Revista OIDLES - Vol 3, Nº 7 (diciembre 2009)

HIDRELÉTRICAS NO RIO MADEIRA: REFLEXÕES SOBRE IMPACTOS AMBIENTAIS E SOCIAIS

Por Artur de Souza Moret y Sinclair Mallet Guy Guerra (CV)

 

 

INTRODUÇÃO

Porto Velho foi criada por volta de 1907 e oficializada em 2 de outubro de 1914, durante a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré e foi construída na margem direita do rio Madeira. A cidade percebeu vários ciclos de prosperidade e decadência e que podem ser compreendidos como definidores da formação da cidade, em termo de consolidação de infra-estrutura e demandas econômicas; o último ciclo, década de 80, foi resultado da influência do garimpo de ouro no Rio Madeira; necessário destacar que que o crescimento populacional foi resultado da migração iniciada na década de 70 com a abertura da Amazônia para a colonização dirigida. Pelas características geográficas e da estrutura de transporte Porto Velho se constitui na porta de entrada para a Amazônia Ocidental e Central, indicando sua importância geopolítica e de entreposto comercial; uma parte significativa de produtos e insumo da Zona Franca de Manaus passa pelo Estado de Rondônia, da mesma forma que aquele que vão para o Acre, parte da Bolívia e Peru.

NOVO CICLO

Com a construção de dois empreendimentos hidrelétricos um novo ciclo se consolida na cidade de Porto Velho e no momento há um período de prosperidade característico da implantação de grandes obras. Esse ciclo de prosperidade é temporário e não vai resolver a histórica demanda reprimida na saúde, na educação, na habitação, por exemplo. Por outro lado, vai agudizar ainda mais esses e outros problemas.

Mesmo com todas as evidências levantadas por especialistas de que a construção de hidrelétricas não traz desenvolvimento no local de implantação há planejamento para a construção de 304 empreendimentos (SEVÁ FILHO, 2005) (Figura 1). Isso demonstra que essa tecnologia está sendo implantada intensamente sem considerar outras tecnologias e combustíveis . O grave nesse planejamento é o fato de que as UHE`s previstas têm como objetivo atender as demandas do centro sul e parte tem como foco a exportação de produtos com baixo valor agregado e por conseqüência grande quantidade de energia é exportada (SOARES et al, 2006).

Os estudos para a construção das UHE`s foram realizados por FURNAS e Norberto Odebrecht, entretanto no leilão dois Consórcios diferentes foram vencedores. O Consórcio Santo Antônio, vencedor da UHE Santo Antônio, foi constituído por:

As interpretações a seguir apresentam as causas da existência de informações não conclusivas e o processo de licenciamento ter sofrido questionamento:

1. A base de dados do EIA/RIMA foi construída em uma pequena área (240 km ao longo do rio) entre Porto Velho e não sendo representativa para uma bacia hidrográfica de 1,4 milhões de km2, sem dados históricos consolidados;

2. O licenciamento dos empreendimentos não obedeceu a Resolução CONAMA 001/1986, Artigo 50 , inciso III que exige que os estudos sejam feitos em toda a bacia hidrográfica do rio que vai ser barrado;

3. O licenciamento não obedeceu ao Estatuto da Cidade, que no art. 36 afirma a necessidade de elaborar o “Estudo de Impacto de Vizinhança” (EIV) para empreendimentos que produzam impactos no entorno da cidade. Esse artigo afirma que “O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades.” (MORET, 2006)

Este texto pretende discutir a interferência da construção dos empreendimentos hidrelétricos no Rio Madeira na sociedade e no Estado de Rondônia. A referência está pautada na concepção de que a cadeia produtiva da energia é estruturante da sociedade, porque influencia positiva e negativamente os aspectos econômicos, ambientais e sociais no local de interferência, mas também regional e nacional (MORET, 2000). Alguns indicadores justificam essas interferências:

i. a grande dimensão dos empreendimentos;

ii. a quantidade vultuosa de recursos utilizados desequilibra a economia local;

iii. a quantidade de mão-de-obra utilizada interfere na empregabilidade local;

iv. há deslocamento de trabalhadores de outras localidades;

v. o uso intensivo de mão-de-obra ser temporário não proporciona a empregabilidade permanente;

vi. com a obra concluída haverá um crescimento vertiginoso do desemprego;

vii. há a implantação temporária de serviços especializados;

viii. há falta de mão-de-obra especializada no local significa que os melhores salários serão destinados para migrantes e

ix. há definitiva interferência na dinâmica social, ambiental e econômica local.

Essa discussão torna-se mais importante ao se compreender que a legislação que rege os licenciamentos dessa modalidade de empreendimentos nem sempre é atendida pelos empreendedores com a justificativa da necessidade estratégica de que o empreendimento é necessário ao crescimento do Brasil. Da mesma forma os órgãos de licenciamento não utilizam a legislação para a tomada de decisão para a emissão de licenças visando a implantação do empreendimento (MORET, 2006).

Como contraposição ao modelo vigente apoiado na oferta, nas tecnologias hidrelétricas e termelétricas a diesel ou gás e em obras de grande dimensão, apresenta-se uma síntese de iniciativas tecnológica e economicamente viáveis, com interferência na demanda, com baixos custos sociais e ambientais e na geração descentralizada.

AS HIDRELÉTRICAS E O RIO MADEIRA

As hidrelétricas no rio Madeira, Santo Antônio (3.580 MW) e Jirau (3.900 MW), ambas no município de Porto Velho, têm potência total instalada de 7.480 MW e energia firme de 4.255 MW (56% do total). Os dois empreendimentos têm custo estimado da ordem de R$18,4 bilhões. O rio Madeira, devido a sua importância tem afluentes na Bolívia, no Peru, no Acre e em Rondônia. A montante dos eixos de barramento, os principais tributários são os rios Guaporé e Mamoré que têm afluentes em Rondônia (da parte sul do Estado), do rio Abunã no Acre e na Bolívia. A jusante, os fluxos são oriundos principalmente do rio Jamari e do Machado (parte Norte de Rondônia). Assim, a influência do rio Madeira é significativa com bacia de 1,4 milhão de m2. Esse rio é o principal afluente do Amazonas (jusante), tanto em volume de água, quanto de sedimentos. A jusante, também, se pode destacar o impacto nos lagos, com desequilíbrio e escassez de peixe. A montante destacam-se as interferências na Bolívia e Peru, e no estado do Acre.

Essa implantação não tem apenas a perspectiva da geração elétrica, mas também à extensão da navegação acima da cidade de Porto Velho, através dos rios Orthon, Madre de Diós, Beni, Mamoré e Guaporé, complementando a atual hidrovia existente entre Porto Velho e Itacoatiara (AM) (MORET et al, 2007).

INFORMAÇÕES, DIFICULDADES E DIVERGÊNCIAS NA CONSTRUÇÃO DAS UHE`s NO RIO MADEIRA

Mudança de eixo da barragem de Jirau. Ao final do Leilão da UHE Jirau, o Consórcio vencedor mudou o eixo da barragem, com a justificativa de diminuição de custos, sem contudo fazer estudos específicos exigidos pela Legislação Ambiental. Com a alteração de eixo e a falta de estudos específicos não há informações conclusivas dos impactos provocados a montante e a jusante dessa UHE.

Os custos das UHE´s no Madeira. Os custos da energia das UHE`s divulgados e aqueles ofertados no Leilão são divergentes, deixando dúvidas quanto a exatidão desses valores. Alguns valores, R$56,00/MWh em 2002, no EIA/RIMA variaram de US$ 22,76 a 25,50/MWh e nos leilões os valores vencedores foram: R$78.78/MWh para Santo Antônio e R$71.49/MWh para Jirau. Mais um valor discrepante foi calculado pela consultoria Excelência Energética (FRANCELLINO, 2006) com taxas interna de retorno entre 8 e 12% variando de R$111,10 e R$178,30 para Santo Antônio e R$111,20 a R$178,60 para Jirau.

Impactos nas populações. O EIA apresentou que 2.849 pessoas seriam atingidas, 1.087 pelo reservatório do Jirau e 1.762 pelo de Santo Antônio, impactando os núcleos urbanos entre a Ilha do Presídio e a Vila de Abunã, localizadas apenas a montante da barragem, sem contudo destacar as comunidades a jusante. Segundo os estudos, as zonas urbanas atingidas seriam: Vila de Mutum-Paraná (totalmente); Vila Jaci-Parana (parcialmente) e as comunidades ribeirinhas de Teotônio e Amazonas. Essas informações são contestadas porque existem outras não citadas, tais como: Porto Seguro, Engenho Velho, assentamento da reforma agrária INCRA (Joana Dark I, II e III que somam cerca de 1.070 famílias). Por outro lado, não foi apresentado nenhum estudo sobre os impactos nas comunidades a jusante.

Em relação a esses resultados, há contestação em estudos acadêmicos realizado por Barcelos e Moret (2006) demonstrando que 35% das famílias ao redor de Santo Antônio não foram entrevistadas (Gráfico 1), 50% da população dessa área moram a mais de 20 anos com estreita relação com a terra e com o rio Madeira (gráfico 2); 91% das famílias não gostariam de deixar seu espaço ribeirinho; 61% não sabiam o que fazer caso fossem morar na cidade; 81% não concordam com o projeto.

Em relação as atividades econômicas, o mesmo estudo destaca que: a pesca é primordial para a alimentação e geração de renda, portanto o barramento vai desestruturar a alimentação local e tradicional (gráfico 3). Nessa perspectiva o EIA afirma que o impacto negativo sobre o pescado é de 50% nos cinco primeiros anos. Essa informação é contestada pelo histórico dos empreendimentos hidrelétricos ; nas áreas das UHE´s de Balbina e Samuel depois de 20 anos de operação ainda não houve recomposição da massa pesqueira (FEARNSIDE, 1990).

Impacto na cidade de Porto Velho. A UHE Santo Antônio está localizada a 7km do centro urbano da cidade de Porto Velho, de forma que os impactos nessa cidade serão significativos. O Estatuto da cidade, lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, dá as diretrizes para a Política Urbana no Brasil. Em tal lei o art. 36 exige a realização do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e no art. 37 destaca as características desse Estudo, destacando que “O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população”, e nesse estudo é necessário analisar os seguintes pontos:

I - adensamento populacional;

II - equipamentos urbanos e comunitários;

III - uso e ocupação do solo;

IV - especulação imobiliária;

V - geração de tráfego e demanda por transporte público;

VI - ventilação e iluminação;

VII - paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

Esse estudo não foi realizado pelos empreendedores e tampouco exigido pelo poder público.

Assim, em 2009 já há problemas de várias ordens e sem solução próxima, devido a falta de estudos, posicionamento e ações do poder público, tais como: migração acelerada, aumento do número de veículos de passeio e de cargas transformando radicalmente o trânsito com lentidão e pontos de estrangulamento (segundo a imprensa local são internalizados 90 veículos de passeio por dia na Cidade), o aumento dos preços de alimentos e das moradias tem impulsionado a inflação, aumento da demanda de saúde na rede pública e na rede privada e aumento da demanda por educação.

No futuro haverá mais problemas, tal como escassez de água potável para atendimento da cidade de Porto Velho. O empreendimento fica muito próximo da cidade e a coluna de água da barragem fará o lençol freático subir e injetará sujeira do lago contaminando os poços. Outra questão importante, não há água fluxo de água suficientemente próximo para abastecer a cidade, pois atualmente toda a água é captada no rio Madeira. Portanto, como não foram realizados os Estudos adequados sobre os impactos futuros essa questão não foi considerada e somente será analisada no momento em que o problema acontecer.

Populações Indígenas. O EIA não apresenta dados sobre os povos indígenas afetados pelas obras: Kaxarari na região de Extrema de Rondônia e Katawixi, no alto rio Candeias, no rio Karipuninha, no Alto Jaci, nem sobre os das terras indígenas interditada Jacareuba no rio Mucuin, a menos de 20km do canteiro de obras de Santo Antonio.

A Fundação Nacional do Índio, através do documento da Coordenação Geral de Índios Isolados (CGII, junho, 2008), reconhece a presença de indígenas isolados na região dos empreendimentos e propõe que seja suspenso o processo de licenciamento até que se estude profundamente a presença e área de perambulação dos povos pelos rios da região.

Trabalho e empregos. Durante a construção somente 1.500 trabalhadores serão os permanentes. Entre o primeiro e o terceiro ano serão contratados em torno de 15.000 trabalhadores e o “pico” da obra será de apenas 3 meses com 20 mil trabalhadores. Há denúncias do sindicatos dos trabalhadores da cidade de Porto Velho que as relações de trabalhos são excludentes e preconceituosas, com salários diferenciados e menores para aqueles moradores da cidade, a carga horária de trabalho excessiva, falta de condições adequadas para alimentação e descanso, irregularidades com as contratações dos trabalhadores não obedecendo ao período de experiência.

Agravamento da demanda reprimida na saúde. No município há 211 médicos nas clínicas básicas. Com a migração e para atingir 2 consultas médicas por habitante ano seriam necessários: 961 mil consultas (aumento de 119% frente ao realizado em 2005); para se ter 1 médico por cada 1000 habitantes são necessários 481 médico, 33 equipes de saúde (com médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem) e 8 unidades básicas de saúde (MORET et al, 2007). Uma das conseqüências imediatas da construção das UHE`s refere-se ao aumento dos casos de malária. No distrito de Jacy Paraná já há aumento de 64% dos casos da incidência dessa doença. Os especialistas levantam as hipóteses de que o aumento populacional e o desmatamento são as principais causas dessas ocorrências da Malária na região.

Agravamento da crise na educação. São esperadas 52.000 pessoas em idade após a construção, portanto a demanda de infra- estrutura escolar será: 1.480 salas de aula na zona urbana; 61 escolas novas com 12 novas salas de aula; 1.070 novas salas de aula na zona rural, 44 escolas novas para absorver a clientela em idade escolar no período de 2006 a 2015. Partindo desses indicadores, MORET et al (2007) calcularam em R$ 99,7 milhões os custos para suprir esse déficit da educação, destacando que esse valor é menor que os R$50 milhões anuais de royalties dos empreendimentos.

Falhas no processo de licenciamento. Parte dos estudos utilizados como referência para o licenciamento na esta de acordo com a legislação ambiental e o estatuto da cidade, destacando-se abrangência dos estudos e a falta do EIV. No quadro 1 a seguir são apresentadas as falhas no processo de licenciamento.

Quadro 1: Síntese das falhas no processo de licenciamento das UHE`s no Madeira

Informações

Comentários

Resultado da LP Santo Antônio e Jirau

Instituição responsável: IBAMA

Legislação pertinente: Resoluções CONAMA: 001/86, 009/87, 237/97, Instrução normativa no 065 - Dentre outras exigências, condiciona o atendimento a Instrução normativa no 065, 13 de abril de 2005 - Art. 16 § 1o

- analisar se o EIA está de acordo com o termo de referência, calcular o impacto para a compensação ambiental, realização de audiências públicas e emissão de parecer sobre viabilidade ambiental - Condiciona a elaboração e licenciamento do EIV

- foram solicitadas audiências públicas em locais diferentes e o IBAMA nega as solicitações

- a área técnica do IBAMA descreve várias irregularidades e condicionantes

- a sociedade civil destaca 30 condicionantes (item a seguir)

- o IBAMA sofre processo de mudança

- a nova presidência do IBAMA não acata nenhuma das irregularidades e condicionantes da área técnica e emite a LP

Leilão da UHE Santo Antônio.

Instituição responsável: ANEEL Consórcio MESA Furnas/Odebrecht ganha leilão com valor de R$78,78/MWh para o mercado regulado e R$130,00 para o mercado futuro. Valores abaixo daqueles calculados por consultoria independente e divulgados pelos empreendedores ao longo do processo.

LI Santo Antônio

Instituição responsável: IBAMA.

Legislação Pertinente: Instrução normativa no 065 O empreendedor elabora Projeto Básico Ambiental – PBA, Plano de

Compensação Ambiental e Inventário Florestal O Plano Básico Ambiental- PBA não está em conformidade com os impactos detectados pelos técnicos para a emissão da LP e tampouco pela sociedade civil.

Leilão da UHE Jirau.

Instituição Responsável: ANEEL Consórcio Energia sustentável ganhou o leilão ao preço de R$71,40/MWh Valores abaixo do calculado por consultoria independente

- após vencer o leilão a empresa troca o local de construção 9,2 km a jusante do local estudado

- o IBAMA realiza em 10/2008 reunião pública sobre a mudança de local

- Ministérios Público Federal e Estadual se manifestam contrário a mudança,solicitando novos estudos.

Índios Isolados encontrados a 14 km do local de construção do canteiro de obras.

Instituição responsável: FUNAI.

Legislação pertinente: Regimento da FUNAI, de 21 de dezembro de 1993, artigo 2º, item III FUNAI elabora plano de trabalho com as ´´Atividades previstas para as regiões onde há referências de índios isolados que terão influência da UHE Santo Antônio´´ A obra deveria ser paralisada até que todas as atividades e metodologias fossem aplicadas para a identificação.

Fonte: Elaboração Própria, 2009.

A RESISTÊNCIA A CONSTRUÇÃO DOS EMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS NO RIO MADEIRIA.

A situação político-institucional e econômica que o Estado de Rondônia e sobretudo a cidade experimentava no momento do licenciamento dos empreendimentos foram influenciadores das forças políticas, de tal modo que se uniram em torno da aprovação da construção. Da mesma forma, a imprensa local e as propagandas institucionais faziam propaganda da futura geração de emprego e do aumento da atividade econômica sustentada local. Assim, a sociedade local se posicionou de modo favorável acreditando na veracidade das informações. Há que se destacar que as Instituições Cientificas locais e regionais se constituíram no braço científico para gerar os dados e informações para os Estudos necessários aos empreendimentos.

Em sentido contrário a essa tendência, a sociedade civil organizada, ONG´s, movimento social, intelectuais iniciaram ações a partir de 2002 de mobilização e capacitação da sociedade no que se refere aos impactos sociais e ambientais de empreendimentos hidrelétricos que não estavam sendo propagados pelos empreendedores. A campanha popular Viva o Rio Madeira Vivo foi uma articulação que desenvolveu atividades e materiais estão disponíveis para consulta em www.riomadeiravivo.org. Essa articulação foi constituída por atores locais, regionais e nacionais. A ONG Amigos da Terra também construiu uma articulação importante, produzindo materiais e campanhas que estão disponíveis em www.amazonia.org.br. Um dos resultados das ações da sociedade civil foi a apresentação de falhas dos Estudos de Impactos Ambientais. Esses pontos são descritos a seguir:

1. A Abrangência dos estudos está equivocada: falta avaliar a hidrovia e a bacia hidrográfica; 2. A área alagada pode ser o dobro do estimada devido a inconsistência dos dados e informações;

3. O diagnóstico em todas as áreas é genérico (fauna, flora, sócio-econômica), faltando análises e conclusões consistentes;

4. Não há nos estudos esforço para dirimir dúvidas e fuga dos problemas complexos referentes aos impactos causados pelas obras;

5. O impacto do aumento populacional foi negligenciado e subestimado;

6. Impacto sobre o território foi estudado superficialmente;

7. Falta relação com o desenvolvimento regional e local (Porto Velho e região);

8. Omissão sobre alagamento em território boliviano;

9. Modelos monodimensionais para analisar processos tridimensionais relativos aos alagamentos e sedimentos;

10. Inadequada análise do potencial de eutrofização;

11. Estudos e análises de sedimentação com foco inadequado e cálculos inconsistentes;

12. Análise insuficiente do impacto de erosão nas margens a jusante;

13. Subestimação de sedimentação e erosão, por metodologia inadequada;

14. Estimativas imprecisas de sedimentação geram inconformidade no cálculo da vida útil das barragens;

15. Omissão sobre o possível prejuízo para São Antônio;

16. Falta identificar as espécies (peixes, vertebrados, invertebrados) mais afetadas;

17. Incerteza sobre a viabilidade da transposição de peixes;

18. Falta estudar a mortandade de ovos e larvas em turbinas bulbo e no leito da barragem;

19. Peixes Dourada e Babão ameaçados de extinção;

20. Faltam estudos adequados sobre impacto na pesca e na preservação dos lagos no Baixo Madeira (jusante da barragem de Santo Antônio);

21. Omissão de impactos expressivos na pesca no estuário do Rio Amazonas;

22. Desconhecimento das dinâmicas e metodologia de análise do mercúrio no sedimento e seus impactos no lençol freático;

23. Omissão a estimativa dos impactos do mercúrio sobre os ribeirinhos;

24. Omitiu-se estudar a descida do mercúrio dos garimpos do Madre de Dios;

25. A coleta de fauna foi insuficiente para produzir informações consistentes e analisar os possíveis impactos;

26. A região é de prioridade altíssima no que tange a biodiversidade e portanto necessita de análise diferenciada;

27. Falta analisar impactos nos lagos da várzea a jusante;

28. Sub-dimensionamento expressivo dos custos das obras e da energia gerada;

29. Faltam estudos no tocante a Vigilância Sanitária;

30. Faltam análises e soluções para o aumento dos problemas de saneamento básico para as áreas afetadas.

ALTERNATIVAS ENERGÉTICAS COMO ALTERNATIVAS À HIDRELÉTRICAS NO RIO MADEIRA .

A construção de hidrelétricas está pautada em um modelo de geração de eletricidade de grande escala concentrando esforços apenas na oferta sem considerar que gestões e investimento na demanda produzem resultados efetivos, com menores custos sociais e ambientais. A seguir são apresentadas sucintamente alternativas para a disponibilização de eletricidade e que são opções às hidrelétricas do Madeira.

Combustíveis alternativos e descentralização da eletricidade. Os combustíveis alternativos são abundantes no Brasil. O uso do bagaço de cana torna-se importante: a capacidade instalada no Brasil é de 2.822 MW e o potencial é da ordem de 6.000MW. A descentralização é promissora para o atendimento nos sistemas interligados e isolados com uso de painel solar, energia eólica e biogás (MORET, 2002).

Repotenciação de hidrelétricas. Essa tecnologia de troca de equipamentos de geração de eletricidade de uma UHE tem potencial de 7.500 MW, custo de referência de R$32,58/MWh menor que R$107,28/ MWh, valor da tarifa de equilíbrio para as hidrelétricas (BERMANN, 2004).

Eficiência Energética. Segundo um estudo da WWF com a utilização de eficiência energética há economia de 30% do consumo e economia de R$ 33 bilhões até o ano 2020.

“O estudo prevê economia de R$ 33 bilhões para os consumidores, diminuição no desperdício de energia de até 38% da expectativa de demanda, geração de 8 milhões de empregos, estabilização nas emissões dos gases causadores do efeito estufa e afastar os riscos de novos apagões se o cenário Elétrico Sustentável for aplicado no Brasil até 2020” (WWF, 2006).

Perdas de energia. As perdas de energia no Brasil são grandes e da ordem de 20% e equivalem à geração de 10 usinas como a de Santo Antônio no rio Madeira. Em um relatório o Tribunal de Contas da União destaca:

“...só o volume de energia perdida em 2007 poderia abastecer os estados de Minas Gerais, Ceará, Bahia e Pernambuco, juntos, por um ano. Além disso, toda a energia que será produzida pela usina de Santo Antônio, no rio Madeira, corresponderá a pouco mais de 35% das perdas elétricas anuais do país. No Brasil, segundo o TCU, há tecnologia disponível para reduzir significativamente as fraudes no consumo de energia, mas apenas 7% dos recursos destinados a novos estudos são empregados em projetos de combate às perdas” (www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=288432).

Biomassa residual como combustível. A biomassa residual – dejetos liberados por animais, principalmente os da criação intensiva – poderia gerar 1 bilhão de kW/mês no Brasil, quantidade de energia equivalente à da Usina Hidrelétrica (UHE) de Jirau, no rio Madeira, ou a 12% da energia de Itaipu. (CÍCERO BLEY JR. et al, 2009)

CONCLUSÃO

A questão ambiental na Amazônia já experimentou avanços e retrocessos, entretanto esse último tem maior ocorrência e consistência nos últimos anos, com desmatamento acelerado e como fronteira agrícola. Em Rondônia não é diferente e agregando outras questões como migração, desmatamento e recentemente a inserção do capital privado na eletrificação, por exemplo, mudaram o quadro da questão ambiental. No que tange a oferta de eletricidade, o Estado tem a geração da hidrelétrica de Samuel e, em maior quantidade, a termeletricidade com uso de diesel para grandes e pequenos mercados. Essa metodologia não resolveu a demanda reprimida das pequenas localidades. Da mesma que o aumento da carga atual do Estado através das UHE`s no Madeira não alterará esse quadro, visto que a energia elétrica produzida é para atender o mercado do centro sul do Brasil.

A construção de hidrelétricas na Amazônia chama mais a atenção pelos problemas sociais e ambientais envolvidos do que pelas vantagens relativas que esses empreendimentos podem trazer para a sociedade local. Alguns dos problemas que já são resultado da construção das UHE`s no Madeira.

As vantagens comparativas e disponíveis para a sociedade estão vinculadas a uma crescente atividade econômica, representando que a massa de recursos financeiros está aumentando no município, seja pelo criação e instalação de empresas prestadoras de serviço, seja pela quantidade significativa de pessoas que estão migrando para Porto Velho. Essa pujança trará crescimento econômico significativo para o Estado e sobretudo para a capital, entretanto essa quantidade de recursos continuará concentrada na mão de poucos porque não há políticas públicas com o objetivo de distribuir recursos e/ou alterar positivamente a qualidade de vida da população local.

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