Igor de Menezes Larruscaim*
Felipe Montini**
Ravena de Carvalho Reis Batista***
Adriano José Pereira****
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Brasil
Email: igor_menezes06@hotmail.com
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RESUMO: O estudo tem como objetivo realizar uma discussão sobre desigualdade de renda sob a perspectiva da economia institucional, com ênfase no caso Brasileiro. Para tanto, o estudo mantém o foco sobre o gasto social e, principalmente sobre as mudanças nas políticas de redistribuição de renda como sendo uma forma de mudança institucional. Se busca analisar e realizar uma discussão teórica sobre o tipo de impacto que essas mudanças institucionais exerceram sobre a desigualdade de renda no país. O Brasil passou por significativas mudanças econômicas, políticas e institucionais a partir da metade dos anos 1990 e durante os anos 2000, apresentando mudanças nos níveis de desigualdade. O que se concluiu através dessa abordagem é que a ampliação do gasto social no Brasil representou um compromisso institucional constituído formalmente desde a Constituição Federal de 1988 até a consolidação das políticas sociais nos anos 2000. Os desafios que surgem para o país, dentro dessa perspectiva, é como alcançar a qualidade institucional que possibilite a redução da desigualdade de renda.
Palavras chave: Desigualdade de renda; instituições; gasto social; redistribuição de renda; Brasil
Classificação JEL: B54, D31, E02, J68
ABSTRACT: This study aims to conduct a discussion on income inequality from the perspective of the institutional economy with emphasis on the Brazilian case. To do so, the study maintains the focus on social spending and especially on changes in income redistribution policies as a form of institutional change. It seeks to analyze and conduct a theoretical discussion about the type of impact that these institutional changes have had on income inequality in the country. Brazil has undergone significant economic, political and institutional changes since the mid-1990s and during the 2000s, with changes in levels of inequality. What was concluded through this approach is that the expansion of social spending in Brazil represented an institutional commitment formally constituted from the Federal Constitution of 1988 until the consolidation of social policies in the 2000s. The challenges that arise for the country, within this perspective, is how institutional quality that enables the reduction of income inequality.
Key words: Income inequality; institutions; social expenditure; income redistribution; Brazil
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Igor de Menezes Larruscaim, Felipe Montini, Ravena de Carvalho Reis Batista y Adriano José Pereira (2019): "Desigualdade de renda e gasto social no Brasil: uma perspectiva institucional", Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, (junio 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/oel/2019/06/desigualdade-renda-brasil.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/oel1906desigualdade-renda-brasil
. Introdução
A desigualdade e seus diversos aspectos podem ser vistos e estudados através de diferentes concepções, sendo um fenômeno que pode incorporar outros elementos além da renda, seja desigualdade racial, de gênero, regionais. Nesse estudo, para fins metodológicos utilizou-se a desigualdade de renda como enfoque, dado que, as outras formas de desigualdades também atuam de forma determinante para os níveis de desigualdade de renda pois estão diretamente relacionadas às oportunidades e diferenças no mercado de trabalho atribuídas a determinados grupos de indivíduos.
A discussão sobre desigualdade de renda, no âmbito das ciências econômicas, ganha destaque principalmente pelo trabalho seminal de Kuznets (1955) que identificou uma tendência de redução da desigualdade de renda, no longo prazo, à medida que uma economia está em uma trajetória de crescimento econômico. Outros elementos são inseridos na discussão sobre desigualdade de renda como a análise de bem-estar a partir das utilidades individuais de Atkinson (1970) E mais recentemente o tema voltou a ganhar destaque com o estudo de Piketty (2013) que analisa a questão da distribuição de renda desde e século XVIII até o início do século XXI e destaca a trajetória recente de elevação da desigualdade de renda em âmbito global.
No entanto, o tema desigualdade ainda gera controvérsias quanto aos seus conceitos e muitas vezes sobre sua relevância. Este é um tema que passou a retomar uma posição de destaque dentro da academia e da esfera política a partir dos anos 1990. Em âmbito global, as mudanças no cenário político-econômico internacional ocorridas no final dos anos 1970 e durante os anos 1980 com o fim das políticas de bem-estar social que parte dos países ocidentais vivenciaram desde o período pós-guerra e a retomada das políticas econômicas baseadas no ideário liberal relegarão a discussão sobre desigualdade economia à relação conflituosa entre equidade e eficiência. Acompanhando o cenário político o interesse acadêmico no assunto se reduziu principalmente no campo das ciências econômicas (SOUZA, 2016).
No cenário nacional, as políticas de combate à desigualdade foram deixadas em segundo plano durante os anos 1980 devido à grave crise do processo de inflação enfrentado pelo país, discussão que ganhou grande relevância na academia e principalmente no cenário político-econômico. Durante o início dos anos 1990, as políticas de estabilização macroeconômica continuam sendo pauta principal da agenda governamental, mas desta vez com o sucesso do Plano Real (1994) no controle da inflação ocorreu um processo de ampliação e criação de programas sociais e ampliação do gasto social, durante o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Esse processo se consolida posteriormente durante os mandatos do presidente Luís Inácio Lula da Silva através da unificação de políticas sociais e ampliação do seu alcance (GIAMBIAGI, 2011; ROCHA, 2013).
O que se pode destacar é que as mudanças nos níveis de desigualdade de renda estão intimamente ligadas a mudanças institucionais e os tipos de instituições vigentes em uma sociedade. E isto ocorre tanto em termos práticos como as políticas de distribuição de renda institucionalizadas no âmbito governamental, como também as instituições podem estabelecer o modo como o produto de uma sociedade é distribuído entre sua população. Como destacam Cimoli et al. (2017) os níveis de desigualdade passam então pela organização produtiva, social e institucional das sociedades. Nesse sentido, as instituições condicionam tanto o processo de crescimento econômico como a forma de distribuição da renda, a distribuição do produto não surge apenas como uma consequência dos mecanismos de mercado, mas é permeado também por estruturas políticas.
O estudo das instituições dentro das ciências econômicas envolve a análise de diversos elementos da estrutura social como fatores determinantes dos fenômenos econômicos. Leis, cultura, hábitos e códigos de condutas são fatores estabelecidos através das instituições e a desigualdade de renda, também pode se constituir como um desse fatores ou ser decorrente deles, ainda que seja abordado de maneiras bastante distintas entre as vertentes da Economia Institucional. Um dos autores associado a Economia Institucional Original, Veblen (1983) analisou como as instituições se estabelecem em uma sociedade a partir de uma estrutura de diferenciação social, destacando principalmente o que ele denominou como classe ociosa. O tema desigualdade também ganha destaque no trabalho de autores ligados a Nova Economia Institucional, com ênfase na história econômica, como Acemoglu, Robinson (2012) e Engerman, Sokoloff (2002) que destacam a relação da desigualdade com o surgimento e estabelecimento de instituições extrativas ou inclusivas.
Desta forma, dadas as significativas mudanças econômicas, políticas e institucionais que ocorreram no Brasil a partir da década de 1990 e durante os anos 2000, este estudo tem como objetivo realizar uma discussão sobre desigualdade de renda sob a perspectiva da Economia Institucional com ênfase no caso Brasileiro. Para tanto, o estudo mantém o foco sobre o gasto social e, principalmente sobre as mudanças nas políticas de redistribuição de renda como sendo uma forma de mudança institucional. O objetivo é analisar e discutir que tipo de impacto essas mudanças institucionais exerceram sobre a desigualdade de renda no país. Existem algumas limitações dentro desta proposta como o próprio fato de definir instituições de forma pratica e o estudo também não visa estabelecer relação estatística entre as politicas de redistribuição e os níveis de desigualdade. Logo, a proposta é realizar uma discussão teórica a partir desses temas utilizando o caso brasileiro como exemplo.
Além desta introdução, o artigo está estruturado da seguinte maneira: a segunda seção corresponde aos conceitos de desigualdade e a perspectiva institucional sobre o tema; a terceira seção descreve o cenário de desigualdade de renda e as políticas de redistribuição no Brasil; na quarta seção é realizada a discussão sobre gasto social, redução da desigualdade e mudança institucional e por fim, na quinta seção estão as considerações finais.
2. Desigualdade de renda e a perspectiva institucional
A definição de desigualdade de renda, enquanto fenômeno social, é resultado da relação entre a desigualdade de rendas do trabalho, que são basicamente as disparidades salarias, e a desigualdade de rendas do capital, que envolvem qualquer forma de retorno de valores decorrentes do direito de propriedade sobre o capital, como lucros, juros, dividendos, royalties, aluguéis, etc. A desigualdade de renda total é resultado da relação entre esses dois fatores. Sendo assim, à medida que a parte da população que detém as maiores rendas do trabalho também corresponde à parcela de pessoas que dispõe de elevadas rendas do capital, maior torna-se o problema de desigualdade de renda (PIKETTY, 2013).
Os níveis de crescimento econômico se relacionam diretamente com a distribuição da renda. O crescimento econômico é um fator crucial para o aumento da renda da população de um país e consequentemente podem levar, e se espera que isso ocorra, a redução da pobreza e desigualdade. No entanto, a existência de problemas sociais decorrentes da desigualdade de renda se relaciona ao grau na qual a desigualdade existe, pelo fato de que ao nível microeconômico as relações que as ligam, o crescimento e a renda per capita, são não lineares e, portanto, o nível médio dessas variáveis depende não apenas da renda, mas também de como ela está distribuída. Ou seja, os efeitos do crescimento do produto apenas produzem um impacto positivo de acordo com a forma como a renda é distribuída (BARROS, MENDONÇA, 1995).
O trabalho clássico de Simon Kuznets (1955) analisou a relação entre crescimento econômico e desigualdade de renda e estabeleceu as bases conceituais da Curva de Kuznets. O autor analisou dados referentes à distribuição da renda per capita e a participação dos grupos de rendas na renda total do país para os Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha e verificou uma redução dos níveis de desigualdade principalmente no período entreguerras. A principal constatação foi de que nos períodos de crescimento econômico, inicialmente ocorre um acirramento da desigualdade de renda e à medida que os países se mantem nessa trajetória de crescimento há uma tendência natural de redução da desigualdade de renda. A proposta teórica sugere que o avanço do desenvolvimento industrial inicialmente favorece aos grupos de alta renda, mas o avanço industrial e tecnológico permite a emergência de uma maior participação dos grupos de menor renda no produto nacional.
O trabalho de Kuznets foi pioneiro em utilizar uma extensa base de dados sobre renda, dados esses ainda escassos na época, assim como estudos sobre o tema. Ne entanto, os resultados obtidos pelo autor na década de 1950 não se demonstraram em décadas posteriores. Atkinson (1997, p.301) destaca que as mudanças nos níveis de desigualdades ocorrem muito mais de forma esporádica, ao invés de representar uma tendência ao longo do tempo. A trajetória de queda da desigualdade de renda não foi mais verificada após os anos 1960. Nos Estados Unidos, o período entre o final desta década e o inicio dos anos noventa a desigualdade de renda, medida pelo índice de Gini retornou à um patamar muito próximo ao verificado antes do declínio das taxas de desigualdade nos anos 1960. No Reino Unido a elevação da disparidade de renda foi ainda maior, “entre 1977 e 1991 o coeficiente de Gini aumentou em dez por cento”. E este foi um fenômeno constatado em demais países da OCDE, ainda que as taxas apresentadas no Reino Unido se destaquem.
Um dos desafios que surge para a teoria econômica é identificar e explicar os fatores que geram ou ampliam a desigualdade de renda, mesmo na presença do crescimento econômico. Segundo Atkinson (1997) os níveis de desigualdade de renda, medidos pelas disparidades salarias, podem ser explicados por outros elementos além das variações na oferta e demanda. As normas e costumes sociais podem ser um fator que reforça ou suprime as diferenças de remuneração. À medida que essas disparidades são menos aceitas socialmente, a desigualdade quanto instituição se torna mais frágil. Piketty (2013) também destaca que determinados períodos de queda da desigualdade de renda não podem ser explicados simplesmente pelas variações da oferta e demanda por trabalho. As negociações coletivas e criação de instituições laborais foram eventos cruciais para a redução da desigualdade de renda no período entreguerras.
A desigualdade econômica pode ser tanto representada como uma instituição econômica como também pode ser consequência das instituições vigentes em uma sociedade. Então, a possibilidade de análise da questão da desigualdade de renda sob uma perspectiva institucional decorre da ampla gama de elementos teóricos que as teorias institucionalistas incorporam no seu escopo de análise, considerando a complexidade dos fenômenos econômicos e a inter-relação entre estrutura produtiva, ambiente sociopolítico e institucional. Como destaca Conceição (2002) a consideração das instituições na análise econômica, dentre as suas diferentes vertentes de pensamento e conceitos de instituição, possibilita a compreensão à nível micro e macroeconômico dos processos de desenvolvimento econômico, reconhecendo o caráter diferenciado desse fenômeno e o que ambiente institucional envolve conflitos de interesses, disputas e incerteza.
As instituições, de acordo com Hodgson (2006), são estruturas que permeiam as formas de interação social e o reconhecimento do seu papel implica em reconhecer que tais estruturas podem moldar a interação e atividade humana através de regras que são codificadas ou implícitas nos padrões de comportamento do meio social. Então, como essa forma de análise engloba aspectos diversos dos fenômenos econômicos, uma avalição do cenário da desigualdade e as mudanças dessa situação a partir da reconfiguração das políticas sociais se mostra adequada através de uma perspectiva institucional. Assim é possível traçar uma discussão teórica de como as políticas sociais mudam sendo uma forma de instituição e como isso afeta o meio social.
Dentro da perspectiva da vertente denominada de Economia Institucional Original, Veblen (1988) em a Teoria da Classe Ociosa faz uma avaliação de como a sociedade industrial do final do século XIX se estruturava socialmente. A visão crítica do autor reconhece nessa sociedade um processo de institucionalização dos hábitos que caracterizam as classes sociais. As classes de mais alto nível de renda, de forma geral, se absteriam de qualquer forma de trabalho produtivo e se resguardariam ao ócio conspícuo. O trabalho produtivo seria relegado as classes de menor renda, pois sua subsistência depende diretamente do trabalho. Para a classe ociosa o trabalho seria visto como desprestígio, e o ócio e o dispêndio conspícuo eram formas de demostrar seu status social.
O valor do indivíduo na sociedade seria determinado pela comparação com os demais por sua capacidade de acumular riqueza e demonstrar isso através dos hábitos do ócio e consumo conspícuos. Esses hábitos de pensamento à medida que se tornam predominantes se tornam instituições e as formas de denominação das classes sociais se cristalizam e são demonstradas não apenas pelo poder aquisitivo, mas também pelos hábitos de comportamento e consumo dos indivíduos. Nesse sentido, as classes com menor renda passam a exercer em determinado grau uma forma de emulação dos hábitos da classe ociosa, na tentativa de demonstrar seu valor socialmente, de acordo com essa forma de instituição vigente (VEBLEN, 1988).
Essa estrutura de distinção social cristalizada nos hábitos de consumo pode ter um impacto não apenas sobre as formas de inserção social dos indivíduos, mas sobre as suas relações de trabalho. Bowles e Park (2005) se utilizam dos conceitos de emulação e consumo pecuniário proposto por Veblen para analisar a forma como a emulação pecuniária, ou imitação de um padrão de consumo afeta a alocação de horas de trabalho e aumenta a desigualdade de renda. Os autores usam como amostra 10 países durante o período de 1963-1998 e identificam que as pessoas de menor renda são levadas a trabalhar mais horas para conseguir atingir os padrões de consumo estabelecidos pelas classes intermediárias ou altas, e isso afeta diretamente sua renda, que apesar de apresentar acréscimos com maior tempo de trabalho é destinada a emulação do consumo.
Já na vertente chamada de Nova Economia Institucional as instituições podem ser entendidas como as regras do jogo de uma sociedade. De acordo com Douglass North (1991, p.97), as instituições são “constrições humanamente concebidas que estruturam a interação política, econômica e social”. Podendo ser elas: formais, que são normas que estão codificadas como regras legislações ou até mesmo políticas econômicas e também informais que são formas de conduta social presente nos costumes, cultura ou tradições. Na visão de North (1991), conjuntamente com a tecnologia, a as instituições moldam a estrutura de incentivos de uma sociedade e a direção rumo ao crescimento econômico ou à estagnação econômica.
As instituições podem afetar o crescimento e a distribuição de renda de duas formas, com a influência que exerce sobre a estrutura produtiva e sobre a organização normativa e social, que seriam as regras do jogo, bem como molda o comportamento dos agentes e também exerce influência sobre a forma como o produto é distribuído. Ao longo do tempo economias que ficaram presas a uma estrutura com poucos setores produtivos e não diversificada tenderam a concentrar o poder econômico e político entre determinados agentes. Esses agentes usufruem desse poder para mobilizar grandes montantes de recursos econômicos e fazer lobby contra políticas que não são de seu interesse o que dificulta a posição do governo em taxar os mais ricos e realizar políticas de redistribuição da renda (CIMOLI et al, 2017).
A distribuição do poder político em uma sociedade é um elemento fundamental na determinação do tipo de instituições que surgem nessa estrutura social. Acemoglu e Robinson (2012) destacam dois tipos de instituições econômicas: inclusivas ou extrativas. As instituições econômicas inclusivas geram os incentivos adequados para que os indivíduos possam utilizar da forma mais produtiva suas habilidade e conhecimentos, assim como geram um ambiente em que as oportunidades surgidas suscitem esse processo. Já as instituições econômicas extrativas garantem que os ganhos de produção da economia favoreçam principalmente uma elite econômica que detém grande parcela do poder político. Desta forma, os autores destacam a importância da garantia dos direitos de propriedade de forma ampla em uma sociedade, para que não ocorre nenhuma forma de expropriação do que é produzido pelos indivíduos por parte do governo ou outro grupo de poder. Isto porque, à medida que as instituições econômicas, que surgem para atender aos interesses das elites, se consolidam, maior será a capacidade de estas definirem as instituições futuras.
Engerman e Sokoloff (2002), ao analisar o processo histórico de colonização das Américas, destacam que os países na qual o processo de colonização se iniciou de forma desigual, onde as elites se apropriavam das maiores parcelas de terra e detinham a maior parte do poder político, apresentavam um nível maior de desigualdade atualmente. Ao ocuparem uma região as elites estabeleceram as regras do jogo destas sociedades, garantido que as estruturas politicas lhes proporcionassem vantagens em relação ao resto da população, levando a persistência de elevados graus de desigualdade ao longo do tempo. Já nas sociedades onde a população era mais homogênea em termos de renda e poder político, e não haviam maiores restrições ao acesso à terra, proporcionaram instituições que garantiam um grau de oportunidades maior à uma gama mais ampla da população.
De acordo com Menezes-filho et al (2006) dentro das interpretações sobre desigualdade a partir das instituições, mais especificamente para autores da nova economia institucional, existe o conceito de inércia institucional, o que implica que determinadas instituições, sejam elas mais propícias a distribuição de renda ou a concentração, uma vez adotadas e assimiladas perduram ao longo do tempo. Os autores argumentam que seguindo a linha de Engerman e Sokolof a desigualdade de renda restringe o acesso à educação e direitos civis perpetuando a desigualdade política. Já na visão de Acemoglu e Robinson é a própria desigualdade política que acaba gerando grupos de poder e perpetuando a desigualdade em uma sociedade.
Quando as instituições surgem em uma sociedade e ficam neste estado de inercia, as mudanças econômicas e sociais ocorrem de formal incremental em um processo que North (1991) denomina como dependência da trajetória(Path Dependent), logo as instituições que emergem contemporaneamente refletem as instituições que existiam anteriormente. Quando instituições como estruturas produtivas ineficientes e concentrados ou estruturas sociais que não privilegiam a distribuição de renda, elas, mesmo não proporcionando ganhos para a sociedade como um todo, podem gerar retornos institucionais para determinadas organizações. Essas instituições passam por um processo de autoreforço e acabam se mantando em uma situação de lock-in, perpetuando esses problemas e dificultando sua solução.
As instituições e a mudança institucional exercem uma influência sobre os processos econômicos ao longo do tempo. Evidentemente, o tempo na qual isso ocorre e o impacto das instituições vigentes será diferente para cada sociedade e isto dependerá de como ocorre o processo de autoreforço das instituições, já que ela ocorre em vários âmbitos da sociedade. Willianson (2000), elenca quatro níveis de análise social das instituições, sendo que os níveis mais altos impõem maiores constrições aos demais e, o nível mais alto representa o nível de enraizamento (embeddedness) dessas instituições. Nesse nível mais alto se encontram as instituições informais, costumes, tradições, cultura e religião. O segundo nível corresponde ao ambiente institucional formal como a estrutura governamental do Estado e o aparato burocrático. O terceiro nível representa a governança das relações contratuais, como formas de resolução de conflitos e por fim o último nível representa as instituições referentes a alocação dos recursos e os preços.
Na abordagem proposta por Willianson (2000) os níveis mais altos representam as instituições com maior grau de enraizamento na sociedade e por isso tem maior capacidade de moldar as demais categorias, quanto maior é esse enraizamento mais lento é o processo de mudança dessas instituições, podendo levar séculos no primeiro nível, enquanto que ao nível mais baixo, referentes as variáveis de alocação dos recursos e preços, essa mudança é continua. Uma das dificuldades que envolvem as análises focadas em intuições é enquadrar seu objeto de estudo em determinado tipo de instituição. Muitas vezes a escolha de variáveis pode dissociar os efeitos da relação existente entre os diferentes níveis de instituições. Mas as definições são necessárias para que se possa definir um conceito que possibilite avaliar o impacto das instituições e da mudança institucional nas sociedades.
Cimoli et al (2017), por exemplo, identificam na estrutura produtiva e institucional de uma economia os fatores determinantes dos padrões de desigualdade de renda. Mas, os autores também destacam a importância do gasto social como fator de redução dessas desigualdades, destacando que os países com maior grau de produtividade na estrutura econômica e elevado gasto social apresentam menores taxas de desigualdade. Nesse quesito se destacam os países escandinavos com maior produtividade e gasto social e consequentemente menores índices de desigualdade, enquanto que países pouco produtivos e com baixo nível de gasto social, como grande parte dos países da América Latina apresentam altos níveis de desigualdade de renda.
Estes últimos autores tratam o aumento no padrão de gasto social ocorrido em parte dos países latino americanos a partir do século XXI como uma forma de mudança institucional das políticas econômicas. Como, para dar prosseguimento à análise proposta é preciso definir o que se entende como intuições relacionadas à desigualdade de renda, ou políticas de redistribuição nesse caso, a discussão toma esse entendimento de mudança institucional a partir das mudanças nas políticas de renda, que representariam o segundo e terceiro nível definidos por Williansom (2000), referentes ao ambiente institucional formal e aspectos de governança. Mudanças que ocorreram de forma significativa no Brasil e que serão tratadas nos próximos tópicos.
3. Desigualdade de renda, gasto social e políticas de redistribuição no Brasil
O Brasil é, historicamente, um país com altos índices de desigualdade e de pobreza. No ano de 2017, os seis maiores bilionários do país possuíam riqueza equivalente à metade mais pobre da população brasileira, sendo que, dentre os países com dados disponíveis, o Brasil é o que mais concentra renda nos 1% mais ricos. A elevação da renda dos mais pobres não tem sido suficiente para reduzir as desigualdades brasileiras devido à assimetria na apropriação do crescimento econômico. Levantamentos apontam que entre 2001 e 2015, os 10% mais ricos se apropriaram de 61% do crescimento econômico, enquanto a fatia dos 50% mais pobres foi de 18%, sendo que, neste mesmo período, a concentração de renda no 1% mais rico manteve-se estável entre 22 e 25%. (OXFAM,2017).
A evolução da desigualdade e da pobreza no Brasil, a partir da redemocratização do país, pode ser observada através do Índice de Gini no gráfico 1 e do número de domicílios em situação de pobreza no gráfico 2, onde ambos os gráficos contém dados para o período de 1988 até 2014.
A evolução observada tanto no índice de Gini quanto no número de domicílios em situação de pobreza mostram uma considerável melhora, principalmente nos anos mais recentes. O índice de Gini que era de 0,616 em 1988 passou para 0,518 em 2014, registrando uma queda de 16% no período. Já o número de domicílios em situação de extrema pobreza passou de 5,08 milhões em 1988 para 2,28 milhões em 2014, totalizando uma redução de 55%, e nos domicílios em situação de pobreza, passou de 11,66 para 6,45 milhões entre 1988 e 2014, ou seja, uma redução de 44%.
Essas reduções no nível de desigualdade bem como na pobreza foram intensificadas através da ampliação de políticas sociais de transferência de renda e auxílio aos indivíduos mais carentes a partir dos anos 2000 e também pelo aumento sustentado do emprego e elevação dos salários reais no período. Enquanto que nas décadas de 80 e 90, as políticas econômicas e governamentais focavam principalmente no combate à inflação, a partir do plano real, a estabilização macroeconômica permitiu que o foco das políticas fosse a assistência social e combate à pobreza a partir dos anos 2000 (GIAMBIAGI, 2011; ROCHA, 2013).
No Brasil, as políticas sociais visando a redução das desigualdades sociais e da pobreza extrema cristalizaram-se, majoritariamente, em programas de transferência de renda. Os programas de transferência de renda consistem em transferências pecuniárias para a parcela da população que se encontra em situação de vulnerabilidade social, mesmo sem contrapartida. Na década de 90 o Brasil apresentava uma conjuntura social e econômica alarmante, evidenciando uma queda do rendimento do trabalho associado a um alto nível de desemprego, bem como o aumento da violência. Diante desse cenário, os níveis de pobreza e desigualdade social também se acentuaram, tornando necessária a intensificação desses tipos de programas sociais (SOUZA, 2013).
Desde então, emergiram diversos programas de transferência de renda na tentativa de diminuir a desigualdade social no Brasil, sendo os mais conhecidos e relevantes: o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), o Auxílio-Gás, o Bolsa Alimentação, o Bolsa Escola, o Cartão-Alimentação do Programa Fome Zero e o Bolsa Família.
Souza (2013) destaca que os programas de transferência de renda no Brasil não caracterizam- se apenas por apresentar um caráter assistencialista, atrelado somente à transferência monetária. Com a evolução dos programas, eles foram adquirindo um caráter mais estruturalista, como exemplo temos o Bolsa Família que apresenta um caráter triplo, condicionado à educação e saúde. Em 2003 deu-se o início do processo de unificação dos programas de transferência de renda (consolidado em 2004), unindo o Bolsa Escola, Auxílio- Gás, Bolsa Alimentação e o Cartão Alimentação do Fome Zero, dando origem ao maior programa de transferência de renda do Brasil, o Bolsa Família.
O Programa Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda com o objetivo de beneficiar famílias vulneráveis socialmente. O programa possui vários critérios, sendo o benefício concedido de acordo com a renda familiar per capita e a composição do domicilio em questão (crianças, aposentados, mulheres grávidas, etc.). Este programa é um programa de transferência de renda condicionado a alguns deveres, sendo eles: 85% de frequência escolar das crianças e adolescentes, cartão de vacinação atualizado das crianças de até 6 anos e visitas regulares ao posto de saúde pelas gestantes e lactantes (SOARES et al., 2006).
O surgimento dos programas de transferência de renda no Brasil foi muito importante para a política social brasileira, pois baseavam-se em uma garantia de renda mínima, incidindo primordialmente em famílias com adultos em idade economicamente ativa, aptos ao mercado de trabalho. Ou seja, os benefícios desses programas atuariam como um complemento à renda familiar. De 2001 a 2004 evidenciou-se uma desconcentração significativa da renda e redução da pobreza extrema no Brasil, tendo a desigualdade de renda familiar per capita alcançado o seu menor nível nos últimos 30 anos (IPEA, 2006). O quadro abaixo sintetiza os principais programas surgidos e seus objetivos.
O Programa Bolsa Família não se apresenta como solução final para a redução das desigualdades no Brasil, mas tem se tornado muito significativo na última década, pois ele consegue atingir a parcela da população mais carente. Cerca de 80% das transferências do programa incidem nos 40% da população mais pobre do Brasil e sustenta aproximadamente 20% da renda da população 10% mais pobre do país. Logo, é notório que um programa como o Bolsa Família é substancial para a redução da pobreza e desigualdade no Brasil (OXFAM, 2017).
Um contraponto aos programas assistencialistas do governo seria uma possível dependência da população mais pobre às transferências de renda, ocasionando um enfraquecimento do trabalho, consequentemente a resistência da pobreza. Nesse cenário, uma ascensão dos gastos sociais torna-se fundamental para uma melhoria socioeconômica dos indivíduos. No entanto, o viés qualitativo do gasto social é tão, ou mais, importante que o viés quantitativo (CEPAL, 2006).
Os gastos sociais refletem diretamente na melhoria da vida da população mais pobre. Em 2015 o valor correspondente à 17,5% do PIB foi direcionado a gastos sociais. Essa proporção é bem elevada se comparada a outros mais em desenvolvimento (na américa latina, apenas Argentina, Costa Rica e Colômbia apresentam níveis desse padrão). Desde 1995 os gastos sociais têm aumentado gradativamente. Esses gastos sociais se dividem em diversos serviços, assistências sociais e distribuição direta de renda. Nesse sentido, o conjunto de serviços proporcionados pelos gastos públicos, principalmente no tangente à saúde e à educação, juntamente com os programas distributivos proporcionam uma melhoria na vida da população mais pobre. Logo, todos os gastos sociais acabam por incidir na renda das famílias mais carentes, ocasionando, por sua vez, uma queda no índice de Gini durante os anos 2000 (OXFAM, 2017).
4. Redução da desigualdade e gasto social como mudança institucional
As mudanças no quadro social vivenciadas no Brasil desde meados dos anos 1990 e, que se consolidaram nos anos 2000, representam alterações nos padrões de vida da sociedade em uma intensidade ainda não constatada no país. Mesmo já tendo passado por períodos de grande crescimento econômico, a redução da pobreza e desigualdade nunca atingiram tal patamar. Pode-se considerar que ocorreu uma mudança no paradigma institucional. A estabilização macroeconomia e o crescimento econômico possibilitaram essa mudança, além das mudanças nas instituições formais representadas nas políticas públicas que demonstram um compromisso de buscar a redução da desigualdade. No entanto o Brasil ainda é um país muito desigual, a questão que surge é em que medida essas mudanças institucionais presentes podem alterar o quadro institucional vigente em nossa sociedade a um longo período.
As instituições presentes no Brasil são resultado de um processo histórico e refletem decisões políticas e econômicas do passado, a desigualdade atual também é um reflexo disso. Segundo Menezes-filho et al (2006) as desigualdades regionais presentes no Brasil contemporâneo refletem a formação sociocultural e economia desde o período colonial. Os autores buscaram explicar essas desigualdades, medidas pelo PIB per capita dos estados, pela diferença de qualidade das instituições, que envolvem fatores sociais presentes nos estados brasileiros desde o período colonial como acesso à educação, direito à voto, imigração. Todos esses fatores mostraram um efeito positivo para os estados brasileiros com maior renda, enquanto que os estados que apresentavam menores taxas nesses quesitos hoje apresentam um nível de renda mais baixo.
Seguindo nessa mesma linha, Naritomi, Soares, Assunção (2009) analisaram a qualidade das instituições locais e distribuição de poder político nos municípios brasileiros e, verificaram que estes sofreram um impacto direto do processo de colonização, quanto à desigualdade de renda. Municípios próximos ou pertencentes as regiões que faziam parte dos ciclos do ouro e da cana, caracterizados por suas instituições extrativas, apresentam um nível maior de desigualdade de renda e de terra atualmente. Os resultados encontrados pelos autores mostram que as formas de influência que as estruturas produtivas extrativas são refletidas de maneiras distintas atualmente, os municípios ligados ao ciclo da cana-de-açúcar apresentam uma pior distribuição de terras, enquanto que os municípios ligados ao ciclo do ouro possuem pior índices de governança e acesso à justiça, mas ambos os ciclos estão correlacionados com menores níveis de renda per capita.
Os estudos que envolvem a análise de variáveis históricas corroboram a noção de que a qualidade das instituições é um elemento que de grande influência sobre a trajetória de desenvolvimento de uma sociedade e muitas vezes instituições que geram desigualdades se perpetuam e são difíceis de serem superadas. Logo, as mudanças que ocorreram recentemente e, ocorrem atualmente, sofreram ou sofrem esse processo de dependência da trajetória em relação as instituições passadas.
As mudanças econômicas ocorridas no Brasil durante o século XX foram marcadas por dois aspectos: o crescimento econômico ocorreu de maneira cíclica e descontinuada e o aumento da renda não se reflete em redução da desigualdade social. A autora sugere que as instituições vigentes no país não se desenvolveram de forma à superar a dependência da trajetória marcada por traços patrimonialistas que se evidenciam até mesmo nas políticas de crescimento adotadas pelo Estado brasileiro em certos períodos do século XX. Mesmo com o investimento maciço em determinados setores, baseados em políticas protecionistas, não ocorreu um aumento na competitividade da estrutura produtiva e o sistema educacional e cientifico não apresentava estrutura que possibilitasse inovações tecnológicas, mantando o país em um patamar de baixa produtividade e desigualdade de renda (GUIMARÃES, 2016).
De fato, os níveis de crescimento da economia brasileira mantiveram o padrão cíclico entre as duas primeiras décadas do século XXI. As taxas de crescimento foram relativamente altas durante o período 2003-2010, apresentando uma média de 4,0%, puxadas pelo crescimento do setor externo e crescimento da demanda pelas commodities. Os resultados positivos do crescimento econômico intensificavam a demanda por emprego, reduzindo consideravelmente as taxas de desemprego que chegou a 7,0% no ano de 2010 (GIAMBIAGI, 2011). No entanto esse padrão de crescimento se reverteu nos anos iniciais da segunda desse século, os grandes aportes de investimento realizados pelo BNDES não foram suficientes para realimentar a demanda, a drástica reversão dos preços das commodities também contribui para a queda do ritmo de crescimento já desde 2011, caindo ainda ficar estagnado em 2014 (FMI, 2015).
O crescimento econômico e as condições do mercado de trabalho foram condições essenciais para a redução da pobreza e da desigualdade de renda na primeira década dos anos 2000. O salário mínimo real apresentou um crescimento considerável, principalmente para as camadas mais pobres da população. Os rendimentos médios dos trabalhadores em geral cresceram 30% durante o período 2004-2011, enquanto que para os trabalhadores na menor faixa de ganhos esse aumento foi de 74%. Formalmente as diretrizes de valorização do salário mínimo real foram estabelecidas em 2007 como forma de redução da pobreza e desigualdade de renda baseado no artigo 7º, inciso IV da Constituição Federal, que prevê que o poder de compra do salário mínimo deve ser mantido, e por essa política seu aumento real anual era equivalente ao crescimento defasado do PIB (ROCHA, 2013; MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2015).
O estabelecimento das políticas salarias baseadas em diretrizes constitucionais representam uma mudança na implementação e surgimento das instituições formais. O estabelecimento em lei da manutenção do poder de compra estabelece que essa política é uma instituição que vai influenciar diretamente os rendimentos dos trabalhadores. Segundo Piketty (2013) o salário mínimo possui um papel crucial na determinação da evolução dos níveis de desigualdade de rendimentos, e essa função é determinada pela forma como as instituições vigentes nessa sociedade influenciam as percepções de justiça social. Uma política de salários mínimos pode ser usadas tanto para a manutenção ou acréscimo do poder aquisitivo da população ou como forma de congelar os rendimentos dos trabalhadores. Nesse sentido como destaca Berg (2017) é necessário que as instituições vigentes no mercado de trabalho estabeleçam não apenas uma referência salarial, mas também ao acesso ao mercado, poder de barganha nas negociações trabalhistas aos trabalhadores, bem como as políticas de redistribuição de renda.
A expressiva ampliação do gasto social através dos programas de transferências de renda representou um novo paradigma institucional. O estabelecimento da universalização do acesso a direitos sociais estabelecidos na Constituição Federal de 1988 é um dos marcos dessa mudança de paradigma. A Constituição Federal de 1988 estabelece o direito a transferências de renda assistenciais para todos os idosos e portadores de deficiências na linha de pobreza. O início da aplicação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 1996 também é um marco institucional importante, pois possibilitou a ampliação do acesso ao direito dos benefícios assistências e ampliou significativamente o número de beneficiários (ROCHA, 2013).
A formalização institucional da assistência social e programas de redistribuição de renda possibilitou a evolução dos programas de transferência de renda como ferramenta de redução da desigualdade, além do cenário econômico favorável. O programa Bolsa Família tem sido a política de redistribuição de maior sucesso por seu amplo alcance e eficiência em redução da pobreza como destacaram Soares et al. (2016) e Oxfam (2017). Os números de beneficiários vêm aumentando ao longo dos anos, demonstrando a capacidade de alcance do programa. O valor médio do benefício é reajustado de acordo com a inflação registrada no ano anteriores. A evolução da abrangência desse programa e sua expansão pode ser vista no gráfico abaixo.
Cabe ressaltar que outro aspecto da desigualdade está relacionado às privações ao acesso à educação e saúde. No caso da educação, tal privação gera condições desiguais aos indivíduos, devido ao seu baixo nível de capital humano, no competitivo mercado de trabalho, promovendo assim novas desigualdades de oportunidades. Já no caso do acesso das desigualdades de acesso à saúde, a sua existência pode promover uma diminuição da expectativa de vida, aumento nas taxas de mortalidade infantil, bem como um aumento na reincidência de doenças que poderiam ser evitadas com condições igualitárias (HENRIQUES, 2003; BARRETO, 2017).
Nesse sentido, além dos aspectos institucionais formais que ocasionaram e em certa medida também são reflexo do gasto social, as exigências das condicionalidades do programa Bolsa Família podem exercer efeitos significativos tanto na redução de desigualdades de renda como na mudança de instituições informais. Como o programa exige condicionalidades ao seu recebimento como o acompanhamento escolar, regularidade de vacinação e acompanhamento de saúde, as potencialidades de diminuição da desigualdade vão além da mera transferência de renda, mas reduzindo também a desigualdade de oportunidades, já que estas muitas vezes se estabelecem nos hábitos e normas de comportamento de uma sociedade. A tabela abaixo demonstra como o programa consegue ampliar o acesso à saúde e a educação através das condicionalidades.
Pode-se perceber que o programa consegue cumprir o acompanhamento dos beneficiários do programa de forma satisfatória, tanto no acompanhamento da saúde como escolar. Nesse período as crianças beneficiarias do programa apresentaram alto índice de frequência escolar, o que é um bom indicador para a emergência de instituições que privilegiem ganhos de produtividade e também redução da desigualdade de renda. Como Menezes-filho et al (2006) identificaram o acesso à educação é um dos principais fatores de constituição de instituições eficientes. Mas cabe ressaltar como destacam Rocha (2013) e Guimarães (2016) que apenas acesso à educação não é suficiente, a estrutura de ensino tem que ser capaz provir uma qualidade de ensino adequada que possibilite a acumulação de capital humano e oportunidades de acesso ao mercado ao indivíduo.
O acesso à educação e à saúde permitem aos indivíduos a reconfiguram de suas expectativas, então pode ser um fator de mudança do comportamento deste diante dos constrangimentos que as instituições vigentes o impõem. Nesse sentido é que podem ser vistas como um fator de mudança institucional principalmente sobre as instituições informais que permeiam as definições de classes sociais e influem sobre a forma como a renda é distribuída. Existem outros desafios institucionais que precisam ser estabelecidos ou ultrapassados para a definição de instituições que favoreçam a distribuição de renda. A adequação do sistema tributário é discutida em Bowles e Park (2005) e Piketty (2013) que argumentam que uma estrutura tributária progressiva é uma forma de reduzir as desigualdades da renda ao contrário de uma estrutura onde grande parte da carga tributária recai sobre o consumo.
Voltando as mudanças institucionais nas políticas de redistribuição de renda, podemos perceber que pelo lado do gasto social a economia brasileira apresentou resultados significativos quanto a redução da desigualdade de renda. No entanto a estrutura produtiva não conseguiu evoluir a ponto de a produtividade nacional permitir que o país apresente um crescimento econômico sustentado. As mudanças institucionais se mostraram mais significativa sobre o lado do gasto social com a consolidação das políticas de transferência de renda e o seu impacto significativo sobre a redução da pobreza e desigualdade. O aumento do acesso à educação e crescimento econômico considerável durante a primeira década dos anos 2000 não parecem, ainda, demonstrar o surgimento de instituições que possibilitem ao país a superar a elasticidade da demanda externa por produtos primários e tão pouco reduzir ainda mais a desigualdade de renda, visto que o Brasil ainda é um país que possui uma alta concentração de renda.
5. Considerações Finais
A perspectiva de analise adotada nesse trabalho possibilitou a discussão da dimensão da desigualdade de renda a partir do arcabouço teórico da economia institucional considerando as mudanças das políticas sociais ocorridas no Brasil nos últimos anos como uma mudança institucional. Apesar da dificuldade em se mensurar instituições, a inserção de elementos das normas sociais e padrões de comportamento e a forma como esses se modificam ao longo do tempo e moldam as estruturas econômicas possibilita uma análise mais ampla dos fenômenos sociais e econômicos. Dessa forma pode-se perceber que a desigualdade de renda não é um mero reflexo das disparidades de rendimentos do trabalho ou do capital, mas também é decorrência dos elementos constituintes das estruturas produtivas, sociais e históricas.
Dadas as limitações do trabalho, foi possível estabelecer a que nível social e econômico, as mudanças nas políticas de redistribuição de renda se configuraram como mudança institucional. Evidentemente, o entendimento de instituições pode divergir de acordo com a vertente de análise ou do objeto que se busca analisar, mas partindo da concepção de instituições como estruturas sociais que moldam as decisões dos agentes, sejam elas formais ou informais, é possível descrever todas as mudanças políticas ocorridas como mudança institucional. Identificar o tamanho do impacto dessas mudanças pode ser uma tarefa para trabalhos futuros, até mesmo utilizando métodos econométricos. Mas, a discussão pode ao menos mostrar ser possível fazer uma análise do fenômeno da desigualdade de renda através da perspectiva institucional
O que se pode destacar, é que a ampliação do gasto social no Brasil representou um compromisso institucional constituído formalmente desde a Constituição Federal de 1988 até a consolidação das políticas sociais nos anos 2000 como o Bolsa Família. Os desafios que surgem para o país dentro dessa perspectiva é como alcançar a qualidade institucional que possibilite a redução sustentada da desigualdade de renda. O que se pode perceber é que essas mudanças vão além do aumento das transferências de renda ou elevação do salário, e um dos elementos que é mais destacado na literatura é o acesso à educação, e a existência de uma estrutura educacional com qualidade de ensino. O que permitiria tanto ganhos na questão produtiva como quanto ao acesso a oportunidades.
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*Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: igor_menezes06@hotmail.com