Eduardo De Gasperi *
PPGE/UFRGS, Brasil
edudega@gmail.com
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Resumo
Neste artigo, analisa-se a queda ocorrida na taxa de ocupação dos jovens, de 16 a 24 anos, na Região Metropolitana de Porto Alegre, para os anos de 2004 a 2016. Através de estimação econométrica pelo método de Mínimos Quadrados Ordinários, testa-se e confirma-se a hipótese central de que a política nacional de valorização do salário mínimo, posta em prática a partir de 2004, agiu como um empecilho na inserção juvenil, “expulsando” parte dos jovens do mercado de trabalho e colaborando para a diminuição da taxa de ocupação desse segmento. Outras variáveis, como PIB, Programa Bolsa Família e participação juvenil na pirâmide etária também foram testadas, mas não foram encontradas relações estatisticamente significativas.
Palavras-chave
Emprego Jovem; Política de Valorização do Salário Mínimo; Região Metropolitana de Porto Alegre.
Abstract
The article analyses the regional changes in the youth occupational rate (16 to 24 years old), in the Porto Alegre’s Metropolitan Region, from 2004 to 2016. The econometric estimation by Ordinary Least Squares tested and confirmed the central hypothesis that the national policy of minimum wage appreciation, settled in 2004, acted as an embarrassment to youth inclusion, expelling some of them from the labor market and helping to drop their occupational rate . Another variables, as GDP, Bolsa Família Program and the youth share in the age pyramid were also tested, but none of them were found statiscally significant.
Key words
Youth employment; Policy of Minimum Wage Appreciation; Metropolitan Region of Porto Alegre.
Classificação JEL: J38, J21
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Eduardo De Gasperi (2018): "Emprego jovem e o salário mínimo: evidências para a região metropolitana de Porto Alegre (2004 a 2016)", Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, (septiembre 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/oel/2018/09/emprego-jovem-salario.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/oel1809emprego-jovem-salario
1. Apresentação
O comportamento do emprego entre o estrato mais jovem da população sempre foi fenômeno acompanhado com especial atenção. Conforme ressaltado pelo Informe Especial PED-RMPA Jovem de Agosto de 2017, essa porção da população é fortemente marcado pela “fase particular do ciclo de vida, na qual se dá a transição da escola para o trabalho”. A imersão no mercado de trabalho é também o ingresso efetivo na vida adulta e não se dá sem dificuldades: por ser, naturalmente, o grupo de menor experiência entre todos os segmentos sociais, a posição inicial do jovem no mundo do trabalho pode ser bastante vulnerável, instável e precária. Diante dessa realidade, “aqueles que têm condições de concluir os estudos, possivelmente terão melhores oportunidades ao chegarem ao mercado de trabalho quando comparados àqueles que iniciam sua vida laboral antes de concluí-los”. A tensão e incerteza típicas do período podem levar à frustração de expectativas de inclusão de parcela significativa dos entrantes no mercado, promovendo a marginalização social e criando pré-condições para a reprodução das mesmas condições de subdesenvolvimento e exclusão na próxima geração, ao reafirmar desigualdades já existentes de acesso a recursos básicos, como educação de qualidade e vagas no ensino superior.
A discussão toma caráter peculiar entre os países avançados: já em 1996 o termo NEET ( Not in Education, Employment or Training) era cunhado no Reino Unido para tratar da parcela expressiva e crescente da população jovem que, desde a recessão da década de 1980, não se ocupava nem em acumular conhecimento e habilidades técnicas através do sistema educacional, nem em atividades produtivas via mercado de trabalho. No Brasil, o fenômeno foi abordado sobre a alcunha de “geração nem-nem”: nem estuda, nem trabalha (VASCONCELOS et al., 2017)
Inicialmente pensada como própria à realidade dos países do sul da Europa, como Espanha, Grécia, Itália e Portugal; essa situação se alastrou por todo o continente, se agravando após a crise de 2008 e passando a ser fonte de tensões políticas e sociais (entre os países da OCDE, 16% dos jovens entre 15 e 29 anos estavam nessa situação em 2010). Cardoso (2013) observa a propriedade estrutural do fenômeno, construindo um paralelo entre o perfil do problema no Brasil frente aos seus pares avançados. Embora haja semelhanças entre o cenário brasileiro e o europeu, “tanto no que se refere ao desemprego juvenil quanto na proporção de ‘nem-nem’ na população mais jovem”, os dois processos diferem no grau de proteção social e familiar disponível, superior na Europa, e em intensidade, não podendo se falar em um grupo etário específico profundamente afetado pela crise financeira no caso brasileiro.
Borges (2014) analisa o mercado de trabalho juvenil nas principais regiões metropolitanas brasileiras no período recente (2002 a 2012). Os dados de forma agregada para as R.M. de Belo Horizonte, Porto Alegre, Distrito Federal, Recife, Salvador e São Paulo apontam para uma trajetória de melhora considerável dos indicadores no período, desacelerada, porém não interrompida a partir de 2008. Destaca-se a mudança na estrutura etária oriunda da queda da proporção dos jovens na população, o que implica uma diminuição na pressão da oferta de mão-de-obra sobre o mercado de trabalho. Tanto a proporção dos jovens na População em Idade Ativa (PIA), como a na População Economicamente Ativa (PEA), caiu no período, de 22,2% em 2002 a 17,7% em 2012, e de 26% em 2002 a 20,1% em 2012, respectivamente. A taxa de desemprego juvenil apresentou uma queda de 31,8% na década analisada, mas permaneceu bastante acima do desemprego observado para o total da população (22,3% contra 10,7%). Borges (2014) também enfatiza o adiamento da entrada do jovem no mercado de trabalho como aspecto importante para entender a dinâmica do mercado de trabalho juvenil durante os anos 2000. Perante o cenário de expansão geral do emprego, formalização e crescimento da renda familiar, houve maior incentivo à permanência por na escola e busca por maior qualificação antes do início da carreira profissional. A proporção de jovens dedicados apenas aos estudos aumentou deem 17,6% em 2002 para 20,4% em 2012, ao paço que aqueles que somente se dedicam aos afazeres domésticos tiveram sua participação diminuída de 5,7% para 4,5% no mesmo período, indicando melhora qualitativa na sua maneira de inserção na sociedade. Já os jovens caracterizados pelo acrônimo “nem-nem” mantiveram sua participação praticamente constante, ao redor de 10,9%.
Outro marco institucional importante da década de 2000 é o estabelecimento da política de valorização real do salário mínimo. Conforme Dieese (2017), a política nasce em 2004 da unificação das Centrais Sindicais ao redor da pauta de valorização do salário mínimo, resultando na formalização de uma política permanente de valorização em longo prazo. A partir de 2007, é institucionalizada a recuperação gradual do piso nacional até 2023, tendo como critérios o repasse da inflação do período entre as correções, o aumento real do salário dado pela variação do PIB, além da antecipação da data-base da revisão salarial, até ser fixada em janeiro a partir de 2010.
Para a Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) em particular, os dados mais recentes da PED-RMPA Especial Jovem (2017) apontam uma retração contínua desse grupo etário (15 a 29 anos) a partir de 2005 (menos 110 mil pessoas entre 2005 e 2016, passando de 31,3% da 24,8% PIA), a oscilação da força de trabalho jovem até 2008, quando atingiu o pico de 701 mil pessoas e passou a se contrair (menos 159 mil pessoas de 2008 a 2016, passando de 36,1% a 28,7% da PEA), a não interrupção do processo de adiamento da entrada no mercado de trabalho mesmo pela severa recessão dos últimos dois anos (em 2016, 26,3% dos jovens apenas estudavam, 14,8% estudavam e trabalhavam, 46,8% apenas trabalhavam e 12,1% estavam na posição “nem-nem”) , o aumento da escolaridade (enquanto em 2000, 32% haviam completado o ensino médio, em 2016 esse montante crescera para 45,6%; o mesmo vale para o ensino superior, de 3,6% para 6,2%, e para o ensino fundamental, com a queda dos jovens com fundamental incompleto de 32,7% para 14,8%), o aumento do risco relativo de que sejam trabalhadores de baixa remuneração (em 2016, haviam 190 jovens em posições de baixo salário para cada 100 adultos), o aumento na taxa de desemprego superior relativamente ao desemprego total e a diminuição da taxa de participação (PEA/PIA) no mercado de trabalho para esse segmento, que em 2016 atinge 61,6%, o menor patamar para a série histórica.
O objetivo principal desse trabalho é, através de regressão econométrica pelo método de Mínimos Quadrados Ordinários, estimar relações entre a taxa de participação da população jovem na RMPA entre 2004 a 2016 e o salário mínimo real, tendo em vista os seus efeitos dúbios sobre a oferta de trabalho: por um lado, tem efeito inibidor para aqueles que, pouco qualificados, terão dificuldades em encontrar ocupação a um salário mínimo real incompatível com o seu baixo nível de produtividade e tenderão a serem excluídos; por outro, um salário mínimo real maior pode aumentar a dotação familiar a ponto de que o jovem não precise ingressar prematuramente no mercado de trabalho, ou então ingresse apenas parcialmente, promovendo um mudança estrutural intergeracional e uma transição a uma transição a uma economia de maior capital humano e produtividade em longo prazo.
Esse artigo encontra-se dividido em cinco seções, além dessa breve apresentação: na segunda seção será apresentada uma revisão do debate teórico acerca da função do salário mínimo, o terceiro tópico será dedicado às questões metodológicas, especificação do modelo econométrico e suas variáveis, em seguida, serão apresentados os resultados e sua interpretação, por fim, reserva-se o último ponto para as considerações finais.
2- O papel do salário mínimo
A literatura sobre o salário mínimo é ampla e diversa, não oferecendo nenhum consenso claro. Temas recorrentes no debate são suas implicações sob o nível geral de emprego, crescimento econômico, pobreza e desigualdade social. De modo geral, o seu caráter contraditório é exposto, e os autores se colocam em defesa de algum aspecto da sua dualidade, dividindo-se entre aqueles que o enxergam como uma medida de proteção social importante e desejável dentro de um sistema de mercado, e aqueles que o veem como uma barreira, proporcionando rigidez e um equilíbrio subótimo.
Para Stigler (1946), a legislação do salário mínimo causará ineficiência alocativa e não cumprirá o seu motivo de ser, qual seja, a redução da extrema pobreza. Os efeitos do salário mínimo vão, segundo o autor, ser diferentes entre as indústrias em concorrência perfeita e aquelas em que o empregador tem poder sob a determinação do salário do empregado. No primeiro caso, a remuneração do trabalhador é igual a sua produtividade marginal. Uma vez imposta a remuneração mínima pela lei, surgem dois fenômenos decorrentes. Os trabalhadores cujo produto do trabalho vale menos do que o salário legislado, devido a sua baixa produtividade, serão forçados a migrar para atividades informais, se aposentar ou mesmo ficar sem ocupação. A produtividade de parte dos trabalhadores de baixa-remuneração crescerá, tanto pela intensificação do trabalho como pela adoção de novas técnicas produtivas, que se tornam relativamente viáveis diante do alto custo relativo do fator trabalho. Os custos produtivos irão subir, mas menos do que se o trabalho não fosse substituído por outros fatores ao longo do processo. O nível total de emprego então cairá por dois motivos: primeiro, pela queda no produto; segundo, porque as novas técnicas produtivas vão demandar uma forma superior de trabalho, aprofundando a inadequação dos trabalhadores de baixa produtividade ao sistema.
Já em indústrias em que empregador possui poder de mercado para determinação da taxa de salário (monopsônio), uma legislação hábil para o salário mínimo pode aumentar o emprego e o nível de salários, além de, por aproximar o salário ao produto marginal, aumentar o próprio produto agregado. Mesmo nesses casos Stigler (1946) enxerga uma legislação uniforme nacional com desconfiança, uma vez que: (a) o nível do salário deve ser corretamente escolhido (próximo ao produto marginal), (b) o salário ótimo varia com a ocupação; (c) o salário ótimo varia entre as empresas (e suas plantas); (d) o salário ótimo varia ao longo do tempo. Ações no sentido de aumentar a renda familiar, e não a individual, através de programas de moradia, alimentação e educação, seriam mais eficientes no combate à pobreza do que um salário mínimo nacionalmente definido (STIGLER; 1946).
Rebitzer e Taylor (1995) demonstram que é possível um comportamento à la monopsônio (STIGLER;1946) no caso de uma indústria em concorrência perfeita, e que, portanto, um aumento no salário mínimo pode levar ao aumento do nível de emprego e do produto. Isso porque a produtividade do trabalho nas firmas é dependente do nível de salários: o trabalhador, não podendo ser perfeitamente monitorado, ajusta seu nível de esforço dedicado ao trabalho de acordo com o incentivo proveniente do salário. Se esse for alto o suficiente, tomará a decisão de adotar o comportamento de alta performance, enquanto o contrário é verdadeiro (o produto aparece como um função do salário pago).
Para Freeman (1996), o salário mínimo não opera em um mercado de trabalho típico de um livro-texto de economia, os seus efeitos sob distribuição e eficiência dependerão criticamente do sistema de bem-estar social sob o qual está enraizado. Freeman (1996) se preocupa em responder quais seriam as condições necessárias para que o salário mínimo cumpra sua meta redistributiva. A primeira pergunta que surge é quem pagará pela redistribuição, e as resposta dependerá da estrutura do mercado de trabalho vigente, da qual derivarão três cenários possíveis. No primeiro, os consumidores dos produtos que utilizam mão de obra de baixa remuneração em seu processo produtivo arcarão com esse custo, através de um repasse dos salários maiores para o bem final. O autor considera esse caso neutro quanto à classe afetada, uma vez que os mais pobres compram mais bens produzidos por trabalhadores de baixa remuneração, mas os mais ricos consomem um número maior de serviços, onde esses também estão presentes. Em um segundo cenário, são os sócios e proprietários das empresas quem arcarão com os custos redistributivos, forçando um repasse dos dividendos da empresa para os salários. O autor destaca que as indústrias que mais possuem rendas passíveis de orçar tal distribuição são as capital-intensivas, que já seriam caracterizadas pela incidência de bom salários e, portanto, a incidência desse cenário seria limitada. Por fim, o último cenário seria aquele em que os próprios trabalhadores de baixa remuneração arcariam com os custos do salário mínimo, através da perda de postos de trabalho: os trabalhadores que continuarem empregados se beneficiarão da medida, enquanto aqueles desempregados serão prejudicados. Mesmo no caso em que poucos trabalhadores sejam demitidos, Freeman (1996) destaca que a redistribuição pode falhar por outra razão: a um nível maior de salário vigente, há o incentivo para que membros de segmentos que antes não achavam o mercado de trabalho atrativo, como adolescentes e mulheres de classe média, passem a ofertar trabalho, aumento a oferta total de trabalho enquanto a demanda fica estática. No caso dos empregadores preferirem esses novos entrantes aos trabalhadores de baixa remuneração, haverá o efeito redistributivo de renda será para a classe média, e não para os mais pobres. Tendo em vista ambos os efeitos, o salário mínimo não seria indesejável, a questão seria em que medida seus ganhos sobrepõe suas perdas, medidas adicionais de bem-estar social seriam necessárias para garantir seus efeitos positivos de maneira mais eficiência.
Cahuc e Michel (1996), por sua vez, argumentam que, em um modelo com sobreposição geracional e crescimento endógeno, a legislação de salário mínimo não irá ter, necessariamente, impacto negativo sobre o desempenho econômico. O ponto central de seu argumento é que, a imposição de um salário mínimo, ao induzir uma redução na demanda por trabalho desqualificado, pode criar os incentivos para que os indivíduos acumulem um montante maior de capital humano, visando evitar o situação de desemprego. Dessa forma, o aumento da qualificação dos trabalhadores traria efeitos positivos sobre o crescimento econômico a longo prazo, e, em algumas circunstâncias, o aumento do bem-estar social de todos os indivíduos.
No caso brasileiro, Ulyssea e Foguel (2006) apresentam uma boa revisão da bibliografia a respeito dos efeitos do salário mínimo sobre a economia do país. De maneira sucinta, a literatura revisada pode ser sintetizada como: (a) consensual frente ao efeito do SM de reduzir a desigualdade na distribuição de salário daqueles que permanecem ocupados, embora isso não se reflita necessariamente em redução da pobreza e da desigualdade de renda (medidas em termos familiares, e não individual); (b) parece haver efeito negativo do SM sob o emprego, embora reduzido; (c) o setor informal da economia é o que mais sente os impactos negativos, mesmo que os efeitos sejam de pequena magnitude (d) o SM tem efeito significativo sobre a possibilidade da transição formal-informal de setores da economia, e em menor medida desemprego e inatividade.
3- Especificação do modelo
A forma funcional adotada é uma adaptação do trabalho de Sen, Rybczynski e Waal (2011), originalmente aplicada para estimar o impacto das políticas de salário mínimo sobre o nível de emprego entre os jovens para nove províncias canadenses. Realizados os devidos ajustes, apresenta-se a seguinte especificação:
ΔTXJOVi= α + β1 ΔSMRi + β2 ΔSMR²i + β3 ΔPIBi + β4 ΔPIB²i + β5 ΔBFi + β6 ΔJOVPOPi + ΔTXJOV(-3)i + ΔTXJOV(-6)i + ui:
onde:
ΔTXJOVi: primeira diferença da taxa de ocupação dos jovens de 16 a 24 anos, na RMPA, no mês i;
ΔSMRi: primeira diferençado salário mínimo real no mês i;
ΔSMR²i: primeira diferençado quadrado do salário mínimo real no mês i;
ΔPIBi :primeira diferença do produto interno bruto nacional no mês i;
ΔPIB²i: primeira diferença do quadrado do produto interno bruto nacional no mês i;
ΔPBFi: primeira diferença da transferência ao município de Porto Alegre através do Programa Bolsa família no mês i;
ΔJOVPOPi: taxa de participação de jovens de 16 a 24 anos na população total no mês i;
ΔTXJOV(-3)i: primeira diferença da defasagem em três períodos da variável independente, no mês i;
ΔTXJOV(-6)i: primeira diferença da defasagem em seis períodos da variável independente, no mês i e
ui: termo de erro independente e igualmente distribuído
A amostra é composta por dados mensais, que iniciam em janeiro de 2004 e terminam em dezembro de 2016, configurando um total de 156 observações.
3.1- A variável dependente
A variável dependente consiste na taxa de ocupação da população de 16 a 24 anos, calculada a partir da divisão da PEA pela PIA para esse segmento etário. Essa razão indica qual o percentual de jovens em idade ativa está efetivamente incluído no mercado de trabalho, a partir de dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego da Região Metropolitana de Porto Alegre (PED-RMPA). Embora a Organização Internacional do Trabalho (OIT) considere como jovem aqueles indivíduos entre 15 e 24 anos (Constanzi; 2009), e parte da literatura utilize a faixa etária de 15 e 24 anos para o mesmo conceito (seguindo a metodologia da OCDE), opta-se nesse trabalho por definir jovem como aquele indivíduo entre 16 e 24 anos de idade. Justifica-se essa escolha metodológica tanto pela característica do mercado de trabalho brasileiro, que define como idade mínima de ingresso regular 16 anos, como pelas razões apontadas por Cardoso (2013), para quem o intervalo de 15 a 29 anos abrange momentos biológicos e identitários muito distintos: aos 15 anos, não estar regularmente matriculado em uma instituição de ensino seria uma anomalia, enquanto que a partir dos 25 a idade passaria a perder influência sobre estar ou não incluído no mercado de trabalho, características multidimensionais extraetárias ganham relevância nessa etapa de vida, como projetos de maternidade e constituição de família.
3.2- As variáveis explicativas
O salário mínimo real (SMR) é a principal variável política no modelo. Os dados mensais de salário mínimo nominal foram obtidos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e deflacionados, a preços constantes de janeiro de 2004, através dos dados mensais para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), indicador pelo qual o salário mínimo é corrigido (lei 13.152/2015). Em relação à variável dependente, é esperado uma relação dupla: utilizando-se da teoria neoclássica, quanto maior for o salário mínimo (afetando a dotação familiar e pessoal), maior será o incentivo para os indivíduos substituírem horas de trabalho ofertadas pelo seu bem substituto, o “lazer” (ou no caso dos jovens estudo). Além disso, nessa concepção teórica, o salário é igual a produtividade marginal do trabalho, o que implica que um salário mínimo maior dificultaria a procura por emprego daqueles trabalhadores de baixa produtividade, característica típica àqueles que estão iniciando sua carreira de trabalho. Mas diante de uma remuneração maior, também é maior o incentivo para que aumenta a oferta de trabalho. Por isso, a inclusão da forma quadrática (SMR²).
A variável PIB é o produto interno bruto mensal do Brasil (dados do Banco Central) e é utilizada como uma proxy para o nível de atividade na região metropolitana, na ausência de dados locais com recorte mensal. Está implícita a hipótese de que o desempenho econômico local é altamente correlacionado com o desempenho nacional. O objetivo da inclusão dessa variável é captar o componente do ciclo econômico sobre a taxa de ocupação dos jovens. Nesse caso o sinal esperado da relação não é muito claro: no caso de crescimento econômico acelerado, pode se pensar que haverá tanto incentivos para a incorporação da mão de obra jovem frente à demanda aquecida, como para postergação de sua entrada no mercado de trabalho em um ambiente de maior formalização e poder de barganha que favoreçam a renda familiar, e, por isso, a variável é testada também em sua forma quadrática.
A variável BF é o valor mensal1 de transferências para famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família no município de Porto Alegre, município mais relevante da RMPA. Os dados são do Ministério da Transparência e Controladoria Geral do União. Assim como no caso do salário mínimo, espera-se que quanto maior for o valor repassado menor será a necessidade do jovem ingressar no mercado de trabalho.
Por fim, a variável JOVPOP é a participação da população de 16 a 24 anos no total da população. Ela capta o efeito das mudanças demográficas ao longo dos anos na taxa de ocupação dos jovens. É esperado que mais jovens entrando no mercado de trabalho, ou seja, uma situação de boom demográfico, pressione a taxa de ocupação para baixo, ao paço que o contrário é verdadeiro: uma situação de inversão da pirâmide etária, como a vivida pelo Rio Grande do Sul, deve aliviar o desemprego juvenil, favorecendo o aumento da taxa de ocupação. O dado é calculado através das estimativas anuais da Fundação de Economia e Estatística (FEE) para a população. Assume-se, para fins do modelo, que a população se mantém constante durante o ano (repete-se doze vezes a mesma entrada para aquele ano), o que é próximo da realidade já que é de se esperar pouca variação em termos de população mês a mês.
4- Resultados
A variação da variável explicativa central do modelo, SMR, apresentou significância a um intervalo de confiança de 5%, na forma linear, e à 1% na forma quadrática, indicando que o seu efeito sobre a taxa de ocupação jovem é de fato ambivalente (dados os sinais opostos dos coeficientes). Os coeficientes indicam que, até uma variação absoluta de R$24,56, um aumento no salário mínimo impactará em uma maior taxa de ocupação dos jovens. A partir desse ponto, atinge-se o ponto de inflexão e uma variação absoluta positiva do salário mínimo passa a implicar uma redução na taxa de ocupação dos jovens. Uma variação positiva de R$50,00 no salário mínimo real, por exemplo, implicará em uma diminuição da taxa de ocupação dos jovens em 2,73p.p. Quanto maior o reajuste real do salário mínimo, maior será a dificuldade do jovem se colocar no mercado de trabalho e o incentivo para postergar essa decisão.
A variação do PIB e do PIB², embora tenham apresentado sinais compatíveis com o esperado, não apresentaram significância estatística para o período, indicando que não se pode inferir uma relação entre a variação absoluta da taxa de ocupação e a variação absoluta da atividade econômica para o período. Em outras palavras, o componente de ciclo não explica o comportamento da taxa de ocupação dos jovens no período analisado.
A mesma situação é observada no caso do Programa Bolsa Família: o coeficiente negativo vai de encontro com o esperado à priori, porém sua não significância estatística indica que o comportamento da taxa de ocupação dos jovens no período não é explicado pelos repasses do programa.
O componente de mudanças na pirâmide etária (ΔJOVPOP) também não apresentou significância estatística no período, não podendo ser tido como variável relevante na explicação do comportamento da taxa de ocupação entre 2004 e 2016.
Por fim, nota-se uma grande presença de defasagens da variável dependente como variáveis explicativas relevantes (Δ(TXJOV(-3)), Δ(TXJOV(-4)) e Δ(TXJOV(-6)) no período. O fato que a variação absoluta da taxa de participação dos jovens no período corrente dependa da mesma ocorrida há um quadrimestre, trimestre e semestre, indica um comportamento do tipo path-dependence da variável. Mudanças na taxa corrente carregam mudanças passadas da mesma como fator relevante de sua explicação, embora essas defasagens influenciem de maneiras distintas. A variação absoluta da taxa de ocupação de um trimestre atrás e de um semestre atrás afetam negativamente a taxa corrente (no caso de uma variação absoluta de 0,10 nessas, a taxa corrente variaria -0,056 e -0,021, respectivamente). Já no caso da taxa passada de 4 meses, o efeito é positivo (coeficiente 0,1866).
De todo modo, o baixo poder explicativo do modelo (R² de 0,376117 e R² ajustado de 0,3357) reflete o elevado número de variáveis não significativas apresentado no modelo especificado, sugerindo que existam dimensões relevantes para a explicação do comportamento da taxa de ocupação dos jovens não explorados nesse artigo.
5- Considerações finais
A taxa de ocupação da população jovem na Região Metropolitana de Porto Alegre vem apresentado tendência de queda desde o ano de 2005. Esse artigo buscou relacionar tal comportamento à política nacional de valorização do salário mínimo, posta em prática no Brasil a partir do ano de 2004, cujos resultados foram robustas reposições salariais acima da inflação e, em alguma medida, do próprio crescimento da produtividade no período. Resgatando a literatura teórica a respeito, era de se esperar que aumentos do salário mínimo real impactassem negativamente sobre o nível de emprego dos trabalhadores mal remunerados e menos qualificados, para os quais a mão de obra juvenil funciona como uma boa proxy. Foram testados ainda os repasses do Programa Bolsa Família, a composição da pirâmide etária gaúcha e a nível de atividade econômica, variáveis para as quais se suspeitava ser possível atribuir algum grau de explicação da variável dependente.
A única variável para qual houve resultado estatisticamente significante foi o salário mínimo real, confirmando a hipótese levantada pela literatura de que salários mínimos muito altos inibem a ocupação dos jovens. Contudo, levando em conta o baixo poder explicativo do modelo, não é possível atribuir ao salário mínimo real papel único no fenômeno de queda da taxa de ocupação dos jovens no período. Fatores de mudança estrutural tanto na economia como na sociedade brasileira podem ter sido significantes no fenômeno observado e não puderam ser captados por essa especificação. O aumento do capital humano, refletido na melhora dos indicadores de escolaridade para o período, a despeito dos problemas qualitativos do sistema de ensino brasileiro, pode ser uma explicação relevante. Outra fenômeno estrutural passível de relação é a maior transição para uma economia pós-industrial, intensiva em serviços e em informação, observada mais intensamente nos países centrais mas também nos demais países: talvez, de forma geral, menos empregos estejam sendo criados na medida que os jovens brasileiros, e a economia brasileira como um todo, tenha dificuldade de se inserir nesse novo estágio. (STIGLITZ; 2017).
De toda forma, ressalta-se que o fato do salário mínimo estar estatisticamente associado a uma diminuição na taxa de ocupação juvenil no período não é, intrinsecamente, indesejável, precisando de estudos adicionais para a correta avaliação se os custos sociais de tal política excederam, ou não, seus benefícios.
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