque, embora o dólar seja uma moeda de circulação internacional, é muito difícil equiparar seu poder de compra na Índia, nos Estados Unidos e no Brasil. Além disso, a maioria dos estudos sobre perfis de renda no Brasil trabalha com a renda familiar mensal, sem necessariamente considerar quantas pessoas vivem dessa renda e, consequentemente, sem identificar o valor disponível por pessoa por dia. Dessa forma, parece mais adequado identificar o mercado de baixa renda com base nos referenciais de classes de renda ou classes econômicas mais utilizados no Brasil.

O Critério de Classificação Econômica Brasil, por exemplo, desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa – ABEP – indica o poder de compra das pessoas e famílias urbanas com base em informações sobre itens de posse da família e grau de instrução do chefe da família. As informações são inseridas em um sistema de pontuação que determina cortes e classes econômicas. Embora a pontuação não considere informações monetárias, o Critério Brasil estima a renda familiar mensal média de cada classe de renda: Classe E, R$ 415; Classe D, R$ 680; Classe C2, 962; Classe C1, 1.459; Classe B2, R$ 2.656; Classe B1, R$ 4.754; Classe A2, R4 8.295; Classe A1, R$ 11.480 (ABEP, 2011).

São frequentes também os estudos que organizam as classes de renda com base em salários mínimos. SPERS et al. (2009) conceitua população de baixa renda como aquela com renda mensal familiar de até 10 salários mínimos. O Instituto DataPopular por sua vez, divide as classes de renda por salários. No estudo sobre Turismo Popular (IBAM; DATAPOPULAR, 2003), famílias com renda mensal de até 1,99 salários são identificadas como classe E; aquelas com renda entre 2 e 4,99 salários, classe D; de 5 a 9,99, classe C; de 10 a 19,99, classe B; e 20 ou mais salários, classe A. O mesmo instituto, entretanto, em outro estudo, identifica como classe C pessoas com renda familiar mensal de 3 a 10 salários mínimos (LAGE; ROLLI, 2010).

O estudo A nova classe média, realizado no Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, utiliza outros parâmetros (NERI, 2010). Com base em pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – o estudo estima o potencial de consumo de cada indivíduo, tendo a renda como fio condutor e unidade de medida. Naquele trabalho, o salário mínimo não é utilizado como unidade para estabelecimento das faixas de renda, por considerar que o poder de compra do salário mínimo tem mudado significativamente ao longo dos anos. Nesse sentido, os cálculos são ajustados pelo INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor. As classes econômicas teriam, dessa forma, as seguintes fronteiras de renda mensal domiciliar à época de realização do estudo: Classe E de R$ 0 a R$ 705; Classe D entre R$ 705 e R$ 1.126; Classe C de R$ 1.126 e R$ 4.854; Classe B entre R$ 4.854 e R$ 6.329, Classe A, a partir de R$ 6.329.

Ainda que não haja um referencial comum, nota-se nos estudos brasileiros certa tendência para identificar como mercado de baixa renda famílias com renda até aproximadamente 10 salários mínimos. Independentemente do parâmetro adotado, cabe aos gestores públicos e privados compreender os caminhos para a inserção desses indivíduos no mercado – como consumidores e empreendedores.

Oportunidades na Base da Pirâmide: as ideias de Prahalad

Embora a escola do pensamento estratégico já indicasse a necessidade de identificar nichos de mercado nas classes menos favorecidas, foi Prahalad, pensador indiano, quem definitivamente chamou a atenção dos gestores públicos e privados para os mercados de baixa renda (VIEIRA, 2009).

Segundo Prahalad (2005), para que as empresas tenham condições de atuar na base da pirâmide ou BP, é preciso compreender que os pobres têm condições de formar um novo e imenso mercado. Deve-se também assumir que a única maneira de atender a BP é por inovações que devem ser acompanhadas por um processo transparente, que permita a esses potenciais consumidores ter seus interesses atendidos, acompanhar a cadeia produtiva e, idealmente, serem nela inseridos como empreendedores.

A atuação no mercado BP apresenta, conforme Prahalad, vantagens sob diferentes perspectivas. Para o empresário, trata-se de um estímulo à inovação, tanto para produtos e processos, quanto para modelos de negócios que podem ser aplicados em outros mercados.

Os benefícios de se operar na BP vão além dos resultados em mercados globais. As inovações locais podem ser alavancadas para outros mercados e, muitas delas, encontrarão aplicações em mercados desenvolvidos. (PRAHALAD, 2005, p. 57)

Os consumidores de baixa renda têm uma consciência muito grande de valor. Logo, faz-se necessária uma nova compreensão da relação custo/benefício, o que não significa baixar os preços, mas alterar a relação preço/desempenho (PRAHALAD, 2005). Nesse contexto, impõe-se a necessidade da inovação, pois as demandas da BP não serão supridas simplesmente por versões obsoletas de soluções de tecnologia tradicional. Pelo contrário, “o mercado do BP pode e deve ser objeto das mais avançadas tecnologias, criativamente combinadas com a infraestrutura existente e em evolução” (PRAHALAD, 2005, p. 41).

A BP apresenta também um grande desafio para as inovações em modelos de desenvolvimento sustentável. No caso dos destinos turísticos, por exemplo, é mais fácil pensar em desenvolvimento sustentável para turistas com alto poder aquisitivo, que podem consumir estruturas inovadoras e em pequena escala, que para grupos de turistas de menor poder aquisitivo que têm, como uma das formas de ter acesso a destinos turísticos, as viagens negociadas em larga escala por meio de pacotes turísticos.

Os pobres, como mercado, são uma força de 5 bilhões de consumidores. Isso significa que soluções para eles desenvolvidas não podem ter como base os mesmos padrões de utilização de recursos existentes nos países desenvolvidos. As soluções devem ser sustentáveis e ecologicamente corretas (PRAHALAD, 2005, p.43).

A inserção da base da pirâmide no mercado consumidor constitui, ainda, um caminho para a transformação social, na medida em que os indivíduos são tratados não como seres à margem do mercado e da sociedade, mas como sujeitos com poder de escolha.

[...] tratar a BP como um mercado leva à redução da pobreza, especialmente quando ONGs e grupos comunitários puderem se juntar às multinacionais e empresas locais como parceiros de negócios. [...] Quando os pobres da BP são tratados como consumidores, passam a obter benefícios como respeito, opção e autonomia, e a ter uma oportunidade de escapas da armadilha da pobreza. ((PRAHALAD, 2005, p. 101).

Nos mercados da BP, as grandes empresas não podem atuar sozinhas; para que seus negócios sejam promissores, elas devem envolver toda cadeia produtiva local. Nesta ideia reside a importância do modelo proposto por Prahalad: para que a BP seja consumidora, é preciso não somente favorecer o crédito, mas permitir que esses consumidores tenham poder produtivo, ou seja, possam vender sua força de trabalho e, em paralelo, ter autonomia para fazer suas escolhas no mercado. Dessa forma, o grande objetivo de um ecossistema para o mercado de baixa renda deveria ser o de convertê-los em empreendedores:

Mais informados, educados e bem-sucedidos financeiramente, esses empreendedores buscam o mesmo tipo de transparência e acesso à informação sobre produtos de outras empresas que operam nos mesmos mercados (PRAHALAD, 2005, p. 76).

Nesse sentido, os governos devem proporcionar Transaction Governance Capacity (TGC – Capacidade de Governança das Transações) isto é, um ambiente com capacidade de garantir transparência no processo das transações econômicas e de fazer valer os contratos comerciais.

É fundamental que haja um sistema de controle mútuo: é preciso tomar providências para que nenhuma instituição possa tirar proveito abusivo de seu poder de influência, sejam elas governos ou grandes empresas corruptoras (PRAHALAD, 2005, p. 101).

Segundo Prahalad, o desafio é criar, a partir da inserção da base da pirâmide no mercado consumidor, um ambiente que proporcione uma transformação na configuração da sociedade: de um triângulo para um losango social, em que a ampla maioria da população tenha condições de produzir, empreender e consumir.

Como tentativa de leitura e síntese das reflexões apresentadas por Prahalad, poder-se-ia propor o sistema ilustrativo.

Em um ambiente que prime pela transparência e capacidade de governança nas transações comerciais, as empresas devem atuar com inovações e produtos e serviços com boa relação custo/benefício (“preço/desempenho”), promovendo sistemas em que a BP seja inserida também como produtora. O governo, por sua vez, deve garantir políticas públicas que supram direitos e necessidades básicas, com destaque para um sistema educacional de excelência capaz de formar cidadãos autônomos e responsáveis. Com poder de decisão e de compra, inseridos na cadeia produtiva, esses indivíduos iniciariam uma transformação nas estruturas sociais.

O mercado de baixa renda no Brasil e o turismo

Estudo realizado na cidade de São Paulo (BACHA; STREHLAU, 2009), com 861 respondentes das classes C e D demonstrou que, ao contrário do esperado pelo senso comum, o segmento de baixa renda está inserido em práticas de lazer e turismo, ainda que com suas especificidades. Dos entrevistados, apenas 22% não haviam realizado nenhuma viagem nos últimos três anos, e 55% realizaram até três viagens, tendo como destinos preferidos os litorâneos, para onde viajaram, em geral, de automóvel, acompanhados de cônjuge e filhos. As viagens dos respondentes são predominantemente curtas: 79% dos entrevistados afirmaram ter feito viagens com duração inferior a uma semana, e 40% dos deles informaram ter feito viagens com duração de até 3 dias (BACHA; STREHLAU, 2009, p. 195).

Esses dados confirmam o que também identificou o estudo “Classes C e D: um novo mercado para o turismo brasileiro”, realizado pelo Instituto DataPopular e pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal – Ibam, para o Ministério do Turismo. O estudo, de 2003, utilizou técnicas quantitativas e qualitativas: realizou-se levantamento com 1500 informantes das classes C e D , distribuídos por São Paulo, Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre e Goiânia; oito entrevistas em profundidade com turistas, seis grupos de discussão com turistas, quatro grupos de discussão com provedores de serviços e quatro viagens de observação (IBAM; DATAPOPULAR, 2003). Os resultados indicam que esses turistas apresentam um comportamento muito específico em relação a viagens. No ano de 2003, as famílias de baixa renda teriam gasto R$ 3,8 bilhões em viagens, sendo R$ 1,5 milhão gasto apenas pela classe C.

Em geral, as viagens das classes C e D são realizadas em grupo e percebidas como uma maneira de fortalecer laços de sociabilidade. As viagens são frequentes, geralmente aos finais de semana e feriados, com hospedagem principal em casas de amigos e parentes, embora um considerável percentual tenha utilizado hotéis, pousadas e pensões (16%). São muito frequentes também as viagens sem pernoite (bate e volta) e, alguns casos, o próprio ônibus é utilizado como meio de hospedagem (IBAM; DATAPOPULAR, 2003).

O estou revelou também que o ônibus rodoviário é o principal meio de transporte utilizado; destacando-se o uso de ônibus clandestinos, principalmente entre pessoas da classe D do sexo feminino, nas cidades de Belo Horizonte, Goiânia e São Paulo (IBAM; DATAPOPULAR, 2003).

Dos entrevistados, apenas 3% já haviam viajado de avião em 2003. Para viagens mais longas para destinos não usuais, esse público costuma viajar em pacotes organizados por operadores informais que atuam em seu círculo social: bairro, trabalho, escola e igreja. O principal diferencial desses operadores é a relação de confiança e a proximidade. Como na maioria das vezes observa-se ausência de mecanismos institucionais para o crédito, 92% das viagens são pagas à vista.

Ao contrário do que se poderia imaginar, para este público as viagens são vistas como essenciais: “70% dos entrevistados concorda com a frase ‘não dá para viver sem viajar’ e apenas 7% concorda com ‘viajar é jogar dinheiro fora’ (IBAM; DATAPOPULAR, 2003, p. 23). Entretanto, durante a pesquisa qualitativa, percebeu-se que os respondentes não vêem suas viagens como turismo. Para eles, o turismo corresponderia apenas a viagens de longa duração, para destinos especiais, que envolveria total desligamento da realidade, colocando-se num patamar superior, idealizado de viajar. Essas viagens teriam como destinos ideais o Litoral do Nordeste, o Pantanal, a Amazônia e as Serras Gaúchas.

O estudo indicou, à época de sua realização em 2003, um desconhecimento sobre os pacotes turísticos de baixo valor disponíveis no mercado. Constatou também que as restrições de crédito poderiam constituir um empecilho ao acesso dos consumidores de baixa renda ao mercado de viagens. Nesse sentido, o estudo apontava a necessidade de oferecer produtos com formas de pagamento facilitadas e de informar, formar e regulamentar o operador informal – ele também um integrante das classes C e D. Deveriam ser credenciados “os provedores de baixa renda de forma a facilitar a sua capacidade de negociação.” (Ibidem, p. 9). Note-se que essa recomendação vai ao encontro do que aponta Prahalad sobre a necessidade de transformar os consumidores da BP em empreendedores, inseridos na cadeia produtiva.

Em oito anos, acredita-se que a realidade verificada em 2003 tenha se modificado, principalmente em razão dos programas Viaje Mais, promovido pelo Ministério do Turismo, e de ações específicas de operadoras de turismo e companhias áreas tendo em vista a oferta de produtos de menor custo e formas de pagamento facilitadas. De qualquer forma, conforme indicam os números sobre o crescimento da “nova classe média” e as projeções para a expansão das viagens aéreas no Brasil, é fundamental que estudiosos e gestores continuem buscando compreender as especificidades desse novo mercado para, a partir delas, desenvolver produtos inovadores. Ainda que as iniciativas das grandes empresas sejam positivas, é importante que se desenvolvam formas de inserir na cadeia produtiva os organizadores de viagem informais, os pequenos meios de hospedagem, enfim, os prestadores de serviços da própria BP. Somente assim, se estimulará a transformação social por meio do turismo popular.

O turista rodoviário das classes C, D e E em visita a São Paulo

METODOLOGIA

Para iniciar as explorações sobre o perfil do turista das classes C, D e E que visita São Paulo, acreditou-se ser possível recorrer a dados sobre o perfil do turista rodoviário em São Paulo, admitindo que o transporte rodoviário se configure como uma alternativa àqueles que não possuem automóvel próprio ou que ainda não podem assumir os custos do transporte aéreo.

Os dados analisados foram extraídos do banco de dados “Turismo Receptivo na Cidade de São Paulo: perfil do turista rodoviário”, produto de levantamento realizado através de entrevistas diretas com turistas no Terminal Rodoviário Tietê, entre março e abril de 2009. O estudo foi realizado no âmbito da disciplina de “Prospecção Mercadológica”, ministrada a alunos do quinto semestre do curso superior de Tecnologia em Gestão de Turismo do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP. Os dados analisados apresentam informações estatísticas sobre o universo de turistas que utilizam ônibus regulares como meio de transporte para visitar a cidade. Foram realizadas 984 entrevistas o que, considerando uma seleção aleatória simples, produz erro amostral de 3,2% ao nível de significância de 5% (IFSP, 2009). Para as reflexões expostas neste artigo, foram manipulados os dados da planilha disponibilizada no website do docente responsável pelo estudo Glauber Eduardo Santos (PESQUISA..., 2009).

A análise do banco de dados baseou-se, por vezes, em recortes dessa amostra e cruzamentos que reduzem drasticamente a confiabilidade estatística dos resultados. Dessa forma, é importante destacar que o que se pretende não é de forma alguma traçar um perfil do turista rodoviário que visita São Paulo, mas sim conduzir um estudo exploratório sobre as relações entre padrão de consumo turístico e renda na cidade de São Paulo. Os resultados podem indicar caminhos para novas pesquisas sobre o tema, visto que há poucos dados sobre o perfil do turista rodoviário que visita São Paulo e, principalmente, sobre o turismo de baixa renda no município.

Análise dos dados: perfil de viagem

Primeiramente, classificaram-se os informantes em classes de renda utilizando o mesmo parâmetro adotado pelo Data Popular e pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal no estudo As classes C e D no turismo brasileiro (2003) e considerando o valor do salário mínimo nos meses de aplicação da pesquisa, isto é, R$ 465,00. Dessa forma, a amostra original divide-se em cinco classes de renda, com evidente predomínio das classes C, D e E, como era esperado.

• Classe E, 24% dos respondentes: indivíduos com renda familiar mensal de até 1,99 salários mínimos, isto é, R$ 929,99 considerando o valor do salário mínimo em março e abril de 2009, R$ 465.

• Classe D, 24,5% dos respondentes: indivíduos com renda familiar mensal de dois a 4,99 salários mínimos, isto é, entre R$ 930,00 e R$ 1.859,99

• Classe C, 37,5% dos respondentes: indivíduos com renda familiar mensal de cinco a 9,99 salários mínimos, isto é, entre R$ 1.860,00 e R$ 4.649,99.

• Classe B, 11% dos respondentes: indivíduos com renda familiar mensal de dez a 19,99 salários mínimos, isto é, entre R$ 4.650,00 e R$ 9.299,99.

• Classe E, 2,6% dos respondentes: indivíduos com renda familiar mensal a partir de vinte salários mínimos, isto é, R$ 9.300,00.

Para analisar a procedência, as razões por ter optado por transporte rodoviário, a hospedagem e o motivo de viagem, agruparam-se os informantes das classes C, D e E em um subgrupo da amostra, que totaliza 718 informantes

Desse grupo, 58% residem em municípios da região Sudeste no Brasil, sendo 24% residentes no próprio estado de São Paulo; 14% dos respondentes são originários da região Nordeste e 11% da região Sul. Esses dados refletem a realidade da oferta de linhas de ônibus que operam no Terminam Tietê. Nesse sentido, vale destacar que a cidade de São Paulo conta com três terminais rodoviários. O Terminal Jabaquara atende municípios do litoral sul do estado de São Paulo. O Barra Funda liga a cidade de São Paulo a municípios próximos a Foz do Iguaçu, Cascavel e Ponta Grossa, no Paraná; a Campo Grande, Cuiabá e Dourados, no Mato Grosso; e a municípios paulistas nas proximidades de Presidente Prudente, Bauru, Marília, Araçatuba e no Vale do Ribeira. O Terminal Tietê, portanto, atende ao restante das localidades no estado, no país e, inclusive, na América do Sul – Chile, Uruguai, Paraguai e Argentina (SOCICAM, 2009).

Os respondentes foram questionados sobre as razões de terem escolhido o ônibus regular como meio de transporte para suas viagens. Quase metade da sub-amostra, 48%, apontou o preço como principal fator e 17% indicaram ser o ônibus a única alternativa para o deslocamento, de onde se poderia inferir que procedem de municípios não cobertos por linhas áreas e/ou que não possuem automóvel particular. As outras respostas dizem respeito ao conforto (12%), à localização do terminal, aos horários e ao fato de terem medo de avião, todas com 8% das respostas. Observa-se, portanto, que o transporte rodoviário é, mesmo com a popularização da aviação, considerado uma alternativa de transporte de baixo custo e, provavelmente por essa razão, a maioria dos entrevistados seja integrante das classes C, D e E, conforme os critérios adotados.

No que diz à hospedagem utilizada, sobressai-se a casa de parentes e amigos, com 62% das respostas. Hotéis, flats ou similar correspondem ao meio de hospedagem utilizado por 25,6% dos entrevistados; casa própria, 4,5% e outros, 7,8%. A visita à cidade de São Paulo deu-se por duas principais razões: visita a parentes e amigos (37,3%) e negócios (38,7%), sendo que 65% dos turistas das classes C, D e E que se hospedaram em hotéis afirmaram ter visitando o município com intuito de negócios ou trabalho.

Esses dados confirmam que apontam outros estudos sobre o perfil do turismo receptivo em São Paulo. Segundo pesquisa desenvolvida pela São Paulo Turismo – SPTuris – em janeiro a junho de 2010 junto aos hóspedes de hotéis da capital (SPTURIS, 2010), a principal motivação da visita a São Paulo é Negócios (56,1%), seguida por Eventos (20,9%), Lazer (9,6%), Estudos (5,2%), Saúde (3,2%) e Visita a parentes e amigos (2,7%).

Os dados sobre o turista rodoviário permitem vislumbrar que o turismo de negócios, tido como o principal segmento da capital paulista, se utiliza também de outros meios de hospedagem. Dos respondentes das classes C, D e E que visitaram São Paulo com motivo de negócios ou trabalho, 34% se hospedaram em casa de amigos e parentes.

Análise dos dados: nível de renda versus perfil de viagem

O banco de dados dos turistas rodoviários em São Paulo permite também algumas incursões sobre as relações entre a classe de renda e o perfil das viagens, principalmente no que diz respeito a hospedagem, alimentação e meio de transporte utilizado no destino. Para isso, cruzaram-se as classes de renda da amostra original a cada uma dessas informações. É importante destacar, uma vez mais, que o cruzamento implica perda da confiabilidade estatística em algumas categorias, já que os números de informantes das classes A e B são reduzidos: 22 e 93 respectivamente. No entanto, os cruzamentos são ilustrativos sobre a maneira como o nível de renda interfere ou explica o padrão de gastos em viagens a São Paulo.

Em relação ao meio de hospedagem utilizado, nota-se uma relação proporcional entre classe de renda e utilização de hotéis, flats ou similar.

Observa-se que nas classes de maior renda (A e B), a hospedagem em hotel, flat ou similar representa um percentual ligeiramente superior à hospedagem em casa de amigos ou parentes. Na classe C, as duas modalidades se equiparam. No entanto, nas classes D e E, a diferença entre elas se acentua, sobressaindo-se a hospedagem em casa de amigos ou parentes.

O banco de dados analisado identifica se o respondente realizou suas refeições prioritariamente no meio de hospedagem ou fora do meio de hospedagem. Os que se hospedaram em hotéis, flats ou similares tendem a ter tido maiores gastos com alimentação, seja ela no estabelecimento de hospedagem ou fora dele. Como a alimentação no meio de hospedagem também incide em custos, a classe de renda dificilmente constituiria um fator explicativo desse comportamento. Dessa forma, a influência da classe de renda no local de alimentação utilizado poderá ser mais bem compreendida observando as respostas do que se hospedaram em casa de parentes e amigos.

Nota-se uma relação inversa entre classe de renda e índice de utilização de estabelecimentos de alimentação fora da residência. Na classe A, os respondentes que realizaram refeições fora da residência correspondem a mais que o dobre daqueles que realizam refeições na residência. Nas classes B e C, os percentuais se equiparam. No entanto, nas classes D e E, há uma inversão drástica em relação ao local de alimentação observado na classe A.

No que diz respeito ao meio de transporte utilizado no destino, as diferenças entre as classes de renda são menos acentuadas. E seria, de fato, leviano analisar o transporte em São Paulo com base apenas na classe de renda, uma vez que o trânsito e a distribuição de linhas de metrô e ônibus interferem nas escolhas realizadas dos usuários. De qualquer forma, nota-se um aumento no uso de transporte público conforme decrescem as classes de renda e, no mesmo sentido, uma diminuição do uso de táxis.

Ressalta-se, entretanto, que esta relação não pode ser considerada definitiva em razão dos fatores já citados. Na data de produção deste artigo, por exemplo, uma corrida de táxi entre o Terminal Tietê e o Edifício Copan custaria de R$ 20 a 30 (bandeira 1) e poderia demorar de 20 minutos até pelo menos uma hora em horários de pico (TÁXI SÃO PAULO, 2010). No entanto, se o mesmo trajeto fosse realizado de metrô, o passageiro gastaria apenas R$ 2,65 e levaria em torno de 10 a 15 minutos. Logo, a renda não é o melhor fator para explicar a escolha pelo meio de transporte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

São Paulo é um dos principais destinos turísticos do Brasil, onde se observa, como em todo o Brasil, o crescente acesso dos consumidores de baixa renda a bens e serviços de consumo. Uma vez que a base da pirâmide constitui uma enorme oportunidade para empresas, mercados e governos, os setores de turismo e hospitalidade precisam conhecer esse público e instaurar práticas inovadoras voltadas a esses consumidores. Assim, será possível acelerar a competitividade dos mercados e promover uma nova organização da sociedade.

Evidentemente, para que isso se concretize, é necessária uma atuação transparente e em parceria com as políticas públicas, que devem prioritariamente atender os direitos e necessidades básicas dessas populações, garantindo-lhes uma educação efetiva e promotora da autonomia dos indivíduos. Não se trata somente de lucrar com os mercados pobres, mas sim de buscar maneiras atuar nos mercados de forma responsável e que propicie ganhos ao maior número de pessoas, reduzindo as desigualdades econômicas e sociais.

Antes de qualquer coisa, porém, é fundamental aprofundar o conhecimento sobre esses mercados. Nesse sentido, por sua magnitude, a cidade de São Paulo oferece a pesquisadores e gestores estímulos para inovar nos setores de turismo e hospitalidade voltados aos segmentos de baixa renda.

Este artigo sinaliza que, além dos grandes eventos internacionais, da sofisticação da oferta gastronomia e hoteleira da cidade, há um público que visita à cidade em linhas de ônibus, se hospeda em casas de amigos e parentes e, inclusive, realiza negócios, provavelmente fora dos grandes centros empresariais. Este estudo, longe de apresentar uma resposta definitiva, pretende estimular novos pesquisadores a compreender o turismo de baixa renda em São Paulo. Para inovar neste mercado, é preciso conhecê-lo. Somente assim, será possível promover transformações sociais por meio da inserção da base da pirâmide nos mercados produtores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BACHA, M. L.; STREHLAU, V. I. Uma tipologia para segmentação de hábitos de viagem das classes populares. Revista Turismo Visão e Ação – Eletrônica, v. 11, n. 2, p-175-200, maio/ago. 2009. Disponível em: <https://www6.univali.br/seer/index.php/rtva/article/view/300/974>. Acesso em: 20 ago. 2010.

HAMEL, G.; PRAHALAD, C. K. Competindo pelo futuro: estratégias inovadoras para obter o controle do seu setor e criar os mercados do amanhã. 15. ed. Rio de Janeiro: campus, 2002.

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