Revista OIDLES - Vol 1, Nº 0 (junio 2007)

INCUBADORA TECNOLÓGICA DE COOPERATIVAS POPULARES:
as práticas de economia solidária proposta pela INTECOOP-UCPEL
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Por Carlos Nelson dos Reis** y Soledad Bech Gaivizzo*** 

 

Introdução

            Desde meados dos anos 80, as economias de mercado de produção capitalista vêm implementando um vigoroso conjunto de transformações, cujos principais resultados são mudanças na base produtiva e no processo de gestão da força de trabalho. Na especificidade brasileira, as transformações no mundo do trabalho são decorrentes, principalmente, da reestruturação produtiva e da reforma do Estado, ocorridas a partir dos anos 90. Tais alterações implicaram o aumento dos níveis de desemprego e a precarização das relações e das condições de trabalho, dentre outros problemas. Entre as muitas conseqüências desses processos, estão a proliferação e a ampliação da exclusão social. No contexto dessas mudanças na esfera do trabalho e em uma conjuntura desfavorável para os trabalhadores, surgiram importantes iniciativas de apoio à economia solidária, como uma reação às conseqüências determinadas pelos processos em curso. Entre essas iniciativas, incluem-se as universidades brasileiras, através das incubadoras de cooperativas populares, buscando condições de geração de renda às comunidades. Ao atuarem nesse campo, as incubadoras trazem para a academia outros debates, outras experiências, sinalizando a possibilidade de ressignificação de seu papel na sociedade. Nessa perspectiva, esta reflexão tem por objetivo analisar a experiência da prática da economia solidária proposta pelas universidades, através das incubadoras de cooperativas de cunho popular, tendo como referência a proposta da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Católica de Pelotas no Rio Grande do Sul.

1 A prática de economia solidária proposta pela Intecoop -UCPel

                      A UCPel, no campo da economia solidária e através da Intecoop, procurou, ao longo de cinco anos de prática, manter os objetivos e os princípios propostos pela Rede de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs). Contudo a análise do caminho trilhado na construção dessa proposta pelo grupo de trabalho da incubadora revela as especificidades e as particularidades dessa experiência, resultantes do aprendizado acumulado entre a Universidade e as várias iniciativas de economia solidária. Com o propósito de facilitar a sistematização da análise da prática de incubação, utilizam-se os seguintes eixos: (a) a proposta de trabalho da Intecoop-UCPel; (b) a relação da proposta com os grupos incubados; (c) a relação com a Universidade.

                      No primeiro eixo, são analisados aspectos relevantes relacionados com a proposta de trabalho e que são importantes para compreendê-la. Por isso, a análise inicia-se com a identificação e a problematização dos objetivos norteadores da prática, das ações realizadas no processo de incubação, das fases do processo de incubação, da estrutura da ação, do público-alvo e dos critérios de seleção.

                      A partir da análise dos três momentos da incubadora, pode-se constatar que não houve grandes variações quantos aos objetivos que norteiam a prática de incubação. A proposta central que perpassa todos os momentos é a busca de outros modos de organização do mundo do trabalho através de novas formas democráticas, autogestionárias, participativas e solidárias, estruturadas no fator de produção trabalho. A partir desse ponto comum, notam-se nuanças ou pesos diferenciados nos objetivos, que não são excludentes entre si. No primeiro e no segundo momento da prática de incubação, há uma ênfase na organização dos empreendimentos pela construção e pelo exercício dos elementos que garantem a autogestão. No terceiro, além do fundamento da autogestão, há grande ênfase na busca da viabilidade econômica dos empreendimentos incubados, com a intenção de inseri-los no mercado de trabalho. Isso demonstra a complexidade do objeto de intervenção, pois, além da autogestão, existem as viabilidades econômicas, que não podem ser objetivos incompatíveis “[...] mas, ao contrário, há, sim, necessidade de complementaridade entre a viabilização econômica imediata e a consolidação de longo prazo, pois, para esses grupos, a questão econômica é prioritária e qualquer retardamento na ação significa sempre a sua dispersão” (Cruz, 2004, p. 23). Ora, trabalhar no campo da organização popular sob uma dupla dimensão (econômica e social) é um desafio. Primeiro, porque as experiências acumuladas com grupos populares, na sua maior parte, estão vinculadas à dimensão do social, existindo uma ampla produção nesse campo, com vários tipos de técnicas, ferramentas, procedimentos metodológicos, dentre outros, que já foram largamente utilizados pelos atores sociais. Mas, no campo econômico voltado para esse setor, quase não há experiências nem produções que possam subsidiar essa prática. Soma-se a esse desafio o fato de que não existe adesão, por parte dos professores vinculados às áreas das ciências econômicas, empresariais e contábeis, à proposta da Intecoop. Entretanto esses desafios têm sido superados com a contratação de profissionais oriundos dessas áreas na condição de técnicos. Por exemplo, no terceiro momento, foram contratados dois técnicos em ciências contábeis e econômicas, com 40 horas cada um. Além disso, um dos professores integrantes da equipe de trabalho, embora seja procedente das ciências sociais, está doutorando-se em economia aplicada.

                      Na atual proposta, o objetivo do processo de incubação deve ter a perspectiva de que, ao final de suas intervenções, a iniciativa da economia solidária — o coletivo e cada trabalhador — tenha incorporado os conhecimentos básicos necessários para que seu funcionamento possa ser orientado para a “[...] autogestão, para a viabilidade econômica, para a preservação ambiental e para a cidadania ativa [...]” (NÚCLEO UNITRABALHO/UCPEL 2004). O objetivo de preservação do meio ambiente é um elemento muito novo e reflete as discussões e os debates, em curso no Brasil, sobre o papel da economia solidária para o desenvolvimento sustentável. Quando esse objetivo se deve manifestar? Quando a incubadora discute e planeja junto com o grupo, a atividade econômica e o emprego de tecnologias nas suas atividades. Na busca desses elementos, devem ser encontradas mediações que preservem “na máxima medida possível o meio ambiente” (NÚCLEO UNITRABALHO/UCPEL, 2004, p.15). Outras incubadoras como a da Universidade Estadual de Campinas, têm procurado inserir esse objetivo na sua prática, pois, para esse grupo de trabalho,

 

A proposta das universidades através das ITCPs surge não somente como uma opção para inserir as pessoas no mercado de trabalho formal, mas para desenvolver um trabalho de transformação, tanto na promoção da cidadania, viabilidade econômica como na preservação ambiental. (Azevedo et al., 2003, p. 3)

 

                      Nesse sentido, as incubadoras devem procurar adequar esses objetivos para que a tecnologia incorporada em equipamentos, os insumos e as formas de organização da produção, dentre outros elementos promovam a preservação do meio ambiente. Para tanto, propõem que sejam inseridas tecnologias alternativas. Embora o objetivo almejado ainda esteja muito longe de ser concretizado, a sua inclusão aponta não só o desejo da geração de trabalho e renda, mas também a construção de uma nova sociedade, com melhores níveis de qualidade de vida.

                      À medida que foram ficando mais claros os objetivos que norteiam a metodologia da Intecoop-UCPel, pontuaram-se mais fortemente as questões relacionadas: (a) ao assessoramento e à formação e qualificação dos trabalhadores nos empreendimentos; (b) às etapas definidas no processo de incubação — sua disposição e seu relacionamento —; (c) à estruturação interna da incubadora; (d) às formas de inserção acadêmica no trabalho; (f) à identificação das dificuldades e as soluções apontadas. O grupo percebeu que uma iniciativa econômica, quando apresenta elevados níveis de organização, como uma cooperativa já constituída, não requer um acompanhamento sistemático, mas necessita de assessoria. Isso impôs, dentre outros elementos, uma alteração da metodologia empregada. Nesse sentido, no terceiro momento, têm início as assessorias para determinadas áreas — jurídica, contábil, de crédito, de publicidade, de saúde e de meio ambiente —, organizadas na forma de núcleos de assessoria.

                      A proposta de organizar atividades na forma de assessorias teve como vantagem otimizar os recursos no trabalho de campo, já que são, em alguns momentos, limitados. Por outro lado, quando os grupos têm níveis baixos de organização, a metodologia expressa limitações, pois eles exigem um acompanhamento sistemático e intensivo das diversas áreas do conhecimento, para que, ao final do processo de incubação, possam alcançar os objetivos a que se propuseram.

                      O processo de incubação é organizado em diferentes fases, que não seguem necessariamente uma ordem, e algumas delas podem ser simultâneas, dependendo da dinâmica interna de cada grupo incubado. Ao longo dos cinco anos de atividades da incubadora, foi possível observar que, a cada revisão da proposta de trabalho, vai se dando mais ênfase na definição das etapas. Nos três momentos analisados, o período de incubação manteve-se centrado em duas fases, porém foi alterado o tempo de duração de cada uma. Por exemplo, no terceiro momento, o tempo de duração total previsto para o processo de incubação é de 36 meses, em vez dos 24 meses previstos nas versões anteriores do projeto. Ademais, foram ampliados os procedimentos e as atividades a serem realizadas em cada uma das etapas.

                      Aumentar o tempo necessário do programa para que uma iniciativa possa se consolidar, seguindo os princípios fundantes da economia solidária, resulta, em parte, da percepção de que o acompanhamento deve procurar respeitar os ritmos e as necessidades do público-alvo com que se trabalha: geralmente, trabalhadores com baixos níveis de escolaridade, alguns dos quais analfabetos e com pouca ou nenhuma experiência no campo da gestão de negócios. Além disso, muitos dos trabalhadores estão fora do mercado formal há um longo período e têm dificuldade para realizar atividades planejadas de curto ou médio prazo, pois a sua trajetória laboral está impregnada da necessidade diária de garantir a sua sobrevivência e a de sua família.

                      As várias experiências de prática de economia solidária propostas pelas incubadoras vêm indicando que se trata de um processo essencialmente socioeducativo de médio a longo prazo. O alargamento do tempo necessário para o empreendimento incubado levanta uma questão importante: como conciliar o curto prazo dos projetos financiados por organizações (públicas e privadas) de fomento à prática de economia solidária com o processo longo que requer a incubação? Ora, esse se constituiu em um desafio não só da Intecoop, mas de todas as incubadoras e deve ser discutido em âmbito nacional, já que uma das possíveis soluções é a de que o tempo necessário para alcançar os objetivos propostos pelas incubadoras possa ser um dos critérios para a elaboração de políticas públicas para esse setor da economia solidária.

                      Em linhas gerais, o processo de incubação é organizado em duas etapas. Na primeira, é realizada a seleção das iniciativas econômicas a serem incubadas. Nela são feitos a pesquisa diagnóstica, o estudo de viabilidade econômica e a oficina de organização e gestão do tipo de empreendimento. A proposta é que sejam selecionados os grupos com razoável coesão interna, não importando muito sua situação econômica, pois a construção da sua identidade é um processo longo e muito difícil para uma proposta de ação que trabalha com tempos predeterminados e recursos humanos e financeiros limitados.

                      A segunda fase, denominada incubação, é subdividida em três sub-etapas: a primeira, chamada de pré-incubação, tem início quando a incubadora elabora, junto com a comunidade, o plano de incubação, tendo por função orientar o desenvolvimento dos projetos de intervenção e de pesquisa. Esse plano tem um tempo de duração de um a seis meses. A segunda subetapa, a de incubação propriamente dita, tem início quando a incubadora realiza uma série de assessorias técnicas junto aos grupos comunitários, com o objetivo de transformar o grupo em um “negócio”. Essas assessorias dizem respeito ao processo de regularização jurídica, à consolidação dos mecanismos de decisão, à regulação de fluxos de produção e desenvolvimento de estratégias de mercado, etc. Além dessas atividades, fazem parte dessa subetapa o processo de formação e qualificação dos trabalhadores associados, realizado através de oficinas e cursos sobre autogestão, com duração de aproximadamente 18 a 24 meses. Na terceira e última subetapa, ocorre o processo de desincubação, em que a incubadora estabelece os procedimentos para a sua desvinculação do programa. O tempo total do processo de incubação das iniciativas é de cerca de 24 a 36 meses.

                      Constatou-se que a estrutura de ação da incubadora foi construída em uma perspectiva interdisciplinar, a qual é operacionalizada pelas equipes interdisciplinares de incubação. Toda a proposta de trabalho gira em torno dessas equipes, pois são elas que fazem o “elo” entre a Universidade e os empreendimentos econômicos. Elas atuam diretamente junto aos empreendimentos, assessorando e realizando atividades de formação e capacitação. Sempre são integradas por um professor, na condição de orientador, e estagiários de diferentes áreas dos cursos da Universidade. No decorrer dos três momentos do projeto/programa, essas equipes mantêm as suas propostas de trabalho, contudo foi possível perceber que foram ampliadas em número e diversificadas as áreas de conhecimento. Cabe ressaltar que a integração de alunos e professores no trabalho direto com os empreendimentos sempre esteve presente na proposta de trabalho e se constitui em uma das características particulares dessa incubadora em relação às demais. Isso porque, em outras incubadoras, como a ITCP da Unicamp, o processo de incubação é realizado somente por técnicos e estudantes. Esse é um elemento importante e deve ser uma referência para que outras incubadoras reflitam, pois a “ida” do professor às iniciativas populares garante níveis altos de qualificação dessa prática.

                      Observou-se que, em relação ao público-alvo, a questão dos critérios e procedimentos para a seleção de demandas não é ainda bem-definida na incubadora. Na maior parte, os documentos analisados expressam que são alvo das ações os trabalhadores excluídos do mercado de trabalho, com exceção de um, que tem como proposta “[...] construir uma iniciativa de geração de renda para os alunos carentes da Universidade Católica de Pelotas, os quais poderiam trabalhar na organização de eventos, formaturas, etc.” (NÚCLEO UNITRABALHO/UCPel, 2002, p.4). Essa proposta nunca chegou a ser concretizada.

                      Entre os critérios usados para selecionar a demanda, são levados em conta, por exemplo: o tipo de grupo social beneficiado pelo programa (prioritariamente integrado por pessoas de baixa renda) e desempregados (as) por um longo período de tempo, com dificuldades de inserção no mercado formal de trabalho. Além desses, é preciso identificar as afinidades e as identidades do grupo social, os objetivos comuns, e verificar se esses podem ser elementos úteis para a construção de um projeto coletivo nos moldes da economia solidária. É fundamental que a incubadora tenha clareza sobre os critérios de seleção da demanda, pois o alcance dos resultados esperados através do processo de incubação depende, em grande parte, das potencialidades e da identidade dos grupos em relação aos objetivos propostos (autogestão, viabilidade econômica, cidadania ativa e preservação do meio ambiente) pela prática de economia solidária.

                       

2 Aspectos quantitativos da experiência da Intecoop

 

                       A fim de compreender e aprofundar a discussão sobre a prática de incubação, além de analisar a proposta da Intecoop, faz-se necessário conhecer os grupos incubados e, com isso, ter uma visão dos resultados quantitativos do trabalho desenvolvido. Nesse sentido, serão apresentadas, a seguir, algumas características dos empreendimentos, como: o número e o tipo de iniciativas incubadas, a localização e a distribuição espacial, público-alvo, dentre outras. Entretanto não foi possível obter informações sobre a renda, o nível de escolaridade, etc. As informações colhidas foram analisadas de maneira quantitativa, a partir dos documentos da incubadora, de março de 1998 a agosto de 2005. As informações contidas no Quadro 1 permitem perceber como se procedeu à implementação das iniciativas incubadas pela ITCP. 

 

Quadro 1 Distribuição das iniciativas de economia solidária incubadas pela ITCP no período de março de 2000 a julho de 2005.

Cooperativas / Grupos

Número

1º Momento

1

Cooperativa de Reforma de Ônibus e Motor Home (Unimetal)

2

Cooperativas de Novos Valores (Coopernova)

3

Cooperativa de Pequenos Agricultores Produtores de Leite da Região Sul (Coopal)

4

Cooperativa de Reciclagem, Integração e Ação Social do Bairro Getúlio Vargas (CRIAS-BGV)

5

Cooperativa de Produção de Materiais Sanitários do Bairro Dunas (Cooperdunas)

                      2º Momento

6

Grupo de Artesanato do Bairro Dunas (Dunasvest)

7

Dunas Reciclagem - Grupo de Catadores do Loteamento Dunas

8

Cooperativa de Alimentos Alternativos (Cooala)

                      3º Momento

9

Cooperativa dos Assentamentos de Reforma Agrária – Regional de Canguçu

10

Cooperativa dos Assentamentos de Reforma Agrária – Regional de Piratini

11

Cooperativa dos Assentamentos de Reforma Agrária – Regional de Herval

12

Cooperativa de Reciclagem, Integração e Ação Social do Bairro Getúlio Vargas

13

Dunas Art – Grupo de Artesanato do Bairro Dunas

14

Coleta Solidária de Santa Teresinha

15

Coleta Solidária do Balneário dos Prazeres

16

Grupo de Catadores Reciclagem da Luta

17

Grupos de Catadores da Vila Fraget

18

Grupo de Catadores do Loteamento Dunas – Dunas Reciclagem

19

Dunasvest – Grupo de Costureiras do Bairro Dunas

20

Artera – Grupo de Confecção e Arte

Fonte: NÚCLEO UNITRABALHO/ UCPel, Relatório Anual de 2000. UCPel, Pelotas/RS; Relatório Anual de 2001. UCPel.          Pelotas/RS; Relatório Anual de 2002. UCPel. Pelotas/RS; Relatório Anual de 2003. UCPel. Pelotas/RS; Relatório Anual de 2004.  UCPel. Pelotas/RS; Relatório Técnico Parcial – PRONINC/Finep/Fundação Banco do Brasil, 19/7/2005.

 

                      Desde que a incubadora foi implantada na Universidade, em 2000, sua proposta de trabalho junto aos empreendimentos econômicos passou por um conjunto de experimentações, pesquisas e avaliações que serviram de substrato para redefinir sua prática. A partir da análise documental, foi possível identificar e sistematizar sua proposta, para efeitos de estudo, em três momentos: (a) o primeiro, tem sua ocorrência a partir da implantação pela Universidade do Projeto Interdisciplinar de Extensão – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, e corresponde ao período de março de 2000 a dezembro de 2001; (b) o segundo, como uma continuidade e a partir dos resultados do Projeto Interdisciplinar de Extensão, é implantado o Projeto de Assessoramento de Incubação das Iniciativas de Geração de Renda da Incubadora Duna, cujo período corresponde a março de 2002 a março de 2003; e, (c) o terceiro, pode ser compreendido como de consolidação do programa permanente de incubação com a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, o que ocorre a partir de 2004(Quadro 1).

                      No período de março 2000 a julho 2005, a ITCP-UCPel implementou 17 iniciativas de economia solidária. Através da compilação de todos os registros das atividades, constatou-se que três delas foram objeto da ação da incubadora, mais de uma vez em diferente momentos: a Cooperativa de Reciclagem, Integração e Ação Social do Bairro Getúlio Vargas, o Dunas Art e o Grupo de Catadores do Loteamento Dunas – Dunas Reciclagem. Para efeito de análise dos dados, foram consideradas 17 iniciativas econômicas e 20 ações de incubação.

                         Dessas 20 ações realizadas pela Intecoop-UCPel, 12 estão em processo de incubação e se enquadram no terceiro momento, cinco foram realizadas no primeiro momento do programa, e três, no segundo. Isso demonstra que houve ampliação quantitativa do número de iniciativas econômicas incubadas no terceiro momento, em relação às demais. Essa constatação está ligada a quatro fatores principais: (a) a experiência acumulada em relação à gestão e ao planejamento do programa; (b) a captação de recursos financeiros externos junto a programas públicos, nos âmbitos federal, estadual e municipal; (c) a ampliação das parcerias interinstitucionais com outras universidades, Prefeitura Municipal de Pelotas, Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Governo Federal, dentre outros; e (e) o aprimoramento e a consolidação da estrutura organizacional, operacional e técnica da ITCP. Isso demonstra que a incubadora, por ser uma proposta nova, tem uma “perspectiva de crescimento, expansão e de melhoria do processo de incubação e, em particular, do fortalecimento de suas ações junto as cooperativas e comunidade” (Guimarães, 2000, p.112), mas também em relação à Universidade e a outros atores sociais.

                      O Quadro 2 mostra a distribuição segundo o tipo de iniciativa incubada. No total, foram incubadas 17 iniciativas econômicas. Destas, sete são iniciativas de trabalho/ serviços, cinco são de trabalho/fabricação, quatro são de produtores associados, e uma é de empresa recuperada.

 

Quadro 2 Distribuição das iniciativas de economia solidária segundo o tipo

TIPO DE INICIATIVA

NÚMERO

Trabalho / serviços

7

Trabalho / fabricação

5

Produtores associados

4

Empresa recuperada

1

TOTAL

17

Fonte:NÚCLEO UNITRABALHO/UCPel, Relatório Anual de 2000. UCPel, Pelotas/RS; Relatório Anual de 2001. UCPel. Pelotas/RS; Relatório Anual de 2002. UCPel. Pelotas/RS; Relatório Anual de 2003. UCPel. Pelotas/RS; Relatório Anual de 2004. UCPel. Pelotas/RS; Relatório Técnico Parcial – PRONINC/Finep/Fundação Banco do Brasil. 19/7/2005.

 

                        Tomando como referência os relatórios da Intecoop-UCPel, das sete iniciativas de trabalho/serviços, seis são centradas na atividade de reciclagem de lixo, sendo na maioria, grupos em processo de constituição, com a exceção de duas, a saber: (a) Cooperativa CRIAS-BGV, que, embora tenha 20 associados e esteja legalmente constituída no forma jurídica de cooperativa, não está operando; e (b) a  Coopernova, que tem suas atividades centradas na prestação de serviços de limpeza e vigilância, cujo principal contratante é a Universidade Católica de Pelotas. Na primeira fase, a cooperativa contou com aproximadamente 60 associados; atualmente, é integrada por 120.

                      Todas as iniciativas de associação/produção são integradas por famílias de pequenos agricultores e localizadas nos municípios vizinhos a Pelotas, a saber: (a) A Coopal uma cooperativa legalmente constituída, localizada no Município de Canguçu, cuja atividade econômica está centrada na produção de leite e derivados, cabendo ressaltar que ela foi incubada no primeiro momento, tendo, naquele período, 470 famílias associadas; atualmente, o número de famílias associadas quase triplicou, sendo de 1.200 famílias; (b) as três Cooperativas de Assentamento de Reforma Agrária, localizadas nos Municípios de Piratini, Canguçu e Herval (Quadro 1), legalmente constituídas, tendo suas atividades econômicas centradas na produção de alimentos para o autoconsumo, mas com a meta de organizá-las e diversifica-las para a comercialização, e, embora sejam integradas por aproximadamente 5.000 famílias, as ações de incubação estão voltadas para, aproximadamente, 50 famílias associadas e multiplicadoras das mesmas.

                      A única iniciativa incubada do tipo empresa recuperada foi a Unimetal (Quadro 1), cuja atividade era centrada na manutenção de veículos e motor-homes. Ela foi incubada no primeiro momento, integrando 22 associados. Atualmente, não está operando por problemas de mercado.

                      Aqui, cabe esclarecer que, embora a incubadora inclua no seu nome a expressão “cooperativas populares”, o seu objeto de ação são os diferentes tipos de empreendimentos de economia solidária. Contudo grande parte das iniciativas tem prevalecido na forma de cooperativas, com algumas exceções. Um dos motivos é o fato de que a cooperativa é o tipo mais conhecido e difundido pelos atores que trabalham nesse campo. Tanto é assim que “[...] a unidade típica da economia solidária é a cooperativa” (Singer, 2000, p. 13). Além disso, foi possível perceber que, entre as cooperativas incubadas, as que predominam são as de trabalho/serviços. Essa constatação reflete uma tendência nacional, pois, em 2004, do total de cooperativas incubadas no Brasil, aproximadamente 70% estavam concentradas nessa área (Kruppa; Sanchez, 2002). Os motivos podem ser vários — por exemplo, a baixa qualificação profissional e a falta de recursos para investir na iniciativa. Mas essa escolha pode estar vinculada à presença limitada de professores e técnicos oriundos das áreas das ciências empresariais e econômicas, pois o estudo mercadológico é fundamental para se saber se, realmente, há espaço para atuar nesse setor e que tipos de atividades podem ser realizadas.  

                      Das cinco iniciativas do tipo trabalho/fabricação, duas têm suas atividades econômicas voltadas para a produção de artesanato, uma para o vestuário, uma para a produção de kits sanitários e uma para a de alimentos embutidos. Destas, as duas últimas iniciativas não estão operando, por problemas de organização interna dos grupos e de mercado. As demais são grupos e estão em processo de formalização.

                      O Quadro 3 mostra a distribuição territorial da ação do projeto/programa. Os resultados indicam que, das 17 iniciativas incubadas, 13 estão localizadas no Município de Pelotas, e quatro se distribuem nos de Canguçu, Arroio Grande, Herval e Piratini.

 

Quadro 3 Distribuição territorial do campo de ação do projeto/programa

LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA

INICIATIVA ECONÔMICA

Pelotas

13

Outros municípios da região

4

TOTAL

17

FONTE: NÚCLEO UNITRABALHO / UCPel, Relatório Anual de 2000. UCPel, Pelotas/RS; Relatório Anual de 2001. UCPel. Pelotas/RS; Relatório Anual de 2002. UCPel. Pelotas/RS; Relatório Anual de 2003. UCPel. Pelotas/RS; Relatório Anual de 2004. UCPel. Pelotas/RS; Relatório Técnico Parcial – PRONINC/Finep/Fundação Banco do Brasil. 19/7/2005

           

            O Quadro 4 indica a distribuição segundo o público-alvo. Das 16 iniciativas de economia incubadas, a maioria está concentrada no público urbano, com 13, seguido do rural, com quatro iniciativas.

 

Quadro 4 Distribuição segundo o perímetro urbano e rural do projeto / programa

PÚBLICO-ALVO

INICIATIVAS ECONÔMICAS

Urbano

13

Rural

4

TOTAL

17

FONTE: NÚCLEO UNITRABALHO / UCPel, Relatório Anual de 2000. UCPel, Pelotas/RS; Relatório Anual de 2001. UCPel. Pelotas/RS; Relatório Anual de 2002. UCPel. Pelotas/RS; Relatório Anual de 2003. UCPel. Pelotas/RS; Relatório Anual de 2004. UCPel. Pelotas/RS; Relatório Técnico Parcial – PRONINC/Finep/Fundação Banco do Brasil. 19/7/2005

 

                      Essa distribuição espacial de atuação da Intecoop-UCPel reflete, em parte, a área de influência das atividades de ensino e extensão da UCPel na microrregião, bem como as facilidades logísticas e de recursos para realizar as atividades de incubação num raio de ação próximo à sede da incubadora.

                      Tomando como referência as informações dos relatórios e dos Quadros 3 e 4, constata-se que há forte relação entre o tipo de atividade econômica, localização espacial e público-alvo. De modo geral, as ações de incubação, quando realizadas no perímetro urbano do Município de Pelotas, têm como foco iniciativas econômicas vinculadas ao setor de serviços, principalmente nas atividades de reciclagem de lixo. Por outro lado, quando as ações de incubação são executadas nos municípios vizinhos a Pelotas, percebe-se que o foco está voltado para iniciativas de pequenos produtores, associados a atividades de agropecuária.

                      Do total de sete iniciativas incubadas no primeiro e no segundo momento do projeto, duas foram desincubadas e permanecem no mercado (a Coopal e a Coopernova) e três iniciativas (CRIAS-BGV, Dunas Art, Dunas Reciclagem) voltaram a ser incubadas pelo programa no terceiro momento, pois não conseguiram se consolidar no mercado. As outras duas iniciativas (Unimetal e a Cooperdunas) extinguiram-se por problemas de mercado e/ou organização interna.

                      Considera-se, aqui, que tanto a extinção de alguns empreendimentos devido à inviabilidade econômica como a necessidade de reciclagem de algumas iniciativas estão ligadas principalmente aos seguintes fatores:   

                      a) contexto econômico - o Município de Pelotas, assim como os demais municípios de entorno, situa-se em uma região em depressão econômica, a qual se expressa na retração do mercado e, conseqüentemente, nos altos índices de mortalidade de micro e pequenas empresas[1]. Se a manutenção e a consolidação de uma empresa tradicional no mercado é um desafio, em relação às iniciativas de economia solidária de cunho popular esse desafio se potencializa, pois tais empreendimentos são integrados por trabalhadores, na sua maioria, com baixo grau de instrução e pouca experiência empreendedora;

                      b) característica do público-alvo – levando-se em conta que, no contexto regional, poucos grupos de trabalhadores são constituídos sob a forma de cooperativas e sob outras formas de economia solidária, o programa incuba, na maioria das vezes, grupos em diferentes estágios de organização e em fase de escolha de seus produtos ou serviços;

                      c) diferença dos procedimentos metodológicos - considerando-se o contexto econômico e as características do público-alvo, os procedimentos metodológicos elencados pela Intecoop-UCPel, em parte, não levaram (e não levam!) em conta as especificidades requeridas pelos grupos em diferentes níveis de organização e as possibilidades de sustentação de suas atividades econômicas no mercado local.

                      De qualquer maneira, a questão da conquista do mercado é uma das dificuldades mais apontadas pelas incubadoras implantadas no Brasil: “[...] existe uma percepção praticamente consensual de que uma parcela majoritária dos empreendimentos incubados ainda enfrenta grandes dificuldades do ponto de vista de sua viabilização e sustentabilidade econômica” (Seminário de Incubadoras de Cooperativas do Proninc, 2005, p. 5). Isso quer dizer que a dificuldade não é específica da Intecoop-UCPel, e que há questões de ordem estrutural que influenciam na viabilização dos grupos, como a inexistência de linhas de crédito e financiamento para esse setor, a falta de estímulo à comercialização e ao consumo desses produtos, dentre outras. Por outro lado, algumas ações podem e devem ser feitas para superar esses problemas, como buscar maior articulação entre a rede de incubadoras, principalmente as que estão implantadas nas universidades do entorno do Município de Pelotas, como a Incubadora da Fundação Universidade Federal do Rio Grande.

 

3 A percepção dos atores: gestores e executores

 

                        Os resultados quantitativos referentes à prática de economia solidária proposta pela Intecoop-UCPel ganham um novo significado, quando são analisadas as percepções dos gestores, dos executores do programa e dos integrantes das iniciativas econômicas incubadas sobre os limites e as potencialidades dessa prática. Nesse sentido, participaram da pesquisa como entrevistados 15 pessoas, representantes da Universidade e dos empreendimentos populares. Os representantes da Universidade são identificados pela denominação de atores acadêmicos, e os dos empreendimentos, pela de integrantes de EES. Teve-se o cuidado de não especificar cargo ou função dos entrevistados, com a finalidade de que os sujeitos não sejam identificados pelos diferentes participantes do programa, e, com isso, garantir maior espontaneidade nos depoimentos.

                      Uma das categorias que emergiram nessa pesquisa foi o papel exercido pelas universidades brasileiras no campo da economia solidária. Nesse sentido, os atores acadêmicos entrevistados foram unânimes em concordar com o papel limitado das instituições nesse campo de atuação, como revela a seguinte fala:

[...] a economia solidária chega de maneira muito limitada às universidades. Não dá para dizer que ela chega às universidades brasileiras. Ela chega a algumas universidades, em alguns cursos específicos e com um número muito limitado de professores e alunos envolvidos dentro da universidade (Atores acadêmicos).

                      O desenvolvimento e a ampliação da prática de economia solidária no Brasil, de modo geral, é um fenômeno relativamente recente. Porém mais nova ainda é a contribuição das universidades brasileiras nesse campo. A prova disso é que, embora existissem, desde a década de 80, diversos tipos de organização socioeconômica, somente em 1996 essa forma de organização dos trabalhadores foi denominada economia solidária[2]. O primeiro grupo que pesquisou sobre a temática formou-se na Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, no mesmo ano. Posteriormente, em 1997, a Fundação Unitrabalho criou um grupo de trabalho de economia solidária em âmbito nacional, coordenado pelo Professor Doutor Paul Singer (Lechat, 2002).

                      As razões por que a economia solidária tem uma inserção limitada na Universidade, na perspectiva dos atores acadêmicos, foram muito variadas de ator para ator. Dentre os principais fatores, podem-se citar: a relação histórica das universidades brasileiras com a sociedade e o modelo hegemônico de pesquisa, ensino e extensão.

 

Na Universidade, o esforço de pesquisa é muito pequeno sobre economia solidária. Mas, de alguma forma, ele representa o grau de importância que a economia solidária tem para a sociedade. Atualmente, a economia solidária tem um impacto pequeno na sociedade. (Ator acadêmico).

 

                      A Universidade, por ser uma instituição social, “[...] realiza e exprime de modo determinado a sociedade de que ela faz parte. Não é uma realidade separada, mas, sim, uma expressão historicamente determinada de uma sociedade determinada” (Chauí, 2001, p. 120). Nesse sentido, pode-se dizer que as universidades brasileiras refletem, em maior ou menor grau, as características históricas, socioculturais e políticas da sociedade. Por ser um tipo de sociedade historicamente assentada no autoritarismo, fortemente hierarquizada e centralizada e alheia aos problemas sociais, aliada a uma nova conjuntura marcada pela hegemonia referenciada na perspectiva teórica neoliberal, serviu para ampliar e aprofundar a valorização do individualismo, da competição e do conformismo, levando o indivíduo a “[...] encerrar-se na única realidade que existe para ele: a do seu próprio interesse” (Cattani, 2000, p. 24).

                      Se a sociedade é alheia às conseqüências sociais decorrentes da reestruturação produtiva e da reforma do Estado, a Universidade, por ser uma instituição social, reflete, em parte, a falta de compromisso e de interesse sobre temáticas que dizem respeito a uma grande parcela da população. Mas cabe ressaltar que essa falta de compromisso social e político não é um elemento novo, pois, historicamente, a Universidade não tem procurado produzir conhecimento científico voltado para os setores excluídos da população brasileira. É claro que não se pode generalizar, pois, dentro dessas instituições, sempre existiram e continuam existindo grupos de pesquisadores, docentes, discentes e técnicos sensíveis e comprometidos com os problemas sociais.

                      Um outro fator que influi para a inserção limitada da Universidade na temática de economia solidária é o modelo hegemônico de pesquisa, ensino e extensão. Como na sociedade estão instituídas uma visão e práticas inspiradas nos pressupostos teóricos neoliberais (Chauí, 2001),

[...] a produção do conhecimento e do ensino não está voltada para atender às demandas sociais, econômicas, políticas e culturais da grande maioria da população. Trata-se de um problema histórico da universidade, que foge ao seu papel clássico de ensino e pesquisa e não consegue se inserir em outras dimensões (Ator acadêmico).

 

 

                      A relação da Universidade com a produção do conhecimento, com o ensino e a extensão é um dos elementos-chave para se compreender por que a economia solidária ainda é uma temática restrita no espaço acadêmico. A noção histórica da instituição universitária assentada na articulação do tripé ensino, pesquisa e extensão, na atualidade, está sendo abandonada.

                      O modelo hegemônico de pesquisa, ou seja, a produção do conhecimento, está centrado no desenvolvimento da ciência e da tecnologia de ponta, voltado para atender às demandas das médias e grandes empresas no Brasil, com o objetivo de melhorar a produtividade e os rendimentos dos processos produtivos e de trabalho. Na realidade, trata-se de uma forma de produzir conhecimento que há muito tempo faz parte da Universidade, mas que, nos últimos anos, passou a ser perspectiva dominante.

                      Mais pontualmente, a questão da produção do conhecimento voltado para atender aos interesses do capital tornou-se um modelo hegemônico, no Brasil, a partir da década de 90, quando um conjunto de mudanças econômicas se materializou. O que chama atenção é o fato de que esse modelo de pesquisa foi crescendo e dominando o espaço universitário, em detrimento de pesquisas voltadas para suprir as demandas sociais, locais e regionais de grande parte da população brasileira. Nessa lógica, a produção e a construção de saberes sobre a economia solidária ainda é muito limitada nas universidades, o que é percebido por parte dos atores acadêmicos:

A universidade é lugar de hiperespecialização, ela é racional produtivista. O resultado é que nem sempre o conhecimento que está sendo produzido ou construído está voltado para atender às demandas do mundo do trabalho, e muito menos da economia solidária. Isso é uma contradição, pois, se, por um lado, a Universidade tem muito mais condições de pesquisar, refletir e discutir as questões referentes à economia solidária que qualquer outra iniciativa de apoio aos empreendimentos, por outro lado, essas produção, reflexão e discussão estão obrigadas a atender a outros objetivos (Ator acadêmico).

 

                       Nesse contexto, outro elemento importante que interfere no desenvolvimento da economia solidária, na Universidade, encontra-se no campo do ensino das ciências. Ora, se a produção e a construção do conhecimento está voltada para as necessidades do grande capital, o ensino também está. Nesse sentido, o papel central da educação universitária volta-se para as novas exigências do mercado profissional: um mercado altamente competitivo, exigindo formação hiperespecializada, grande domínio de técnicas e acúmulo de muita informação.

                      Uma das conseqüências do processo de formação voltado essencialmente para as exigências do mercado é o abandono da construção de senso crítico, produzindo pessoas apenas para consumirem e reproduzirem as informações e técnicas ensinadas nas universidades.

 

Isso supõe admissão da inutilidade do pensamento e da compreensão do real, levando à crença na possibilidade de passar imediatamente à sua transformação, porque já existiria pronta e acabada, pronta para ser aplicada.[...] Os estudantes tendem a reduzir o trabalho teórico à repetição e à prática da aplicação mecânica desses modelos (Chauí, 2001, p. 65).

 

 

                      Como resultado disso, quando o estudante em processo de formação ou o profissional são chamados para atividades em outras esferas de trabalho que exigem compreensão teórica do real mais elaborada, bem como uma prática articulada a essa teoria, sua formação tecnicista e hiperespecializada entra em choque.

 

Na Universidade, está instituída uma visão que não é a visão proposta pela Intecoop. É uma proposta muito difícil de se integrar com a visão da Universidade. Essa é a verdade. Só ver o meu caso. Quase tudo o que eu aprendi na vida acadêmica, para trabalhar com empreendimentos populares, 80% eu tive que colocar no lixo. Isso é muito complicado. Além disso, tens que te adaptar à maioria das coisas que apreendeste na academia, pois, quando tu chegas lá nos empreendimentos, eles não entendem nada do que tu estás falando. Aí tu tens que readaptar e/ou reaprender tudo. Muitas vezes, tive que recorrer ao dicionário para poder adaptar a linguagem acadêmica, que é muito técnica, para as pessoas dos grupos. (Ator acadêmico)

 

                      O processo de formação universitária atrelado às novas exigências do mercado reduz o ensino e a aprendizagem a uma mera “transferência” de conhecimentos que podem ser aplicáveis, conhecimento que se torna cada vez mais limitados, mais técnicos, mais codificados e, por isso, cada vez mais inacessíveis. Como desdobramento disso, quando os estudantes da Universidade vão trabalhar junto aos empreendimentos de economia solidária, há um choque de saberes entre o “acadêmico” e o “popular”. O desencontro desses dois mundos é percebido pelos atores acadêmicos, principalmente os monitores integrantes das equipes de incubação, pois são eles que trabalham diretamente com os empreendimentos de economia solidária. Mas essa dicotomia de saberes também foi mencionada pela metade dos representantes dos empreendimentos de economia solidária entrevistados:

 

Nas reuniões e discussões, o pessoal da Universidade vinha aqui. Todos se apresentavam e cada um dizia a sua função. Cada um dizia: “Eu sou o fulano de tal e sou da área de administração”. Outro dizia: “Eu sou o fulano e sou da área da área de marketing”. Era tanta bobagem que não dá para dizer tudo. Mas eu sei lá o que é marketing! Não sei o que é isso. Aí eu pensava... “Mas para que tudo isso, se nem sei o que é!” [...]. No início, tudo era muito estranho, quando resolvíamos nas reuniões com o pessoal da Universidade que íamos fazer alguma coisa. Sei lá, qualquer coisa, os estudantes que estavam nas reuniões diziam: “Isso não é comigo, isso tens que falar com o estudante fulano de tal, que é área dele”. Aí ficávamos esperando que o fulano aparecesse, pois só com ele podíamos resolver, pois era área dele. Então, eu me perguntava: “Por que esses outros estudantes estão aqui, se não conseguem nos ajudar no que realmente queremos e precisamos para começar a trabalhar?”. Outra coisa é que eles diziam, quando tudo começou, que nos íamos ser “incubadas” pela Universidade. O que é ser incubado? Aí eu pensava: “Será que eles querem que nós viremos galinhas?” O bom de tudo isso é que tem alguém que se interessa pela gente. A Universidade nunca se interessou pela gente. Nunca nem veio aqui. Se eles soubessem a vontade que temos de trabalhar... Só que, com nossas próprias pernas, é possível, mas é muito demorado, muito mais difícil [nesse momento, a entrevistada se emocionou e chorou] (Integrante dos EES).

 

                      Nessa perspectiva, a Universidade, que já tinha uma lacuna histórica com a classe trabalhadora, ao aderir aos novos referenciais calcados no mercado, viu ampliar-se essa lacuna (Chauí, 2001). Isso significa dizer que a grande maioria da produção científica interage pouco com os que mais precisam, os trabalhadores. Estes têm enorme carência de subsídios científicos para alicerçar suas ações no sentido de potencializar a construção de projetos alternativos de geração de trabalho e renda, no sentido de tencionar e, conseqüentemente, transformar a difícil realidade de exclusão social que os afeta.

                      Se não há, na atualidade, articulação entre o que é produzido e ensinado na estrutura universitária e a dura realidade que assola grande parte da população, as ações sociais, ou melhor, aquilo que se denominou extensão é realizado, na maior parte das vezes, numa perspectiva assistencialista.

                      Outro elemento apontado pelos sujeitos da pesquisa que influencia a prática de incubação no campo universitário é o modelo hegemônico de extensão universitária. A grande maioria dos atores acadêmicos manifestou que a proposta de economia solidária, através da Intecoop, por ser diferente das tradicionais formas de fazer extensão, encontra certas limitações ou até dificuldades no cotidiano. Entre os principais fatores que influenciam tal prática no campo da extensão estão a visão utilitarista e produtivista da Universidade, o assistencialismo e o preconceito ideológico.

                      O desdobramento disso é que a produção do conhecimento não tem gerado subsídios científicos para atender às demandas sociais vigentes no sentido de possibilitar a construção de projetos ou ações que possam transformar a dura realidade de exclusão e injustiça social, sobretudo no momento em que grandes parcelas da classe trabalhadora enfrentam grandes obstáculos, determinados pela reestruturação produtiva e pela reforma do Estado no Brasil.

                        A grande maioria dos atores acadêmicos e grande parte dos integrantes de empreendimentos econômicos incubados e que foram entrevistados acreditam que um dos maiores méritos da economia solidária advindos da Universidade (por meio das ITCPs) é a possibilidade de poder estruturar o trabalho numa perspectiva interdisciplinar. Do ponto de vista dos atores acadêmicos, isso é possível porque a Universidade[3] está composta por diferentes áreas do conhecimento científico, o que possibilita uma análise mais integral do objeto de estudo e, conseqüentemente, uma intervenção mais ampla. Um dos atores acadêmicos manifesta que as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, por estarem inseridas no espaço universitário e dele fazerem parte, têm possibilidade de “[...] dispor, para as iniciativas de economia solidária, de ferramentas de ação aos vários campos do conhecimento que lhes permitam alcançar seus objetivos” (Ator acadêmico).

                      Na perspectiva dos representantes dos EES, o trabalho interdisciplinar é muito importante para a consolidação de uma cooperativa, como no caso narrado por um dos participantes da pesquisa:

 

Nós fazíamos reuniões com a incubadora. Daí o pessoal nos orientava sobre todas as coisas, desde como fundar uma cooperativa até de tudo aquilo que era necessário para começarmos a trabalhar. Eles nos orientaram de como organizar uma assembléia e realizar reuniões para discutir e decidir as nossas coisas, de como deve ser prestado um serviço, de como se deve vender o teu produto, de como se deve chegar num cliente, de como conseguir novos contratos. Nós não tínhamos conhecimento sobre administração, da parte financeira, de como trabalhar em grupo. Nós não tínhamos idéia de nada. Estávamos muito confusos. A maioria não tinha estudo e nunca tinha trabalhado dessa maneira. Daí que as equipes de incubação foram fundamentais, pois os estudantes vinham para aqui, muitos deles ficavam dias inteiros com a gente, tiravam nossas dúvidas. Claro, muita coisa eles estavam aprendendo, nós também. Vou te dar um exemplo, a gente fazia a contabilidade, aí eles vinham aqui, nós mostrávamos para eles e discutíamos se estava tudo certinho. (Integrante dos EES)

 

                      A idéia de construir uma proposta de trabalho interdisciplinar, no campo da economia solidária, a partir dos recursos disponíveis na Universidade é considerada, pela grande maioria dos entrevistados, como um dos pontos fortes dessa prática. Entretanto a construção de uma proposta que busca olhar o objeto de intervenção através da interação de diferentes olhares vinculados às disciplinas ainda é um desafio. Isso porque, na Universidade, no transcorrer de seu percurso, se foi instituindo uma visão fragmentada e hiperespecializada sobre o “universo de estudo”. A questão da fragmentação do saber tem raízes históricas e está vinculada à “emergência de uma metodologia de estudo positivista hegemônica” que penetrou e atravessou “as consciências sociais” (Moraes, 1999, p. 12). Atualmente, frente a mudanças econômicas, sociais e políticas, essa visão encontrou um terreno fértil para se desenvolver no espaço acadêmico. Uma das conseqüências da ampliação da visão fragmentada no campo da pesquisa e da extensão é a realização de análises parciais, superficiais e unilaterais sobre a realidade.

                      A hegemonia de uma visão unidisciplinar sobre qualquer campo de estudo no espaço universitário é um fato que pode ser constatado, pois, quando existem outras visões mais integradoras e abrangentes, na maioria das vezes, elas se constituem em exceção à regra, conforme manifesta um dos atores acadêmicos participantes da pesquisa:

 

A Intecoop-UCPel, através do núcleo local Unitrabalho, é que tem um grupo interdisciplinar trabalhando na Universidade. É claro que têm outros pesquisadores de diferentes áreas trabalhando junto, mas esses são, geralmente, unidisciplinares e, quando muito, multidisciplinares. Além disso, quando eles trabalham em grupo, é para fazer trabalhos pontuais (Ator acadêmico).

 

                      A proposta de trabalho interdisciplinar diferencia-se da multidisciplinar e da pluridisciplinar “pelo nível de coordenação e cooperação entre as disciplinas” (Martins de Sá, 2000, p. 82). Enquanto, nestas últimas, há apenas uma justaposição de conteúdos e integração de disciplinas compondo métodos e teorias, a primeira estabelece uma interação entre as diferentes disciplinas, por meio de um processo de discussão, diálogo e reflexão, porém preservando a integralidade de seus métodos e dos conceitos da cada área.

                      Assim, a proposta de organizar um trabalho interdisciplinar na Universidade, para atuar no campo da economia solidária, além de ser um desafio, tem um significado muito importante para os atores acadêmicos, representando redimensionar a produção do conhecimento científico e sua relação com a sociedade:

 

A proposta da incubadora, por ser de caráter interdisciplinar, demonstra, para a Universidade, que existem outras possibilidades de se trabalhar, como interdisciplinarmente, pois é um trabalho que envolve não só diferentes áreas do conhecimento, mas também professores, técnicos, estudantes, bolsistas, não só desta universidade, mas de outras. Isso vem-se construindo cada vez mais na incubadora, e a tendência é ampliar. A interdisciplinaridade fica muito evidente para a Universidade em si, quando fazemos os cursos de formação e capacitação para trabalhar na incubadora, pois aparecem pessoas de todos os níveis e de todas as áreas do conhecimento (Ator acadêmico).

 

                       A implantação de uma proposta interdisciplinar no seio da instituição representa muito mais do que a interação das disciplinas no campo da produção do conhecimento e da intervenção. Ela demonstra uma [...] crítica a uma forma de educação fragmentada, que não vê uma ligação entre o que é produzido e o que é ensinado e o que pode servir de substrato para atuar [na sociedade]” (Ator acadêmico).

                      O exercício da proposta interdisciplinar no cotidiano do desenvolvimento das ações junto aos empreendimentos de economia solidária, para a grande maioria dos sujeitos integrantes da Intecoop-UCPel, tem sido um fator muito positivo para o processo de formação, como expressa uma das monitoras:

 

Faço parte das equipes interdisciplinares. O papel do monitor é o de acompanhar os grupos a partir das áreas específicas. Mas como tem essa proposta interdisciplinar, a proposta é de não se centrar nos territórios específicos de cada área, de a gente poder estar trocando. Fazer isso é um desafio por conta da formação acadêmica, das suas divisões e das suas especificidades. Isso, às vezes, no cotidiano com a cooperativa ou grupo, é meio complicado (...) Mas não é uma coisa que dá para homogeneizar. Essa interdisciplinaridade vai de cada equipe. A interdisciplinaridade, tu te comunicas com as outras áreas, mas tu ainda tens as tuas especificidades. Na transdisciplinaridade tu consegues uma mistura disso. Tive uma experiência muito legal da transdisciplinaridade. Às vezes, trabalhando junto, a gente esquecia das áreas de conhecimento a que pertencíamos. Porque a gente conseguia, coletivamente, com os grupos, romper isso em alguns momentos (Ator acadêmico).

 

                      Assim, no processo de incubação emergem diferentes tipos de experiências, que vão além do esperado, como relatou a monitora. Quando questionados sobre isso, alguns atores responderam que existem diferentes concepções sobre os objetivos do trabalho, sobre a metodologia, sobre conceitos básicos, como o de autogestão, viabilidade econômica, dentre outros, o que, em última instância, se reflete nas diferentes formas de operacionalizar as atividades. O que chama atenção é que esses conceitos, objetivos e metodologia estão descritos nos documentos (programas e projetos). A questão é: por que isso acontece? Entre os motivos principais manifestados pelos atores acadêmicos estão: (a) [...] a dificuldade que os professores têm de superar o foco especializado da intervenção, ou seja, de superar o caráter disciplinar”; (b) “preconceito muito forte ao uso de ferramentas de outras ciências, como as da administração e da economia”; (c) “a não-  -definição de conceitos e objetivos comuns sobre o processo de incubação”; (d) “inexistência de espaços de discussão e de avaliação do trabalho”.

                      Cabe ressaltar que a possibilidade de se construir e, conseqüentemente, de se operacionalizar uma proposta de interação entre as diversas disciplinas não tem por objetivo eliminar as diferenças. Bem pelo contrário, a proposta é reconhecer estas, mas sabendo que elas “[...]se reencontram, se complementam, contraditoriamente e dialeticamente, fundando-se o pressuposto epistemológico de que a verdade não se alcança a partir de uma única ciência, mas ela só se constitui num processo de concorrência solidária de várias disciplinas” (Martins Sá, 2000, p. 20).

                      A interação entre as diferentes disciplinas exige que o grupo da Intecoop mantenha um processo constante de ação, discussão, reflexão, avaliação e de adequação de perspectivas diferenciadas em relação ao processo de incubação.

                       Outro ponto importante é que, para a maioria dos atores acadêmicos entrevistados, a proposta de ação das incubadoras de cooperativas de cunho popular, por ser uma ação universitária, permite a construção de um projeto mais abrangente para atender aos empreendimentos de economia solidária, o que se constitui em um elemento característico dessa ação e diferenciador das demais ações nesse campo.

 

A Universidade se diferencia da Cáritas e de outros grupos no campo do conhecimento, portanto, a idéia de interligação entre as diferentes áreas, podendo pensar, potencializar, analisar e contribuir melhor para as diferentes necessidades que demandam as iniciativas de cooperativas populares, diferentemente da Cáritas, por exemplo, que aborda só uma questão. Isso porque hoje se sabe que existem outras questões envolvidas e necessárias para atuar no campo da economia solidária, como a questão estrutural de mercado, capacidade técnica de gestão do empreendimento, contabilidade, financiamento [...] (Ator acadêmico).

 

                      O fato de se dizer que a interdisciplinaridade é uma característica central das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares no campo da economia solidária não passa, necessariamente, pela concepção do que se entende por esse campo, mas, sim, pelas possibilidades estruturais que a Universidade oferece para nele se trabalhar, em relação às demais agências de apoio. Como manifesta um dos atores acadêmicos entrevistados:

 

Não estou dizendo que as ITCPs fazem isso. Só que as universidades têm essa possibilidade. O papel das universidades é trazer o senso crítico e, de outro lado, pegar o conhecimento técnico (gestão do negócio, contabilidade) e dar apoio. Por exemplo, o trabalho da CUT não dá conta disso, não é porque não perceba as várias dimensões necessárias para atuar junto aos empreendimentos de economia solidária, mas porque não tem possibilidade de fazer isso. A Universidade dá a possibilidade de articular o conhecimento acumulado nos diferentes campos e deslocá-lo para esses setores (Ator acadêmico).

 

                      Mas foi somente um dos atores acadêmicos que ressaltou, de maneira muito pertinente, que essa prática, por advir da Universidade, expressa limites e possibilidades que a diferencia das demais iniciativas de apoio aos empreendimentos de economia solidária:

Do ponto de vista das outras iniciativas de apoio à economia solidária, elas têm uma compreensão mais clara das demandas dos empreendimentos, porque seu objetivo é apoiar as instituições de ensino superior e, portanto, elas se estruturam e constroem uma lógica em função disso. Agora a Universidade, através das ITCPs, é uma das atividades que ela realiza, e essa atividade, por sua vez, está subordinada à lógica da Universidade, o que gera muitas contradições. Por outro lado, as iniciativas de apoio, embora estejam mais próximas das IES, carecem de produção de conhecimento interdisciplinar (Ator acadêmico).

 

                      A construção prática de incubação a partir da interação das diferentes áreas do conhecimento é uma proposta em constante processo de construção, que vai sendo definida e redefinida de acordo com a experiência que se acumula junto aos empreendimentos de economia solidária. Nesse sentido, a grande maioria dos entrevistados apontou a ampliação das diferentes áreas do conhecimento participantes do processo de incubação como uma das mudanças importantes para melhorar a ação. Como relata um dos atores acadêmicos:

As primeiras incubações nossas ficavam muito centradas na questão da constituição dos grupos, da idéia de autogestão, organização. Não tínhamos condições, naquele momento, de resolver questões de mercado, questões técnicas, jurídicas, de marketing de produtos. Ainda temos esses problemas, mas avançamos em relação a isso, na medida em que conseguimos envolver cursos ligados à área de comunicação, economia e marketing. Isso nos dá uma maior facilidade para enfrentar as questões estruturais. Os avanços foram ampliar a diversidade do corpo docente, dos estudantes e de áreas afins (Ator acadêmico).

 

                      Esse depoimento expressa o longo caminho e o esforço que o grupo de trabalho vem empreendendo não só para perceber e atender as diferentes necessidades que demandam os grupos, mas para poder organizar uma proposta de ação ampla e concreta.

                       Portanto, as ITCPs encontram-se, em sua quase-totalidade, vinculadas às áreas de extensão das universidades. De alguma forma, as limitações impostas às áreas de extensão das universidades têm se refletido no trabalho das incubadoras. Apesar dessas limitações, as universidades oferecem importantes potencialidades para sediar processos de incubação, principalmente pela sua qualidade e pela diversidade de seus recursos técnicos e científicos, manifestos pela interdisciplinaridade da ação. Por outro lado, a própria existência das incubadoras tem contribuído para a revitalização das áreas de extensão e, em sentido mais amplo, vem favorecendo a produção de conhecimento, promovendo renovação do ensino, por meio de formação e qualificação de profissionais voltados para as questões do mundo do trabalho, em especial a economia solidária.

 

Considerações Finais

                      O presente texto teve por objetivo analisar a prática de economia solidária proposta pelas Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, a fim de compreender as determinações econômicas e sociais que propiciaram o desenvolvimento e a ampliação da economia solidária no Brasil.

                      Constatou-se que, frente às transformações produtivas e ao desemprego, houve um movimento de reação composto por diferentes segmentos da sociedade civil e pelos próprios trabalhadores engajados na construção de formas alternativas de organização para gerar trabalho e renda. Tais alternativas buscavam viabilizar-se enquanto empreendimento econômico a partir da reunião solidária de trabalhadores. Foi nesse cenário que começaram a surgir as cooperativas de produção, de serviços, de consumo, associações de produtores, fábricas falidas recuperadas pelos próprios trabalhadores, clubes de trocas, etc. Essas formas alternativas de organização são experiências baseadas nos laços da solidariedade entre os seus partícipes e consideradas uma alternativa, na medida em que, juntos, procuram se inserir no mercado de trabalho. Esse conjunto de experiências econômicas e sociais em busca de geração de renda vem sendo denominado economia solidária.     

                      Entretanto essas iniciativas são obrigadas a concorrer no mercado de bens e serviços com empresas tradicionais, mas em condições de desvantagem, pois a grande maioria dos integrantes dessas iniciativas carece de recursos financeiros e de conhecimento necessário para gerir, administrar e viabilizar economicamente o seu empreendimento. Assim, o acesso ao mercado está limitado, em parte, pelas características do público-alvo. É nesse campo que surge um conjunto de iniciativas de apoio, entre as quais se incluem as universidades, por meio das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares. Elas iniciam como projetos, programas de extensão acadêmica, com a finalidade de disponibilizar conhecimento técnico-científico, produzido e difundido pelas universidades, às iniciativas de economia solidária, permitindo a viabilização destas em empreendimentos econômicos autogestionários surgidos nas universidades brasileiras. Historicamente, a primeira incubadora foi implantada na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1995. Atualmente, existem cerca de 33, distribuídas em todo o território nacional.

                      A partir da análise da prática de economia solidária proposta pela Intecoop- UCPel, percebe-se que essa experiência de apoio não pode ser avaliada somente pelos resultados quantitativos obtidos junto aos empreendimentos. Suas potencialidades vão além, propondo a revitalização do papel social da Universidade frente aos problemas que afetam grande parcela da população, na busca por construir projetos ou ações que possam transformar a dura realidade de exclusão e injustiça social, sobretudo no momento em que grande parte da classe trabalhadora enfrenta fortes obstáculos, determinados pela reestruturação produtiva e pela reforma do Estado no Brasil. Assim, essa ação da Universidade contrapõe-se à relação que a universidade historicamente vem estabelecendo com a sociedade, de prestação de serviços assistencialistas para esses setores populares e de privatização do conhecimento pelo setor empresarial.

                      Ademais, a incubadora demanda mudanças, no espaço acadêmico, no campo da pesquisa, tais como a explicitação de novos conceitos, a priorização de temáticas e de conteúdos não habituais a esse espaço, a transposição de linguagem da academia para o setor popular e o desenvolvimento de metodologias e procedimentos pedagógicos adequados à temática. O programa também vem propiciando novas experiências de aplicação dos conhecimentos adquiridos na academia, formando profissionais competentes, críticos e comprometidos com os setores mais vulneráveis da sociedade.

                      Por fim, conclui-se que a busca por geração de renda, através desses meios, é uma alternativa significativa que vem conquistando resultados. No entanto, não se pode generalizar a partir de respostas positivas e nem mesmo concluir que esse caminho é a solução para os alijados do mercado formal de trabalho e da proteção social, pois existe muita distância de interlocução entre a compreensão e a ação dos atores envolvidos: comunidades e universidades; universidades e mercado; e mercado e comunidades.

 

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* Texto elaborado a partir de pesquisas realizadas no NEPES/ PUCRS.

** Doutor em Economia. Professor Titular Permanente do PPGSS/PUCRS. Contacto: CNelson@pucrs.br

*** Mestra em Serviço Social pelo PPGSS/PUCRS.

[1] No Brasil, mais da metade das micro, pequenas e médias empresas (56%) fecha as portas até o terceiro ano de vida, segundo dados fornecidos pelo Sebrae (Fonte: www.commerce.org.br).

 [2] O termo economia solidária foi proposto pelo Professor Doutor Paul Singer, da USP, em 1996.

[3] A Universidade Católica de Pelotas, atualmente, possui 27 cursos de graduação, dois cursos seqüenciais, três cursos de pós-graduação stricto sensu  e 11 de pós-graduação lato sensu.