Dagoberto Rosa de Jesus*
Michael Jhonatan Sousa Santos**
UFMT – Brasil
dagoberto.jesus@pdl.ifmt.edu.br
Archivo completo en PDF
RESUMO: O presente trabalho se insere na Historiografia do Estado de Mato Grosso, Brasil. Nele estabelecemos um panorama dos acontecimentos ocorridos nesse Estado com adevnto da República do Brasil, em 15 de novembro 1889, e, de forma específica, delineamos qual teria sido o papel da Vila do Rosário do Rio Acima na conformação do poder político em Mato Grosso no início do período republicano. Para tanto, valemo-nos de pesquisa documental e bibliográfica, destacando fatores sociais, econômicos e geográficos, ligados, no mais das vezes, à história da cidade de Rosário Oeste – MT. Ao chegar em Mato Grosso, a República encontrou um local marcado pela distância, pela dificuldade de comunicação. O Estado se configurava, nesse sentido, como um sertão, sinônimo de atraso e ausência de civilização. Já a organização política era alicerçada no binômio partido Liberal e Conservador e num cenário em que as ideias e ideais republicanos mostram-se de forma muito tímida. Nesse mesmo cenário, o desejo de superar o sertão, construindo um espaço “civilizado" convivia com lutas oligárquicas entre coronéis, senhores de terras e de homens. O trabalho demonstra que a notícia da Proclamação da República traz no seu bojo várias mudanças, não só no Estado, mas também para a Vila do Rio Acima. Assim num universo de lutas e incertezas, no qual o forte se impõe, Rosário se define dentro das disputas oligárquicas que povoaram o Mato Grosso no final do século XIX, e optou por fazer oposição ao governo “revolucionário”, tomando partido na luta pela restauração do poder do presidente de Estado deposto, Manuel Murtinho.
Palavras-chave: Brasil. República. Mato Grosso.
RESUMEN: El presente trabajo se inserta en la Historiografía del Estado de Mato Grosso, Brasil. En él establecemos un panorama de los acontecimientos ocurridos en ese Estado con el advenimiento de la República del Brasil, el 15 de noviembre de 1889, y, de forma específica, delineamos cuál habría sido el papel de la Vila do Rosário do Rio Arriba en la conformación del poder político en Mato Grosso en el inicio del período republicano. Para ello, valemos de investigación documental y bibliográfica, destacando factores sociales, económicos y geográficos, ligados, en el más de las veces, a la historia de la ciudad de Rosario Oeste - MT. Al llegar a Mato Grosso, la República encontró un lugar marcado por la distancia, por la dificultad de comunicación. El Estado se configuraba, en ese sentido, como un sertón, sinónimo de retraso y ausencia de civilización. La organización política se basaba en el binomio partido Liberal y Conservador y en un escenario en el que las ideas e ideales republicanos se muestran de forma muy tímida. En ese mismo escenario, el deseo de superar el sertão, construyendo un espacio "civilizado" convivia con luchas oligárquicas entre coroneles, señores de tierras y de hombres. El trabajo demuestra que la noticia de la Proclamación de la República trae en su seno varios cambios, no sólo en el Estado, pero también para la Villa del Río Arriba. Así en un universo de luchas e incertidumbres, en el que el fuerte se impone, Rosário se define dentro de las disputas oligárquicas que poblaron el Mato Grosso a finales del siglo XIX, y optó por hacer oposición al gobierno "revolucionario", tomando partido en la lucha por la restauración del poder del presidente de Estado depuesto, Manuel Murtinho.
Palabras clave: Brasil. República. Mato Grosso.
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Dagoberto Rosa de Jesus y Michael Jhonatan Sousa Santos (2018): "A chegada da República em Mato Grosso e a República Rio Acima.", Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, (junio 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/oel/2018/06/chegada-republica-matogrosso.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/oel1806chegada-republica-matogrosso
1 INTRODUÇÃO
O final do século XIX trouxe com ele várias mudanças, veio em seu bojo, além das ideias positivistas de Auguste Comte, o fim da escravidão negra no Brasil, os ideais republicanos e a queda da monarquia. Nas ciências e na medicina têm-se nesse período descobertas importantes; em 1880 Erberth identifica o bacilo da febre tifóide em 1882 o bacilo da tuberculose, em 1883 o bacilo da difteria, em 1884 os da peste bubônica e ainda em 94 Marie Curie descobre o rádio. Soma-se a isso a descoberta do forno elétrico, da fotografia, da lâmpada incandescente, do telégrafo, do telefone e do avião. No Brasil, os cientistas, Osvaldo Cruz e Carlos Chagas (que isola o microorganismo responsável pelo mal de Chagas, tripanosoma Cruzi) são entusiastas de uma nova forma de encarar a saúde pública principalmente na capital, Rio de Janeiro.
Era preciso pois findar com a imagem da cidade insalubre e insegura, com uma enorme população de gente rude plantada bem no seu âmago vivendo no maior desconforto, imundice e promiscuidade e pronta para armar em barricadas as vielas estreitas do centro ao som do primeiro grito de motim. Somente oferecendo ao mundo uma imagem de plena credibilidade era possível drenar para o Brasil uma parcela proporcional da fartura, conforto e prosperidade em que já chafurdava o mundo civilizado (...) A imagem do progresso - versão prática do conceito homólogo de civilização - se transforma na obsessão coletiva da nova burguesia. A alavanca capaz de desencadeá-lo, entretanto, a moeda rutilante e consolidada mostrava-se evasiva às condições da sociedade carioca. 1
Neste cenário, não podemos deixar de citar, a presença de intelectuais ilustres; tínhamos na literatura, por exemplo, escritores como José de Alencar, Machado de Assis, Euclides da Cunha, Lima Barreto, entre outros. Sobre esses dois últimos escritores marginalizados, política e intelectualmente, apesar do êxito com a publicação de suas respectivas obras. Nicolau Sevcenko faz suas reflexões sobre os primeiros anos da República. Constrói um quadro da belle époque no campo das ideias centrando a sua análise em Euclides da Cunha e Lima Barreto. O Rio de Janeiro vivia o papel de centro cultural e de decisões políticas e administrativas do Brasil.
Por um lado, a capital do país vivia um período de euforia e mudança. A cidade crescia como nunca. Tudo parecia mudar em ritmo alucinante. A política e a vida cotidiana; as ideias e práticas sociais. O progresso parecia tudo arrebatar em uma corrida desenfreada. No contraponto, um marasmo e uma sensação de lentidão afetavam as fazendas, nas vilas do interior e nos sertões do país2 . Nada parecia romper a rotina secular firmemente alicerçada no privilégio, na lógica do favor e na força de coronéis. Isso era o que acontecia nas terras de Mato Grosso configurado como “sertão” 3. Segundo Lylia Galleti, a percepção da grandeza do território mato-grossense e da pequenez de sua população e a constatação de que grande parte deste território era esparsamente habitado constituem elementos essências das imagens de Mato Grosso como um vasto deserto, inculto e selvagem.4
Mesmo com o interior e o sertão recebendo tardiamente as novidades e ideias que fervilhavam na capital do país, uma nova concepção de tempo era percebida.
Uma nova concepção de tempo e de história acompanha as múltiplas mudanças que, aproximadamente entre 1870 e a primeira grande guerra de 1914, se multiplicam em todos os âmbitos. O Ocidente vive um desses períodos em que a história parece acelerar-se e não é apenas a experiência do tempo vivido que reflete e provoca essa sensação: a própria percepção mais abstrata do tempo e a concepção de história que e' seu corolário estarão pautadas pela primazia da noção de evolução e por uma representação linear, em constante aceleração do tempo histórico (... ). 5
Essa nova maneira de encarar a história de forma linear e evolucionista, tributária do pensamento comteano, fez com que ao se pensar em Mato Grosso, isso fosse feito sobre essa lente. Dessa forma, atribuía-se a Mato Grosso o estigma da barbárie e da falta de civilização. Ainda, conforme Galetti, para quem, em face da condição dos filhos de Mato Grosso, que apesar do imenso potencial da terra, continuava tão distante do progresso e da civilização, criava-se um mal-estar em boa parte da população.
Nas primeiras décadas republicanas, as manifestações, desse mal-estar cultural que não decorria de constrangimentos impostos pela civilização, mas pela barbárie, estiveram presentes entre os mato-grossenses, e em particular entre os cuiabanos. Um sentimento que se fazia acompanhar da angustia e preocupação quanto ao futuro que estaria reservado a Mato Grosso de indignação e revolta face às apreciações negativas que denegriam a imagem da região e de seus habitantes, mas também, em larga medida, do reconhecimento de que boa parte destas apreciações eram verdadeiras.6
Sobre essa mesma questão Generoso Ponce Filho em discurso pronunciado em 15 de agosto de 1928, por ocasião de sua posse ao falar sobre “Mato Grosso e a Opinião Nacional”.
Grande terra Natal, grande Mato Grosso, como não te conhecem os que blasfemam contra ti e inconscientemente vão tecendo fabulosos contos sobre tudo que é teu - o teu solo. o teu clima, o teu povo! Que ideias fazem! Julgam-te um corpo sem alma! Uma floresta virgem, quase selvagem, um clima insuportável, um ambiente refratário a civilização um povo bárbaro. Brasileiros há que pensam isto! Que nossa, pois, lhe podem fazer os estrangeiros que desembarcam no Rio com peneiras altas e pesadas, chapéus de abas largas e carabinas a tiracolo prontos a caçar o primeiro tigre que lhes apareça na Avenida? É assim como conceito do estrangeiro ignorante sobre o Brasil e do brasileiro leviano acerca do nosso Mato Grosso7 .
É com esse contexto que, em meados de novembro de 1889, é proclamada a República no Brasil. Ao retomarmos esse período da Proclamação da República lembramos das palavras de Graciliano Ramos, o escritor de Vidas Secas, que embora tenha boa parte de sua produção literária datada basicamente no final da primeira metade do século XX soube escrever e sintetizar de forma paradigmática o período de transição entre monarquia e república. O advento da República tem, na pena desse modernista um fino trato. Em A Pequena História da República (1939), Graciliano apresenta o período primando por uma visão que humaniza os seus personagens, isso atribui ao texto uma maior verossimilhança8 . Tomaremos fragmentos dessa obra na tentativa de fornecer um breve panorama desses anos em torno do 15 de novembro 1889, para assim poder apresentar apontamentos sobre Mato Grosso e tornar possível situar o massacre ocorrido, anos depois, na Vila do Rosário do Rio Acima.
2 A REPÚBLICA EM MATO GROSSO
Em Mato Grosso, Cuiabá, então capital da Província, ficou famosa, e de referência recorrente, a comemoração que celebrou no dia 02 de dezembro 1889 dia do aniversário do Imperador, portanto quase um mês depois da Proclamação da República, quando obviamente, sua majestade já tinha deixado o país em seu exílio. Isso só foi possível, pois a notícia da proclamação da República só chegou a Cuiabá à 9 de dezembro de 1889. Logo, aqui, a República chegou com quase um mês de atraso. Mato Grosso, ainda Província até 9 de dezembro do citado ano, estava sob o comando do Coronel Ernesto Augusto Cunha Matos,
Nesse tempo o chefe do governo, o Sr. Pedro II, Imperador, dispunha de longas barbas brancas respeitáveis e nas horas de ócio estudava hebraico, língua difícil, inútil a administração e a política. T ados os homens notáveis e idosos eram barbudos, conforme se vê em qualquer história do Brasil de perguntas e respostas. José de Alencar romancista tinha barbas enormes perfeitamente iguais a do imperador – e chegara a ministro. 9
Metaforicamente podemos tomar o desejo dos homens notáveis do período em se parecer com o imperador, observado por Graciliano como um comportamento que buscava a similaridade e aproximação com o poder, ou com seu representante maior. O mesmo ocorria não só com as barbas longas do Imperador, mas com outros comportamentos, ideias e ações que eram comuns na corte e que nas mais diversas regiões do país buscam-se repetir. Em Mato Grosso essa tentativa de similaridade também ocorria em vários momentos. Virgílio Alves Correa Filho nos afirma, que, buscando imitar a corte, surgiu em Cuiabá, o jornal, A Gazeta, com aparência dos periódicos de oposição. Esse jornal, com maior frequência, transcrevia artigos dos republicanos cariocas como Aristides Lobo10 . Mas, voltamos a Graciliano Ramos, quanto aos políticos, nos informa com igual ironia que:
Em geral esses personagens se filiavam num dos dois partidos que aqui brigaram: o liberal e o conservador. Um deles dirigia os negócios públicos. O outro na oposição dizia cobras e lagartos dos governantes, até que estes se comprometiam e V. M. os derrubava e substituía pelos descontentes, que eram depois substituídos. Os programas dessas duas facções divergiam, é claro, mas na prática elas se assemelhavam bastante. E como apenas duas se revezavam no poder, facilmente se tornaram conhecidas e não inspiravam confiança 11.
Temos que concordar com o romancista, em linhas gerais, esse era o quadro do país. Emilia Viotti da Costa ao abordar as origens da república no Brasil, nos remete novamente essa dualidade. Segundo Viotti da Costa, duas linhas de interpretação surgiram já nos primeiros anos: a dos republicanos e a dos monarquistas, aos quais vieram juntarem-se com o tempo alguns republicanos que, desiludidos com a experiência, aumentaram o rol dos descontentes, exaltando as glórias do Império e ressaltando os vícios do regime republicano.
Para os republicanos, a forma de governo por eles definida, sempre foi uma aspiração popular e nacional que dava fim a centralização do poder. Partindo de uma concepção mecanicista da história alguns cronistas, influenciados pelo positivismo comteano, então em voga, consideravam a queda da monarquia uma decorrência natural do processo histórico; estando o regime monárquico historicamente condenado, a República era o desenlace natural dos acontecimentos12 . Embora a chegada da República fosse uma questão de tempo, atribuem grande importância do Partido Republicano, os seus órgãos de propaganda e vários de seus idealizadores. A versão dos monarquistas, embora abafada pouco após a proclamação, não desapareceu.
Os adeptos do regime deposto continuaram a dar a sua interpretação dos fatos. (...) Os livros, panfletos, manifestos e protestos divulgados pela imprensa “sebastianista” registravam a versão monarquista, segundo a qual a proclamação não passava de um levante militar, alheio à vontade do povo. Fora fruto da indisciplina das classes armadas que contava com apóio de alguns fazendeiros descontentes com a manumissão dos escravos. Tinha sido grande o equívoco. (...) Uma simples parada militar substituíra esse regime (monarquia) por outro instável, incapaz de garantis a segurança e a ordem ou de promover o equilíbrio econômico e financeiro e, que além de tudo, restringia a liberdade individual.13
Mesmo na leitura posterior da proclamação permanece binômio. Em Mato Grosso não era diferente, esse comportamento bi-polar, resiste ao 15 de novembro de 1889. Na organização partidária há apenas uma mudança na nomenclatura dos partidos, como veremos mais adiante.
Embora buscando uma similaridade com a corte, fundando aqui, além de um jornal, um Mato Grosso ficava praticamente segregado do Rio de Janeiro, em função da sua distância da Capital; cerca de trinta dias de viagem através de três paises estrangeiros. O Partido Republicano foi fundado em agosto de 1888, porém sua expressão e importância não eram nem percebidas, o poder só conhecia liberais e conservadores. Quanto à distância entre o Rio de Janeiro e Cuiabá, cuja viagem era realizada por Via fluvial a historiadora Edil Pedroso da Silva em seu livro O Cotidiano dos Viajantes nos Caminhos Fluviais de Maio Grosso observa:
Vale lembrar que o roteiro em foco tinha em Mato Grosso os rios Paraguai e Cuiabá como principais os caminhos; saindo pelo Cuiabá, alcançava-se o São Lourenço e daí o Paraguai: deste ao Paraná. Prata e depois ao Atlântico, até a capital do Brasil. [...] Uma viagem entre Cuiabá, ou Caceres e o Rio de Janeiro, que envolvia embarcações diferentes durava em média trinta dias tanto na ida como na volta. Assim na medida em que se afastavam de Cuiabá. Corumbá. Assunção. Buenos Aires, os navios aumentavam de tamanho potência e conforto até alcançar o destino final. Se a viagem era de volta, o conforto diminuía no sentido contrário.14
A distância entre a capital do país e Cuiabá não afetava somente os homens, mas suas ideias, ideais, novidades e notícias dos acontecimentos. Lylia Galetti analisou, em sua tese de doutorado, uma carta escrita em 1890, pela Baronesa Maria da Glória Pereira Leite, ao Marechal Deodoro da Fonseca, presidente da recém-inaugurada República. Nesta correspondência a baronesa apresentou uma imagem negativa de Mato Grosso; para ela esse território não poderia por si só constituir um estado. A Sra. Leite munida desse “estigma da barbárie" que colocou Mato Grosso como um lugar distante, com baixa densidade demográfica, no qual não havia civilização sugeriu ao então governo provisório de Deodoro da Fonseca, a anexação de Mato Grosso ao Estado de São Paulo.
A relutância em reconhecer como civilizada a rala população não indígena de Mato Grosso justifica-se, de acordo com Maria da Gloria porque, salvo uma ínfima minoria, esta população vivia como selvagens nas brenhas da ignorância. Usando dados de 1872, Maria da Gloria informa que dos 87.000 habitantes só 2.400 eram alfabetizados, sendo que destes apenas 350 possuíam instrução secundária e 50 instrução superior. Além de analfabeta essa população alimentava-se mal e padecia de doenças. Conhecem de perto os três maiores flagelos do humanidade, a guerra, a fome e a peste e se ressentira em todas as ocasiões em que fora por elas vitimadas do descanso das autoridades imperiais.15
A situação da população de Mato Grosso no final do período monárquico é apontada, nesse fragmento. Podemos inferir que havia no seio da Província um discurso que apontava para as mazelas desse território. Parece-nos, a exemplo, de outros documentos consultados no decorrer da pesquisa que as reclamações sobre as mazelas de Mato Grosso não eram ouvidas, ou não sensibilizavam o poder central.
O etnólogo alemão Karl von den Steinen, que esteve no Mato Grosso por duas vezes no final do século XIX, fez uma crítica à política e a situação dos habitantes de Mato Grosso. Em seus escritos sobre a expedição que chefiou, de 1884, indo explorar o rio Xingu, apresentou alguns elementos que pensamos podem ajudar a esclarecer esse contexto.
Os habitantes fazem política e vivem das somas que o tesouro lhes fornece. Um cargo ou mesmo um cargozinho qualquer é objeto de toda o ambição e especulação. Os partidos principais, isto é, o liberal e o conservador defrontam-se como proprietários e não-proprietários. Imagine-se o seguinte quadro embora desagradável mas sugestivo: um bando de cães e gatos moram na mesma casa. Um enorme gamelo de carne lhe é servida ao meio dia. Se os gatos conseguem apoderar-se dela os cães famintos ficam a ladrar e quando são estes que agarram, os gatos é que ficam, então de lado a lamber as patas. 16
.
A organização política local era composta por um binômio entre políticos liberais e conservadores e provocava um acirramento extremado das disputas entre esses dois grupos. Ao grupo que estava no poder, e às pessoas ligadas a esse grupo eram dada boa parte das benesses, acesso ao trabalho público e as hostes do governo. Para a oposição tudo, ou quase tudo, era negado. Assim sendo, ou esse grupo da população contava com a boa vontade do governo no caso de fazer parte ou defender o partido que naquele momento está no comando, ou sofreria perseguições pelo grupo que governa. Da luta política e de sua filiação a determinado grupo, dependiam muitas vezes, as condições de vida e trabalho de boa parte da população. Criava-se um ambiente de tensão em que, quase sempre, a liderança do município era feita pela figura do coronel.
O poder dos coronéis se impõe, a maioria das vezes, por meio de confronto com poderosos rivais. Vencida a luta, ele assume a chefia política municipal o que no entanto, a maior parte das vezes, não é inconteste. O mais comum é a existência quase permanente, de um clima de tensão representado por outro potentado local a espera de uma oportunidade para desalojá-lo da liderança municipal.17
Essa tensão permanente e a luta entre oligarquias, sempre tendo um grupo no poder e outro lutando para tomá-lo. associado à filiação de boa parte da população a um ou outro lado, certamente fornece elementos para entendermos a leitura metafórica que propõe Karl von den Steinen, na citação que usamos anteriormente ao falar de cães e gatos.
Por outro lado, vale observar que muitos dos letrados mato-grossenses acabavam por fixar residência na capital do país, inseridos na belle époque carioca. A pequena elite portadora de um diploma a exemplo dos políticos como Joaquim Murtinho e Antonio Azeredo, eram figuras de destaque nos salões do Rio de Janeiro. É sobre esse quadro que se dá a chegada da República em terras de Mato Grosso.
Como vimos nessa primeira etapa do trabalho, ao chegar em Mato Grosso, a República encontrou um local marcado pela distância, pela dificuldade de comunicação. Mato Grosso se configurava, nesse sentido como sertão. Com uma organização política alicerçada no binômio partido Liberal e Conservador e num cenário em que as ideias e ideais republicanos mostram-se de forma muito tímida. Nesse mesmo cenário o desejo de construir um espaço “civilizado" convivia com as lutas oligárquicas entre coronéis, senhores de terras e de homens.
3 A REPÚBLICA RIO ACIMA
Era manhã do dia 17 de dezembro de 1889 na pequena Vila Nossa Senhora do Rosário do Rio Acima, o Capitão Botelho, como era chamado o então presidente da Câmara Municipal daquela Vila, logo pela manhã solicitou uma reunião extraordinária com os vereadores da Câmara. O objetivo do capitão Botelho era repassar as informações que chegara às suas mãos naquele início de dia. Fizeram-se presentes os vereadores Tiburcio Borges Campos, o senhor Craveiro de Sá, o senhor José Lopes de Macedo e João José da Silva Campos, além do secretário Manoel Raymundo Antunes Maciel e, claro, o próprio presidente da câmara. A nova chegara da capital, Cuiabá, em oficio datado de 9 de dezembro, assinado pelo General Antonio Maria Coelho, que fora indicado por Marechal Deodoro da Fonseca como chefe do governado, agora, Estado de Mato Grosso.
Após certificar haver um número legal para a reunião da câmara declarou iniciada a reunião e apresentou o oficio que receberá, cujo teor, dizia:
Declaro a essa Câmara Municipal, para o seu conhecimento e devidos efeitos que, tendo nesta data chegado a esta Capital a fausta comunicação de ter sido proclamada no Brasil a República Federativa sob a denominação de República dos Estados Unidos e estabelecido no Rio de Janeiro um governo provisório sob a Presidência do patriótico General Manoel Deodoro da Fonseca, desde 15 de novembro último, fui pelo povo e a Assembleia Provincial aclamado governador do Estado de Mato Grosso, o que desta sorte confirmou a nomeação que havia distinguindo o mesmo governo Provisório.18
No mesmo oficio o General Governador afirmou que as funções da justiça e da administração civil e militar continuariam a ser como até aquela data, respeitando o direito de cada funcionário público. Pedia ainda o apoio e a colaboração da Câmara e dos munícipes.
Ao concluir a leitura o capitão Botelho pediu aos seus companheiros de Câmara que prestassem apoio ao patriótico General Governador, Antonio Maria Coelho, aliando-se assim à Assembléia Provincial, ao povo da Capital e de Corumbá que aclamaram o general, herói da guerra do Paraguai, governador de sua terra natal. Em festa, como sinal da alegria “dos seus munícipes” a Câmara ordenou, em função de tão importante acontecimento, que se iluminassem as mas da Vila e que se fixasse na porta do prédio da Câmara o exemplar da proclamação, que acompanhou o dito ofício de General Govenador. Redigiu-se ainda na ocasião da reunião extraordinária um ofício em resposta ao governo do Estado, além das felicitações e apoio, a câmara da Vila do Rio Acima não dispensou a oportunidade e lembrou que “esta Vila que tanto carece do auxílio dos poderes públicos para o seu progresso, merecia atenção de V. Ex.”19
Consta assim, a chegada da República na Vila Nossa Senhora do Rosário do Rio Acima. A notícia veio às terras do Rio Acima, que têm em seu seio as nascentes do rio Cuiabá, há mais de um mês depois de 15 de novembro. Esse fato se deu em função da distância e da dificuldade de transporte entre a capital do país, Rio de Janeiro, e o Estado de Mato Grosso. Segundo Edgard Carone;
A notícia da proclamação da República chega ao Mato Grosso a 9 de Dezembro de 1889, dia em que se festeja a vitória eleitoral do Partido Liberal e de seu chefe, Generoso Ponce. O mensageiro do Rio traz a nomeação do General Antônio Maria Coelho - apontado por Deodoro da Fonseca por recomendação de seu médico, Joaquim Murtinho.20
Como já observado a política em Mato Grosso, nesse período, era disputada entre dois partidos: o Liberal e o Conservador. Nesse quadro partidário, embora já tivesse um partido Republicano, sua visibilidade e presença eram quase imperceptíveis. Definido o governo provisório, sob o comando de Antônio Maria Coelho, os conservadores se aproximam do governo, composto por um grupo pequeno de republicanos “históricos” para assim comporem o governo. Por outro lado, os Liberais, sob o comando de Generoso Ponce, presidente da Assembléia, numa manobra de agilidade política empossa “oficialmente” como governador o próprio Antonio Maria Coelho, demonstrando assim o apóio do Partido Liberal e, consequentemente, incorporando-se como governo, como situação. Anulou-se assim, aparentemente, as disputas partidárias no Estado.
Durante um pequeno período todos os partidos ficam “fazendo parte” do governo. Em ofício da Junta Municipal de Cuiabá, notamos esse dado pacificador da nomeação do General Antonio Maria Coelho para a chefia do Estado, além de outros aspectos que a leitura do documento denota.
Beneméritos da Pátria, vós fostes enviados de Deus para salvá-la da situação pungente e doloroso em que a haviam abismado os vícios e os erros da monarquia, e levantar os seus brios abatidos e aviltados pela corrupção dos seus passados governos. Acompanhem - vós em vossa cruzada gloriosa as benções dos vossos compatriotas. Outrossim, esta Junta, por si e pelos seus munícipes, deposita em vossas mãos os seus votos de profundo e sincero reconhecimento pela bem inspirada nomeação do bravo General Antonio Maria Coelho, sob o regimem da República. 21
A primeira informação que nos chama a atenção nesse documento é a busca por um vocabulário empolado, que denota uma erudição do discurso atribuindo a nomeação do novo chefe do Estado com ares de salvação da pátria. Nesse sentido a inauguração do novo regime, o Republicano, pareceu purificar uma política marcada por vícios e corrupção que, segundo o documento, era fruto de um sistema monárquico e dos antigos governantes. Antonio Maria é saudado como um arauto divino em uma cruzada que instalou uma nova ordem. Ora descontando essa ovação, a maioria dos políticos do regime monárquico, ou quase sua totalidade, e que compõe, naquele momento, o corpo desse novo governo. Logo “os vícios e a corrupção dos governos passados” levantados no documento parecem continuarem a fazer parte do novo Regimem.
Voltando ao documento, percebemos que a dita coincidência da aclamação de Antonio Maria por seus conterrâneos foi nada mais que o fruto de manobra astuta de Generoso Ponce, chefe da Assembléia, reduto do Partido Liberal, afim de também garantir seu lugar na simpatia do governo provisório nomeado pelo Marechal Deodoro da Fonseca.
A coincidência de recair essa nomeação sobre o mesmo cidadão já aclamado pelos seus conterrâneos demonstra o acerto de vosso ato. Nascido nesse Estado, que lhe deve relevantes serviços e se (ufana) de contar entre seus filhos probo, ativo, ilustrado, por todos estimado e respeitado - o seu governo e' uma garantia da boa distribuição da justiça, da manutenção da tranquilidade pública, do respeito à lei e a ordem e do aniquilamento dos antigos ódios partidários, que ele se esforça em converter em sentimento de confraternização, indispensável para a reconstrução da pátria que tanto amamos.
Instalando paz, ordem, e aniquilando antigos ódios da política local Antonio Maria, teve em sua órbita os políticos dos mais variados pontos de vistas e interesses; liberais, conservadores e republicanos. Ainda discutindo o documento, lembramos a José Murilo de Carvalho, quando esse autor fala sobre os mitos criados em torno da implantação da República. Embora o documento i;; não busque criar um mito em tomo da Antonio Maria Coelho, podemos observar alguns uma adjetivação exacerbada em torno de sua figura.
A criação de um mito de origem e' um fenômeno universal que, se verifica não só em regimes políticos, mas também em nações, povos, tribos, dará sentido e legitimará a situação vencedora. No caso da criação de novos regimes, o mito estabelecerá a verdade da solução vencedora contras às forças do passado ou da oposição. Se não são abertamente distorcidas, os fatos adequarem, na versão mitificada, dimensões apropriadas a transmissão da ideia de desejabilidade e de superioridade da nova situação. A mesma situação sofrerão os personagens envolvidos. 22
Além desse discurso de ovação da figura de Antonio Maria, logo após a sua nomeação orbitou ao seu redor todas as diversas facções partidárias de Mato Grosso. Essa união em torno de um só governo por parte dos políticos criou uma situação artificial e efêmera.
Essa situação dura até 30 de janeiro de 1890, com a fundação de dois novos partidos, o que, de certa forma retoma o binômio, que marcava não só a política mato-grossense, mas a política brasileira no final do Império; posto que o poder fosse disputado por liberais e conservadores. Os novos partidos eram nada mais do que uma re-configuração desses dois partidos diante da instalação da República. O Partido Nacional Republicano, com sua base composta por republicanos e antigos conservadores, convidam o General Maria Coelho para sua liderança; horas depois, Generoso Ponce, até então líder do Partido Liberal, instala o seu Partido Republicano. 23
Com uma oposição ferrenha, mesmo conseguindo impor um secretário no governo do General Antonio Maria, Ponce catalisou a antipatia do governo e do Partido Nacional Republicano. Com o apoio de Joaquim Murtinho e Antônio Azeredo, a importância desses dois políticos mato-grossenses ultrapassavam os limites de Mato Grosso, os dois tinham influência relevante na política Nacional; em 31 de dezembro de 1890, o Generoso Ponce conseguiu junto ao Marechal Deodoro da Fonseca a substituição e o afastamento do General Antonio Maria, governador do Estado. A partir dessa manobra o chefe do governo em Mato Grosso passava a ser o Coronel Frederico Sólon Sampaio Ribeiros.24
A entrada de Sólon marcou uma sequência de trocas de chefes do executivo no Estado que passou a ser frequente. Até o ano de 1892, com o cerco de Cuiabá por tropas armadas e a retomada do chamado governo da legalidade, passam pela chefia do governo mais de dez pessoas. Após Antonio Maria ficar um ano e dois meses no governo, o Cel. Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, fica apenas um mês e quinze dias, tempo suficiente para anular as eleições dos constituintes estaduais convencido do viciamento desse pleito e convocar uma nova eleição para o dia 28 de maio de 1891.
A ação mais importante de Sampaio Ribeiro foi a anulação de todo o trabalho do governo anterior 25. Para o historiador Estevão de Mendonça, o decreto do governador Cel. Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, de 25 de fevereiro de1891, pode ser considerado a causa remota dos movimentos armados que devastaram Mato Grosso no fim do século passado (XIX) e na primeira década do atual (refere-se ao século XX) 26. Depois da anulação, convoca-se novas eleições para o dia 28 de março do mesmo ano.
Ao considerarmos que houve duas eleições para o estabelecimento da Assembléia Constituinte, sendo que a primeira; teve como eleitos membros exclusivamente do Partido Nacional, e a segunda; membros do Partido Republicano, somos levados a pensar que o fato do primeiro pleito ser anulado e o segundo considerado legal marca apenas a disputa de força e influência desses dois grupos.
Vale observar que, nesse período pós proclamação da República, os republicanos, ou grupo do norte, tem sua base na capital, Cuiabá. Na oposição o grupo do sul, do Partido Nacional concentra sua força, poder e influência em Corumbá27 .
Tem-se frente a esse quadro o estabelecimento de um conflito. De um lado os nacionais, que tiveram sua eleição anulada e pleiteava a sua legalidade, chegando até a promover reuniões eleger um presidente de estado e seu respectivo vice. De outro lado, alheio a movimentação da oposição os republicanos em 16 de agosto de 1891, assumem o governo. Manuel José Murtinho tem como vice-presidente o Coronel Generoso Ponce. Haviam sido eleitos pela Assembléia Constituinte, de base exclusivamente Republicana.
O governo de Murtinho e Ponce caiu em primeiro de fevereiro de 1892. Quando o grupo ligado ao Partido Nacional saindo de Corumbá depõe o Presidente do Estado Manoel Murtinho, que segue para o Rio de Janeiro. Na história mato-grossense esse movimento ficou conhecido como “Revolução de 1892”.
Para Joaquim Ponce Leal, no ano de 1892, não há uma “revolução” circunscrita ao Extremo Oeste, mas uma conjuntura que abrange vários pontos muito distanciados um dos outros, cujo objetivo era derrubar o governo, inclusive o central. Afirma ainda, esse autor, que o movimento tem duração e extensão diversa em cada lugar, em São Paulo, por exemplo, essa ação revolucionária dura apenas 24 horas, no Rio Grande do Sul demora alguns dias, mas no Mato Grosso isso se deu de forma diferente. A tal revolução se expandiu no tempo e no espaço, inicia em Corumbá a 22 de janeiro de 1892, tomou a capital, tomando o poder do Presidente Manuel Murtinho e, assumindo grave feição. Segundo Leal, este movimento objetivava o Estado livre de Mato Grosso, república soberana, enclave no centro geodésico da América do Sul. 28
A partir daí se estabeleceu o governo “revolucionário”, que embora dure um período pequeno, de 01 de fevereiro a 07 de maio de 1892, é marcado por várias mudanças, às quais sintetizamos no quadro abaixo. 29
Em alguns documentos produzidos por esse governo pudemos perceber claramente no teor de seu discurso a ideia de que o povo estava do lado desse movimento armado. Não pensamos aqui, afirmar ou não, que o povo estava junto ou separado de determinada facção, embora, achamos pouco provável, ainda mais quando sabemos que o “povo” não emite em documentos suas opiniões.
Esse tipo de manipulação é visivelmente exemplificada no ofício da Residência Episcopal de 03 de fevereiro podemos observar esse dado.
Acabo de receber o ofício com data do 1º do corrente, em que V. Exas. Se dignam de comunicar-me que, havendo o povo, no referido dia, eficazmente auxiliado pelo altitude dos batalhões 21º e 8ª de infantaria, companhia de operários militares e policia desta capital, deposto do cargo de presidente deste Estado o cidadão Doutor José Murtinho, foi aclamado em ato continuo uma junta governativa, sob a presidência do Vice-Governador Coronel Luiz B. P. L., a qual logo assumi a respectiva administração.
Ciente desta comunicação, sumamente agradeço a V. Exas. A delicadeza e atenção de que usam para comigo.
Deus Guarde a V. Exas.
llmos. E Exmos Sres. Coronel Luiz B. Leite
Presidente e mais membros da Junta
Governativa deste Estado
Carlos, Bispo de Cuiaba. 30
Como repete o Bispo Carlos, “o Povo” depõe Murtinho, os militares apenas auxiliaram nessa tarefa. Embora em alguns documentos haja esse discurso de que o poder é tomado pelo povo, percebemos que o povo nesse movimento dito “revolucionário” e' apenas figura de retórica. Encontramos na historiografia um discurso que problematiza essa afirmação. Em Virgilio Alves Correa Filho, por exemplo, ao descrever que Manoel Murtinho foi colhido inesperadamente pela deserção de sua guarda, assim deixou o Palácio do governo e segue para sua moradia. Em frente a sua residência se alinhou à força expedicionária que, segundo o autor, não se amedrontou.
Ao receber a intimação do major de Engenheiros Caetano de Albuquerque, interprete eloquente dos amotinados, “em nome do povo aparteou o Presidente inerme, “povo, não, só vejo soldados”. E como continuasse a arenga dispensável, atalhou-lhe a palavra, “não posso ouvi-lo, porquanto se está tornando impertinente E recolheu-se à sala contígua. O orador dirigiu-se, então, ao Palácio abandonado, com os seus ouvintes.31
Não nos cabe aqui dizer que o documento ou a historiografia estão ou não com a razão, pensamos que por constituir duas narrativas diversas, atendem a interesses e pontos de vistas opostos. O povo surge nesses dois discursos, ora para legitimá-lo ora para destitui-lo. Tornando assim, algo abstrato, apenas uma figura discursiva.
Questão análoga é apontada por José Murilo de Carvalho ao tratar do evento da Proclamação da República. Para os deodoristas a proclamação da República foi ato estritamente militar, corporativo, executado sob liderança insubstituível de Deodoro da Fonseca. Os civis pouco ou nada influenciaram; eram poucos no Campo de Santana e nem mesmo organizaram adequadamente a mise-en-seene, dando razão a Aristides Lobo em sua famosa descrição sobre a forma com que o povo presenciou a proclamação32 . Entretanto, para Aristides Lobo, grande entusiasta e propagandista da República, o povo, que pelo ideário republicano deveria ter sido protagonista dos acontecimentos, assistira a tudo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ver talvez uma parada militar. 33
No Mato Grosso, por outro lado os republicanos, sob a liderança de Generoso Ponce já estavam organizando uma forma de reaver o poder. Organizaram partindo do interior do Estado grupos de homens e armas. Parece ser nesse momento que se acirraram os ânimos na Vila do Rosário. Ponce Leal ao referir a essa organização nos diz.
Generoso Ponce parte para as cidadezinhas próximas a Cuiabá e acaudilha 1.500 homens. No Rosário, seu irmão, Pedro Antunes de Souza Ponce, alferes do Exército, invade o quartel da força de policial e a aprisiona. Apodera-se do material bélico. Aumenta as forças. Organiza uma unidade revolucionária e vem reunir-se às tropas de Ponce.34
Até ocorrer o cerco de Generoso Ponce à cidade de Cuiabá, o governo “revolucionário” promove alguns incômodos nos municípios. Em Rosário, por exemplo, como podemos observar em oficio do juízo de Direito da Vila do Rosário de 26 de fevereiro de 1892, o cidadão Luiz Candido da Silva Brandão foi nomeado Juiz Suplente pelo “governo revolucionário”, mas o tenente Antonio Balbino da Silva, que exercia até então o cargo de Juiz Suplente, se recusava a sair do cargo, criou-se assim um atrito 35. Pensamos que, a exemplo desse, outros atritos possam ter ocorrido. Muito da força que Generoso Ponce conseguiu no interior do Estado veio de pessoas como o tenente Antonio Balbino da Silva, que dado o seu cargo e sua posição na pequena Vila do Rio Acima, acabou por contar com muitos braços armados em prol de sua causa.
Ao buscar esses braços certamente os encontrou nos trabalhadores dos seringais e demais fazendas de gado ou cana de açúcar da região de Rosário. Cabe observar que as relações de trabalho, nesse período, como nos lembra Fernando Tadeu de Miranda Borges, tendiam criar vínculo de dependência entre os grandes proprietários e os trabalhadores. O Coronel Antonio Bruno Borges, pioneiro na atividade de extração de borracha desde 1874, - que fez parte na Vila do Rosário da Intendência Municipal e do Juízo de Direito como membro interino - , teve em seus trabalhadores de seringais o grupo de homens com quem pôde contar para pegar em armas e assim engrossar os movimentos armados de 189236 .
Essa ação armada comandada pelo Generoso Ponce passa, para a versão oficial da história do Mato Grosso, como a reposição da Legalidade, ou contrarrevolução. Ponce entrega o Governo a Manoel José Murtinho a 20 de julho de 1892.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um fator que vale ressaltar, sobre esse período e a ação de homens como Ponce pode ser observada no trabalho de Fernando Tadeu (2011). O autor aponta uma relação entre os grandes grupos de proprietários rurais e a facção oligárquica no poder. Citando Valmir Corrêa (1995), Borges, nos lembra, que os coronéis (grandes proprietários rurais) envolvem-se constantemente, pelo menos até 1918, em conflitos que se materializam em lutas armadas. Usando as palavras do próprio Valmir Corrêa;
As lutas armadas e coronelistas em Mato Grosso adquiriram uma função econômica, na medida em que geravam benefícios e privilégios, tais como remuneração (soldos), indenizações, desapropriação de bens e resgates, etc. 37
Em última análise, para Valmir Batista Corrêa os conflitos armados desse período eram em grande partes pago pelo cofre do Estado, posto que ao final da contenda o governo indenizou os comerciantes expropriados pelos coronéis situacionistas e também as vítimas dos coronéis de oposição ao grupo oligárquico no poder estadual 38.
Após 1891 esses conflitos se tornam constantes, a contribuição de Valmir Corrêa no fornecimento de um quadro desses conflitos foi, e é, impar. O autor traça um panorama dos conflitos de 1891 a 1922.
Esse período conturbado e violento na primeira República não se limita ao Mato Grosso, se faz agitado em todo o Brasil. No Mato Grosso a melhor sistematização desses eventos foi realizada por Valmir Batista Corrêa. Entretanto, fugiu ao quadro do historiador, infelizmente, o conflito de Rosário, como dos demais autores mato-grossenses.
Ao fazer o caminho Rio Acima a notícia da proclamação da República encontrou as margens do Rio Cuiabá, a Vila Nossa Senhora do Rosário, com seu dia-a-dia embrenhado nos seringais. E em Rosário que iniciou um importante movimento armado que resultou na morte de vários homens. Essas mortes silenciadas mancaram o início de uma tomada de decisão em prol da chamada “contra-revolução de 1892”.
Como buscamos mostrar nesse trabalho, a notícia da Proclamação da República traz no seu bojo várias mudanças, não só no Estado, mas também para a Vila do Rio Acima. Assim num universo de lutas e incertezas, no qual o forte se impõe, Rosário se define dentro das disputas oligárquicas que povoaram o Mato Grosso, e optou por fazer oposição ao governo “revolucionário”, tomando partido na luta pela restauração do poder do presidente de Estado deposto Manuel Murtinho.
5 BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, Vital Batista de. Reflexões críticas sobre a revolução de Mato Grosso. Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso; Cuiabá, 2002.
BORGES, Artur Campus. Um resgate histórico. Senai, assessoria de relações institucionais, Cuiabá, 1991.
BORGES, Fernando Tadeu de Miranda. Do extrativismo a pecuária: algumas observações sobre a história econômica de Mato Grosso; Scortecci, São Paulo, 2001.
BURKE, Peter. A Escrita da História: Novas Perspectivas. São Paulo, UNESP, 1992
CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. Companhia das Letras, São Paulo, 1990.
CERTEAU, Michel. A escrita da História. Trad.de Maria de L. Menezes – R.J.: Forense Universitária, 2002.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.
CORREA FILHO, Virgílio. História de Mato Grosso. Fundação Júlio Campos; Várzea Grande, 1994.
CORREA, Valmir Batista. Coronéis e Bandidos em Mato Grosso: 1889 - 1940, São Paulo. Campo Grande: UFMS, 1995.
COSTA e SILVA, Paulo Pitaluga. Breve História de Mato Grosso e de seus Municípios. .IHGMT, Cuiabá, 1994.
COSTA, Emília Viotti. Da Monarquia República: momentos decisivos. 2ª ed. Livraria Editora Ciências Humanas LTDA, São Paulo, 1979.
COSTA, Maria de Fátima. e DIENER, Pablo. Cuiabá: rio, porto, cidade. Secretaria Municipal de Cultura, Cuiabá, 2000.
FERREIRA, J .P e DELGADO, Luvilia Almeida Neves. O tempo do liberalismo excludente: da proclamação da república & revolução de 1930. Civilização Brasileira; Rio de Janeiro, 2003.
GALETTI, Lilyan S. Nos Confins da Civilização: Sertão, fronteira e identidade nas representações sobre Mato Grosso. Tese de doutorado apresentada no departamento de História da USP, São Paulo, 2000.
LEENHARDT, J e PESAVENTO, Sandra Jatay (org) Discurso histórico e narrativa literária, Editora UNICAMP, 1998.
MENDONÇA, Rubens de, História das Revoluções em Mato Grosso. Goiânia, Rio Bonito,1970.
NEVES, M. S. Os cenários da República. O Brasil na virada do século XIX para o século XX. In. ln. FERREIRA, J .P e DELGADO, Luvilia Almeida Neves. O tempo do liberalismo excludente: da proclamação da república & revolução de 1930. Civilização Brasileira; Rio de Janeiro, 2003.
PESAVENTO, Sandra Jatay. A Vitória de Antígona sob o signo de Babel, A cidade Brasileira dessacralizada, in: PESAVENTO, S. J. (org.) Escrita, linguagem, objetos: leituras de história cultural, EDUSC, Bauru, SP, 2004.
PONCE FILHO, Generoso. Por Mato Grosso. Typografia Leuzinger, Rio de Janeiro. 1928.
PONCE LEAL, Joaquim. O conflito Campo Cidade no Brasil: os homens e as armas.2ª ed. Itatiaia, Rio Arte, Rio de Janeiro, 1988.
RAMOS, Graciliano. Alexandre e outros heróis. Record; Rio de Janeiro, São Paulo, 2001.
RESENDE. M. E. L. O processo político na Primeira República e o liberalismo oligárquico. ln. FERREIRA, J .P e DELGADO, Luvilia Almeida Neves. O tempo do liberalismo excludente: da proclamação da república & revolução de 1930. Civilização Brasileira; Rio de Janeiro, 2003.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2001
SEVCENKO, Nilolau. Literatura como Missão; tensões sociais e criação cultural na Primeira República. Brasiliense, São Paulo. 1989
SILVA, Edil Pedrosa da. O cotidiano dos viajantes nos caminhos fluviais de Mato Grosso. Entrelinhas; Cuiabá, 2004.
SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. O Processo Histórico de Mato Grosso. UFMT, Cuiabá, 1990.
STEINEN, Karl von den. O Brasil Central, Expedição em 1884 para exploração do Rio Xingu, São Paulo, 1942.
SUNI, Frank. Saudades sem Fronteira. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Rosário Oeste M.T., 2005.