Observatorio Economía Latinoamericana. ISSN: 1696-8352


USO DOS RECURSOS NATURAIS EM COMUNIDADE EXTRATIVISTA NA RESEX VERDE PARA SEMPRE: RESISTÊNCIA TARDIA À APROPRIAÇÃO DE EMPRESAS?

Autores e infomación del artículo

Marlon Costa de Menezes*

Thaynara Cavalcante Veloso**

Nayra Glaís Pereira Trindade***

Cláudio Wilson Soares Barbosa****

Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), Brasil

marlon@ufpa.br

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RESUMO
Este trabalho descreveu o uso dos recursos naturais pela comunidade Vila Bom Jesus na RESEX Verde para Sempre no município de Porto de Moz-PA, considerando as transformações sociais, econômicas e ambientais decorrentes de intervenções externas, para a exploração de recursos florestais madeireiros, a partir da década de 80. Os dados da pesquisa foram coletados através de reunião em que foi utilizada a técnica linha da vida e, questionários semiestruturados para entrevistas aplicadas a 25 famílias. A compreensão do uso dos recursos naturais pela comunidade foi feita baseada no tempo (anos), em que constatou-se três ciclos. O primeiro foi de 1950 a 1969 e consistiu na atividade de extrativismo de Produtos Florestais Não-Madeireiros. No segundo de 1970 a 1985, iniciou-se o extrativismo madeireiro artesanal. Entre 1986 a 2003, configurou-se um novo quadro na economia da comunidade, que presenciou a entrada de empresas madeireiras trazendo perspectivas de obtenção de renda fácil com a extração de madeira mecanizada. A partir desses ciclos, conclui-se que a criação da RESEX serviu como proposta de ordeidnto do espaço para o uso dos recursos naturais. A redução drástica dos estoques de madeira de valor comercial contribuiu para os moradores ampliarem atividades como a criação de gado e a pesca comercial para garantir geração de renda, e o abandono concomitante do extrativismo da madeira como fonte de reprodução social e econômica. Portanto, o resultado da relação empresa-comunidade na Vila Bom Jesus mostrou que os recursos florestais foram esgotados em pouco tempo e os moradores não obtiveram vantagens econômicas.
 
USE OF NATURAL RESOURCES IN THE EXTRACTIVE COMMUNITYIN RESEX VERDE PARA SEMPRE: RESISTANCE LATE TO COMPANIES OF OWNERSHIP?

ABSTRACT
This paperdescribed the useof natural resourcesby the communityVila Bom Jesus in RESEX Verde para Semprein the city Porto de Moz-PA, considering thesocial, economic andenvironmental changesfrom externalinterventions, for the operation oftimberforest resources,from decade 80.The survey data were collected through a meeting where we used the technique lifeline and semi-structured questionnaires for interviews applied to 25 families. Understanding theuse of natural resourcesby the communitywas madebased on time(years), in whichit was foundthree cycles. The first wasfrom 1950 to 1969andconsisted of theextractionactivityofNon-TimberForest Products. The secondfrom 1970 to 1985, started thehandmadetimberextraction. From 1986to 2003,setupa new frameworkin the communityof the economy,which sawthe entryoflogging companiesbringingprospectsof obtainingeasyincome frommechanizedtimberextraction. From thesecycles, it is concluded that the creation ofRESEXserved asplanningproposalof space forthe useof natural resources. The drastic reduction of commercial value timber stocks contributed to the residents expand activities such as livestock and commercial fishing to ensure income generation, and the concomitant abandonment of extraction of wood as a source of social and economic reproduction.Therefore, the result of company-community relationship in Vila Bom Jesus showed that forest resources were sold out in a short time and the residentsdid not obtaineconomic advantages.

KEYWORDS: timber exploration; extractive communities; informal agreements; natural resources; Amazon.


Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Marlon Costa de Menezes, Thaynara Cavalcante Veloso, Nayra Glaís Pereira Trindade y Cláudio Wilson Soares Barbosa (2018): "Uso dos recursos naturais em comunidade extrativista na Resex Verde para sempre: resistência tardia à apropriação de empresas?", Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, (marzo 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/oel/2018/03/recursos-naturais.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/oel1803recursos-naturais


INTRODUÇÃO

O setor florestal encara o dilema sobre como conservar os ecossistemas florestais, suprir a demanda crescente de produtos florestais e, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento sustentável de forma a reduzir a pobreza no meio rural. Sendo que as florestas estão estreitamente relacionadas a questões sociais e desempenham um papel importante na subsistência das pessoas pobres que vivem no meio rural (VIDAL, 2005).
Morsello (2004) sugere que na medida em que um número crescente de áreas florestais de países em desenvolvimento está sob o controle de comunidades, é necessário desenvolver mecanismos que permitam que as comunidades florestais tenham acesso a esses recursos e deles se beneficiem. Logo, a utilização dos recursos naturais pelas populações locais reflete características adaptativas ao meio, sendo modificada ao longo de sua trajetória histórica devido a mudanças socioambientais ocorridas.As comunidades tradicionais modificam-se de acordo com a dinâmica interna e externa da sociedade, mas segundo Diegues (1999) “[...] em um ritmo mais lento”.
De acordo com a Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, as Reservas Extrativistas (RESEX) são áreas destinadas ao uso e controle de populações extrativistas, cuja subsistência se baseia no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Essas áreas são controladas pelo Estado em contratos de concessões e tem por objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais.
No entanto Diegues (2000) ressalta que o conhecimento das comunidades ribeirinhas sobre os aspectos ecológicos é frequentemente negligenciado pelos atores que formulam as políticas públicas.Sendo preciso reconhecer a existência, entre as sociedades tradicionais, de outras formas, igualmente racionais de se perceber a biodiversidade, alémdas oferecidas pela ciência moderna. O uso de recursos naturais por populações locais, de origem rural, é orientado por um conjunto de conhecimento acumulado, resultante da relação direta de seus membros com o meio ambiente, motivada por um modo de vida queainda guarda acentuada dependência da natureza. Por meio de observações atentasaos ciclos naturais, da troca de informações e do legado cultural, estas populações constroem seu modo de intervir na natureza.
Corroborando com o enunciado acima, Diegues (1999) afirma que esses sistemas tradicionais não são somente formas de exploração econômica dos recursos naturais, mas revelam a existência de um complexo de conhecimentos adquiridos pela tradição herdada dos mais velhos, de mitos e simbologias que levam a manutenção e ao uso sustentado dos ecossistemas naturais.
O debate sobre os dilemas da sociedade atual,os riscos e a condição de vulnerabilidade do planeta,não pode prescindir do debate sobre os complexosdesafios enfrentados pela região amazônica. Da mesma forma,no cenário amazônico a realidade das populaçõestradicionais requer um olhar muito particular,seja pelas condições de risco a que estão sujeitas,seja pelo papel que podem representar na busca dealternativas aos dilemas atuais.Na contemporaneidade, o debate sobre o modo de vida das populações tradicionais na Amazônia,principalmente, dos povos indígenas e ribeirinhos,requer estudos e debates buscando caracterizar acomplexa dinâmica da relação desses agentes coma natureza e os enfrentamentos vivenciados emmeio aos conflitos socioambientais na região (CHAVES, BARROSO e LIRA, 2009).
Em relação à comunidade estudada nesse trabalho, suas características e seus interesses dificultam o reconhecimento e legitimação das regras informais e formais locais na gestão dos recursos naturais. Silva (2007) relata que em muitos casos, devido ao pouco apoio disponibilizado por parte das agências estatais, as comunidades se adaptam, por conta própria à nova situação de regularização fundiária. Isto pode acarretar desde problemas decorrentes da falta de comunicação gerando conflitos entre estes atores, até efeitos perversos da conservação decorrentes das estratégias dos atores locais para burlar situações não aceitas pela nova situação.
E assim como muitos municípios da Amazônia brasileira, Porto de Moz foi marcado por disputas pelas terras entre empresas madeireiras e comunidades tradicionais, e que geraram conflitos violentos. Madeireiros e autoridades locais do município grilaram terras públicas e áreas comunitárias para explorar madeira de forma predatória e ilegal, gerando intensos conflitos com a população local. Fator este que determinou que as comunidades ribeirinhas de Porto de Moz se organizassem, passando a lutar pela criação de uma RESEX como forma de resolver a questão fundiária e garantir o direito à terra as pessoas que vivem na área rural do município. A RESEX Verde para Sempre foi criada por decreto presidencial em 8 de novembro de 2004. Esse ato encerrou o processo de grilagem de terra e exploração predatória de madeira um ano depois. E, aos poucos, a população local foi reestabelecendo suas formas tradicionais de uso dos recursos naturais(GONÇALVES, 2011).

ABORDAGEM METODOLÓGICA

Área de estudo

A pesquisa ocorreu no município de Porto de Moz nas coordenadas geográficas 01º45’00”S e 52º14’15”W, localizando-se as margens do rio Xingu, pertencendo à mesorregião do Baixo Amazonas e Microrregião de Altamira, limita-se ao norte com os municípios de Almeirim e Gurupá; a leste com os municípios de Melgaço, Gurupá, Portel e Senador José Porfírio; ao sul com os municípios de Vitória do Xingu e Brasil Novo; e a oeste com o município de Prainha (COSTA, 2009). O acesso ao município ocorre por via fluvial, através dos rios Xingu e afluentes, podendo também, ser realizado por via aérea e terrestre. Aproximadamente 15% do município é composto por áreas de várzea e o restante de terra firme (SANTOS, 2006).
A RESEX Verde para Sempre possui 1.289.362,78 hectares ou 12.887 km², representando 74% do território do município de Porto de Moz, suas dimensões são relevantes para a percepção não somente de sua vastidão geográfica, mas também de uma zona que congrega diferentes características naturais e manifestações culturais, sociais e econômicas, destacando-se como um território claramente identificável e distinguível da região onde se localiza (MOREIRA, 2004).
O estudo foi realizado na comunidade Vila Bom Jesus, localizada às margens do Rio Coati, situada na parte central da RESEX Verde para Sempre, conforme ilustra a figura 1, nas coordenadas geográficas 01°52'07,6''S e 52°38'38,7''W, distante cinco horas de barco da sede do município de Porto de Moz - P

A Comunidade Vila Bom Jesus possui 82 famílias, sendo que seus primeiros habitantes chegaram há mais de cem anos. O baixo fluxo migratório caracteriza a sua população, possuidora de traços marcantes tanto nos aspectos étnicos, agrupamentos familiares e nas atividades econômico-cultural.
Esta “vila” possui infraestrutura como, escola de ensino fundamental denominada Sítia Lopes de Alencar, em que funciona do 1º ao 9ºano (estudam cerca de 300 alunos) e como não há escola de nível médio, os alunos que desejam continuar os estudos são obrigados a ir morar na cidade; água encanada e energia elétrica (fornecida através de um motor gerador). Conta ainda com a atuação de administrador público, equipe de limpeza pública, posto de saúde com 2 agentes comunitários e 1 técnico em enfermagem, rádio comunicação VHF, telefone (orelhões), estradas, um caminhão para transporte da produção agrícola e florestal (sendo fruto de doação pela Prefeitura Municipal de Porto de Moz), pontes, igrejas, um salão comunitário, máquina de beneficiamento de arroz e trituradora.
A população faz aquisição de insumos (alimentos, combustíveis, vestuário, medicamentos, ferramentas, entre outros itens básicos) na cidade, mas, há quatro comércios de pequeno porte na própria vila. O transporte fluvial é a única forma de deslocamento de pessoas e mercadorias, ocorrendo através de balsas, barcos e rabetas1 e, com menor frequência, lanchas tipo voadeiras.

METODOLOGIA

Para uma proposta de trabalho como esta buscou-se o auxílio de metodologias através do Diagnóstico Rural Participativo (DRP), que pressupõe um conjunto de técnicas e ferramentas que permite as comunidades fazerem seu próprio diagnóstico, desta maneira, os participantes puderam compartilhar experiências e analisar os seus conhecimentos, além disso proporcionou o contato direto e prolongado do investigador com o grupo estudado (VERDEJO, 2006). Neste trabalho utilizou-se as técnicas de observação participante, entrevistas semiestruturadas e linha da vida com 25 famílias, totalizando cerca de 30% do total de famílias da comunidade.
A observação participante foi utilizada desde o primeiro contato com os extrativistas, pois, propõe mais do que "andar com os olhos abertos" e aproveitar as possibilidades de compartilhar alguns momentos do cotidiano com as famílias. É claramente, uma ferramenta para a primeira fase de pesquisa. Serve, também, para conhecer a realidade da comunidade e criar certa confiança para compartilhar tempo com os comunitários, foi conquistando o espaço que conseguimos ter dois momentos durante a pesquisa.
O primeiro momento foi a coleta de informações através da reunião de um grupo formado principalmente com pessoas mais antigas da comunidade, em que, utilizamos a metodologia linha da vida proposta por EMATER (2012), que trata-se de uma ferramenta de demonstração visual e representação simbólica que consiste no apanhado histórico sobre os acontecimentos e fatos de relevância para os moradores, baseado nos discursos e memórias dos mesmos.
O segundo momento baseou-se na busca individual de informações por meio de entrevista semiestruturada, sendo um instrumento que facilita criar um ambiente aberto de diálogo e permite à pessoa entrevistada se expressar livremente sem as limitações criadas por um questionário, além de obter maiores informações daquelas pessoas, que talvez em grupo tenham timidez.

PARÂMETROS DE ANÁLISE

Neste trabalho o esforço metodológico esteve centrado em buscar nos discursos dos membros da comunidade o resgate histórico das relações que haviam entre empresas madeireiras e a comunidade para a exploração florestal. Para conseguir ter acesso a estes discursos, a estratégia adotada foi a de reconstruir o histórico dessas relações e, a partir das construções feitas pelos entrevistados obter a compreensão analisando-se os seguintes parâmetros: origem dessas relações, procedimentos adotados, as relações de trabalho e pagamento, espécies florestais comercializadas, responsabilidades da comunidade e da empresa, destino da madeira e as principais consequências para a comunidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE

Os extrativistas da comunidade Vila Bom Jesus são originários de municípios vizinhos como Prainha, Senador José Porfírio, Gurupá e Almeirim, assim como por migrantes da região Nordeste do País, sendo que o início de sua ocupação se deu a mais de 100 anos e como característico de comunidades ribeirinhas, as famílias foram formando aglomerados de casas próximas às margens do Rio Coati. Até a década de 90 a organização espacial era comunitária, em que os moradores possuíam suas casas e utilizavam a mesma área de floresta, isto é, não havia delimitação entre as famílias.
A migração para a fronteira amazônica é um processo contínuo que, até hoje se alimenta e se renova, avançando, levando velhos e novos migrantes em busca de terra. Uma busca que, muitas vezes, nunca acaba. A fixação “vitalícia” do migrante, que condiciona a constituição de um campesinato efetivo, é dificultada por vários obstáculos de diversas naturezas: em primeiro lugar, a competição e a disputa pela posse e propriedade da terra; em segundo lugar, as restrições ecológicas e a escassez de recursos financeiros e técnicos necessários para se adequar ecológica e economicamente a estas restrições; em terceiro lugar, a própria dureza da vida da roça com o isolamento, a penosidade do trabalho, a dieta alimentar rotineira e mal equilibrada, as doenças, e a pobreza. Daí a mobilidade multifacetada dos migrantes: espacial, profissional e social (HÉBETTE, 2004).
O Art. 3.º do Decreto definiu os elementos que devemestar presentes na criação de cada reserva, entre eles,a caracterização da população destinatária (a populaçãoextrativista) qualificada nos seguintes termos: “seringueiros,castanheiros e ribeirinhos, fixados em sua grande maioriana região Norte do país, convivendo harmoniosamentecom o ecossistema, extraindo de forma economicamenteviável e ecologicamente sustentável o que o próprio sistemaproduz” (ALEGRETTI, 2008).
Após a década de 90, as famílias criaram loteamentos individuais (que variam de 50 a 100ha cada) visando particularizar os recursos e conter a exploração predatória e desordenada de madeira, sendo assim, não há mais áreas de uso comum, como demonstrado na figura 2. Além de não possui mais áreas de expansão, isto é, não há áreas disponíveis para um possível novo morador. Para os filhos que formam uma nova família, os pais destinam uma parte de sua área para eles. Estima-se que as famílias possuam juntas uma área de 10.000ha.

O arranjo espacial das casas se assemelha a uma vila urbanizada, vide figura 3. As estruturas das casas, em sua maioria, são de alvenaria e de madeira, cobertas com telhas de fibrocimento e com o banheiro situado dentro da residência. A principal fonte de água utilizada para consumo é o rio, normalmente filtrada e clorada para o consumo. Em geral, possuem eletrônicos e eletrodomésticos como televisão, rádio, antena parabólica, celular, freezer e máquinas de lavar roupa.

A comunidade ocupa uma posição geográfica interessante, apresentando dois ecossistemas: o de terra firme e o de várzea. Esta localização permite a exploração de várias atividades econômicas constatadas durante a pesquisa, em que se constatou a pecuária (bubalinos e bovinos), agricultura, pesca, benefícios sociais (aposentadoria, bolsa verde, bolsa família, pensão para pessoas com alguma deficiência e seguro defeso), comércio, diárias, extrativismo (madeireiro) e serviços. Conforme gráfico 1, as fontes de renda mais importantes são os benefícios sociais (bolsa família e bolsa verde) e a pecuária.

Conforme o estudo de Silva (1996), há várias discussões a respeito da viabilidade e sustentabilidade econômica das RESEX e, ao realizar uma análise comparativa dos três modelos de uso da terra na Amazônia (pecuária extensiva, agricultura de grãos e extrativismo), concluíram que em curto prazo a pecuária traz retornos bem mais expressivos ao investidor do que as outras atividades, no entanto, essa atividade causa danos significativos com elevados custos de recuperação ambiental. Sendo que, a médio e longo prazo, o extrativismo supera as atividades agrícola e pecuária devido à sustentabilidade ecológica que a atividade fornece.
Em contraponto Homma (1990) afirma que, após anos de estudos sobre a extração de recursos naturais renováveis na região, lamenta dizer que o extrativismo é um retrocesso e só prospera junto a uma mão-de-obra que vive à margem dos avanços tecnológicos.Conclui ainda que a interpretação da dinâmica do extrativismo vegetal na Amazônia demonstra que mesmo um recurso natural renovável está sujeito a duas causas básicas de instabilidade: uma pertinente à extração do recurso em si e, outra referente à ação exógena à extração.
Em área de terra firme, as atividades desenvolvidas pela maioria das famílias é a implantação de pastagem (gramíneas) e mandioca (Manihotesculenta), sendo esta última, utilizada principalmente para a produção de farinha. A mandioca aparece no sistema de cultivos anuais das famílias com maior expressividade em relação a outras como o milho (Zeamays), arroz (Oriza sativa) e feijão (Phaseolosvulgaris) devido ao hábito alimentar das famílias, que consequentemente acarreta alta comercialização do produto na região. Na pecuária, a criação de búfalos é a atividade predominante e de maior expressão, seguida da criação de outros animais como bovinos, suínos e aves. 
A caça e a pesca são praticadas por quase todas as famílias do Rio Coati, figurando como importante fonte de renda e de ocupação de mão de obra, dada a grande quantidade de peixes com destaque para o pirarucu (Arapaima gigas), o tambaqui (Colossomamacropomum), pirapitinga (Piaractusbrachypomus) e o tucunaré (Cichlamonoculus). A venda da carne de animais silvestres foi uma importante fonte de renda, quando a fiscalização era ausente, mas, atualmente animais como capivara (Hydrochoerushydrochaeris), paca (Cuniculuspaca), jacaretinga (Caimancrocodilus), jacaré açu (Melanosuchusniger) e outros são abatidos exclusivamente para o consumo das famílias.
O extrativismo vegetal é praticado por meio da venda dos produtos como, açaí (Euterpe oleracea), óleos de andiroba (Carapaguianensis) e copaíba (Copaiferalangsdorffii), cipós, cascas e folhas medicinais, além de uma minoria que ainda realizam a atividade madeireira.
Além das atividades destacadas, as famílias baseiam seu sustento no recebimento de benefícios sociais como, bolsa família (a maioria recebe, o valor varia de R$ 134,00 a 400,00), aposentadoria, pensão, bolsa verde2 (a maioria das famílias recebem) e seguro defeso, além de funcionários públicos e comerciantes (possuem mercadinhos).
A comunidade criou a Associação de Desenvolvimento Sustentável do Rio Coati, em 2009, na perspectiva de organizarem-se para as atividades produtivas e buscar melhorias junto ao poder público. Porém, a instituição está sem movimentação há algum tempo tanto por motivos burocráticos, isto é, falta de gerenciamento contábil e administrativo como por falta de liderança forte capaz de unir a comunidade, afim de ter o suporte necessário para iniciar um planejamento de longo prazo, necessário para o sucesso de atividades econômicas. Nesse contexto, Braga (2005) suscita que projetos apoiados por Organizações Não Goveridntais (ONGs) ou pelo governo que estabeleçam caminhos para fortalecer a união, por meio de um processo de consolidação de lideranças, é muito importante senão essencial em comunidades rurais.

HISTÓRICO DE USO DOS RECURSOS NATURAIS

Na segunda metade do século XX ocorrera o início da exploração predatória dos recursos naturais em Porto de Moz, desestruturando a vida das comunidades camponesas locais. Outros atores sociais emergiram no Xingu, resultantes dos impactos dos grandes projetos militares na Amazônia, como os pescadores profissionais da região do Tocantins impactados pelo projeto da hidrelétrica de Tucuruí, e que passaram a migrar para a região do Xingu na busca do pescado, que se tornou escasso com o grande projeto hidrelétrico na região, as grandes empresas madeireiras de grande capital privado, que passaram a substituir os pequenos comerciantes locais e a praticar uma exploração intensiva da madeira através do uso de novas tecnologias e os grandes latifundiários que passaram a apropriar-se de terras tradicionalmente ocupadas pelo campesinato local (GONÇALVES, 2011).
Essas tensões convergem para a expulsão dos camponeses das áreas que historicamente ocupavam e a uma exploração dos recursos naturais que se tornava insustentável para a reprodução social das comunidades camponesas locais. Sember (2001) ao analisar a ação da indústria madeireira na Amazônia aponta como fator estruturante dessa ação a postura permissiva do poder federal e estadual na região, face o interesse do mercado, no caso a maximização dos lucros. Ora, podemos dizer que esta postura dos governos não é exclusiva para a indústria madeireira, mas a todos os empreendimentos que carregam a ideia de modernização das estruturas de produção dos povos da Amazônia, em particular o extrativismo, visto como ultrapassado e primitivo. A proposta de integrar a Amazônia ao mercado nacional e internacional não teve a contrapartida de instrumentos efetivos de controle sobre essa integração levando aos conflitos estabelecidos entre os governos, o capital privado, as ONGs e as comunidades camponesas.
Se por um lado temos a intenção das políticas nacionais e estaduais de desenvolvimento econômico e social, através de grandes projetos de natureza exógena, de outro lado temos as mesmas instituições fazendo o papel de arautos de uma política de preservação do meio ambiente. Como resultado se apresenta uma realidade ambivalente, já que não se apresentam as formas e os meios efetivos que levem à comunhão de dois termos muito difíceis de conjugar na Amazônia: desenvolvimento e conservação. Essa conjuntura complexa se torna insustentável para os camponeses, distantes das instâncias de poder, de informações e instrumentos que deem acesso às instituições que permitam a mudança efetiva de suas vidas.
As décadas de 1980/1990 se apresentam como tempo de tensão entre os camponeses e os novos atores sociais (os madeireiros, os pescadores profissionais e os latifundiários). Tempo de novos desafios, de novos combates, que necessitavam da organização de novas formas de luta, de novas alianças, no embate contra os vários tipos de exploração no baixo Xingu que ameaçavam as formas de reprodução social do campesinato (HÉBETTE, 2004; MOREIRA, 2004).
O quadro de tensão entre os vários atores sociais em luta pela terra acentuou o grau de organização da sociedade civil no município de Porto de Moz, por meio do auxílio e da cooperação de instituições de diversas naturezas, tais como acadêmicas, científicas, políticas, sindicatos, e a Igreja Católica em face da necessidade de manutenção da terra e da defesa da reprodução da vida social das comunidades camponesas que residem na região. Essa conjuntura de luta chega a uma situação limite nos primeiros anos do século XXI, quando o Governo Federal passou a intervir de forma direta nos conflitos do local, através da criação de RESEX, entre essas a “Verde para Sempre”.
A compreensão do uso dos recursos naturais pela comunidade foi feita baseada no tempo (anos), em que constatou-se três ciclos.

Primeiro Ciclo

A primeira temporada de uso dos recursos naturais compreendeu o período de 1950 a 1969 e consistiu na atividade de extrativismo vegetal, em que, os extrativistas extraiam da floresta, Produtos Florestais Não-Madeireiros(PFNM) como amêndoas da castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa), látex da seringa (Hevea brasiliensis), látex da maçaranduba (Manilkaraamazonica), óleos da andirobae copaíba, cascas, folhas, frutos, cipós, entre outros produtos que a floresta fornece. Conforme o SFB (2009), aproximadamente 60% das florestas públicas brasileiras são florestas comunitárias, ou seja, são habitadas por populações tradicionais, agricultores familiares e assentados, sendo que mais de dois milhões de pessoas dessesgrupos dependem destas florestas para sua subsistência.
Os próprios extrativistas organizados em grupos familiares ou grupos comunitários retiravam esses produtos da floresta, tendo em vista que os conhecimentos acerca desses procedimentos de localização, coleta e beneficiamento são repassados de pai para filho. Toda a coleta era realizada manualmente e os produtos eram transportados do interior da floresta nos braços e ombros. Eram levados por eles quando se deslocavam até a cidadea fim de abastecer a casa com mantimentos, vendidos no próprio centro comercial do município. Os extrativistas não lembram o preço desses produtos na época, mas afirmam que eram baixíssimos se comparados com os preços atuais.
Para Bodmer& Penn Jr. (1997) a conservação das florestas tropicais é um dos maiores desafios da humanidade, devido ao delicado equilíbrio que precisa ser estabelecido entre um ecossistema complexo e frágil, de grande diversidade de espécies e altos índices de endemismo, e uma população rural pobre, que necessita de um futuro ecologicamente sustentável e economicamente satisfatório. Bahri (2000) acrescenta que a busca de alternativas de valorização econômica do meio rural acarretou um interesse especial ao extrativismo. Há pelo menos uma década, essa atividade é objeto de diversas pesquisas, tanto sobre sua viabilidade ecológica como sobre sua inserção socioeconômica.

Segundo Ciclo

Nos anos de 1970 a 1985 um novo extrativismo se instalou e se expandiu por iniciativas convergentes, mas conflituosas de trabalhadores individuais, de empresas e do Estado: o extrativismo madeireiro. A madeira então começou a ser um produto procurado e, por isso os extrativistas iniciaram as atividades madeireiras. Porém, retiravam apenas as “madeiras de beira”3 de duas formas, em tora e lavrada utilizadas para construção de embarcações e peças para confecção de casas, construções rurais, fabricação de móveis e utensílios domésticos. Nessa época, a extração era realizada somente com o auxílio de ferramentas rústicas como machado, serrotão, facão e foice.
Abatiam espécies como, esponja (Baliziapedicellaris), marinheiro (Licaniakunthiana), sucupira (Bowdichianitida), sucuruba (Trattinickiaburserifolia), itaúba (Mezilaurusitauba), virola (Virolasuriidnsis), marupá (Simarouba amara), amapá (Brosimumparinarioide), andiroba e ucuúba (Virola sebifera). A atividade madeireira era realizada essencialmente pelos extrativistas, que transportavam as toras através de jangadas4 até o comprador final em Porto de Moz ou o próprio comprador ou seus representantes vinham buscar As embarcações e peças eram vendidas para os moradores da comunidade ou para marreteiros5 que passavam pela comunidade.
O extrativismo, por estar voltado para a venda deprodutos da floresta no mercado, esteve historicamentesubordinado a uma modalidade de organização da produçãobaseada no sistema de aviamento. Ao mudara forma de exploração – como acontece nas RESEX – permanecem os recursos extrativistasflorestais, o que demonstra que não é o extrativismoque inviabiliza o desenvolvimento da floresta, mas sim amaneira como as pessoas se organizam para explorá-lo (ALEGRETTI, 2008).
Existem muitos intermediários na cadeia produtiva da madeira, Vidal (2005) menciona que eles possuem padrões complexos de exploração madeireira e fornecimento de toras que incluem desde o desmatamento legal de terras para agricultura na Amazônia, até fontes ilegais de madeira extraída sem planos de manejo autorizados e madeira oriunda de desmatamentos ilegais.
As peças eram transportadas no ombro até a sede da comunidade, enquanto que as toras eram transportadas pelo método calango6 até a beira. Lima et al. (2003) relata que a dificuldade de se transportar a madeira é a principal limitação à participação direta dessas pessoas pobres do meio rural na comercialização da madeira extraída de suas propriedades.
Nesse período a espécie mais utilizada para a fabricação de embarcações e de peças era a itaúba, que conforme Piovesan (2011), pertence à família botânica Lauraceae e tem maior destaque na utilização devido sua alta resistência mecânica, facilidade de trabalho e durabilidade sob condições adversas, sendo responsável por cerca de 70% de toda madeira utilizada na fabricação das embarcações.
Segundo a NEAPL (2008) o cenário da região amazônica indica forte presença de construções de pequenas embarcações nas mãos de pequenos estaleiros, a madeira é matéria-prima principal, sendo geralmente pequenos negócios que se valem de uma tecnologia local antiga, em que, as técnicas de construção e reparo passam de pai para filho. Os grandes desafios do arranjo produtivo da construção naval é valorizar e dar continuidade ao conhecimento, comprovado na confecção de embarcações em madeira e atender as necessidades de transporte de cargas e/ou de passageiros na região Amazônica, com foco na segurança, qualidade, custo e atendimento aos requisitos ecológicos.
As catraias eram vendidas por capacidade de lotação, em que os extrativistas não conseguiram relatar o valor que praticavam na época, mas que era em torno do que consideram hoje como R$ 10,00 por pessoa (lugar) e as peças (caibro, pernamanca, tábua, falca flechal, esteio) eram vendidas no palmo 7, que variava de R$0,50 a 1,00.

Terceiro Ciclo

Entre 1986 a 2003, configurou-se um novo quadro na economia da comunidade, que presenciou a entrada de empresas madeireiras trazendo perspectivas de obtenção de renda fácil com a extração de madeira. Impulsionada pela entrada de equipamentos como caminhões, motosserras e balsas financiadas por representações de grandes madeireiras em negociações com empresas madeireiras locais, situados no município de Porto de Moz. Nesse período, inicia-se a exploração de madeiras pesadas nas áreas ribeirinhas com grande potencial de recursos florestais.
Neste trabalho, esse processo de exploração se denominou como parcerias, que Morsello (2004)caracteriza como multiplicidade de relações e acordos formais ou informais estabelecidos com a expectativa de beneficiar dois ou mais parceiros. Modelos diversos de parcerias existem, incluindo aquelas público-privadas, entre empresas e sociedade civil, as tri-setoriais e, por fim, as parcerias comunidade-empresa, sendo que, resultados positivos das parcerias comunidade-empresa ainda são raros.
Ao tratarmos de acordos entre extrativistas e empresários madeireiros, estamos tratando do encontro de duas formas de vida, duas lógicas, dois mundos diferentes, uma assimetria que apresenta historicamente relações de conflito. No entanto, diversos acordos vêm sendo celebrados entre empresas e comunidades e nos colocam diante de questões relacionadas diretamente à viabilidade dos mesmos.
Para tanto, as comunidades necessitam de conhecimentos sobre o Manejo Florestal Sustentável (MFS) e de organização em termos de representatividade nas discussões com os madeireiros. Se isto não for repassado a eles, parcerias desequilibradas com benefícios concentrados aos madeireiros, que dominam o processo de exploração, notadamente nas áreas administrativa, técnica e financeira irão acontecer com maior frequência. Na prática a maioria das parcerias empresas-comunidade não ocorre de forma equilibrada entre as partes envolvidas. As empresas, detentoras do conhecimento técnico e do recurso financeiro, acabam sendo as maiores beneficiadas, uma vez que garantem acesso à fonte de recurso florestal de longo prazo e conseguem barganhar a compra da madeira por um preço abaixo do praticado no mercado (SABLAYROLLES e AMARAL, 2011).
No entanto Martins (2008) alerta que devemos nos questionar quanto aos tipos de benefícios que podem ser gerados dessas relações e como estes poderiam ser apropriados pelos camponeses? Geralmente, acordos comerciais consideram única e exclusivamente aspectos econômicos em detrimento de aspectos de outras naturezas como importantes para os membros das comunidades rurais. Porém, percebe-se que envolve mundos distintos que apresentam elementos específicos. O acordo comercial é um instrumento que faz parte das práticas vigentes das empresas (racionalidade econômica, formalização escrita e despersonalização das relações), mas não necessariamente das comunidades rurais. Será que o entendimento da palavra acordo é o mesmo para os parceiros? Existe a possibilidade das relações entre empresas e comunidades trazerem benefícios reais às comunidades rurais? Esses acordos são novas possibilidades de diálogo entre dois mundos diferentes, que possam representar novas estratégias para o sustento destas comunidades rurais?
As empresas não estabeleceram contratos formais com os extrativistas, nunca receberam nem recibos da madeira, o que havia era somente uma parceria informal com as empresas que repassavam as encomendas de madeiras para a comunidade. Ribeiro (2004) infere que boa parte das empresas madeireiras da Amazônia enxerga nas áreas florestais comunitárias, individuais ou coletivas, já regularizadas ou não, alternativas de acesso ao recurso florestal, e por esta razão tem exercido grande pressão sobre tais comunidades. E tem sido comum a prática de estas empresas estabelecerem contratos formais e/ou informais com esses grupos, organizados em associações e cooperativas comunitárias, para a exploração de madeira. Geralmente essas empresas adotam o mesmo procedimento de exploração empregado no restante da Amazônia, sem a adoção de práticas de bom manejo, causando a redução da cobertura vegetal, afetando gravemente a recuperação futura da floresta e diminuindo seu valor futuro.
Destaca-se que apenas as espécies mais nobres de madeira eram aproveitadas, as outras, inferiores eram deixadas de lado ou eram estragadas no decorrer do processo de exploração, de modo que, no final de tudo restavam imensas áreas destruídas. Segundo os relatos tal processo expulsou muitas vezes famílias ribeirinhas que tradicionalmente habitavam essas áreas e que viviam sob práticas extrativistas e venda de madeira para intermediários. A intensificação da exploração madeireira nessa região transformava os madeireiros em novos “patrões”, pois era assim que geralmente eram chamados pelos moradores da comunidade que se aliavam aos interesses desses atores para a retirada da madeira.
Espada et al. (2011) citam que outras consequências indiretas da forma de exploração em que é realizada nos acordos informais é a diminuição na frequência da fauna após a exploração, que é um meio de subsistência das famílias, além de empobrecer as florestas, o que prejudica a extração de PFNM. Os extrativistas, por outro lado, têm aceitado tais acordos, geralmente sem nenhum tipo de apoio institucional ou jurídico, seduzidos pelas promessas de melhorias na infraestrutura local, de geração de renda e de auxílios pontuais como o transporte para os centros urbanos.
Nesse período houve duas formas de extração, ora os próprios extrativistas extraiam a madeira e a vendiam as empresas ainda dentro da floresta, onde a responsabilidade de transporte até a beira do rio era da empresa, e ora vendiam a madeira em pé, nessa forma os extrativistas tinham apenas a função de localizar as árvores na floresta e indicar aos operadores de motosserra da empresa responsável de fazer o corte. Além dessas duas formas, alguns extrativista retiravam a madeira como empregados das empresas, ganhando diárias, esse tipo de remuneração escolhida para o pagamento dos serviços foi o “salário por tempo”, que segundo Pokorny et al.  (2011) é comum no setor rural o pagamento de diárias. Nesse tempo, predominou-se a venda de madeira em tora, e a fabricação de embarcações e peças continuou, mas de maneira razoável e local.
A exploração madeireira passou por uma mudança considerável quanto as ferramentas de trabalho, neste período utilizou-se a motosserra para a realização do corte, foram construídas estradas com trator de esteira para o acesso dos caminhões e empilhadeiras que faziam o transporte das madeiras até o porto, onde balsas se encarregavam de levá-las até o centro comercial. Os extrativistas faziam piques como ramais e arrastavam no caminhão catraca8 até os pátios de estocagem.  Organizavam-se de forma que faziam acampamentos com lonas dentro da floresta, onde faziam as refeições e dormiam, pois a distância do porto até o local em que exploravam era de aproximadamente 10km. Na época do machado, um extrativista conseguia derrubar até três árvores por dia, sendo que com a motosserra chegavam a seis árvores por dia.Salienta-se que em todos esses ciclos não haviam medidas necessárias de segurança para a exploração, por isso ocorreram muitos acidentes de trabalho com motosserras, toras caíram por cima de membros do corpo e picadas de cobras, mas ressaltam nunca ter havido morte em ambiente de trabalho.
As principais espécies florestais extraídas foram sucuruba (Trattinickiaburserifolia), virola (Virolasuriidnsis), esponja (Baliziapedicellaris), frangueiro (Vochysiaguianensis), cumaru (Dipteryxodorata), amapá, angelim vermelho (Dinizia excelsa), angelim pedra (Hymenolobiumpetraeum), marupá, jabutirana (Erismauncinatum), maçaranduba (Manilkaraamazonica), piquiá (Caryocarvillosum), cedro (Cedrelafissilis), angelim couro de sapo (Sterculiaapeibophylla), andiroba, jatobá (Hymenaeacoubaril), angelim fava (Hymenolobiumcomplicatum) e ipê (Handroantussp).
Relatam que espécies de “madeira branca”9 eram cortadas com cerca de 160cm de circunferência e as de “madeira dura” 10 com 200cm. Também realizavam o teste do oco com o facão, tinham esse cuidado para evitar o desperdício de tempo na atividade e davam preferência para árvores retilíneas.
As árvores eram comercializadas de duas madeiras: em pé, sendo R$10,00 a árvore (a empresa tinha que fazer o corte), e em tora, onde o morador derrubava a árvore e o preço era determinado pela quantidade de metros cúbicos, ressalta-se que alguns extrativistas aprenderam a cubar madeira com os funcionários das empresas e que variava de R$70,00 a 100,00 o m³. Na maioria das vezes o pagamento era feito através do sistema de aviamento, onde a madeira era trocada por mercadorias diversas. Havendo também o pagamento do saldo em dinheiro.
O valor aí atribuído à madeira pode parecer insignificante, mas, considerando a distância das famílias do mercado, as dificuldades para conseguir dinheiro com a farinha (pelaquantidade de trabalho requerido), a possibilidade de se ter dinheiro em espécie ou, o quepoderia ser melhor, mercadorias na porta de casa, o dinheiro da venda da madeirarepresentava um valor realmente alto para a comunidade. Medina (2007) diz que além do dinheiro, a presença domadeireiro sempre representava a possibilidade de estabelecer relações que rendessem algunsbenefícios às famílias como transporte, apoio em caso de doenças, entre outros.
A madeira era extraída da área de floresta comunitária, mas com o passar do tempo, a ambição foi tomando conta das famílias e o individualismo culminou na divisão da área coletiva em lotes individuais, que contém de 50 a 100 hectares cada, não possuem áreas iguais devido terem sido demarcados aleatoriamente por cada morador, na definição de seu espaço. Portanto, desde essa época não há área destinada ao uso comunitário.
A atividade madeireira se encerrou devido à falta de estoque madeireiro capaz de suprir a demanda das encomendas e pela insistente fiscalização que deixava os madeireiros receosos e inseguros. Atualmente, não possuem perspectiva de retomarem esta atividade, pois, alegam que não há mais viabilidade, devido existirem poucas áreas com florestas.As principais empresas envolvidas na exploração de madeira na comunidade foram Mangico, Plumasa, FUAD Comércio e Navegação, Porto de Moz Ltda, CariniLtda e MADENORTE. O destino da madeira era Cametá, Breves, Curralinho, Boa Vista, Portel, Limoeiro e Porto de Moz.
Sablayrolles e Amaral (2011) alegam que a relação empresas madeireiras-comunidades em torno da exploração de madeiras nativas é uma constante na Amazônia, pois, o extrativista é recrutado pelo madeireiro para a extração das essências comerciais mais valorizadas contra um pagamento simbólico e a abertura de caminhos, mesmo de péssima qualidade.
E dessa forma vão se configurando os processos dessas parcerias que são realizadas por várias motivações, que vão desde a perspectiva de obtenção de recurso financeiro, sendo que esta quando se trata de acordos informais pode ser a única motivação das famílias, além disso, o interesse por melhorias na infraestrutura básica da comunidade, devido à ausência do órgão responsável que assegure o desenvolvimento local e a precariedade dos serviços públicos ofertados induz os extrativistas de muitas localidades a recorrerem a formas alternativas para melhoria de suas comunidades. Além das duas motivações mencionadas anteriormente, os extrativistas se sentem induzidos também pela possibilidade de explorar economicamente a floresta, isto é, receberem por algo que possuem em abundância. Em alguns casos, os extrativistas não conseguem controlar a exploração ilegal, promovendo assim, uma situação de insegurança quanto à posse do recurso florestal.
Segundo Barbosa (2003), essa situação não era particular a comunidade Vila Bom Jesus, e se tornou insustentável a partir do momento em que diversas balsas11 passaram a transportar centenas de toras de madeira durante períodos consecutivos, causando sentimento de impotência por parte da população local, especialmente as populações que encampavam a luta pela preservação da floresta. Esse movimento contínuo de balsas pareceu mostrar, de modo concreto, o problema socioambiental grave pelo qual estava passando a região. Os movimentos de luta pela preservação da floresta e defesa de uma exploração econômica e racional, ainda reduzidos ao seu local de produção, passaram a ganhar destaque na imprensa regional, nacional e internacional. À medida que o tempo passava, tornavam-se cada vez mais perceptíveis às populações locais as mazelas vividas diante do modo brutal de depredação da natureza.

CENÁRIO ATUAL E GOVERNANÇA DOS RECURSOS NATURAIS

A partir de 2004, iniciou-se uma nova fase de reestruturação da política ambiental junto às famílias das comunidades no interior da RESEX, garantindo as mesmas de forma sustentável, o direito e responsabilidade da gestão de seus recursos naturais e, de acordo com Medina (2012) os sistemas de governança nas comunidades da RESEXVerde para Sempreforam desenvolvidos principalmente na tentativa de restringir o acesso aos recursos por agentes externos (pescadores comerciais e grandes empresas madeireiras), pois as relações entre os extrativistas e os atores externos foram frequentemente conflituosas, levando as comunidades a criar organizações representativas para defender seus interesses de forma mais efetiva na arena política e institucional.
Atualmente a comunidade Vila Bom Jesus tem como principais atividades econômicas a roça (agricultura), búfalo (pecuária) e o extrativismo vegetal em baixa escala (madeireiro e não madeireiro). Os extrativistas da comunidade não realizam mais a extração madeireira para comercialização externa. Serram apenas para a construção de casas e venda na própria comunidade, contudo são poucos os que vivem dessa atividade, sendo apenas 6 famílias, e relatam que aprenderam com os pais e que se lembram da vida sofrida daquela época.
Agora as famílias retiram a madeira do próprio lote ou quando não, compram a árvore de algum lote vizinho, para depois serrarem. Trabalham somente com madeira serrada e sob encomenda, de duas formas, em que recebem por diárias, que custa R$120,00/dia, acrescido do almoço e o combustível por conta do encomendador ou por conta própria, em que vendem a madeira por um preço que os custos sejam embutidos. Ressaltam que todas as encomendas recebidas são de moradores da própria comunidade, e as espécies comumente retiradas são, itaúba, angelim-vermelho, angelim-pedra, angelim-rajado, angelim-fava, jabutirana, maçaranduba e sucupira. Dessas espécies são fabricadas peças como tábua, pernamanca, esteio, ripão, viga, ripa, falca e flechal. Na tabela 1, estão as dimensões, a forma como são vendidas e o valor das peças que são produzidas pelo serrador por conta própria.

O uso dos recursos naturais pelas comunidades é de fundamental importância como estratégia de subsistência e de geração de renda. Em que, as populações são carentes de informações técnicas a respeito do possível impacto da atividade que exercem sobre os recursos. Por outro lado, estas famílias dependem destes recursos para sua sobrevivência e a escassez dos mesmos pode implicar em impactos sociais e ambientais significativos.
O processo de governança sobre um recurso natural é inerentemente difícil, pois determinados ambientes, assim como,as sociedades humanas são caracterizadas por incertezas edinâmicas complexas, ou seja,variações naturais, escalas e hierarquias de dependências em relação aos recursos e também a conjuntura econômica e política nasquais estão inseridas. Quando múltiplosatores se utilizam dos mesmos recursos naturais,as implicações podem ser as mais diversas,desde o esgotamento destesrecursosa conflitos de gestão, logo, é necessário estabelecer acordos entre os mesmos para estabelecer regras e práticas comuns, contribuindo para que haja coordenação de ações queauxiliem naresolução de conflitos,assim como,anegociação dasvárias compensações, o compartilhamento deinformaçãoe a construção de redes deconhecimento sobre esse bem comum (SILVA e FRAXE, 2012).
Os extrativistas consideram como pontos positivos na relação que tiveram com as empresas na venda de madeira, a aquisição de bens de consumo duráveis (móveis, vestuário, embarcações, motor rabeta, gado, entre outros) e não duráveis (alimentos), além do investimento na infraestrutura da comunidade, como a construção da capela da vila. Corroborando,Santos (2007) afirma que a chegada das madeireiras às comunidades rurais da Amazônia sempre teve a mesma configuração, em que, prometiam o que mais lhes faltava: serviços públicos. Como a ausência do Estado é o grande vazio a ser aproveitado, ofereciam instalações para educação, atendimento de saúde, transporte, manutenção das ruas e estradas e, também, empregos.
E como pontos negativos consideram que perderam dinheiro, pois o preço da madeira era desvalorizado, a retirada de muitas árvores gerou enormes desperdícios, e acarretou a degradação florestal, tornando os recursos madeireiros escassos. Além dos impactos das atividades das empresas que, gradativamente, abalaram as condições das quais dependem a vida dos extrativistas. Primeiro, sentiram os efeitos da extração demadeira desordenada, pois para aqueles ribeirinhos a madeira tem um significado ímpar. Dela são feitas as casas, pontes, igrejas, escolas, embarcações, ferramentas e utensílios. Também as atividades econômicas têm íntima dependência da madeira, além de sua própria comercialização, é fundamental na pecuária, para construção de currais, embarcadouros e cercas. E por fim, na construção de embarcações nos diversos estaleiros espalhados nas comunidades ao longo do rio.
Nessa condição específica, a exploração de madeira pelos ribeirinhos não é, como muitos acusam, uma degeneração cultural da forma tradicional de relacionar-se com a floresta e um ataque ambiental. Ao contrário, essa atividade é um dos mais autênticos acentos da tradicionalidade dessa população (SANTOS, 2007).O recurso, além de ser usado em construções, ferramentas, utensílios e embarcações próprias, é fonte de renda direta para os ribeirinhos. A madeira costuma ser diretamente comercializada pelos ribeirinhos ou então é empregada na construção e venda de embarcações de madeira a partir do saber patrimonial de mestres locais, os quais são reproduzidos de geração a geração.
As reservas extrativistas como instrumento de controle dos espaços de uso comum, de modo geral, contribuem para melhoria e manutenção da qualidade e conservação do meio ambiente, além de proteger a reprodução do modo de vida das populações. Os sistemas tradicionais de manejo dos recursos naturais marcados pelo respeito, não são apenas formas de exploração econômica dos recursos, mas revelam a existência de um conhecimento adquirido pela tradição herdada dos mais velhos, por intermédio de mitos e símbolos que levam a manutenção e ao uso sustentável dos ecossistemas naturais. Portanto, ao serem capazes de transmitir formas alternativas da lógica dominante de consumo e exploração, revelam-se institutos que podem contribuir positivamente na questão homem e meio ambiente. Não cabe aqui dizer que a RESEX é ou não a solução para o conflito ambiental da Amazônia ou do Planeta. Mas, vale ressaltar sua importância na reprodução do modo de vida das populações locais, no reconhecimento do direito tradicional, e no sucesso da conservação do meio ambiente natural (SANTOS, 2008).
Porém, percebe-se claramente que, uma vez iniciado, o processo de exploração edesmatamento de uma área não cessa até que todo o recurso madeireiro tenha se esgotado. Aintervenção humana cada vez mais frequente e intensiva nestas áreas autoriza a inversão damáxima que afirma que o rio dirige a vida. Entendendo-se o rio como a metáfora amazônica,pode-se então afirmar que, definitivamente, na Amazônia chegou o tempo em que “a vidadirige o rio” (MEDINA, 2012).
Gonçalves (2011) diz que a implantação da RESEX “Verde para Sempre” em Porto de Moz seapresentou num quadro de grave crise social e política no Xingu, e da pressão deorganismos nacionais e internacionais ligados aos direitos humanos e ambientaissobre a situação denunciada de forma sistemática pelos setores da sociedade local,nacional e internacional. O Xingu, pouco estudado do ponto de vista da lutacamponesa, passava a ser foco, no início do século XXI, da sociedade nacional einternacional diante da emergência de conflitos entre os atores sociais que seencontram neste espaço: indígenas, camponeses, quilombolas, grande capitalprivado e o Estado. Assim, se desloca a atenção da grande imprensa, dos partidospolíticos, dos estudiosos e da mídia, da região sudeste do estado do Pará, que,historicamente, se apresentou como a principal área de conflito pela terra no Brasilna segunda metade do século XX, para os conflitos agrários no Xingu.

CONCLUSÕES

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*Engenheiro Florestal, Mestre em Ciências Florestais pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), Professor da Faculdade de Engenharia Florestal da Universidade Federal do Pará (UFPA), Campus Altamira - E-mail: marlon@ufpa.br
** Engenheira Florestal, Assistente de Pesquisa no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - IPAM - E-mail: thaynaraengflorestal@gmail.com
*** Engenheira Florestal, Mestre em Ecologia pelo Programa de Pós-graduação em Biodiversidade e Conservação da UFPA/Altamira, Analista Ambiental na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade-SEMAS/PA - E-mail: nayra.florestal@hotmail.com
**** Gestor Público, Mestre em Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA - E-mail: claudio.barbosa25@gmail.com
1 É uma embarcação do tipo canoa movida por um motor denominado rabeta.
2 Quantia em dinheiro paga pelo governo às famílias que vivem em Reservas Extrativistas, em que, as famílias devem se comprometer a conservar a área onde vivem para fazer jus ao benefício.
3 Madeiras encontradas próximas as margens dos rios, muito exploradas devido a facilidade de transporte.
4 Os troncos são colocados na água, presos entre si e puxados por um barco.
5 São pessoas que vendem a prazo produtos de primeira necessidade e viajam de barco para vender mercadorias para os ribeirinhos.
6 É um sistema de transporte de madeira, onde a tora é colocada em estiva.
7 É a medida utilizada para comercialização, um palmo linear (±20cm).
8 Caminhões com guinchos para o transporte de toras.
9 Madeira de textura mole e geralmente dita de segunda qualidade, independentemente da cor.
10 Madeira considerada nobre por sua qualidade e resistência.
11 É uma embarcação feita de metal e fundo chato, com pequeno calado, para poder operar em travessia de rios, possui abertura, muitas vezes utilizada para transporte de veículos ou cargas, semelhante a uma jangada.

Publicado: Marzo de 2018



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