DESENVOLVIMENTO REGIONAL E POLÍTICAS SOCIAIS
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A preocupação em compreender o desenvolvimento diferenciado das nações e de sociedades locais-regionais acompanhou a própria constituição e afirmação das ciências sociais . Porém, em nenhum momento da trajetória das mesmas, essa temática tem despertado o interesse de tantos pesquisadores quanto no momento atual (KLINK, 2001; VEIGA, 2005). A crise dos dois modelos hegemônicos de desenvolvimento do pós 2ª Guerra Mundial e o conseqüente processo de reestruturação têm afirmado a dimensão local-regional como um espaço privilegiado para pensar o desenvolvimento (BENKO e LIPIETZ, 1994).
O tratado de Alfred Marshall, Princípios de economia, publicado em 1890, sobre os distritos industriais ingleses é reconhecido como o primeiro estudo clássico sobre desenvolvimento regional. Ele procura explicar as causas que levam a localização das indústrias em alguns espaços específicos aos quais atribui a denominação de “distritos industriais”. Esses distritos industriais constituiriam processos de aglomeração econômica que os punham em vantagem em relação a outras regiões.
Pratica mente na mesma época, no final do século XIX, Lênin, ao estudar a situação da Rússia, constata que o capitalismo desenvolvia-se de forma desigual. Ele reproduzia-se intensamente num espaço limitado, o seu centro, e extensivamente no amplo espaço de sua dominação, a sua periferia. Esse descompasso é da essência do Modo de Produção Capitalista, pois a indústria, por suas características tecnológicas, avança mais rápido do que a agricultura, e os ramos de cada setor obedecem a ritmos diferentes, consolidando o desenvolvimento desigual (TAVARES, 2002).
A expansão do capitalismo, no início do século vinte, parecia comprovar a tese de Lênin, porém as explicações para a desigualdade nem sempre eram atribuídas a critérios estruturais do desenvolvimento do Modo de Produção Capitalista. A partir dos Estados Unidos desenvolveu-se a teoria da modernização que difundiu a idéia de que as desigualdades regionais estavam ligadas às características psicossociais e institucionais da população da periferia. Ou seja, centrava a explicação em aspectos culturais. Na Europa, desenvolveram-se as teorias de François Perroux (pólos de crescimento) e Gunnard Myrdal (causação circular e cumulativa) (TAVARES, 2002; FGV, 2003). Enquanto na América Latina as teorias produzidas a partir da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) tiveram maior influência nas interpretações das desigualdades regionais (FGV, 2003).
Porém, no início da década de 1960, as interpretações da CEPAL começaram a ser questionadas, tanto por integrantes da própria comissão (no caso de Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faleto), quanto por pesquisadores da América Latina (como no caso de André Gunder Frank e Francisco de Oliveira). A implantação de regimes militares na América Latina consolidou visões centralizadoras e tecnocráticas que acentuaram o papel do Estado na condução das políticas de desenvolvimento, praticamente relegando os estudos regionais para a periferia dos debates acadêmicos e sociais. Estes estudos eram considerados na medida em que buscavam explicar os “entraves” presentes nas diferentes regiões e que dificultavam a implantação de um projeto nacional integrado e funcionalizado (VAINER, 1995; BOISIER, 1999).
A crise dos modelos hegemônicos do pós 2ª Guerra Mundial provocou o questionamento das teorias que sustentavam as explicações dominantes a respeito do desenvolvimento. O processo de reestruturação produtiva contribuiu para a retomada dos estudos sobre o papel representado pelas regiões nas dinâmicas de desenvolvimento das sociedades. Esses novos estudos emergiram de contextos diferenciados e a partir de múltiplas visões teóricas, podendo ser agrupados em duas grandes correntes teóricas: a regionalista e a globalista (KLINK, 2001). A globalista sustenta-se na tese da homogeneização do espaço em decorrência do processo de globalização e das transformações produtivas e tecnológicas que ocorreram no mundo no final do século XX. A regionalista ressalta a perspectiva da territorialização do desenvolvimento, afirmando a especificidade dos espaços locais na definição das condições do desenvolvimento e apontando para os problemas decorrentes das opções globalizadoras (KLINK, 2001; DALLABRIDA; SIEDENBERG e FERNÁNDEZ, 2004).
Para uma análise mais detalhada de cada uma dessas correntes bem como da compreensão de suas divergências internas e do papel que atribuem às políticas sociais na dinâmica de desenvolvimento, realiza-se, na seqüência, uma abordagem mais detalhada de cada uma delas.
1- A VERSÃO GLOBALISTA DE ESTUDOS DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL
A versão globalista tem como referência básica comum os estudos de Charles Tiebout, “A pure theory of local expenditures”, publicado em 1956. A partir dessa visão, os governos locais variam os serviços públicos e os impostos locais de acordo com as preferências de seus habitantes e quando são bem sucedidos acabam atraindo mais habitantes e empresas. A partir da concorrência global, capital e trabalho se tornam altamente voláteis e mudam de uma cidade para outra à procura de maximização de suas preferências. Como os fatores de produção se deslocam de acordo com as melhores condições, as cidades acabam tendo que competir entre si para atrair mão-de-obra qualificada e capital financeiro. Num mundo onde as preferências se tornam cada vez mais homogêneas, as cidades tendem também a se tornar cada vez mais semelhantes e homogêneas, pois qualquer tentativa de diferenciação pode significar a perda de capital e de mão-de-obra qualificada para outra cidade. Isso leva a uma homogeneização do espaço local, uma vez que o poder local não teria a capacidade de escolher um nível de tributação e de serviços que se diferenciasse em muito da média de preferência dos cidadãos e do capital volátil (KLINK, 2001).
Os argumentos de Tiebout sustentam-se no tripé formado pela idéia da homogeneização do espaço, da mobilidade dos fatores de produção e da concorrência entre os lugares. A partir desse tripé, os adeptos da vertente globalista procuram articulá-los de forma diferenciada, gerando construções teóricas diversas que podem ser agrupadas em quatro posições básicas: a Escola da “Nova Política Urbana”, a centrada em estratégias de City Marketing, a que destaca a formação de “redes de cidades e regiões” conectadas entre si numa sociedade global baseada no fluxo de informações e a que proclama o surgimento de uma “ordem internacional sem fronteiras nacionais” (KLINK, 2001).
A primeira delas, a escola da “Nova Política Urbana”, tem sua origem relacionada com a discussão da crise que afetou as cidades industrializadas dos países desenvolvidos a partir da década de 1970. Essa crise gerou o fechamento de muitas fábricas, o surgimento de áreas industriais degradadas, a expansão da pobreza e o crescimento da exclusão social. Diante desses fatos, os pensadores dessa escola adotaram um tom pessimista em relação à capacidade dos atores locais diante do poder do capital volátil. Para eles, não resta alternativa aos governos locais e às comunidades a não ser oferecer todos os tipos de concessões para atrair atividades econômicas. Ressaltam ser necessário estabelecer coalizões locais voltadas para o crescimento econômico a fim de explicitar para o capital externo, através de uma voz única, as atratividades e as potencialidades do local como espaço para aumentar a rentabilidade. Não deixam claros os mecanismos políticos para construir essa coalizão local, mas evidenciam ser necessário reduzir a importância dos conflitos intra-urbanos e entre as diferentes classes sociais (KLINK, 2001).
Nessa compreensão, as políticas sociais conquistadas durante a vigência do “Estado Social” estão na raiz da crise das cidades industrializadas dos países desenvolvidos e, por isso, devem ser repensadas nas estratégias de atração do capital. Como o objetivo básico apontado é a retomada do crescimento econômico através da atração do capital volátil, as políticas sociais são relativizadas, relegadas a um plano meramente subsidiário para criar as condições favoráveis à atração do capital.
A segunda corrente expressiva na vertente globalista é a que está centrada em estratégias de city marketing. Ela se desenvolve a partir da década de 1980 no contexto do processo de unificação do mercado europeu. Evidencia que a redução de barreiras comerciais entre as economias nacionais proporcionou maior mobilidade ao capital e à mão-de-obra no espaço europeu e que a queda de barreiras aduaneiras ampliou as potencialidades para que as regiões obtivessem vantagens no comércio internacional em função do aumento das escalas de produção. Também demonstra que os Estados Nacionais estão, progressivamente, entregando sua capacidade de implementar políticas macroeconômicas para as instituições da União Européia. Com isso, as cidades e as regiões estão, cada vez mais, concentrando sua atuação nas tarefas de geração de renda e emprego através da elaboração e implementação de um comportamento empresarial, em busca do capital volátil. Isso levaria a uma ampliação da concorrência entre as cidades européias fazendo com que suas ações se deslocassem da ênfase físico-territorial para as de estratégias de competitividade. O sucesso da política urbana seria avaliado em termos da efetiva capacidade de criar novas bases para um desenvolvimento econômico local, centrando a atuação em preocupações com o gerenciamento urbano e com a eficiência e o estilo empresarial na condução das políticas urbanas (KLINK, 2001).
Nessa linha de raciocínio, as políticas sociais de caráter mais global seriam definidas pelas instituições da União Européia, cabendo às cidades e regiões concentrar-se nos mecanismos de gerenciamento das mesmas. Para além das poucas referências às políticas sociais nessa abordagem, transparece a preocupação com o oferecimento de uma imagem positiva da cidade e da região para a valorização do capital e não para o bem-estar dos cidadãos que nela residem. A centralidade do econômico é evidente nessa abordagem.
A terceira variação da versão globalista se desenvolve na década de 1990, a partir dos estudos de Manuel Castells, Jordi Borja e Saskia Sassen que acentuam a formação de redes de cidades e regiões conectadas entre si numa sociedade global baseada no fluxo de informações. A partir do processo de globalização, impulsionado pelos grandes avanços nas tecnologias de informação, telecomunicações e transporte, grandes fluxos de informação e conhecimento podem ser transferidos com muita facilidade e a baixos custos, proporcionando que grandes empresas, a partir de unidades produtivas localizadas em territórios diferentes, possam gerenciar seus negócios com facilidade e maximizar seus lucros em escala mundial. A desregulamentação do mercado de capitais, o aumento crescente das transações financeiras em escala global e a internalização dos avanços tecnológicos de informática proporcionam uma alta rotatividade do capital financeiro. Com isso, as cidades acabam se transformando em centros de um “vibrante e dinâmico setor terciário” (KLINK, 2001).
Para essa terceira versão da vertente globalista, os Estados Nacionais enfrentam dificuldades para estabelecer qualquer controle social sobre o fluxo das informações e do capital financeiro internacional. Da mesma forma, enfrentam dificuldades para lidar com as diversidades culturais e étnicas presentes em seu território em função das facilidades de expressão dessa diversidade geradas pelos novos meios tecnológicos. Diante dessa dificuldade do Estado Nação, acentua-se o papel desempenhado pelas cidades e regiões para se inserirem como “nós” no sistema da “rede mundial”.
Na abordagem feita por esses autores manifesta-se uma preocupação com a política social ligada a área da educação, especialmente com a ampliação do grau de escolarização formal, com o desenvolvimento da capacidade de realizar raciocínios lógicos e com a necessidade de investir em ciência e tecnologia para a produção de conhecimentos e inovações. Esses aspectos são considerados fundamentais para que os espaços locais possam inserir-se na rede mundial. Da mesma forma que as anteriores, predomina uma visão economicista das políticas sociais, embora se ressalte sua importância.
A quarta versão da perspectiva globalista também se desenvolve na década de 1990, a partir da literatura gerencial e administrativa sobre a globalização, tendo em Kenichi Ohmae seu principal protagonista. Para este, o desenvolvimento de uma “ordem internacional sem fronteiras”, a partir da mobilidade dos fatores de produção decorrente do processo de globalização, está gerando o esgotamento do papel do Estado Nacional e de suas políticas de regulação macroeconômica. Com isso, as comunidades, cidades e regiões, por estarem mais próximas das preferências locais, teriam maior capacidade de implementar iniciativas capazes de atender à pressão da competição, da internacionalização e do aumento da mobilidade dos fatores de produção (OHMAE, 1991).
Para os adeptos dessa versão, o papel dos governos locais estaria centrado na proteção do ambiente, na educação da força de trabalho e construção de uma infra-estrutura social segura e confortável para que as empresas e as pessoas tenham a mais ampla liberdade de escolha (OHMAE, 1991, p. XIV). “O federalismo deveria também ser flexível, orientado para a exportação, e livre de preocupações intervencionistas acerca de padrões mínimos de serviços urbanos entre regiões” (KLINK, 2001, p. 22).
Nessa versão, as referências às políticas sociais também se orientam para a área da educação, especialmente na preparação de mão-de-obra para dar conta das exigências do capital, e para a garantia de uma infra-estrutura social segura e confortável para que as empresas e as pessoas tenham a mais ampla liberdade de escolha. Ao se referirem a essa infra-estrutura dão destaque a que “o povo tenha a mais ampla variedade de escolhas entre as mercadorias e serviços melhores e mais baratos de todo o mundo” (OHMAE, 1991, p. XIV), numa clara alusão ao consumidor e não ao cidadão.
A preocupação central dos autores da vertente globalista é que os espaços locais procurem se adequar à dinâmica de desenvolvimento global, produzindo as externalidades necessárias para inserirem-se de forma a otimizar seus recursos e potencialidades. Essa compreensão é considerada equivocada pelos adeptos da vertente regionalista, pois os espaços locais perderiam completamente sua função de agentes e assumiriam uma posição passiva diante da dinâmica global do capital. Esse debate é demonstrado a seguir.
2- VISÃO REGIONALISTA DE ESTUDOS DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL
A visão regionalista ressalta a perspectiva da territorialização do desenvolvimento, afirmando a especificidade dos espaços locais na definição das condições do desenvolvimento e apontando para os problemas decorrentes das opções globalizadoras. Os espaços locais podem desenvolver certas condições econômicas, sociais, políticas, culturais e ambientais capazes de interagir ativamente com as dinâmicas globais de desenvolvimento.
A maior parte dos estudos realizados nessa perspectiva retoma o clássico trabalho de Marshall acerca dos distritos industriais e procura avançar para o entendimento da situação decorrente do processo de reestruturação produtiva. Entre as principais linhas teóricas dessa vertente destacam-se a compreensão do desenvolvimento como um processo endógeno de mudança estrutural, os estudos centrados nos “sistemas produtivos locais tipo distrito industrial”, os centrados nos “distritos tecnológicos”, os centrados na idéia de “tecnopólos”, os centrados nos “meios inovadores”, os estudos centrados na crise do fordismo (Escola da Regulação Francesa) e a perspectiva do empoderamento das sociedades locais, (BOISIER, 2005; LOPES, 2001; KLINK, 2001). No final da década de 1990, emerge uma nova perspectiva de estudos nessa vertente regionalista que procura superar o entrave entre o endógeno e o exógeno, nem sempre resolvido nas tendências anteriores, apontando para o conceito de globalização (DALLABRIDA, SIEDENBERG e FERNÁNDEZ, 2004). No início do século XXI emerge outra linha de estudos do desenvolvimento regional ligada aos autores que tratam da geração alternativa de trabalho e renda ao modo de produção capitalista (POCHMANN, 2004). Na seqüência procura-se detalhar cada uma dessas abordagens.
A primeira linha teórica agrupa pensadores que compreendem o desenvolvimento como um processo endógeno de mudança estrutural e que procuram destacar a capacidade dos agentes locais para transformar o sistema sócio-econômico, a habilidade para responder aos desafios externos, a capacidade de promover a aprendizagem social e a habilidade para introduzir formas específicas de regulação social em nível local. A endogeneidade do processo de desenvolvimento deve ocorrer, pelo menos, em quatro “planos” inter-relacionados: no econômico, no político, no científico-tecnológico e no cultural (BOISIER, 2005).
No plano econômico, a endogeneidade do processo de desenvolvimento estaria ligada à apropriação e reinversão local de parte do excedente produzido a fim de diversificar a economia local e lhe dar uma base permanente de sustentação em longo prazo. Trata-se de buscar conciliar a proposta estratégica de longo prazo dos agentes locais com as estratégias de longo prazo dos segmentos do capital externo presentes em nível local. Isso estaria diretamente relacionado com a capacidade dos agentes locais estabelecerem pactos, acordos ou projetos coletivos a respeito do seu futuro e mobilizarem as forças locais em função dos mesmos (BOISIER, 2005).
No plano político, a endogeneidade se manifestaria na capacidade do local para tomar decisões a respeito do seu projeto de desenvolvimento, do uso dos instrumentos para efetivá-lo, da possibilidade de participação e envolvimento das forças locais e da capacidade de negociar com os elementos que definem o entorno do território (BOISIER, 2005).
No plano científico-tecnológico, a endogeneização estaria relacionada à capacidade interna do “território organizado” poder gerar seus próprios impulsos tecnológicos de mudança, capazes de provocar alterações qualitativas no sistema como um todo. A existência de um sistema local de ciência e tecnologia é uma condição indispensável para que isso possa ocorrer (BOISIER, 2005).
No plano cultural, a endogeneidade estaria ligada à construção de uma “matriz produtora de identidade socioterritorial” capaz de gerar um ethos, um pathos e um logos de identificação coletiva. Isso passaria pela recuperação da cultura local e de sua reconstrução a partir do projeto coletivo de desenvolvimento (BOISIER, 2005).
Nessa abordagem do desenvolvimento como um processo endógeno, as políticas sociais são referenciadas como elementos constituintes das estratégias de desenvolvimento na medida em que contribuem para criar as capacidades locais indispensáveis para a realização do processo econômico, da articulação política, da geração dos impulsos tecnológicos de mudança e da produção da identidade sócio-territorial. Na abordagem dos autores identificados com essa compreensão percebe-se que o dinamismo econômico está diretamente associado com a melhoria da qualidade de vida da população local (BOISIER, 1996; BUARQUE, 1999).
A segunda abordagem da visão regionalista também ressalta a endogeneidade do processo de desenvolvimento, porém acentua o papel dos “sistemas produtivos locais tipo distrito industrial”. Essa abordagem se desenvolve a partir dos estudos feitos por Bagnasco, Becattini e Garafoli ao analisarem a experiência da “terceira Itália” . Eles retomam o arcabouço teórico de Marshall e o complementam com uma análise histórica das densas relações interpessoais entre os agentes locais (KLINK, 2001; POCHMANN, 2004). A esses estudos iniciais segue-se um conjunto de novas análises feitas por autores europeus tais como Maillat, Putnam, Courlet, Pecqueur, Cooke, Pyke, Vázquez-Barquero e José Reis (LOPES, 2001).
Ao analisar a bibliografia produzida a respeito dos distritos industriais, Lopes (2001) refere que essa experiência pode ser sintetizada a partir de nove características:
1ª. Trata-se de aglomerações territoriais cuja atividade econômica dominante é a indústria, tendo como pano de fundo uma forte e historicamente consolidada especialização em toda a cadeia de valor de um dado segmento produtivo e que a produção da área-sistema seja suficiente para cobrir parte substancial da produção nacional e, muitas vezes internacional, do segmento ou do produto específico no qual incide a especialização;
2ª. Os distritos industriais configuram modelos de acumulação flexível, apoiados numa intensa divisão social do trabalho entre pequenas empresas, cuja trama de inter-relações define um esquema denso de permutas mercantis e não mercantis, em que o modelo organizacional acaba sendo moldado pelo contexto sociocultural do território onde as relações de colaboração acabam se sobrepondo às de concorrência no mercado;
3ª. A cultura técnico-produtiva historicamente consolidada confere ao distrito um saber-fazer específico cujo fiel depositário é o tecido social e empresarial local;
4ª. O distrito industrial proporciona a obtenção de economias de escala, através da especialização em nível de empresa, e economias de aglomeração, via divisão social do trabalho;
5ª. As formas particulares de organização social e de gestão dos recursos humanos locais favorecem a flexibilidade e a mobilidade do trabalho, conduzindo a elevadas taxas de renovação do emprego nas empresas e ao desenvolvimento de uma verdadeira “escola de aprendizagem” na criação de novas iniciativas empresariais que, por sua vez, alimenta as expectativas de mobilidade social ascendente;
6ª. A reprodução do distrito requer a existência de um sistema social e institucional local que assegure a sua regulação;
7ª. Para que o distrito tenha competitividade externa é necessária a existência de redes de organização do mercado que assegurem permanentemente a colocação dos excedentes locais no mercado global e consolidem as relações do distrito com os seus clientes;
8ª. É necessário que o distrito desenvolva um suporte institucional de representação política que garanta o enraizamento social dos agentes de mediação entre o local e o global;
9ª. O desenvolvimento de um modelo de regulação territorial fundado em redes e relações de reciprocidade, com forte conteúdo sociocultural, e um modelo de acumulação flexível assegurado pela intensa divisão social do trabalho entre as empresas.
A análise da experiência dos distritos industriais demonstra que as possibilidades de desenvolvimento de uma região dependem da articulação entre o potencial socioeconômico e o potencial cívico da mesma. Essa articulação é capaz de produzir círculos virtuosos que redundam em equilíbrios sociais com elevados níveis de cooperação, confiança, reciprocidade, civismo e bem-estar coletivo. A experiência dos distritos italianos tem demonstrado que tanto os Estados quanto os mercados funcionam melhor em contextos cívicos, onde os diversos atores sejam capazes de assumir compromissos entre si. O “capital social” -“bem público” - fundado em relações de confiança mútua, diferente do “capital convencional” - “bem privado” -, está na base da experiência italiana (PUTNAM, 2002).
Na análise dos autores dessa segunda abordagem da vertente regionalista percebe-se que eles entendem as políticas sociais como elementos essenciais para o fortalecimento do potencial socioeconômico e do potencial cívico das regiões. Porém evidenciam que a qualidade e a eficiência das políticas sociais estão ligadas ao “contexto cívico” produzido pelas diferentes regiões. Nas comunidades com maior “contexto cívico”, os cidadãos exigem seus direitos e estão dispostos a agir coletivamente para alcançar seus objetivos comuns. Por outro lado, “os cidadãos das regiões menos cívicas costumam assumir o papel de suplicantes cínicos e alienados” (PUTNAM, 2002, p.191).
A terceira abordagem da visão regionalista representa uma derivação da anterior e destaca a necessidade dos distritos industriais darem um “salto tecnológico” para superar as dificuldades que passaram a enfrentar na década de 1990 e converterem-se em “distritos tecnológicos”. Entre as dificuldades enfrentadas pelos distritos, eles apontam a intensificação da concorrência internacional, a dificuldade de promover a inovação de produto e de processo, a incipiente ligação com as instituições de investigação universitária, a dificuldade de acesso ao financiamento da inovação, as limitações da pequena escala das redes de colaboração e as dificuldades em enfrentar os desafios da preservação ambiental.
Diante do quadro de dificuldades enfrentado pelos distritos industriais faz-se necessário que eles evoluam para os distritos tecnológicos. Nos distritos tecnológicos, a inovação continua a resultar menos das relações mercantis do que das relações informais asseguradas pelas redes interpessoais, porém essas se estruturam cada vez menos com base em relações familiares e cada vez mais com base nas práticas profissionais e nas relações com os meios universitários e os laboratórios de investigação.
Nessa abordagem existe pouca referência às políticas sociais. Destaca-se a importância da constituição de serviços de apoio à atividade produtiva, especialmente na área da educação tecnológica de nível superior. Esses serviços seriam organizados em parceria entre o Estado e as empresas, com a finalidade de realizar pesquisas de novos produtos e novos processos e de preparar mão-de-obra especializada para atuar nas empresas de alta tecnologia.
Paralelo ao debate dos distritos tecnológicos desenvolve-se uma outra tendência que relativiza a importância do “entorno”, acentuando o papel dinamizador das aglomerações industriais de alta tecnologia (SCOTT, 1994) ou das grandes empresas que se constituem em verdadeiras “cidades-empresas” (LOPES, 2001). São os estudos centrados na idéia de “tecnopólos”, que podem ser apontados como a quarta abordagem da visão regionalista. Para além da abordagem anterior, ressalta-se que os “tecnopólos” são capazes de gerar “dinâmica de inovação elevada” sem a necessidade de um meio que a sustente, pois a lógica da interação é reduzida (LOPES, 2001). A região responde às necessidades da empresa e não o contrário.
Na dinâmica dos “tecnopólos”, o papel central é desempenhado por uma empresa ou por um pequeno número de empresas que polarizam as atenções de toda uma região e determinam sua lógica de organização e funcionamento. Essas empresas são capazes de irradiar processos econômicos e sociais e de criar um ambiente favorável ao desenvolvimento e integrado às dinâmicas nacionais e internacionais (LOPES, 2001).
Na abordagem dos “tecnopólos” também se faz pouca referência às políticas sociais. Existe um centralismo da atividade econômica e as políticas sociais só entram no debate se forem apontadas como necessárias à efetivação dos objetivos propostos pela “empresa-pólo”. Confere-se uma importância relativa aos estabelecimentos de ensino, especialmente de nível superior, na medida em que contribuem para preparar mão-de-obra especializada, conforme a necessidade das empresas.
Uma quinta abordagem da visão regionalista é constituída pelos estudos centrados nos “meios inovadores”. Essa abordagem possui uma relação direta com a idéia dos distritos industriais, porém procura acentuar as dinâmicas territoriais onde as sinergias estão baseadas na identidade tecnológica e nas relações socioprofissionais e institucionais que suportam a inovação. Na sociedade atual, cada vez mais as idéias e o conhecimento transformam-se nos principais recursos competitivos, por isso a relevância da proximidade geográfica não reside na redução dos custos de transporte, mas sim na capacidade de facilitar o intercâmbio de informações. O conceito de meio pretende apreender as dinâmicas territoriais de inovação, pressupondo que o desenvolvimento esteja diretamente relacionado com a capacidade das regiões em inovar, em “pôr de pé projectos que aliem as novas técnicas, a cooperação entre as empresas, as instituições de formação e de pesquisa, e que desenvolvam novos produtos, muitas vezes com o apoio das autoridades locais e regionais” (MAILLAT, apud LOPES, 2001, p. 113).
A abordagem territorial centrada no meio inovador entende o espaço econômico como um espaço relacional, um campo de interações sociais, de sinergias interpessoais e de ação social coletiva onde a criatividade e a inovação contínua são vistas como resultado de um processo de aprendizagem coletiva. O processo alimenta-se de um fenômeno social que se materializa na “transferência inter-relacional de know-how, na imitação das inovações tecnológicas e das práticas de gestão com sucesso, nos contactos pessoais directos, na cooperação formal ou informal entre as empresas, e, na circulação tácita de informação comercial, financeira ou tecnológica” (LOPES, 2001, p. 113).
O conceito de meio inovador pode ser sintetizado a partir de cinco características essenciais (LOPES, 2001):
1ª. Possuir um capital de conhecimento (de natureza técnica, organizacional, comercial ou relacional) associado ao processo de produção local;
2ª. Apresentar um capital relacional baseado no conhecimento recíproco dos atores do meio e materializado numa trama de relações mercantis e não mercantis, formais e informais;
3ª. Dispor de um quadro valorativo-normativo que regula as relações e o comportamento dos atores locais, conferindo identidade social ao meio e uma convergência de objetivos estratégicos de atuação;
4ª. Estruturar um coletivo de atores: recursos materiais e humanos, estruturas de investigação e formação, instituições financeiras, associações socioprofissionais e instituições da administração pública, configurando um “sistema local de inovação”;
5ª. Constituir-se num espaço privilegiado de abertura ao exterior, integrando-se nas redes internacionais de mercado e de acesso à informação, mas apresentando-se também em interação com o sistema político-institucional que constitui o seu enquadramento no país.
A partir dessas cinco características é possível aferir que a idéia do meio inovador é fundada na combinação de dois critérios essenciais: a lógica da interação e a dinâmica da aprendizagem. A lógica da interação reporta-se às redes territoriais de cooperação geradoras de sinergias inovadoras. Enquanto que a dinâmica de aprendizagem exprime a capacidade dos atores locais em adaptar seu comportamento em função das transformações constantes que ocorrem no seu meio envolvente (LOPES, 2001).
Essa abordagem do meio inovador também faz pouca referência ao papel das políticas sociais, apenas ressaltando que os “sistemas locais de inovação” precisam da articulação de uma extensa gama de serviços públicos e privados capazes de gerar os “recursos humanos e materiais” necessários ao funcionamento do processo. A educação de nível superior novamente é ressaltada como elemento essencial, implementada a partir da articulação entre o Estado e as empresas privadas.
Uma sexta abordagem na visão regionalista é a que centra sua preocupação na perspectiva do empoderamento das sociedades locais. Diante do crescente processo de glocalização, que exige mudanças socioeconômicas cada vez mais rápidas e profundas, faz-se necessário que as sociedades locais assumam ou recuperem competências que as capacitem a intervir em seus próprios processos de mudança social, crescimento e desenvolvimento. Porém, isso não é um processo automático, mas requer uma “inteligência coletiva”, ou seja, sociedades locais informadas, motivadas, organizadas, possuidoras de conhecimentos mínimos para entender o processo de glocalização e consensuadas para atuar proativamente (BOISIER, 2005).
Nessa abordagem dá-se um destaque especial às políticas sociais ligadas à educação e à assistência social. Elas são instrumentos vitais para que as sociedades locais possam criar a “inteligência coletiva” que as permita atuar proativamente. O empoderamento dos grupos e forças sociais “desprovidos de poder” passaria, necessariamente, por um amplo trabalho de redescoberta de suas habilidades, competências e força para atuar, de forma participativa, nas decisões que os envolvem. E esse trabalho seria feito através do estabelecimento de redes de ação coletiva, do fortalecimento dos vínculos de solidariedade e da potencialização das organizações associativas.
A Escola da Regulação Francesa pode ser referida como uma sétima abordagem da visão regionalista. Na compreensão dos autores dessa escola, a partir da crise do modelo fordista , ocorre uma redefinição do papel dos espaços locais nas dinâmicas de desenvolvimento. O modelo fordista era baseado na produção em massa de produtos padronizados e numa política macroeconômica Keynesiana que geravam uma espécie de homogeneização da produção, do consumo e dos espaços locais. Os modelos que se desenvolvem a partir da crise do fordismo, caracterizam-se pela flexibilidade e pela mobilidade (BENKO, 2002) produtiva, tecnológica e espacial. Os sistemas de produção não se organizam mais por uma economia de escala, mas sim em mercados segmentados, diversificados e atendendo aos desejos dos consumidores. Nesse sentido, os novos modelos encontrariam maiores facilidades de implementação ao levar em conta as características específicas das realidades local-regionais.
Estas características específicas também seriam importantes nas novas formas de organização do trabalho (envolvimento ativo), na relação entre as empresas e os fornecedores e na relação das empresas com os consumidores. Os modelos de “acumulação flexível” tendem a favorecer a integração entre as grandes empresas e as pequenas e médias, gerando uma interdependência que desloca a regulação da dimensão macroeconômica para a microeconômica, favorecendo a regulação local através de parcerias entre governos locais, associações de empresas e outros atores locais.
Na visão dos regulacionistas, as políticas sociais constituíram-se, durante a implantação e vigência do modelo fordista, em mecanismos essenciais de regulação do processo socioeconômico. Com a crise do modelo fordista elas passaram a ser “culpabilizadas” por terem contribuído para o encarecimento do fator força de trabalho e também por terem sobrecarregado o Estado, aumentando seu tamanho e diminuído sua eficiência. Essa culpabilização fez com que se generalizasse um discurso refratário às políticas sociais, especialmente por parte dos pensadores de recorte neoliberal que se transformaram nos “gurus” do processo de reestruturação produtiva levado a efeito em nível mundial.
A revalorização dos espaços locais, na visão dos regulacionistas, pode contribuir para relativizar esse discurso contrário às políticas sociais na medida em que a população local perceber que não pode abrir mão da educação, da saúde, da habitação, dos direitos ligados ao mundo do trabalho, da assistência e das demais políticas sociais. É no espaço local que transcorre a vida concreta das pessoas e onde as necessidades são sentidas de forma mais visível. Portanto, a revalorização dos espaços locais fará emergir novas formas de organização e de gestão das políticas sociais.
Identificando a existência de um entrave entre o endógeno e o exógeno, nem sempre bem resolvido nas abordagens anteriores da visão regionalista, é que se desenvolve, ao longo da década de 1990, uma nova (a oitava corrente da visão regionalista) posição que aponta para o conceito de “glocalização” (FRANCO, 2003). O conceito de glocalização busca dar conta, ao mesmo tempo, dos aspectos estruturais (mais estáveis) e dos aspectos dinâmicos de funcionamento do capitalismo em sua fase pós-fordista. Ao mesmo tempo, busca refletir a inter-relação vital que se estabelece entre o espaço global e o espaço local. O primeiro, é onde se reproduz o sistema econômico em tempo real. O segundo, onde se situam os nós produtivos dinâmicos que ingressam nas redes globais a partir de processos de retro alimentação entre os níveis sociais, institucionais e econômicos que operam no âmbito intra-territorial (DALLABRIDA, SIEDENBERG e FERNÁNDEZ, 2004).
A abordagem a partir da idéia de glocalização reconhece as dificuldades da interação entre o local e o global na fase atual de desenvolvimento do capitalismo, rejeitando as visões extremas de uma relação harmônica ou puramente antagônica. Reconhece que o local e o global determinam-se reciprocamente, algumas vezes de modo congruente e conseqüente, outras, de modo desigual e desencontrado, onde se mesclam e tencionam-se em suas singularidades, particularidades e universalidades. A idéia de glocalização afirma a interdependência necessária entre o global e o local na formação de uma nova sociedade cosmopolita (global-planetária) como uma rede de comunidades (sócio-territoriais e virtuais regionais, subnacionais e transnacionais) interdependentes (FRANCO, 2003).
Na perspectiva da “glocalização”, afirma-se a possibilidade da emergência de “políticas sociais de terceira geração” . Isto é, políticas públicas de parceria entre o Estado e a sociedade para o investimento no desenvolvimento social; políticas multi e intersetoriais de desenvolvimento social, de investimento em ativos (nas potencialidades já existentes em setores e localidades) e não apenas de gasto estatal para satisfazer necessidades (FRANCO, 2003).
Essa concepção de políticas sociais de terceira geração pode ser sintetizada a partir de quatro características básicas (FRANCO, 2003):
1ª. O Estado é necessário e imprescindível, porém não é suficiente, devendo lançar mão de parcerias e buscar sinergias entre todos os setores (o Estado, o mercado e a sociedade civil) para promover o desenvolvimento;
2ª. A política pública não é sinônimo de política governamental e o Estado não detém e nem deve deter o monopólio do público. Existe uma “esfera pública não-estatal” em expansão, constituída por entes e processos da sociedade civil de caráter público voltados, cada vez mais, para a promoção do desenvolvimento;
3ª. Promover o desenvolvimento social não é uma tarefa lateral e separável das outras tarefas do Estado como indutor do desenvolvimento, na medida em que todo desenvolvimento é desenvolvimento social;
4ª. Induzir o desenvolvimento significa investir em capacidades permanentes de pessoas e comunidades (capital humano e capital social) para que possam afirmar uma nova identidade no mundo ao ensaiar seu próprio caminho de superação de problemas e de satisfação de necessidades, tornando dinâmicas suas potencialidades para antecipar o futuro que almejam.
Uma última abordagem que pode ser inserida na visão regionalista é a referida por Pochmann (2004), em que se encontram os autores que tratam da geração alternativa de trabalho e renda ao modo de produção capitalista. Esses autores convergem ao conceder relevância às possibilidades de incorporação do trabalho no futuro do capitalismo. Com o aprofundamento das transformações nas economias capitalistas, especialmente desde a sua grande crise a partir da década de 1970, os horizontes do trabalho e dos rendimentos provenientes do mesmo estariam extremamente limitados. A partir dessa preocupação comum, esse conjunto de autores se divide em dois “blocos de referência” quando se trata de pensar as possibilidades alternativas de ocupação e de renda (POCHMANN, 2004).
No primeiro bloco encontram-se os autores comprometidos com uma dinâmica econômica distinta daquela do modo de produção capitalista. Situam-se aí aqueles que defendem a constituição de uma economia solidária, autogestionária e social como alternativa às relações capitalistas e também àqueles que pensam estar no aprofundamento do cooperativismo e do empreendedorismo com a democratização das microfinanças, as oportunidades de geração de ocupação e renda frente à formação do crescente excedente de mão-de-obra (POCHMANN, 2004).
No segundo bloco situam-se as interpretações a respeito da perda da centralidade do trabalho no interior da dinâmica capitalista, quer pela ampla geração de excluídos pelo trabalho ou pelas oportunidades de garantia de renda independentes da inserção via mercado de trabalho. As possibilidades apresentadas pelo avanço tecnológico na geração de maior excedente econômico com menor quantidade de força de trabalho, “abre uma nova fase de discussões e mobilizações pela redução do tempo de trabalho para os que permanecem ocupados e/ou pelo pagamento de uma renda de cidadania para os ‘sobrantes’ das necessidades diretas e efetivas da dinâmica capitalista” (POCHMANN, 2004, p. 43).
Para esses autores que tratam da geração alternativa de trabalho e renda ao modo de produção capitalista, as políticas sociais recebem uma nova conotação no debate. Por um lado, elas são vistas como espaços promissores para a ocupação produtiva de pessoas que, cada vez mais, são dispensadas dos setores tradicionais da economia (agropecuária, indústria e comércio). Por outro lado, elas são vistas como a possibilidade de garantir, independente do trabalho, o acesso aos direitos fundamentais do cidadão.
As diferentes abordagens da visão regionalista não são isentas de críticas, especialmente quanto ao exagero que conferem ao processo de globalização em curso na economia internacional (KLINK, 2001; MILANI, 2005). Porém, a reflexão desencadeada pela vertente regionalista significa um contraponto essencial às tendências globalizantes e pode contribuir para a emergência de novos arranjos capazes de superar essa dicotomia entre o local e o global.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O debate a respeito das perspectivas de desenvolvimento para as diferentes sociedades constitui-se numa agenda permanente para as diferentes ciências em seus processos de produção de conhecimentos e interação com a realidade. O reconhecimento da dimensão regional, nesse debate, é uma assertiva que se consolida, pois é em nível local que o desenvolvimento realmente acontece. As políticas sociais, por outro lado, vem se constituindo em condição indispensável para pensar o desenvolvimento na fase atual do capitalismo. Portanto, a análise das diferentes compreensões de desenvolvimento regional e do papel que as mesmas atribuem às políticas sociais é um compromisso que se impõe aos profissionais das ciências sociais.
Na análise das quatro abordagens da vertente globalista, para além das diversidades internas, percebe-se a compreensão da política social como um duplo mecanismo. Por um lado, ela é vista como um mecanismo compensatório para os efeitos negativos da inserção na sociedade global de fluxos. Por outro, ela é compreendida como uma estratégia de competição entre as regiões.
No primeiro caso, os adeptos dessa concepção entendem que a cidade global é uma cidade dual, pois as exigências da concorrência acabam excluindo uma parcela da população. Para que essa parcela excluída não prejudique a produtividade dos demais e crie um ambiente desagradável à concorrência e à imagem da cidade, faz-se necessário acionar mecanismos compensatórios com base em serviços sociais de educação, habitação, saúde e assistência. Esses serviços contribuiriam para que as pessoas buscassem a inclusão em novas etapas da concorrência, superando a situação anterior.
No segundo caso, as políticas sociais são entendidas como um dos eixos estruturantes da competitividade, ao lado da política econômica, da rede de infra-estrutura de comunicação, da qualidade dos serviços urbanos e tecnológicos, da mão-de-obra e do meio ambiente. Faz-se necessário criar um “entorno” social, cultural e estético capaz de atrair os agentes econômicos. A cidade competitiva não pode ter índices de pobreza, marginalização e violência que influenciem negativamente as decisões dos agentes econômicos. As políticas sociais funcionariam como mecanismos capazes de viabilizar esse “entorno” social atrativo à instalação dos agentes econômicos, propagando uma imagem positiva da cidade na rede de concorrência global. O objetivo principal da criação desse “entorno” social não é com a qualidade de vida dos cidadãos, mas sim com a decisão dos agentes econômicos. Que as cidades funcionem adequadamente e possuam serviços eficientes para possibilitar a valorização do capital e não o bem-estar dos cidadãos que nela residem.
Na visão regionalista do desenvolvimento, apesar de suas diversidades, percebe-se uma maior valorização das políticas sociais. Elas são vistas como elementos ativos e integrantes do processo de desenvolvimento e não como mecanismos compensatórios ou como estratégias de competição. Ao entender o desenvolvimento como um processo social localizado capaz de conjugar crescimento econômico e melhoria das condições de vida da população, a compreensão regionalista entende que as políticas sociais são fundamentais tanto para auxiliar na criação das condições para o crescimento econômico quanto para efetivar mecanismos que possibilitem ampliar, gradativamente, a qualidade de vida da população.
A compreensão regionalista do desenvolvimento ressalta que a definição das políticas sociais, em grande parte, está sujeita à dinâmica das relações estabelecidas entre os diversos atores da sociedade local, a partir das particularidades e necessidades locais. Os atores organizados possibilitam tornar público, efetivo e democrático o debate dos interesses individuais, dos interesses dos agentes econômicos e dos interesses da coletividade, avançando para a constituição de espaços de consenso político para além das contradições existentes na relação capital-trabalho (POCHMANN, 2004). Pensando dessa forma, é possível avançar na superação do centralismo, do autoritarismo e do clientelismo que marcam a gestão e a implementação das políticas sociais na maioria dos países, inclusive o Brasil.
Ao relacionar as possibilidades de desenvolvimento de uma região com a necessidade de articular o potencial sócio-econômico e o potencial cívico, a visão regionalista demonstra a importância dos aspectos sócio-culturais nas dinâmicas de desenvolvimento. Evidencia que o estabelecimento de redes de cooperação e de solidariedade, construídas a partir das instituições, da cultura e das características históricas locais é fundamental para desenvolver mecanismos capazes de evitar processos de exclusão ou de predomínio dos interesses particulares acima dos interesses da coletividade.
A reflexão feita pelos autores da visão regionalista e as múltiplas experiências de desenvolvimento regional apresentadas em suas abordagens demonstram claramente a necessidade de superar as compreensões fragmentadas dos “velhos desenhos institucionais” que apresentam “soluções puras”, ora dependentes do mercado, ora do Estado, ora da sociedade civil. Essas antigas opções estão obsoletas e cada vez mais é preciso inventar, implementar e tolerar soluções “impuras” e construir novos arranjos para além das formas puras (OFFE, 1999). Essa concepção permite entender que a garantia dos direitos dos cidadãos é de responsabilidade social e pública, sendo toda a sociedade e a sociedade toda responsável pela efetivação dos mesmos (SPOSATI, 2002).
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§ Doutor em Serviço Social pela PUCRS; mestre em sociologia pela UFRGS; professor da UNIJUÍ; integrante do grupo de estudos de Associativismo e Cooperativismo (GEAC – CNPq). Contato: erotta@unijui.edu.br
§§ Doutor em Economia pela UNICAMP; professor titular permanente do PPGSS/ PUCRS; Integrante do NEPES - CNPq. Orientador da Tese. Contato: cnelson@pucrs.br