Alexandre Barros da Costa*
Gilson Batista de Oliveira**
Universidade Federal da Integração Latino-Americana, Brasil
Email: abcbarros@hotmail.com
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RESUMO
Analisando os dados da economia do Paraguai, sobretudo a relação entre as exportações e o Produto Interno Bruto (PIB), é possível observar que a estratégia de desenvolvimento do país tem suporte na teoria da base de exportação de Douglas C. North. Em 2016, por exemplo, a relação EXPORTAÇÃO/PIB no Paraguai ultrapassou o percentual de 30%, enquanto no Brasil o percentual foi de, aproximadamente, 10%. A teoria da base de exportação, assim como a teoria dos pólos de crescimento e a teoria da causação circular cumulativa, é considerada uma teoria clássica de crescimento e desenvolvimento regional. Essa teoria pressupõe que uma economia é dividida em atividades básicas (vinculadas à produção de mercadorias destinadas ao mercado externo) e não básicas (vinculadas à produção de mercadorias destinadas aos residentes). Nesta perspectiva, a existência de um força motriz de caráter exógeno, relacionadas às atividades básicas, por meio de encadeamentos (linkages effects), influencia as demais atividades não básicas de uma região, contribuindo para o seu desenvolvimento, e isso, claramente, ocorre no Paraguai.
Palavras-chave: Desenvolvimento Regional; Paraguai; Estratégia.
ABSTRACT
Analyzing data on the Paraguay economy, especially the relationship between exports and Gross Domestic Product (GDP), it is possible to observe that the development strategy of the country is supported by the theory of export base of Douglas C. North. In 2016, for example, the EXPORTATION / GDP ratio in Paraguay surpassed the percentage of 30%, while in Brazil the percentage was approximately 10%. The export base theory, as well as growth pole theory and the cumulative circular causation theory, is considered a classical theory of regional growth and development. This theory assumes that an economy is divided into basic activities (linked to the production of goods destined for the external market) and not basic (linked to the production of goods destined for residents). In this perspective, the existence of an exogenous motive force, related to the basic activities, by means of threads (linkages effects), influences the other non basic activities of a region, contributing to its development, which undoubtedly occurs in Paraguay.
Keywords: Regional Development; Paraguay; Strategy.
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Alexandre Barros da Costa y Gilson Batista de Oliveira (2019): "A estratégia de desenvolvimento do Paraguai no contexto das teorias de crescimento e desenvolvimento regional", Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, (abril 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/oel/2019/04/desenvolvimento-paraguai.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/oel1904desenvolvimento-paraguai
1. Introdução
O Paraguai, país de 7 (sete) milhões de habitantes e com um Produto Interno Bruto (PIB) de 30 bilhões de dólares, é uma das economias que mais cresce no mundo. Em 2013, a taxa anual de crescimento da economia paraguaia foi de 14%, enquanto, por exemplo, as economias brasileira, argentina e norte-americana apresentaram taxa de 3%, 2,4% e 1,7%, respectivamente 1.
De acordo com Silva e Costa (2018), durante muitos anos, a imagem do país foi associada ao comércio ilícito de produtos eletrônicos, de armas e drogas. Todavia, percebe-se que este cenário está mudando. Dados do Banco Central do Paraguai (BCP) mostram que, no ano de 2006, as exportações relacionadas ao comércio de triangulação (China-Paraguai-Brasil), tratadas pelo Brasil – na maioria dos casos – como contrabando e descaminho, representavam 22% do PIB do país. Em 2016, esse percentual caiu para 12%.
Embora se observe essa mudança na estrutura da economia paraguaia, sobretudo em relação à diminuição da participação do comércio de triangulação no PIB, as exportações continuam ocupando posição de destaque na economia. Em 2017, o país que não possui saída para o mar, exportou 12,1 bilhões de dólares 2. Esse valor corresponde, aproximadamente, a 40% de todo seu PIB. Ao fazer a mesma relação com os dados da economia brasileira, o percentual é de, aproximadamente, 10% 3.
Isto posto, o objetivo deste trabalho, portanto, é apresentar as principais ideias de três teorias de crescimento e desenvolvimento regional, demonstrando que a estratégia de desenvolvimento do Paraguai tem suporte teórico na teoria da base de exportação, bem como fazer reflexões sobre estratégias de desenvolvimento.
2. As Teorias Clássicas de Desenvolvimento das Regiões
Após a Segunda Guerra Mundial, diversos teóricos se dedicaram ao estudo da dinâmica regional, buscando encontrar soluções para a superação do subdesenvolvimento. Entre eles, destacam-se: François Perroux, Gunnar Myrdal e Douglas C. North. Estes autores são representantes das teorias clássicas de crescimento e desenvolvimento regional: a teoria dos pólos de crescimento, a teoria da causação circular cumulativa e a teoria da base de exportação, respectivamente. (LIMA e SIMÕES, 2010).
Para Oliveira e Lima (2003, p. 30), essas teorias enfatizam “a ideia da existência de uma força motriz de caráter exógeno capaz de influenciar, por meio de encadeamentos (linkages effects), as demais atividades econômicas de uma região”. Devido à presença de forças impulsoras advindas das regiões centrais, é o conhecido paradigma “centro-abaixo”.
Para Perroux (1963, p.2), “o crescimento não se apresenta em todas as partes de uma região ao mesmo tempo, mas sim em certos pontos ou pólos de crescimento com intensidades variáveis, propagando-se por diversos setores com efeitos finais variáveis dentro do conjunto da economia”. Neste sentido, o autor desenvolve seu trabalho através da análise de três elementos: a indústria motriz, o complexo industrial e a expansão dos pólos de crescimento.
A indústria motriz é aquela que, em um processo de crescimento econômico, destaca-se em relação a outras. Durante determinados períodos, apresenta taxas de crescimento de seu produto mais elevadas que as taxas médias de crescimento do produto de todo o setor industrial e do produto da economia nacional em seu conjunto. É considerada uma indústria-chave, pois quando aumenta sua produção, eleva também a produção das demais indústrias próximas, proporcionando – desta forma – um crescimento maior no sistema produtivo. (MADUREIRA, 2015).
Para Perroux (1963), “o complexo industrial não se refere a um conjunto de várias indústrias em contato umas com as outras por meio de relações paretianas. Para entender o conceito de complexo industrial é necessário a compreensão prévia dos conceitos de indústria chave, de regime não concorrencial do complexo e de aglomeração territorial”. (PERROUX, 1963, p.7). A indústria chave, como já apresentado, é a indústria motriz. O regime não concorrencial do complexo caracteriza-se por ser uma combinação de forças oligopolísticas, responsáveis por elevar a produtividade da indústria e pela realização de acumulação de capital superior àquela que resultaria de uma indústria sujeita a um regime de maior concorrência. A aglomeração territorial, num ambiente de existência de indústria-chave e regime não concorrencial, permite a intensificação das atividades econômicas. (LIMA e SIMÕES, 2010; MADUREIRA, 2015)
A expansão dos pólos de crescimento:
(…) aparece como uma combinação de conjuntos relativos ativos (indústrias motrizes, pólos industriais e de atividades geograficamente concentradas) e de conjuntos relativamente passivos (indústrias movidas e regiões dependentes dos pólos geograficamente concentrados). Os primeiros induzem nos segundos fenômenos de crescimento. (PERROUX, 1963, p.11; LIMA e SIMÕES, 2010, p.7).
No Brasil, a Zona Franca de Manaus (ZFM), localizada na cidade de Manaus, estado do Amazonas, pode ser enquadrada na teoria de Perroux. Com a implantação da ZFM, em 19674 , houve a retomada do crescimento na região, provocando mudanças na atividade produtiva, que se concentrou no setor industrial. Esse processo elevou o PIB da região, aumentado o nível de renda e emprego. Atualmente, todas as atividades da economia regional estão direta ou indiretamente ligadas às indústrias do polo industrial. Assim, a ZFM, que possui mais de 500 indústrias de alta tecnologia5 , pode ser considerada como a propagadora do desenvolvimento da Amazônia Ocidental: Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima. (MARCHIORO, GUBERT e GUBERT, 2014).
Nesta perspectiva, Perroux conclui que um polo industrial complexo e geograficamente aglomerado, com estruturas sólidas e alto poder de influência, pode alterar – através da interdependência técnica (linkages) com outras indústrias – a economia de um país como um todo e não apenas de uma região. (MADUREIRA, 2015). Evidencia-se, assim, “a importância não apenas dos grandes empresários privados neste processo, mas também dos poderes públicos e suas iniciativas, bem como das pequenas inovações”. (LIMA e SIMÕES, 2010, p.8).
Myrdal (1965), partindo da premissa de que o sistema econômico é algo instável e desequilibrado, não havendo movimento espontâneo entre as forças na direção de um estado de equilíbrio, busca demonstrar as disparidades econômicas existentes entre as regiões. Na África, por exemplo, em virtude da exploração econômica estrangeira de seus recursos naturais, existem áreas em que o investimento é intenso e a produção ascendente. Embora a maior parte dos países do continente africano apresente baixo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, é possível identificar países com padrão de vida razoável. (LIMA e SIMÕES, 2010; COSTA, 2002)
Recorrendo ao conceito de ciclo ou causação circular, Myrdal argumenta que o crescimento da economia em uma região gera um “circulo virtuoso” impulsionado pelo movimento de capitais, migração de capital humano, aumento da taxa de natalidade, etc. “De modo inverso, as economias não beneficiadas por esse processo desenvolvem um ‘círculo vicioso’ em que o fechamento de empresas amplia o desemprego e, consequentemente, diminui a renda da região, gerando novos desempregos”. (MADUREIRA, 2015, p.12-13). Assim, o problema da desigualdade é consequência dos diferentes níveis de progresso entre as regiões do país. E a desigualdade será crescente se o processo cumulativo, alimentado pela causação circular, não for controlado. (CARDOSO, 2012).
Segundo Lima e Simões (2010, p.10):
“para explicar o porquê da diminuição das disparidades regionais nos países desenvolvidos e o aumento da mesma nos países subdesenvolvidos, Myrdal evidencia que os próprios efeitos gerados pela expansão funcionam como fatores do processo cumulativo: quanto maior o nível de desenvolvimento econômico de um país, maiores os spread effects (efeitos propulsores) e mais facilmente os backwash effects (efeitos regressivos) são neutralizados”.
Nas regiões pobres ocorre o contrário, pois o baixo nível de desenvolvimento miniminiza os spread effects justamente pela existência de grandes disparidades.
Neste sentido, Myrdal (1965), acredita que os países precisam adotar estratégias de desenvolvimento que compensem os backwash effects e incentivem o investimento e a alocação de capitais para setores como de infraestrutura, transportes, tecnologia agrícola, etc. Além disso, os países devem investir em educação, saúde e capacitação. Em outras palavras, os países devem focar nos spread effects. Observa-se, portanto, que a teoria de Myrdal, em contraposição aos Neoclássicos, prevê a intervenção do estado sobre as forças de mercado, de modo a condicioná-las a alavancar o progresso social.(MADUREIRA, 2015)
Assim como as teorias dos pólos de crescimento e da causação circular cumulativa, a teoria da base de exportação também se propõe a explicar o desenvolvimento econômico regional. Todo trabalho que se apoia nesta teoria tem como referência principal o artigo de Douglas North publicado em 1955, sendo o autor considerado o primeiro a dar uma formulação do conceito base aplicado ao contexto regional. (SCHWARTZMAN, 1973).
Conforme Lima e Simões (2010), North desenvolveu sua teoria devido às inadequações das teorias da localização e do crescimento regional para explicar a dinâmica da economia norte-americana, que não correspondia à sequência de estágios de desenvolvimento descritas pelas mesmas: economia de subsistência, desenvolvimento do comércio e da especialização local, comercialização inter-regional e diversificação das atividades agropecuárias, industrialização e especialização em atividades terciárias para exportação. Para o autor, o desenvolvimento de certas regiões americanas têm pouca similaridade com esta sequência. A histórica econômica do pacífico noroeste (Washington, Oregon, Idaho, Montana, Wyoming), cujo desenvolvimento foi baseado na produção e exportação de trigo, farinha e madeira, é ideal para demonstrar que essas regiões pularam todos os estágios inicias da sequência acima, desenvolvendo-se a partir do último estágio: especialização em atividades voltadas para exportação.
De acordo com North, a exportação – através de um efeito multiplicador – é determinante para o desenvolvimento de outros setores, desenvolvendo-os e distribuindo renda entre a população. (OLIVEIRA, 2008; OLIVEIRA, NOBREGA e MEDEIROS, 2012).
Segundo Ferreira e Medeiros (2016, p.238):
(…) a teoria da base de exportação pressupõe que a economia de uma determinada região é classificada em dois tipos: as atividades básicas e as não básicas. As primeiras estão vinculadas à produção de mercadorias destinadas ao mercado externo, ou seja, para exportação; enquanto as atividades não básicas são orientadas à produção de bens e serviços destinados aos residentes.
Alguns países, principalmente do sudeste asiático, têm muitas destas características em seu processo de desenvolvimento. A Coréia do Sul, China, entre outros, tiveram grande desenvolvimento a partir das exportações, além da produção de produtos com avançada tecnologia a partir da década de 1980. Atualmente, a China é a maior economia exportadora do mundo, tendo exportado em 2016 o equivalente a US$2,27 trilhões, com destaque para produtos de alto valor agregado como, por exemplo, unidades de disco digital, equipamentos de transmissão e telefones 6. É possível citar também o Brasil, no caso do ciclo do café no século XX. Parte da renda gerada pelas exportações de café foi destinada à construção das primeiras ferrovias brasileiras, que escoavam a produção até os portos, além de impulsionar o desenvolvimento da indústria do país.(OLIVEIRA, NÓBREGA e MEDEIROS, 2012).
Sendo, portanto, a exportação peça chave no processo de desenvolvimento regional, cabe ressaltar “a importância das instituições econômicas e políticas neste processo. Para melhorar a competitividade dos produtos de exportação deve haver um esforço combinado, entre sociedade, setor privado e setor público”. (LIMA e SIMÕES, 2010, p.15).
3. A Estratégia do Paraguai
Antes de começar a analisar a estratégia de desenvolvimento do Paraguai, é preciso deixar clara a diferença entre crescimento e desenvolvimento econômico.
“Aumentos constantes no PIB de um país são sinais evidentes de crescimento econômico, mas, para configurar-se em desenvolvimento econômico, esses incrementos precisam chegar a toda a comunidade, via melhorias na saúde, renda, educação, entre outros”. (MADUREIRA, 2015. p. 8).
O desenvolvimento econômico resulta do crescimento econômico. É o crescimento transformado para satisfazer as mais diversificadas necessidades do ser humano 7. Sendo assim, “pensar em desenvolvimento regional é, antes de qualquer coisa, pensar na participação da sociedade local no planejamento contínuo da ocupação do espaço e na distribuição dos frutos do processo de crescimento”. (OLIVEIRA e LIMA, 2003, p. 31).
Após a breve apresentação dos conceitos de crescimento e desenvolvimento econômico, segue-se a análise da estratégia de desenvolvimento da economia paraguaia. A estratégia de desenvolvimento do Paraguai, nas últimas cinco décadas, tem como base 3 (três) pilares construídos no século XX e 01 (um) pilar construído no século XXI. No século XX: a exportação de commodities agrícolas, a venda de energia elétrica para os vizinhos (Brasil e Argentina) e o comércio de reexportação ou de triangulação. No século XXI: as maquilas8 . (CÉSAR, 2016; MACIEL, 2017)
As bases desse modelo de desenvolvimento, no século XX, foram construídas concomitantemente ao aprofundamento dos laços do regime ditatorial paraguaio de Alfredo Stroessner com a Ditadura Militar no Brasil. Essa aproximação, marcada principalmente pela construção da Ponte Internacional da Amizade (1959-1965) e assinatura do Tratado de Itaipu (1973), possibilitou a abertura de novas vias de comunicação do Paraguai não apenas com o Brasil, mas também com o resto do mundo; além disso, essa aproximação entre Brasil e Paraguai, no século passado, viabilizou, por exemplo, a expansão da agricultura empresarial da soja por meio dos brasileiros que migraram para o Paraguai (os “brasiguaios”), o escoamento das exportações agrícolas do Paraguai através dos portos brasileiros e a expansão do comércio de triangulação ou reexportação. Em relação às maquilas, neste século, observa-se o mesmo processo migratório de brasileiros para o Paraguai ocorrido no século XX; todavia, agora direcionam-se para o setor secundário da economia (indústria) e não mais para o setor primário (agricultura). (CÉSAR, 2016)
Analisando esses pilares da estratégia de desenvolvimento do Paraguai, é possível observar que predomina uma política econômica de desenvolvimento baseada nas exportações e na dependência do mercado brasileiro. O comércio de triangulação tem em sua essência a exportação de produtos originários da China, tendo como destino principal o Brasil. A energia exportada é essencialmente o excedente hidroelétrico gerado pela Usina de Itaipu, que tem o Brasil como principal comprador. E as maquilas, que tem entre seus principais investidores os brasileiros, tem também no Brasil um grande mercado consumidor para seus produtos. Logo, nesses três pilares da estratégia de desenvolvimento do Paraguai verifica-se a característica marcante das reexportações. No caso das commodities agrícola, trata-se de exportação de produtos originários do Paraguai. (OBEI, 2018; MACIEL, 2017)
Para corroborar esta afirmação, apresentam-se os dados de um pilar desta estratégia de desenvolvimento: o comércio de triangulação ou reexportação. Em 2016, por exemplo, esse comércio representou, aproximadamente, 12% do PIB paraguaio. Em 2016, o PIB do Paraguai alcançou US$27,44 bilhões, enquanto as reexportações do comércio de triangulação registraram o valor de U$$3,29 bilhões. Importante ressaltar que essas reexportações, em 2006, representaram 22% do PIB Paraguaio 9.
Neste ponto, é importante registrar a contradição entre a estratégia de desenvolvimento do Paraguai, apoiada no pilar do comércio de triangulação ou reexportação, e a integração econômica entre o Paraguai e o Brasil. O que é estratégia de desenvolvimento para o Paraguai é contrabando ou descaminho para o Brasil. No âmbito do Mercosul são aprovadas tarifas diferenciadas de importação para o Paraguai, denominadas de exceções à Tarifa Externa Comum (TEC), com o objetivo de incentivar o desenvolvimento do país, no entanto, após a negociação dentro do Mercosul, o Brasil estrutura-se para combater a entrada dessas mercadorias em seu território. Revela-se, portanto, que as relações entre Brasil e Paraguai convivem, paradoxalmente, com preconceitos, estereótipos e amplo desconhecimento mútuo. (CÉSAR, 2016; COSTA e SILVA, 2018).
Para Severo (2015), César (2016) e Costa e Silva (2018), ao ignorar esse comércio de triangulação na relação comercial entre Brasil e Paraguai, os dados oficiais divulgados pelos governos brasileiro e paraguaio e a maioria das bibliografias, que tem como base esses dados, indicam que o Paraguai possui déficit na relação comercial com o Brasil, quando na verdade há um persistente superávit paraguaio. O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) do Brasil, por exemplo, divulga anualmente os dados da relação comercial do Brasil com o Paraguai indicando superávit para o Brasil. No mesmo sentido, Severo (2015, p. 318) afirma que “o comércio com o Brasil é responsável por grande parte dos déficits totais do Paraguai, não tendo o Brasil proporcionado a seus parceiros comerciais regionais uma fonte de dinamismo através de excedentes comerciais”.
A inclusão desse comércio de reexportação na relação comercial entre Brasil e Paraguai não é uma tarefa fácil, pois algumas variáveis devem ser consideradas, por exemplo: o possível subfaturamento das mercadorias declaradas nas importações do Paraguai sob o Regime de Turismo10 e os países destinatários dessas mercadorias. Por outro lado, não é difícil concluir que essas mercadorias têm como destino principal as famílias brasileiras (GUILLÉN, 2013). Essa conclusão é reforçada pela intensa e visível atividade comercial que ocorre na fronteira entre Brasil (Foz do Iguaçu) e Paraguai (Ciudad del Este) e pelos números divulgados, em valores absolutos, de apreensão da Receita Federal do Brasil.
Em 2016, por exemplo, o resultado foi de superávit para o Brasil no valor de US$ 997,6 milhões; entretanto, ao inserirmos as reexportações do Paraguai referentes ao comércio de triangulação, o resultado é de superávit para o Paraguai no valor de US$ 2,3 bilhões. Uma distorção relevante que impacta diretamente nas relações Brasil-Paraguai, sobretudo na integração econômica regional.
Para reforçar a afirmação de que a estratégia de desenvolvimento do Paraguai tem suporte na teoria da base de exportação, observa-se a evolução das exportações totais do país ao longo dos anos.
Conforme o gráfico 1, é possível perceber o crescimento das exportações do Paraguai, sobretudo a partir de 2009, e que o Paraguai caminha para alcançar superávit histórico em sua balança comercial, após apresentar constantes déficits. E esse saldo positivo (exportações líquidas) contribuirá para o impacto positivo na renda nacional.
Esse forte crescimento das exportações do Paraguai na última década tem relação direta com a indústria maquiladora. É a adoção pelo país de um novo arranjo produtivo voltado para a conformação de novas dinâmicas de estruturação urbano-regional e para confirmação de uma política de desenvolvimento calçada no âmbito externo. (BRITO, THEIS e SANTOS, 2017).
É possível classificar a estratégia de desenvolvimento do Paraguai como uma estratégia liberal voltada para fora. Utiliza-se de algumas características da estratégia neoliberal, mas verifica-se um papel mais ativo no Estado na determinação da alocação de recursos, em particular utilizando-se as políticas cambial e as de comércio exterior. (SCATOLIN e MISAEL, 2011).
Neste contexto, sem desconsiderar as críticas e limitações da teoria da base de exportação, é inegável que se trata de um importante instrumento para explicar o processo de desenvolvimento do Paraguai, principalmente a partir da última década em que o país vem apresentando taxas crescentes em seu Produto Interno Bruto, coincidindo com o período em que suas exportações também apresentaram crescimento considerável, saltando de – aproximadamente – US$3,5 bilhões em 2009 para US$9 bilhões em 2016, conforme gráfico 1.
4. Considerações Finais
Este trabalho teve como objetivo demonstrar que a estratégia de desenvolvimento do Paraguai tem suporte na teoria da base de exportação desenvolvida por Douglas C. North, sendo considerada uma teoria clássica de crescimento e desenvolvimento regional. Através da análise de alguns dados da economia do país, observa-se que, embora tenham ocorrido mudanças na alocação de recursos dentro da economia, o desenvolvimento do país está diretamente ligado ao comércio exterior.
O Paraguai apresenta uma relação EXPORTAÇÃO/PIB muita alta. Enquanto em países como o Brasil e a Argentina essa relação, em 2016, foi de 10%, no Paraguai o percentual ultrapassou os 30%. Neste aspecto, a economia do Paraguai assemelha-se a economia sul-coreana, que em 2016 indicou 36% para esta relação. E essa alta relação EXPORTAÇÃO/PIB, acompanhado do crescimento da economia acima da média dos demais países latino-americanos, talvez justifique o fato do Paraguai ser chamado de “o tigre guarani”, em uma referência aos “tigres asiáticos”, como a Coreia do Sul 11.
Ressalta-se, contudo, como já observado, que o crescimento econômico é um estágio do processo de desenvolvimento. Embora o Paraguai tenha apresentado taxas significativas de crescimento em seu Produto Interno Bruto, ainda ocupa - no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – posição atrás de países do continente africano como, por exemplo, Botswana e Gabão. Em 2014, o IDH do Paraguai foi de 0,679, enquanto Botswana e Gabão apresentaram, respectivamente, 0,698 e 0,68412 . E isso também é explicado pela teoria da base de exportação, pois, de acordo com SCHWARTZMAN (1973), a teoria da base de exportação não aceita que as exportações provoquem automaticamente o desenvolvimento de uma região. O aumento das exportações é uma condição necessária para o processo de desenvolvimento, mas não suficiente.
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_______ Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA). Disponível em: www.suframa.gov.br. Acesso em 14/12/17.
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