Revista OIDLES - Vol 2, Nº 5 (diciembre 2008)

DESENVOLVIMENTO DAS ECONOMIAS LOCAIS DE FRONTEIRA: AS DISSIMETRIAS, AS POSSIBILIDADES DE COOPERAÇÃO ECONÔMICA E O PAPEL DAS PROXIMIDADES ORGANIZACIONAIS

Por Claudio Zarate Max

 

 

Uma teoria sobre fronteira: um breve contexto

Tradicionalmente, fronteira é dita como limite que separa o terreno doméstico do internacional, é onde inicia e termina a linha-limite do Estado. A definição de fronteira por Buarque de Holanda (1999) é de “Limite de um país ou território no extremo onde confina com outro”. Por limites, entende-se que são as extremidades das regiões, que ser configuram como divisores políticos entre governos de regiões, como as divisões territoriais (dos municípios e estados, por exemplo). Entretanto, os limites internacionais possuem um caráter especial por que representam o divisor entre países onde prevalecem suas maiores autoridades políticas (WARF, 2006).

Para Machado (2006), foi Ratzel ao considerar o Estado como metáfora de organismo vivo, pioneiro ao tratar a noção de espaço vital nos seus estudos dos movimentos de expansão da fronteira territorial do sistema capitalista no século XIX. Nesse sentido, Ratzel distingue o significado das fronteiras, estas consideradas como órgãos periféricos do Estado, como zonas de contato e de proteção com relação ao exterior, sem negligenciar os aspectos dos movimentos dos seres e das coisas (RAFFESTIN, 1993), o que conduziu o geógrafo político a convicção de que cada Estado tem uma noção das fronteiras naturais de seu domínio territorial, o que denomina de the space conception. Nesse sentido, a determinação do significado da fronteira é temporal (portanto variável), pois a mesma pode exercer papéis diferentes de acordo com a expansão e retração da dinâmica dos fluxos do Estado-organismo. Para Ratzel, a fronteira é considerada uma membrana periférica de um território capaz de se ajustar para se adaptar à expansão do Estado (RAFFESTIN, 1993).

O modelo de poder estatal proposto por Ratzel, unidimensional, não leva, entretanto, em consideração os múltiplos poderes existentes nas relações territoriais regionais/locais (RAFFESTIN, 1993, p.17), o que implica em não permitir ampliar as possibilidades de diversificar as dimensões requeridas para se olhar os territórios além dos poderes centrais dos Estados. Diante disso, afirma-se que os limites internacionais são marcados por concepções estatais das ações sócio-geográficas, sócio-econômicas, sócio-culturais, entre outras, de formas estruturalmente diferenciadas uma das outras.

O entendimento de que as fronteiras servem a um propósito, portanto, possuem uma função, que pode representa desde a defesa da soberania ao controle do espaço leva, por conseqüência, a uma diversidade, que, Guichonnet e Raffestin, (1974, p.48-52) assim classificam: a) a função legítima, onde a fronteira delimita o perímetro institucional formal, representada pela circunferência do território do Estado onde o sistema político exerce autoridade; b) a função fiscal, que habilita o Estado a proteger sua economia contra a competição estrangeira; c) a função controle, que atua como filtro já que está destinado a administrar o acesso de pessoas, de mercadorias e demais circulações entre países; d) a função militar, que enfatiza o limite como papel de defesa da soberania nacional e, e) a função ideológica, caracterizada pela representatividade da diferenciação entre sistemas políticos-ideológicos. Essas funções estão sujeitas as constantes mudanças, podendo até desaparecer, sendo mais provável de acordo com Guichonnet e Raffestin (1974), que tenham seus efeitos reduzidos, ocorrendo o que chamam de défonctionnalisation des frontières.

Se as funções da fronteira são marcadas pela presença humana no território, onde exprimem a força, a independência e a soberania, é inevitável pensar que a socialização do indivíduo é intrinsecamente espacial e que as diferenças ocorrem pela diversificação das ações dos grupos sociais que atuam no espaço (JOHNSTON; GREGORY; SMITH, 1994).

Pode-se entender que o termo fronteira (na concepção anglo-saxônica) revela uma particularidade distinta (sob dois ângulos) em que a geografia trata a fronteira: o primeiro é o termo boundary, cuja significação é a linha de fronteira e o segundo, frontier, cuja noção é a de zona de fronteira (JEANNERET, 1984). Dessa diferenciação, pode-se afirmar que a partir da abstração da primeira desenvolvem-se trabalhos por uma variável técnica da fronteira, que indica delimitação e demarcação territorial que substancia os estudos dos conflitos inter-estados da geografia política A zonalidade presente na segunda noção, diferentemente, permite ampliar e integrar os diversos aportes das disciplinas sociais, cujo objeto é de estudar os efeitos da fronteira (processos políticos, sociais, econômicos, culturais, entre outros) sobre os grupos e suas relações entre si. A esses dois grupos Jeanneret (1984) propõe uma classificação para os dois entendimentos da fronteira: a “geografia regional”, marcada pela aproximação à economia, e “geografia da percepção”, que se aproxima das ciências cognitivas.

Em nome da intensa competitividade entre empresas, de mercados, de produtos e dos lugares, as fronteiras têm assumido um importante significado para o controle estratégico dos territórios, o que, em contrapartida, não impede a possibilidade de um enraizamento da base dos conflitos baseados na utilização das mesmas, como instrumento de inclusão/exclusão, como marca de identidade ou como defesa cultural e econômica, o que denota uma regulação estatal estruturada nesses meios geográficos. Assim, as interconexões transfronteiriças, na lógica da co-presença, habilitam grande parte das espacialidades criadas para uma gestão dos recursos disponíveis voltada para a busca do equilíbrio territorial das ações bilaterais, ainda que pese as particularidades de ruptura desses espaços contíguos, decorrentes de estruturas de governança que os regulam.

De acordo com Raffestin (1993; 2005), a falsa racionalidade do mundialismo unitário que leva ao longo prazo a perda de autonomia, reforça a idéia de que a superioridade e a inferioridade são relativas e não absolutas, o que evidencia o significado das diferenças nas relações de poder. Por isso, alerta sobre o perigo dos mitos da eliminação das fronteiras, representados pela homogeneização das regras, códigos e ritos entre os territórios nacionais, o que leva a uma descaracterização que não favorece a construção e a manutenção das suas ricas e diferentes identidades. Segundo esse autor, “[...] a fronteira não é somente um fato geográfico, mas também é um fato social de uma riqueza considerável pelas conotações religiosas nela implícitas [...]” (RAFFESTIN, 2005, p. 10). Assim, ao sugerir que as fronteiras estão abertas e menos presentes de obstáculos, a idéia da aldeia global esbarra no sistema de diferenças que assegura, em maior ou em menor grau, o continuísmo da diversidade étnico e sócio-cultural das sociedades. Com isso, ao exercer um papel antagônico dos limites dos territórios, as fronteiras estão longe de representar a homogeneização desejada pela globalização, que Santos (1994) afirma ser impossível de ser alcançada, quer pela realidade distinta entre elas, quer pelas contingências dos meios associados.

Neste contexto, são válidas as preocupações que decorrem da necessidade de compreensão das peculiaridades das zonas de fronteira onde as noções de limite e liberdade gravitam sob as relações entre territórios distintos e, consequentemente, sob distintas relações de poder, que levam o estabelecimento de novas trajetórias – favoráveis ou não, entre esses domínios diferenciados. Como resposta às transformações políticas, econômicas, culturais e sociais da modernização, esses territórios buscam, através da mutação da própria natureza dos limites e das fronteiras, estabelecerem cenários para a crítica de suas próprias dimensões arbitrárias e para a inserção de ambientes integrados (HISSA, 2006, p.37).

Ao afirmar que “[...] existe vontade/necessidade: de um lado é sempre avançar sobre os limites da legislação civil, fiscal e normativa; do outro, ao mesmo tempo, preservar os seus (para o outro)[...]” Oliveira (2005, p. 379) revela a dimensionalidade contraditória desses espaços periféricos que, por essa caracterização conflituosa, invoca a pouca presença de homogeneização apontada por House (1980, p. 474), na indicação da predominância da política turbulenta na fronteira entre duas nações (na maioria das vezes pelos interesses historicamente opostos), que, somadas mais recentemente às questões ambientais, aos nacionalismos exacerbados, ao terrorismo e as discrepâncias estruturais, consolidam percepções ambíguas sobre os limites dos territórios nacionais.

A descontinuidade política, administrativa e social que caracteriza esse meio geográfico, exige uma análise cuidadosa e complexa das relações cotidianas – sociais, comerciais e econômicas - sendo, entretanto, indispensáveis para o amadurecimento e para a evolução das práticas de integração e de cooperação nessas regiões. Por isso, diferentes escalas das dimensões sociais assimétricas impedem olhar os “outros” da fronteira de maneira imperceptível, que represente ausência plena de qualquer tipo de interação, especialmente entre as fronteiras dos países em desenvolvimento. Nesse sentido, Oliveira (2005) afirma que a fronteira é um espaço bipolar e multiforme, um meio geográfico que exige uma quase necessidade de se transportar seus limites, fazendo alusão que os habitantes fronteiriços coexistem em ambientes de delicados fenômenos que só ali se desenvolvem. Nas palavras do autor (2005, p.380) “[...] Este ambiente plural transformou as fronteiras em territórios singulares. São singulares em relação ao território-nação e singulares entre si – cada fronteira é uma (grifo do autor) fronteira [...]” Assim, afirma-se que as áreas limítrofes dos países, possuem características peculiares que as tornam em um espaço de tensões e simultaneamente espaço de estabelecimento de integração. Essa dualidade revela a necessidade de se estabelecer separações, limites, observar as diferenças culturais e a preservação da soberania dos países e, também, a de se exercitar práticas sociais e trocas comuns. Fronteira é ao mesmo tempo, área de separação e de aproximação, linha de barreira e espaço polarizador (CASTELLO, 1995).

Dessa forma, pode-se pensar que, paradoxalmente, a distância dos centros econômicos nacionais e as disparidades dos cenários político-econômicos desenvolvidos pelas trajetórias históricas diferentes, criam nas zonas de fronteira a quase necessidade de várias proximidades entre si, nem sempre benéficas, duradouras e eqüitativas para os dois lados da fronteira, mas cuja permissividade leva a um inexorável redimensionamento da convivência fronteiriça (OLIVEIRA, 2005).

Na busca da integração, as instituições que norteiam as ações dos atores fronteiriços são construídas pela convergência de interesses, em níveis supra-nacionais, de Estados e em níveis locais, gerando diferentes formas de trocas econômicas. As instituições – formais e informais, estabelecem um gride de permeabilidade entre as interações locais que possibilitam o que Cuisinier-Raynal (2001) chama de zonas de circulação transfronteiriça, que, ao longo do tempo, podem constituir em ambientes com níveis de cooperação satisfatórios, mesmo com desigualdades e ambigüidades. Por outro lado, essas mesmas instituições influenciam diretamente (ainda que temporariamente) no grau de porosidade da fronteira quando, no exercício das interações, interesses divergentes afloram e deixam prevalecer a noção do estrangeiro como uma externalidade social maléfica, o que pode desencadear reciprocidades instantâneas, exigentes de ações diplomáticas do Estado. Nesse sentido, SAYAD (1998) afirma que a ausência na participação política no país receptor faz do estrangeiro um hospedeiro no sistema de comércio local, tolerável pelos interesses de complementaridades temporais e circunstanciais.

Sobre o valor estratégico da fronteira no contexto estatal, Cuisinier-Raynal (2001) faz uma diferenciação importante entre as zonas de fronteira: a) as fronteiras ativas, cuja presença e atuação do Estado incitam investimentos para o desenvolvimento fronteiriço e, b) as fronteiras passivas, constituídas de pouca representatividade nas articulações voltadas para o contexto internacional e para suas economias internas, quase sempre com cooperações tácitas das autoridades e atores fronteiriços (MACHADO, 2005).

As chamadas cidades gêmeas (MACHADO, 2005), constituídas por adensamentos populacionais e cortadas pelos limites fronteiriços, possuem potencialidades de integração econômica e cultural assim como problemas exclusivos característicos e peculiares da região. Por essa definição, devem possuir políticas públicas prioritárias que possibilitem efeitos diretos no desenvolvimento sócio-econômico desses territórios. Acrescenta-se que esses aglomerados fronteiriços podem estar configurados em regime de conurbação ou em semi-conurbação, o que pode ampliar ou reduzir os níveis de interação (e de problemas) entre si. De qualquer forma, as complementaridades das trocas são características ímpares desses meios geográficos, o que implica no encorajamento de seu desenvolvimento e na possibilidade de uma sustentabilidade para uma nova divisão transfronteiriça de trabalho (MACHADO, 2005).

O modelo de transações de fronteira proposto por House (1980), contribui para o entendimento das dinâmicas funcionais dessas regiões, utilizando-se para isso da geografia, da sociologia, da política e da economia para denominar a noção de double peripherality, que caracteriza as zonas de fronteira como regiões de pouco peso político, sem a força das elites tomadoras de decisões e por grandes disparidades econômicas e sociais. Outra contribuição importante é feita por Oliveira (2005), que enfoca o processo de trocas em um interessante conjunto de interações sociais e materiais que ocorrem na fronteira, que possibilita uma classificação conforme seus níveis de integração (funcional e formal), numa tipologia de relações fronteiriças.

Os trabalhos de Storper e Salais (1993), Storper (1995) e Storper (1997) fornecem subsídios para o entendimento da importância dos recursos territoriais e não-territoriais dos sistemas produtivos, com especial atenção aos aspectos convencionalistas propostos pela sociologia econômica. Nesse sentido, a proximidade tratada por Enjolras (1993) e Thévenot (1994) é tida como uma condição necessária para o estabelecimento de compromissos e não apenas ser tratada como um ponto físico de contato, mas de uma reflexão sobre a maneira de compreender as territorialidades.

As contribuições de Rallet e Torre (2001) é a de tratar a proximidade sob duas importantes vertentes: a proximidade geográfica e a proximidade organizada. Esses dois tipos de proximidade, ao serem interseccionadas em termos de interações, criam uma grade de análise de diferentes modelos de organizações geográficas de atividades. Para esses autores, os sistemas de produção locais (SPL), os distritos industriais e os meios inovadores são caracterizados pela existência desse gradiente de proximidades, numa clara expansão da visão clássica sobre estudos dos aglomerados produtivos. Um dos pontos defendidos é que a proximidade geográfica por si só não garante sinergias capazes de gerar um suporte de coordenação entre os atores, apesar de ser imprescindível para as interações entre os indivíduos. Pode-se afirmar, então, que a intensidade das interações não é espontânea, portanto não garantida, pela simples proximidade física dos atores econômicos. Dessa forma, a proximidade organizada pode proporcionar uma forma bem sedimentada, o que pode tornar sistemas produtivos locais coesos e articulados em torno de meios geográficos, uma vez que volta-se para aspectos não-territoriais, como regras de comportamento comuns e relações de confiança, estabelecidas através de acordos, alianças estratégicas e redes de cooperação, com bases institucionais garantidoras de sua manutenção.

A fronteira oeste brasileira: Mato Grosso do Sul e Corumbá

Com uma representatividade de 44 dos municípios em faixa de fronteira (7,72%), Mato Grosso do Sul possui localização estratégica entre os principais corredores de exportação do Mercosul Ampliado, favorecido pela proximidade geográfica com os países do Paraguai (cuja extensão da linha divisória representa 1.131 km) e da Bolívia (linha divisória de 286 km), e com os estados brasileiros de Mato Grosso e Goiás (ao norte), do Paraná (ao sul), de Minas Gerais e São Paulo (ao leste), além da vocação para o agronegócio na produção de commodities como carnes e grãos e, mais recentemente, pela implementação da exploração extensiva da agroindústria sucro-alcooleira.

Com uma área de 357.124,96 km² (4,19% em relação ao Brasil e 22,23% em relação ao Centro-Oeste) e com condições edafoclimáticas favoráveis e um bom manancial hídrico, garantem condições para a ampliação do desenvolvimento de Mato Grosso do Sul a curto e a médio prazos (SEPLANCT, 2003), o que reafirma a exploração agropecuária como principal alavancador e principal base econômica do estado.

Criado pela Lei Complementar nº 31 em 11 de outubro de 1977 e instalado em 01º de janeiro de 1979, o estado de Mato Grosso do Sul é parte da federação brasileira com 77 municípios, sendo que 11 (onze) deles estão localizados na sua região sul e sudoeste e que constituem a zona de fronteira com o Paraguai (Porto Murtinho, Caracol, Bela Vista, Antonio João, Ponta Porã, Aral Moreira, Coronel Sapucaia, Paranhos, Sete Quedas, Japorã e Mundo Novo) e 01 (um) na região oeste (Corumbá) com a Bolívia.

Os municípios de Corumbá, Ladário, Porto Murtinho, Miranda, Aquidauana, Rio Verde de Mato Grosso, Coxim, Sonora e Bodoquena, compõem a área de 89.318 km² do Pantanal de Mato Grosso do Sul , representando cerca de 25,01% da área total do estado, cuja biodiversidade de flora e fauna terrestre e aquática favorece a exploração do turismo contemplativo, além do turismo de pesca proporcionado pelos rios da Bacia do Alto Paraguai. Um ponto fundamental de entendimento é que o Pantanal não é um só; é formado por sete tipos de “pantanais”, cujas características diferem no solo, na vegetação e na forma de drenagem das águas: Nabileque, Miranda, Aquidauana, Abrobal, Nhecolândia, Paiaguás e Paraguai (SEPLANCT, 2003).

O município fronteiriço de Corumbá

Distante da capital do estado 425 km e com uma população de 95.701 habitantes, sendo 90,1% residentes na área urbana, segundo o censo de 2000 do IBGE, Corumbá constitui-se na cidade da faixa de fronteira delimitada para este trabalho de melhor infra-estrutura e melhor articulação com os grandes centros, que, apesar de manter na pecuária (é detentor do maior rebanho bovino do estado); no turismo (de amplas perspectivas futuras) e na atividade de extrativismo mineral (com a presença de empresas multinacionais exploradoras de minério) bases de maior potencialidade, têm como principais atividades econômicas o comércio e serviços (SEPLANCT, 2003).

A consolidação do setor de serviços e comércio como maior agregador de valor do PIB municipal de Corumbá, representando, em média, cerca de 56,06% do total entre 1999 e 2004. O setor agropecuário, com 30,06% em média, e o setor da indústria, com 13,88% em média, complementam a caracterização econômica de Corumbá. De fato, essa maior concentração nas atividades terciárias é resultado da pouca dinâmica do setor industrial e da agropecuária presentes no município, o que impede uma expansão representativa em produtos de valor agregado tanto da exploração mineral como da exploração da criação de gado, caracterizando as dificuldades na retomada do crescimento econômico da região. Ressalta-se a inclusão do setor turístico (hotéis, restaurantes, agências, embarcações, entre outras) no cômputo do PIB terciário do município e da expressiva participação das relações comerciais dos aglomerados urbanos bolivianos, limítrofes com esta cidade fronteiriça brasileira.

Conurbada com o município de Ladário, de 15.313 habitantes (IBGE, 2000) e semi-conurbada com as seções municipais bolivianas de Puerto Quijarro e de Puerto Suarez, com 20.103 e 12.903 habitantes (INE, 2001), respectivamente, Corumbá possui características culturais e urbanísticos interessantes, que ao longo do tempo recebeu influências de várias nacionalidades, principalmente através do processo migratório (sírios-libaneses, italianos, argentinos, uruguaios, entre outros), estimulado pelo intenso movimento comercial existente até o início do século XX.

Com a primazia por ter sido implantada por ocupar uma posição geográfica estratégica e de relevância militar e considerada como um importante centro econômico importador até as duas primeiras décadas do século XX, a cidade de Corumbá, situada às margens do rio Paraguai, possui uma economia atual vinculada ao mercado global através da atividade de extrativismo mineral, concentrada na exploração de minérios de ferro, manganês e de calcário dolomítico extraídos dos morros que compõem o maciço do Urucum, em suas imediações. (AGÊNCIA 21, 2004). A condição geopolítica da cidade a coloca como importante elo entre os países do Mercosul Ampliado, numa posição geográfica privilegiada e com infra-estrutura de transportes multimodal favorável à movimentação comercial internacional.

Economicamente, a cidade desenvolveu um ciclo dinâmico voltado para o comércio de exportação e importação de toda a região de Mato Grosso, no final do século XIX e início do século XX, que ocorria pela navegação pelos rios Paraguai, São Lourenço e Cuiabá, que permitiam acesso aos mercados de países como a Argentina, o Paraguai e o Uruguai, via rio Paraná (ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE CORUMBÁ, 1974). Após o fim da Primeira Grande Guerra e pela abertura de vias de transportes alternativos (rodoviário e ferroviário ), a cidade começa a perder sua importância regional no cenário até então favorável, onde a desaceleração de investimentos resultou em decadência e colapso, onde condições externas contribuíram significativamente para a perda da dinâmica econômica da região. Ainda sim, nas décadas de 30 e 40, a cidade ainda era considerada a segunda maior economia do então estado de Mato Grosso integrado, com expressiva participação no comércio de charqueadas, pela exploração comercial do extrativismo mineral e do comércio ribeirinho entre as cidades pelo rio Paraguai (OLIVEIRA, 1998).

De acordo com Oliveira (1998), a expansão da indústria siderúrgica nacional e a nova dinâmica do capitalismo após a Segunda Grande Guerra, favoreceram uma nova alavancagem mercantil na região sem, contudo, chegar a recuperar o desempenho anterior. Uma indústria motriz foi instalada no município (mineração) e várias indústrias geradoras (de cimento, de trigo e de fiação) possibilitaram uma reestruturação econômica que atraiu outros ramos como o fabrico de refrigerantes e cerveja, curtumes, estaleiros, entre outros, que contribuíram para uma nova configuração regional do município entre os anos 50-70 (OLIVEIRA, 1998, 2006). A seca que ocorrera na década de 50 no Pantanal e que durante 20 anos consolidou a expansão do rebanho bovino na região, proporcionou um viés que acabou tirando mais uma vez de Corumbá a sua condição de evidência regional, já que inviabilizou a navegação ribeirinha, o que conseqüentemente gerou uma drástica diminuição do então vigoroso comércio com outras cidades do Alto Paraguai (OLIVEIRA, 1998).

No decorrer da década de 70, iniciou-se um processo de desmonte do parque industrial de Corumbá (com exceção da indústria de cimento), que paralisou a frágil economia local e elevou a importância das atividades de comércio e serviços locais com uma intensificação gradativa nas relações comerciais com o país da Bolívia, incrementada pelo processo de exportações de bens brasileiros e pela expressiva presença de consumidores bolivianos fronteiriços na rede comercial corumbaense. O turismo na região ganhou maior projeção, prevalecendo o turismo de pesca como o principal atrativo para a visitação extra-territorial, que fez movimentar o setor sem, contudo, torná-lo auto-suficiente e de escala necessária para uma consolidação.

O desmembramento de Mato Grosso do Sul do então estado de Mato Grosso integrado, que entrou em vigor a 1º de janeiro de 1979 (cuja capital é Campo Grande), contribuiu para o isolamento da cidade de Corumbá, muito mais ligado à Cuiabá pelos laços econômicos, culturais e políticos, e pela preponderância do centralismo de desenvolvimento regional adotado pelos governos militares de Ernesto Geisel e de João Batista Figueiredo.

A onda do neoliberalismo na década de 90 ocorrida no Brasil e o conseqüente incremento do processo de privatizações, afetou a cidade de Corumbá em duas situações fundamentais: a) o desmonte do transporte ferroviário até então com administração estatal da Noroeste do Brasil, que outrora contribuiu para a decadência do sistema mercantil pela navegação pelo rio Paraguai e, b) um processo de desestatização em empresas como a Companhia de Navegação Bacia do Prata (situada na cidade em conurbação com Corumbá, Ladário), da Urucum Mineração S/A (adquirida pelo Companhia Vale do Rio Doce), e da Mineração Corumbaense Reunida, adquirida pelo Grupo Rio Tinto, de capital britânico, em associação com a empresa EFX Investimentos e Participações Ltda, em 1991. Mais recentemente com a instalação da empresa MMX Corumbá em 2004, uma configuração ainda de difícil desfecho tenta consolidar-se na região: um transporte fluvial voltado para o escoamento da produção de minério de ferro e manganês, uma improvável revitalização do transporte ferroviário, a ampliação do processo de extrativismo mineral e a origem da fonte energética para a usina mínero-siderúrgica. Esta matriz transportes-fonte energética afeta diretamente os custos operacionais e a sustentabilidade da planta da usina mínero-siderúrgica na região, e, por conseqüência, nos níveis de dinamismo econômico consolidados na atividade de mineração.

Importante fato ocorre ainda na década de 90: a materialização de antiga aspiração das relações Brasil-Bolívia através da construção do gasoduto entre os dois países. Decorrente de um novo marco jurídico que favoreceu a privatização das atividades de exploração, exportação e transporte das reservas bolivianas de gás, o gasoduto Bolívia-Brasil coloca o país vizinho como importante ator na integração energética do Mercosul Ampliado, para atendimento a um imenso mercado consumidor existente no Brasil, na Argentina e no Chile. De acordo com Souza (2004), a busca da definição da política bilateral pela cooperação, após décadas de divergências diplomáticas, favorece os projetos regionais de integração, numa clara preparação para participação do sistema econômico regional e internacional. O autor aponta, entretanto, as dificuldades que os países sul-americanos apresentam nas suas economias e políticas internas, para obterem uma integração de fato. As mudanças ocorridas na política nacional da Bolívia após a eleição do Presidente Juan Evo Morales Ayma, em 2005, afetam diretamente a rota de investimentos naquele país e mais especificamente nas zonas de fronteira Brasil-Bolívia, localizadas no Departamento de Santa Cruz. A estabilidade institucional constitui, como já citado, em elemento fundamental para promover e manter redes de cooperação, alianças e acordos bilaterais.

A fronteira oriental boliviana: Germán Busch e as seções municipais de Puerto Quijarro e Puerto Suarez

A faixa de fronteira da Bolívia é definida constitucionalmente e corresponde a 50 km a partir do limite internacional. Este país, cuja centralidade na América do Sul o faz manter limites internacionais com os principais países do Mercosul Ampliado (além do Brasil, com o Paraguai, com a Argentina, com o Peru e com o Chile), faz parte do grupo de países mais pobres do ocidente levando em consideração seu PIB per capita. A Bolívia, que perdeu porções territoriais devido a disputas contra o Chile (Guerra do Pacífico, em 1879), contra o Paraguai (Guerra do Chaco, em 1934) e a venda do atual estado brasileiro do Acre por dois milhões de esterlinas (Tratado de Petrópolis, de 17 de novembro de 1904), possui duas capitais, responsáveis pelos assuntos constitucionais e administrativos, respectivamente: Sucre e La Paz. Sua grande variedade de riquezas naturais, entre eles o gás e o petróleo, habilita a Bolívia como potencial fornecedor energético e faz com que esse país tenha importante papel para a integração econômica do continente, tanto que participa de dois blocos constituídos na região: o do Pacto Andino e o Mercosul Ampliado.

O país é dividido por nove departamentos administrativos: La Paz, Oruro, Potosi (região dos Andes), Cochabamba, Chuquisaca, Tarija (região dos vales), Santa Cruz, Beni e Pando (região dos trópicos), organizados por províncias, e estes por seções municipais. Limitada a leste com o Brasil e localizada na parte oriental da Bolívia, o Departamento de Santa Cruz é uma das regiões de maior crescimento demográfico da América do Sul e é considerada como a fronteira agrícola daquele país, cuja expansão assegura sua representatividade como a mais importante zona econômica da Bolívia. Sua capital e Santa Cruz de La Sierra e sua extensão territorial é de 370.621 km2, com uma população total de 2.029.471(INE, 2001), sendo dividido em 15 províncias e estas, por 56 seções municipais.

Germán Bush é uma dessas províncias e está localizada a sudoeste do departamento, em região de fronteira com o Brasil e que integra dois importantes ecossistemas: o bosque seco de Chiquitanos e o Pantanal amazônico. Esta província é composta por três seções municipais: a primeira seção, sede da capital da província, é Puerto Suarez; a segunda seção é Puerto Quijarro e a terceira, constituída em 2004, denominada El Carmen Rivero Torres. Puerto Suarez e Puerto Quijarro, de acordo com INE (2001) não configuram no grupo de províncias do Departamento de Santa Cruz cujos índices de pobreza representam acima de 50 pontos percentuais da população, estando muito próximo da média do departamento, ou seja, 38%. As diferenças entre as províncias revelam as disparidades acentuadas pela ausência de políticas de desenvolvimento sócio-econômico naquele país, mesmo sendo o referido departamento o principal centro econômico boliviano, constituindo em dessimetrias de difícil articulação para serem superadas ao curto e médio prazos.

Se por um lado a região de Germán Bush pode ser considerada como zona de fronteira na sua dimensão nacional do Estado pela capital política de La Paz, essa mesma zona é tida como extensão do sistema econômico oriental, já que representa importante estrutura portuária fluvial para o escoamento das exportações do centro econômico boliviano, através do acesso da Bacia Paraguai-Paraná pelo sistema Cáceres-Tamengo, além de constituir-se em porta de entrada para as importações oriundas do Brasil.

A seção municipal de Puerto Suarez

Puerto Suarez, fundada em 10 de Novembro de 1875 por Miguel Suárez Arana, é a primeira seção municipal da província de Germán Busch, localizada na fronteira oriental da Bolívia e conta com uma população cuja concentração urbana é de 70,9% (INE, 2001) e distante 630 km da capital do departamento, Santa Cruz de La Sierra. Atualmente, busca um contexto econômico efetivamente mais favorável para seu desenvolvimento com o projeto de implantação da termoelétrica de San Marcos, em virtude do aproveitamento energético do gás natural, via gasoduto Brasil-Bolívia que transpassa seu território e da reserva de madeira dos bosques chiquitanos, localizados em sua área rural. As perspectivas de novos investimentos estrangeiros na região como a planta mínero-siderúrgica proposta para exploração mineral del cerro Mutún , ainda é de difícil diagnóstico em face aos rumos da política interna do vizinho país da Bolívia.

Economicamente, essa seção municipal é dependente de abastecimento oriundo tanto das províncias vizinhas do Departamento de Santa Cruz, como do Brasil – via Corumbá, o que caracteriza sua economia baseada no comércio e serviços. Em 1875, o movimento comercial de Puerto Suarez era intenso: aproveitando-se da navegabilidade da Laguna Cáceres, a seção municipal se articulava com Santa Cruz de La Sierra para importar bens europeus e exportar madeira, borracha, entre outros produtos. Entre os anos de 1932 a 1936, durante a Guerra do Chaco, Puerto Suarez é convertida em quartel general das forças armadas bolivianas, entrando em decadência após o final desse conflito, tanto pela consolidação de Corumbá como porto comercial da região, como pela diminuição drástica do nível de água da Laguna Cáceres, atribuída a construção de um dique no canal Tuyuyu no lado brasileiro e pelas oscilações desfavoráveis do nível do rio Paraguai, o que resultou no fim de sua navegabilidade . Outro fato importante para sua debilidade econômica foi a construção da estrada de ferro Santa Cruz de La Sierra-Puerto Suarez-Puerto-Quijarro-Corumbá entre 1939 e 1955 que, como ocorrido em Corumbá, teve grande contribuição para a estagnação e perda de importância de seu comércio fluvial.

A construção da estrada de ferro afetou diretamente os produtores agrícolas e a população indígena chiquitana da região: intensificou-se a importação de produtos agrícolas tanto do Brasil como da região de Santa Cruz de La Sierra, levando a mais uma decadência: a da agricultura local. Entende-se que, com a crise desse segmento, aliada ao pouco dinamismo da região, favorece o recrutamento de ex-produtores e de indígenas para o trabalho diversificado do comércio ilegal de drogas – mais especificamente do tráfico internacional de cocaína através dos chamados “mulas”, o que torna a cidade fronteiriça de Corumbá como uma das principais portas de entrada em território brasileiro desse entorpecente.

Inserido principalmente na região de Puerto Suarez, o Pantanal boliviano é calculado aproximadamente em 35.000 km² (SAUMA; MONTAÑO; JUSTINIANO, 2002) e situado entre as províncias de Ángel Sandóval e Germán Busch, o que torna essa região com características favoráveis ao desenvolvimento do turismo contemplativo. Como já visto, sua regulação de águas é feita através da Laguna Cáceres e pelo Canal do Tamengo (curso secundário de 10,5 km de extensão, dos quais 4 km são brasileiros e o restante 6,5 km é compartilhado entre a Bolívia e o Brasil), este último vital para o escoamento de produção boliviana de commodities como a soja, pelos portos privados localizados na seção municipal vizinha de Puerto Quijarro.

A seção municipal de Puerto Quijarro

Fundada em 1940 e elevada a seção municipal da província de Germán Busch em 1992, Puerto Quijarro além de possuir uma indústria de cimento e uma importante infra-estrutura ferroviária, principal meio de transporte de ligação à cidade de Santa Cruz de La Sierra (administrado pela empresa Ferroviária Oriental), conta com uma das poucas infra-estruturas portuárias da Bolívia, utilizada para a exportação de produtos que englobam a soja e seus derivados, madeira, açucar e outros produtos semi-elaborados. Segundo dados da CADEX (2005), o complexo Puerto Aguirre-Puerto Gravetal movimentou, em 2003, 914.000 toneladas, sendo 76,59% (700.000 toneladas) em exportações.

Os portos comerciais privados de Puerto Aguirre (estabelecido em 1988) e de Puerto Gravetal (estabelecido em 1994) utilizam os 6,5 km do Canal do Tamengo para acessar o oceano Atlântico pela hidrovia Paraguai-Paraná (antiga aspiração da Bolívia), os que tornam legalmente portos da Comunidade Andina, o que permite exportar produtos dos países aderentes do Pacto Andino a custos extremamente competitivos, ainda que pese o quase monopólio da exploração dos serviços de conexão ferroviário-portuário naquela zona de fronteira.

Tanto Puerto Quijarro como Puerto Suarez não possuem atividades agrícolas com expressividade; o milho, o feijão e a mandioca configuram como os cultivos desenvolvidos nessas seções municipais, no sistema de subsistência. Além disso, a produção e a comercialização de hortaliças (folhas) constituem no principal meio de obtenção de renda pelos produtores, muitos deles urbanos (Puerto Quijarro concentra 97,8% de sua população na área urbana, segundo dados do INE, 2001) uma vez que boa parte dessa produção é vendida em Corumbá, principalmente nas feiras livres que ocorrem na cidade.

As interações e potencialidades entre a dupla periferia fronteiriça

Com a estabilização da moeda brasileira ocorrida a partir de 1994 com o Plano Real, intensificou-se o comércio transfronteiriço entre Corumbá, Puerto Suarez e Puerto Quijarro: de um lado (o brasileiro), pela possibilidade de compras de produtos importados em face da valorização da moeda nacional e do outro (boliviano), pela possibilidade de obter melhor renda pelo trabalho informal e pelos serviços públicos gratuitos do outro lado da fronteira. Assim, duas situações principais são bem evidentes nessa época na fronteira: a) o aumento do turismo de compras, que incentivou alguns brasileiros a constituírem empreendimentos comerciais na Bolívia (mais especificamente na zona franca de Puerto Aguirre, localizado na cidade de Puerto Quijarro e nas barracas do “shopping chão”, nas imediações do limite internacional) o que por conseqüência gerou um fluxo de trabalhadores brasileiros que desempenharam atividades no território boliviano e, b) o aumento da participação de bolivianos na economia informal da cidade de Corumbá, em especial nos espaços denominados feiras.

Com as crises cambiais do Real ocorridas em 1999, 2002 e 2003 essa situação se modifica, em parte: os brasileiros menos capitalizados fecham seus empreendimentos no lado boliviano, em decorrência da diminuição do volume do turismo de compras, mas a presença de bolivianos que trabalham informalmente na cidade de Corumbá se consolida, onde continuam comercializando desde frutas e hortaliças, como produtos de retorno ilegal (produtos de higiene e de alimentos e bebidas industrializados no Brasil) e produtos falsificados de origem transnacional (como perfumes, roupas, equipamentos eletrônicos, entre outros). O processo de trocas funcionais nessa região periférica é tão intenso que, em 1995, uma feira internacional denominada BrasBol foi instalada em Corumbá, visando criar um espaço delimitado para os inúmeros camelôs – boa parte deles bolivianos - que constituíam o comércio informal disperso em vários pontos do aglomerado urbano brasileiro. Essa feira, onde bolivianos e brasileiros comercializam uma diversidade de produtos, possui características evidentes do reconhecimento institucional dos problemas específicos da informalidade que atinge fortemente as cidades dos países em desenvolvimento, criando paradoxos de difícil superação.

As interações devido à proximidade com a cidade de Corumbá, fazem atualmente das cidades de Puerto Suarez e Puerto Quijarro extremamente dependentes do comércio com o Brasil, devido, não só pela distância e acesso dificultoso ao centro econômico da Bolívia e pelas precariedades econômica e social daquelas cidades fronteiriças, mas também por ser Corumbá uma unidade conexa de São Paulo (OLIVEIRA, 1998). É comum nessa cidade fronteiriça brasileira os comerciantes locais utilizarem o discurso de proximidade, ao tratarem os vizinhos da fronteira como “irmãos bolivianos”, devido à importante participação econômica desses nacionais na aquisição de bens e serviços no lado brasileiro.

Parte importante do eixo de integração interoceânica, a zona de fronteira de Corumbá, Puerto Quijarro e Puerto Suarez concretiza ambiente para o desenvolvimento sul-americano, ainda que pese os interesses de expansão dos negócios das grandes empresas transacionais em detrimento com o desenvolvimento local sustentado e das particularidades regionais. O regionalismo institucionalizado pelos projetos de integração inter-nações coexiste com a necessidade do desenvolvimento micro-regional dos espaços fronteiriços, ambos vinculados aos níveis de cooperação, sendo este último diretamente dependente da função convergente de interesses dos territórios germinados geograficamente.

O projeto da Zona de Processamento de Exportação (ZPE), em trâmite no Congresso Nacional brasileiro, abre perspectivas de desenvolvimento econômico para a região de Corumbá, o que pode consolidar uma nova configuração produtiva ampliada pela possibilidade de instalação de uma miríade de indústrias fora do eixo minério-cimento predominante.

De fato, muito evidentes são as potencialidades econômicas comuns dos aglomerados urbanos fronteiriços de Corumbá, Puerto Quijarro e Puerto Suarez, entre as quais a exploração do extrativismo de minério, o desenvolvimento de suas plantas mínero-siderúrgicas, o turismo contemplativo e de pesca e a estruturação do transporte fluvial pela hidrovia Paraguai-Paraná, além do projeto da rota rodoviária interoceânica, respeitadas as dessimetrias historicamente existentes.

Com a melhoria da trafegabilidade da carretera Santa Cruz de La Sierra a Puerto Suarez-Puerto Quijarro, através de sua recuperação e asfaltamento, abrem perspectivas importantes sobre as transformações econômicas significativas na região, tendo em vista as possibilidades de frentes sócio-econômicas em todo o seu trajeto que podem surgir em torno do corredor interoceânico de desenvolvimento, cuja interligação rodoviária do lado brasileiro ocorre pela BR-262 ao resto do país. Pode-se afirmar que existe uma forte orientação nesse sentido, o que garante – pelo menos teoricamente – consolidar mercados integrados entre os dois países, e de toda a comunidade do Mercosul Ampliado e da comunidade integrante do Pacto Andino, através do desdobramento de novos projetos com potencial sócio-econômico favorável. A construção dessa zona de atividades econômicas transfronteiriças exige níveis de cooperação eficazes e intensos e deve ser ativado pelas forças político-institucionais e empresariais nacionais, regionais e municipais, cuja atuação em redes é essencial para sua consolidação.

Dessa forma, a redução nas distâncias médias e a melhoria na infra-estrutura no transporte para melhor distribuição logística de bens, serviços e pessoas, tendem a criar as pré-condições para o desenvolvimento de atividades produtivas e comerciais em torno do corredor, através de redes capilares economicamente eficientes, ainda que as instabilidades políticas freqüentes naquele país evidenciem as enormes dificuldades que a população fronteiriça enfrenta, considerando que esse fator de desequilíbrio constitui em um dos principais motivos pelo aprofundamento da pobreza nos paises da América Latina e Caribe (QUIJANDRIA, MONARES, MONTENEGRO, 2003).

Apesar disso, esse quadro pode configura-se no que Wong-González (1997) denomina de super-regiões, ou seja, territórios comerciais (ou produtivos) que refletem padrões históricos de migração e comércio, herança étnica e lingüística, assim como costumes sociais, que se movem em direções aparentemente contraditórias: uma que aponta para integração econômica e política das nações e, outra que exige elevada autonomia em níveis micro-regionais, onde prevalece a coesão social e cultural (WONG-GONZÁLEZ, 1997).

Essa direção alternativa pode tornar a referida zona de fronteira em questão, ou pelo menos parte dela, propícia a aproximar-se do que se denomina de slow cities, o que em termos gerais significa tornar a lentitude uma questão de qualidade de vida, com um comprometimento de fato com o meio ambiente, à produção local e de qualidade, com a hospitalidade e com a sensibilização de seus habitantes para esses objetivos. Essa lentidão não representa uma desaceleração da vida, mas a valorização dos circuitos locais em uma clara reconsideração dos valores exógenos da globalização (LEIMGRUBER, 2002). Entretanto, cada fronteira é uma fronteira (OLIVEIRA, 1998) e, acima de tudo, um instrumento geográfico a disposição do Estado (GUICHONNET; RAFFESTIN, 1974).

Considerações finais

O presente trabalho visou conjugar uma introdução da teoria de fronteira com um breve desencadeamento entre as possibilidades econômicas das cidades semi-conurbadas de Corumbá (Brasil), Puerto Quijarro e Puerto Suarez (Brasil), dentro de uma perspectiva favorável ao desenvolvimento das potencialidades de integração para a competitividade dos lugares no comércio internacional contemporâneo. Os (des) caminhos percorridos por essa zona de fronteira apontam, entre outros elementos não tratados aqui, que uma cooperação transfronteiriça se faz necessária e exige um urgente esforço político-institucional e empresarial na base para tornar-se consistente e perene, respeitadas suas identidades culturais e diferenças sistêmicas. Se por um lado as dessimetrias evidenciam a preponderância sócio-econômica do lado brasileiro, as particularidades comuns de desenvolvimento e de problemas provenientes da germinação geográfica exigem uma extrema e necessária organização das forças territoriais no sentido de minimizar a maléfica marginalização imposta pelos respectivos sistemas políticos e econômicos nacionais.

A organização de atividades empresariais voltadas para o mercado global em zonas de fronteira pode ser afetada por essas peculiaridades fragmentadas, uma vez que atuam em condições favoráveis ao capital, exigente de estabilidade direta dos recursos disponíveis. A economia da zona de fronteira em questão, portanto, depende de uma clara incursão sobre as reais possibilidades e deve-se orientar para as diversas formas de integração de fato, onde as particularidades econômicas comuns envolvam um rol de eficazes níveis de cooperação (complementaridades na estruturação logística, monitoramento ambiental e turístico, desenvolvimento de redes de informação, intercâmbios técnico-científicos, redes empresariais e de investimentos, trabalho e renda, entre outros), tornando essa noção não meramente atrelada a uma livre circulação de pessoas e de bens pela linha imaginária, mas de uma estruturação para o desenvolvimento econômico sustentado na escala micro-regional através da vivacidade transfronteiriça.

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