Fabio Luciano Violin*
Denise Abrão Nachif**
Maria Augusta de Castilho***
Universidade Estadual Paulista – Unesp, Brasil
Email: violin@rosana.unesp.br
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Resumo: A proposta desse estudo pauta-se na busca por evidenciar a relação entre o artesanato e o meio ambiente imbuído da importância e emergência de trazer à tona a discussão a respeito da sustentabilidade. Por meio de fontes de natureza bibliográfica foi possível discutir de forma breve alguns antecedentes e decorrentes da indissociável vinculação do homem com o meio traduzido no clamor tanto de estudiosos quanto de pessoas que se valem do senso comum em uníssona percepção de importância de adequação das atividades humanas aos conceitos que permeiam e perpassam os vértices do produto sustentável como lógica da produção artesanal.
Palavras-chave: Artesanato. Meio ambiente. Sustentabilidade. Cultura. Desenvolvimento.
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Fabio Luciano Violin, Denise Abrão Nachif y Maria Augusta de Castilho (2019): "Artesanato sustentável e o ambiente natural: análise preliminar no estado do estado do Mato Grosso do sul", Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, (agosto 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/oel/2019/08/artesanato-sustentavel.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/oel1908artesanato-sustentavel
Introdução
As atividades artesanais, no âmbito da evolução tradicional dos meios de produção têm se constituído ao longo do tempo fontes de registro culturais.
Atualmente, alguns registros evidenciam a apreensão do artesanato inserido em um modelo social, econômico e ambiental, com vistas à produção sustentável. Desse modo, o objeto discutido nesse estudo recai sobre o artesanato sustentável e o ambiente natural, ao ensejar relacionar a necessidade da produção do artesanato com o modelo estreito preconizado de meio ambiente e sua relação com o desenvolvimento sustentável.
Do ponto de vista teórico, o estudo foi atribuído pelas ciências sociais, na apreciação, em especial, de conteúdos advindos do turismo, da sociologia, da cultura e diversos elementos provenientes do conhecimento acumulado relativo ao ambiente.
Da metodologia aplicada, o primeiro procedimento ocorreu via pesquisa de cunho bibliográfico, ou seja, o contato direto do pesquisador com o que foi escrito sobre determinado assunto, o qual segundo Marconi e Lakatos (2008) permite ao pesquisador reforço de suas análises na pesquisa ou a manipulação de suas. Foram levantadas informações de fontes diversas referentes ao contexto da relação entre o homem e o meio ambiente perpassando pela emergência de ações vinculadas a sustentabilidade focada essencialmente nas informações advindas de fontes governamentais e material jornalístico.
O trabalho foi de cunho exploratório, o qual segundo Gil (2008) pode proporcionar maior familiaridade em relação ao problema geralmente, mas, não exclusivamente vinculado a pesquisa de natureza bibliográfica, pois não obstante a temática “artesanato”, encontre na literatura especializada farta quantidade de material, o foco de atenção recai fundamentalmente na análise da relação entre o homem e o meio ambiente, que em essência é tema relativamente novo e ainda com grande espaço para exploração e explanação teórica.
É relevante definir sua natureza qualitativa a qual pode ser conceituado como aquela cujo “pesquisador deverá definir os procedimentos adequados ao caso que se pretende estudar de modo especifico, podendo ter que mudar a conduta quando estiver realizando a pesquisa de campo se a situação exigir” (DENKER, 2007, p. 119). Tal posicionamento servirá de base para a ampliação em futuros estudos dentro do mesmo campo de análise ao se valer de outros procedimentos como, por exemplo, estudo multicaso, cuja definição é dada por Trivinos (1997), salientando que tal tipo de estudo permite a análise de dois ou mais casos sem necessariamente comparar os resultados obtidos em cada um deles, que os dados foram mapeados pela Fundação de Turismo de Mato Grosso do Sul (2014), sendo o principal elemento norteador de análise nesse estudo.
Fontes secundárias como dados da Fundação de Turismo do Mato Grosso do Sul foram utilizadas para reforçar a importância e a adequação da temática em análise.
O trabalho apresenta três partes: a primeira, intitulada Artesanato e Meio Ambiente, é descrita à preocupação com o contexto local e as suas relações diretas com o meio ambiente. Na segunda, a temática recai sobre o Desenvolvimento do Artesanato Sustentável, como “uso compartilhado e flexível dos bens comuns e serviços”, tendo como aporte a concepção de Manzini (2008). Nas considerações finais, aborda-se o artesanato e a sua relação direta com a natureza, uma vez que a sua matéria prima revela a relação do homem com o ambiente natural, social e econômico, apresentando uma relação de troca “simbiótica” e, portanto, indissociável ao menos no contexto da produção do artesanato e o entorno que o encerra.
1 Artesanato e Meio Ambiente
O artesanato - e suas acepções - apresenta-se como elemento relevante de análise pois, pode significar uma espécie de fiel da balança entre o contexto local e o âmbito global; entre a tradição de um grupo e a evolução dos meios de produção; entre o campo e a cidade, entre as tradições e o consumismo. Também podem desvelar elementos detalhados a respeito de dois tipos de visões diferentes: de um lado encontra-se o artesão e seus ideais não necessariamente alinhados com os preceitos do capitalismo, mas, por outro lado talvez esses ideais primários já apresentem elementos de confluência, sejam eles culturais, sociais, econômicos e ambientais ou alguma outra forma híbrida advinda dessa junção entre o produto da atividade artesanal e seu consumo o que em essência desassociaria o passado do presente (BARRETOS, 2005; BALLANTYNE et. al., 2009).
Tentar reconstruir um tempo ou conceito pode ser tão inócuo quanto preservar uma peça desvinculada de sua história, pois as circunstâncias que fomentaram seu surgimento como elemento de prazer ou utilidade deixaram de existir (BARRETO, 2005). Nesse sentido o homem e o meio ambiente configuram-se como elementos indissociáveis dentro de um contexto temporal e absolutamente vinculado a lógica de valoração de um determinado local, matéria prima, tradição, conceito ou ainda cultura.
É vital conceituar o que se concebe como artesão. Para tanto, aciona-se o postulado do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior em seu artigo 23 do Anexo I do Decreto nº 7.096, de 4 de fevereiro de 2010 que:
[...] o artesão é trabalhador que de forma individual exerce um ofício manual, transformando a matéria-prima bruta ou manufaturada em produto acabado. Tem o domínio técnico sobre materiais, ferramentas e processos de produção artesanal na sua especialidade, criando ou produzindo trabalhos que tenham dimensão cultural, utilizando técnica predominantemente manual, podendo contar com o auxílio de equipamentos, desde que não sejam automáticos ou duplicadores de peças (BRASIL, 2010, p. 11).
Segundo a mesma fonte o artesanato por sua vez compreende:
[...] toda a produção resultante da transformação de matérias-primas, com predominância manual, por indivíduo que detenha o domínio integral de uma ou mais técnicas, aliando criatividade, habilidade e valor cultural (possui valor simbólico e identidade cultural), podendo no processo de sua atividade ocorrer o auxílio limitado de máquinas, ferramentas, artefatos e utensílios (BRASIL, 2010, p. 12).
Considerando a esfera econômica de análise e por consequência sua decorrente relação com o meio ambiente pode-se apontar que as peças antes consideradas artesanais em sua essência e carregadas do caráter valorativo de uso na labutação cotidiana ou como elemento de lazer do artesão, passaram a ser embutidas de meios de produção de origem manufatureira com reduzido custo de tempo, dinheiro e esforço minimizado na produção, o que permitiu a ascensão das vendas de produtos dessa natureza. Tal advento leva ao apontamento realizado por Alves (2012, p. 165) o qual relata que o artesanato:
[...] perdendo suas articulações no conjunto das práticas sociais às quais estavam associadas primordialmente. Tornaram-se mercadorias e colocaram-se à disposição da população em geral e de turistas em postos de comercialização. Desvinculadas das necessidades sociais que estavam na origem das demandas culturais de antanho, passaram a atender, exclusivamente, à sede dos consumidores que veem nelas, quase tão somente, a sua função decorativa.
A preocupação concentra-se nas possíveis descaracterizações do artesanato, não exclusivamente da matéria-prima que o compõem, mas, de um contexto ambiental, social e cultural cujo equilíbrio seria dado pelo tripé renda, significação histórica e valores de uso (BAHL, 2003; RAMO, 2013).
É vital apontar que se não todo, mas, grande parte da produção considerada artesanal depende de modo estreito do meio ambiente. Argila, ossos, madeira, pelos, penas, folhagens, pedrarias e dezenas senão centenas de matérias primas têm sua origem no meio ambiente por meio da simples extração ou de processamento.
Desse modo afirma-se que a ligação entre o homem e o meio em que está inserido determina a continuidade ou não da confecção de peças artesanais. Ao se romper, por exemplo, esse processo produtivo pelo aumento de demanda pode-se estar incorrendo em sério risco ao dar o suficiente tempo para a natureza conseguir repor o que lhe foi tirado e por decorrência minar essa relação simbiótica.
Fato curioso é que em Bataguassu, na Nova Porto XV, existe em grande quantidade a oferta de peças representativas dos animais do Pantanal e que tal oferta surgiu do advento da retirada de famílias ribeirinhas por ocasião da construção da usina hidrelétrica na região. Não havia antes uma comunidade de artesanato nos moldes hoje encontrados.
O artesanato traz em sua essência a vinculação ao popular. Em algumas épocas, locais ou sociedades associou-se aos que eram excluídos econômica ou geograficamente a produção do que era considerado artesanal imbuído da representação de raízes, de tradições, fruto de uma lógica dominante em um determinado momento ou local ou ainda fonte de prazer desprendida do elemento pecuniário, que poderia então ser associado a uma forma de memória de expressão individual ou coletiva. Tal confecção em sua maioria trazia a extração da matéria prima da natureza e em um primeiro momento não estava necessariamente associada ao sustento desse artesão (CAMPOS, 2012).
Aponta-se nesse primeiro momento que entender a significação do que vem a ser cultura passa segundo Alves (2009 apud ALVES, 2012) pela impossibilidade de deixar de entender a cultura nas suas vinculações com o modo de produção, o que implica a consideração tanto dos produtos culturais quanto dos processos que os produziram além de sua vinculação com a natureza, “mercado” de onde o artesão extrai ou processa suas peças. Este autor aponta ainda que é, o modo de produção, que deve ser entendido como produção do homem de certo modo, é, também, o modo de produção da cultura. Observam-se casos em que o objeto está indissociavelmente ligado ao meio ambiente e carregado de significações, seja por meio da peça em si, do que a compõe da representação de um momento ou de uma junção de fatores que a torna única e imbuída de significados.
Mesmo que as peças venham a ser executadas com o auxílio de algum instrumento ou maquinário específico, a habilidade manual e a matéria prima que a compõem é o que imprime as características únicas, o qual reflete em última instância a personalidade do artesão e do objeto produzido, de um grupo ou localidade bem como sua relação direta com o meio ambiente, seu contexto social, além do cultura do local do qual emerge.
Estar-se-ia sendo raso aquele que ventilasse a concepção de que o popular seria algo engendrado necessariamente pelas classes sociais de menor renda e que também figuraria como algo estanque e fadado a replicação do passado. Canclini (2000) defende que o popular apresenta caráter daquilo que é construído e não do preexistente, ou seja, no espaço de construção do popular está o sujeito artesão e os objetos como elemento indissociável do processo fomentado dentro da relação entre o homem, sua história e o meio ambiente.
Campos (2012et. al, 2012, p. 242) discorre a respeito do que vem a ser uma peça artesanal:
[...] o cotidiano, à expressão popular de contexto, de um lugar, uma paisagem, uma memória ou um símbolo que se materializa pelas mãos dos artesãos em uma peça. Utilitária ou não, esta peça carrega algo daquilo que precisa ser dito e mostrado, remete a uma situação peculiar, faz uma ponte entre o singular e o social, encurta distâncias.
É importante apontar que antes o artesão era a pessoa que possuía o conhecimento e a habilidade de realizar todas as etapas de confecção de uma peça e em geral a extraia ou processava matéria prima advinda do meio ambiente figurando inclusive como um preservador e controlador ou retirar da natureza apenas o que seria necessário e sem destruir o seu entorno. Tal lógica fora sistematicamente sendo substituída pelo sujeito interessado no acúmulo da riqueza que contratou auxiliares, investiu em maquinaria, alterou formas e subsidiou processos de aceleração do produto, tornando-o fruto de processo estritamente manufatureiro e seriado quando o elemento econômico entrou em cena (BANDUCCI; BARRETO, 2001). Não são raros os casos de extração abusiva ou inadequada de matéria prima da natureza denotando a ruptura da harmonia entre o homem e o meio ambiente.
A partir do momento em que o homem passa a desrespeitar a forma de acesso, extração, uso ou mesmo ameaça o equilíbrio natural ao ensejar obter mais do que a capacidade natural de reposição de algum tipo de elemento é possível alertar para as consequências nefastas dessa desordem na natureza trazendo consequências variadas tais como escassez de matéria prima, descaracterização das peças, ausência de significação e outros problemas incluindo o mais grave que é a descontinuação das peças por falta de subsídios materiais ou culturais.
Alves (2012) descreve três modalidades de artesanato: ancestral, espontâneo e induzido considerando a organização técnica do trabalho artesanal bem como as razões envolvidas em suas origens.
De modo sucinto o artesanato ancestral abrange tanto grupos indígenas quanto sociais articulados de modo precário dentro do contexto capitalista, possuindo caráter coletivo e tendo suas atividades de execução geralmente vinculadas ao modo de operação das gerações anteriores. Possuí íntima ligação com a terra e com o espaço onde é produzido. As produções das etnias Kadiwéu, Kinikinau e Terena são representantes desse tipo de artesanato em Mato Grosso do Sul (ALVES, 2011).
Ainda segundo Alves (2012) o artesanato espontâneo tem caráter individual geralmente ligado a atividades anteriores que possibilitaram ao artesão ter domínio teórico-prático para a execução de peças ornamentais e que em essência exerciam a princípio tal atividade como modo de expressão pessoal que podem ou não ganhar conotação também econômica, mas que não deixa de apresentar apuro técnico e forte ligação entre o artesão e o objeto produzido aponta-se também nessa modalidade a interdependência vinculada ao ambiente natural. O catálogo do Centro Referencial de Artesanato de Mato Grosso do Sul aponta que são representantes desse tipo de artesanato artistas como Antônio Ricci, Araci Marques Vendramini entre diversos outros que originalmente ligados a atividades econômicas associadas às suas atividades e direcionados ao artesanato tão somente como necessidade pessoal de lazer (ALVES, 2014).
Já a terceira modalidade é o artesanato induzido que tem notadamente o elemento econômico como um de seus pilares por ser propagado como uma forma de melhoria da condição financeira de grupos, alvo em geral de organizações filantrópicas ou mesmo sem fins lucrativos. Alves (2014) aponta que podem ser representantes desse tipo de artesanato, por exemplo, Elizabeth Antunes, Fânia Catarina Martins dos Santos, Indiana Marques dentre outros. Também aponta associações como as de Rio Brilhante, Caarapó e Rio Verde, destacado que:
As exigências do mercado são o norte para o artesão pensar e aperfeiçoar os seus produtos. Resistência e aparência das peças artesanais, produção com certa escala, a dedicação exclusiva do artesão à sua atividade, prêmios, feiras e rodas de negócio quebram com a visão do artesanato como fonte de lazer e de complementação de renda (ALVES, 2012, p. 164)
É inegável que um novo tipo de artesanato tenha emergido ao longo das últimas décadas que seu o artesanato turístico. Banducci Júnior e Barreto (2001, p. 18) apontam que o “artesanato turístico representam objetos étnicos adequados ao gosto dos turistas e exemplificam que os pataxós resgataram [...] o artesanato utilitário para expor para si próprios como registro da sua memória, mas também quando dão um claro papel social ao “pajé-para-turistas”, diferenciando-o do pajé da comunidade”.
Os dois primeiros modos de produção artesanal apontam para uma indissociável relação entre o homem e a natureza, já os dois últimos apontam para uma lógica financeira de condução das atividades.
Observa-se que a ligação entre o homem, ambiente (natural e social) e o aspecto econômico formam um tripé de uma discussão da lógica que permeia a visão do passado, presente e futuro da temática homem, seu meio ambiente e que as configurações e reconfigurações da realidade são intimamente relacionadas às alterações em um ou mais desses elementos pertencentes ao tripé. Dessa forma a apreensão em não destruir o meio ambiente para sua sobrevivência. A necessidade financeira não deve ditar o ritmo da produção artesanal haja visto que sem o respeito ao tempo e a forma de reposição natural da matéria prima advinda do meio ambiente pode-se por exemplo, sofrer com a escassez retirando a possibilidade em última instância da execução da própria peça.
Desse modo a lógica que deveria ser seguida seria: a natureza guia o homem e o fruto financeiro dessa relação seria uma consequência e não um fim em si mesmo.
2 O Desenvolvimento do Artesanato Sustentável
O desenvolvimento do artesanato sustentável, em sua essencialidade, não é mais considerado um bem de consumo, adquire importância no momento em que se deposita uma divisão para o seu significado. Maldonado (2009) reflete acerca da diferença entre um artesanato manualmente, dito quente feito para a fruição de sujeitos sociais que identifica o produto pré-industrial, e de outro artesanato dito frio dirigido para a produção industrial e destinado ao consumo de massa.
Essas discussões são sensíveis para o valor e desenvolvimento do artesanato sustentável, distinguindo as suas produções. A primeira, dito quente, propõe-se o conceito de desmaterialização como base de um critério correto de desenvolvimento sustentável. A extensão da responsabilidade do artesão em relação ao lucro traz uma noção de grande relevância, que pressupõe mudança cultural, não só do artesão, mas também do consumidor (MANZINI, 2002).
Perante a essa menção, se aproxima o artesanato sustentável dos valores estéticos, revelando assim o valor de amenidade do sujeito, um valor não material e, portanto um valor correlativo que é dado pela percepção do sujeito, ou seja, um segundo valor, não necessariamente revelado, pois os custos e benefícios devem ser inseridos no produto.
Brasil (1997) dimensionou que a importância dada ao objeto estético não são valores encerrados na acepção estrita do que encerra a palavra, como os valores éticos ou os valores de bens, mas há algo que é expresso de forma vital para todos capaz de viver por si próprio atingindo a memória, lembranças e afetos.
Nietzsche (1895 apud BRASIL, 1997) chegou a afirmar que questionar o valor tinha mais importância do que questionar o ser, pois do ponto de vista historicista, a humanidade tem se regido pelos valores de cada momento histórico - social e cultural. Manzine (2002) indaga: É possível estabelecer uma convergência entre as descontinuidades socioculturais em direção a sustentabilidade ambiental? Para tentar responder tal questionamento, o autor reflete acerca das previsíveis mudanças em curso, ao mesmo tempo em que há uma grande divergência. Para alguns, as transformações sociais e culturais aparecem como uma catástrofe social e, para outros, como uma libertação da humanidade dos velhos vínculos da matéria e da biologia.
Assim, os valores estariam além da realidade e da consciência, e os homens seriam apenas receptivos em relações a eles. Hartman (1980 apud BRASIL, 1997, p. 26) acorda da seguinte maneira “é por mediação dos sentimentos que se dá o conhecimento dos valores. São forças independentes que escapa a toda influência da vontade humana”
Dessa forma, para Brasil (1997) o desenvolvimento do artesanato se mistura com a própria cultura local e material, atuando a partir de um hábito cultural, com um significado utilitário e perceptual no meio social.
A despeito disso, Vásquez(1999) reflete acerca da sociedade industrial em que vivemos, levando em conta um conjunto de critérios: produtos estéticos na concorrência da venda e lucro de uma sociedade mercantilizada; aspectos utilitaristas onde a utilidade pode ser avaliada apenas economicamente, mesmo que não participe do fervor mercadológico da sociedade de consumo, pois até a indústria precisa do artesanato e de seus recursos inventivos e técnicos. Como se sabe, a indústria é uma atividade para produzir e criar objetos, implícito aqui o seu cunho utilitário relativo a bens de serviço (MALDONADO, 2009).
Partindo do contexto produtivo artesanal e industrial, além da ideia de potencializar a conjuntura regional e a contribuição do sustentável, Manzini (2008, p. 33) assinala as tendências nos objetos artesanais e industriais “o uso compartilhado e flexível dos bens comuns e de serviço” com o intento de favorecer as pessoas e diminuir os resíduos numa abordagem estratégica ambiental, social e econômica.
Desse debate emergente e ampliado, segue a necessidade da discussão dos processos que contemplam os aspectos ambientais, onde o objetivo principal é desenvolver produtos minimizando os impactos e os resíduos, contribuindo para o desenvolvimento sustentável por meio da utilização de materiais menos nocivos ao meio ambiente, ou seja, uma nova produção diretamente dimensionada pelo contexto sócio cultural. Manzini e Vezzoli (2002, p. 55) assinalam que:
A transição por escolha só poderá ter lugar se um grande número de pessoas reconhecerem, na própria transição, uma oportunidade para melhorar o seu grau de bem estar. Mas, para que tudo isso possa surtir efeito no quadro da redução dos consumos dos materiais que, todavia, vai ser necessária, é preciso que sejam transformados juízos de valores e os critérios de qualidade que interpretam a ideia de bem estar. Para delinear o nosso cenário neste terreno é, pois, necessário imaginar que haja uma profunda mudança na cultura até aqui dominante.
Do processo de mudança cultural, torna-se emergente o conhecimento do artesão a respeito da biodiversidade, planejando cuidadosamente o procedimento de produção, reduzindo o uso de matéria prima, reusando-a e reciclando-a, na responsabilidade social do uso sustentável dos materiais. A exemplo disso, pode-se constatar regulamentações do estado de Tocantins acenando para que a colheita do capim dourado - matéria prima usada na confecção do artesanato da região do Jalapão - só poderá ser realizada entre setembro e novembro de cada ano, no intuito de amortizar a sua extinção. (SCHIMIDT, 2005)
Surge dessa forma um novo modelo sustentável de produção, certamente as redes de produção serão desenvolvidas com a preocupação de um modelo social, econômico e ambiental.
Na mudança desse cenário, é proposta uma desestabilização de modelos culturais. Veiga (2005) questiona se é possível estabelecer um diálogo entre os arroubos socioculturais e com a transição em direção à sustentabilidade ambiental? Na tentativa da resposta, uma das possibilidades existentes seria verificar as mudanças em curso, principalmente na prática dos artesões, como libertação de velhos modelos, até mesmo os impostos pela sociedade.
A sensibilidade dos homens, em relação à discussão proposta nos leva a acreditar, conforme Manzini e Vezzoli (2002) que discutir a transição para a sustentabilidade é discutir a respeito dos modos e dos tempos de tal processo:
É claro, de fato, que quanto mais tarde se percebem os feedbacks e quanto mais tarde se reage, mais traumática vai ser a mudança. E também é claro que, quanto maior for à escala dos valores identificados, mais vastos eles serão; e quanto mais difícil for administrá-los (e, potencialmente, ainda mais perigosos para a liberdade individual) maiores devem ser os poderes para colocar em ação as respostas. (MANZINI; VEZZOLI, 2002, p. 58)
Em outras palavras, um modo provável para atingir a sustentabilidade na “mão artesanal” da produção, sem perder os seus aspectos regionais e pitorescos, é a valoração da consciência dos atores sociais na aquisição dos recursos do meio ambiente, um novo aprendizado, para o artesão, para o consumidor e para as políticas pertinentes.
Manzini e Vezzoli (2002) aludem ao fato de que cada ação humana determina uma carga e descarga para o meio ambiente, um problema vital, comprometendo o potencial dos recursos naturais.
Dessa forma, os estudiosos propõem que o tema da sustentabilidade seja um valor da responsabilidade e do equilíbrio, não só da natureza, mas do homem em especial.
A respeito do desenvolvimento sustentável, em sentido amplo, Veiga (2008) menciona que enfrentamento do problema do lixo é um dos grandes efeitos benéficos. Já em relação à manufatura de qualquer produto, incluindo o artesanato, e do seu descarte, o produtor deve criar estratégias observando em especial o consumidor. Este outro lembra que cada produto vem acompanhado com a sua embalagem (única ou dupla), alimentando o volume do lixo, que toma cada vez mais espaços no cenário urbano.
Por esse caminho pode-se verificar que a escolha da porta para o desenvolvimento sustentável, dado pela produção ou ação humana, emerge uma mudança pautada no bem-estar humano. Veiga (2005) traz à baila o papel do artesão (produtor) e do artesanato (produto), um paradigma com resultados de ordem cultural e educacional.
A cultura está diretamente atrelada com o hábito do homem, com um significado utilitário e perceptual no meio social, portanto, novos hábitos e novos significados nos levarão certamente aos padrões sustentáveis. Quanto à concepção educacional, a transição para a sustentabilidade pode ser vista como um processo de adaptação por meio da aprendizagem. Por outro lado, tem-se a capacidade do sistema social e produtivo de receber os feedbacks do ambiente e, em consequência disso, modificar-se (MANZINI; VEZZOLI, 2002).
Reafirmando porém, todas as ideias a respeito do desenvolvimento sustentável, as grandes indagações que cabem são aquelas que nos levam a conjeturar até que ponto a sociedade compartilha de forma responsável, com ações eficazes para os percursos para a sustentabilidade. Do artesão social que produz manualmente o produto sustentável e do mecânico igualitário que a indústria o consome, transportam suas ideias para a reutilização, evitando novas produções e novos materiais.
No âmbito social, a qualidade de vida e o bem estar está diretamente atrelada as melhorias sustentáveis, lugar de origem das políticas e instituições públicas que se configuram como instrumento de mudança. No ponto de vista de Veiga (2006) a política pública pode fazer com que a sustentabilidade aconteça de modo social, dando continuidade à vida democrática do sistema. Manzini e Vezzoli (2002, p. 75) asseveram que:
As instituições, aqui entendidas como todo e qualquer organismo capaz de expressar-se em nome da coletividade, tem, pelo menos em princípio, o poder de determinar a regra do jogo. Por isso elas têm evidentemente um papel fundamental na definição à sociedade sustentável. Porém, também se sabe que, ao desenvolver tal tarefa, as instituições encontram numerosas dificuldades.
Essas atividades governamentais que influenciam diretamente a população, de forma a intervir no bem estar, podem vir a configurar as desejadas mudanças de paradigmas, seja para que a nova cultura seja instaurada ou para que o processo educacional seja contínuo em sua realização. Ainda que a transição da sustentabilidade envolva todos os atores sociais, requer dos promotores da mudança, uma pré-configuração dos novos objetivos e definição de passos para poder alcançá-los.
Considerações finais
Evidenciar a interdependência entre o homem e o ambiente por meio de suas inter-relações traz à tona discussão a respeito da premência de se aventar a relevância dos elementos perpetrados dentro de um contexto de sustentabilidade. O artesanato traz em sua essência a vinculação com o meio ambiente dentro de uma ligação figurativamente simbiótica.
Para exemplificar, essa discussão observa-se que a Fundação de Turismo do Mato Grosso do Sul aponta pelo menos cinco grandes áreas de destaque para a produção artesanal no estado, são elas: Campo Grande, Pantanal, Bonito e Serra da Bodoquena, Rota Norte e Costa Leste. Em todas as regiões existe a relação forte entre o artesão e meio ambiente natural via extração de matéria prima como a argila, fibras palha, madeira, fio de buriti, caraguatá, granito, carandá, bambu, couro e baguaçu entre outras, além do aproveitamento de materiais que seriam normalmente descartados como o couro do peixe, ossos e retalhos de couro bovino.
Observa-se que a interação com a sociedade também se faz presente por meio de pontos específicos de comercialização tradicionais nas regiões, bem como a ação de associações de artesãos atundo em prol da manutenção e desenvolvimento da atividade no estado.
Segundo dados da Fundação de Turismo do Mato Grosso do Sul (2014) a utilização das matérias primas originárias nas cinco grandes áreas de produção artesanal contrasta com a entrada ainda que embrionária por exemplo, de produtos feitos com o capim dourado na cidade de Bonito. Essa matéria prima não faz parte dos elementos originários das peças produzidas no estado, o que acende uma espécie de sinal de alerta quanto a importância do uso dos elementos internos, bem como põem em observação a entrada de produtos chamados de artesanatos típicos fora de sua região de origem.
A título de exemplificação da organização artesanal de MS observa-se a existência, segundo a Brazil Planet (2012) de entidades representativas no estudo tais como: Proart, Associação de Artesãos de Mato Grosso do Sul (Artems), Federação dos Artesãos de Mato Grosso do Sul (Fenarte), Sindicato dos Artesãos de Mato Grosso do Sul (Sinart), União dos Artesãos (Uneart), Incubadora Zé Pereira e os artesãos da Praça dos Imigrantes. O que em última instância aponta para a estruturação do setor de modo organizado.
É vital observar que a confecção das peças artesanais no estado tem em sua essência forte vinculação com o meio ambiente e dele depende em vários casos de modo visceral, ou seja, sem os elementos advindos da natureza e trabalhados pelo artesão não há peça. Esse fato por si só seria suficiente para demonstrar a relevância do ambiente para o artesão.
Contudo, o uso de modo inadequado dos recursos advindos da natureza já causou, causa e provavelmente causará problemas de relevante monta em diversos segmentos e o artesanato é um desses setores que são diretamente afetados por transformações na natureza.
O tempo do homem parece ser diferente do tempo da natureza. O desrespeito ao tempo que o meio ambiente leva para repor ou voltar a um estado anterior é palco a muitas décadas de abuso por parte do homem e tal afirmação encontra eco se forem consideradas as alterações nas características e usos de materiais diversos dos originais quando da produção desses artefatos.
Diversas catástrofes, extinções de animais e plantas, alterações climáticas entre dezenas de outros eventos trouxeram já a algum tempo fortes questionamentos quanto a importâncias de ações sistemáticas vinculadas a sustentabilidade, o que em última instância é uma questão de sobrevivência da vida dentro do meio que o cerca.
O artesanato traz como um de seus elementos essenciais a matéria prima que na maioria das vezes provém da natureza, porém, ao se dar conotação industrial a uma peça e iniciar-se a produção seriada, incorre-se no risco de perturbar a harmonia e a essência do relacionamento homem e A ambiente o que em última instância pode provocar sérias e irreversíveis transformações ambientais negativas.
Referências
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