Daniela da Silva Pieper*
Carlos Roberto da Silva Machado **
Universidade Federal do Rio Grande (FURG).Brasil
danypieper@gmail.com
Neste ensaio apresentamos diversas perspectivas acerca da relação meio ambiente, sociedade e sustentabilidade, bem como o papel da Educação nesse universo, buscando compreender e contribuir para as discussões sobre as questões ambientais e seus (des) caminhos (in) sustentáveis desenvolvidas no modelo econômico capitalista. Consideramos, assim, diversas visões de sustentabilidade e vertentes de Educação Ambiental, de uma forma relacional com o momento de transição paradigmática entre a regulação e a emancipação, pilares da racionalidade que caracteriza a modernidade. Para tanto, permeia o debate proposto, adesões de caráter histórico, socioambiental, político e econômico com base em premissas que consideram as relações entre sujeitos individuais e coletivos emancipados que almejam e lutam por uma sociedade democrática e socialmente justa. Nossas reflexões emergem como ponto de partida dentro da temática para os estudos de doutoramento na Universidade Federal de Rio Grande (FURG).
Palavras Chave: educação ambiental, ensino superior, natureza, meio ambiente, sustentabilidade
En este ensayo presentamos diversas perspectivas acerca de la relación medio ambiente, sociedad y sostenibilidad, así como el papel de la Educación en ese universo, buscando comprender y contribuir a las discusiones sobre las cuestiones ambientales y sus (des) caminos (in) sostenibles desarrolladas en el modelo económico capitalista. Consideramos, así, diversas visiones de sostenibilidad y vertientes de Educación Ambiental, de una forma relacional con el momento de transición paradigmática entre la regulación y la emancipación, pilares de la racionalidad que caracteriza a la modernidad. Para ello, permea el debate propuesto, adhesiones de carácter histórico, socioambiental, político y económico con base en premisas que consideran las relaciones entre personas individuales y colectivos emancipados que anhelan y luchan por una sociedad democrática y socialmente justa. Nuestras reflexiones emergen como punto de partida dentro de la temática para la investigación de doctorado en la Universidad Federal de Rio Grande (FURG).
Palabras clave: educación ambiental, educación superior, naturaleza, medio ambiente, sostenibilidad
In this essay we present several perspectives about the relationship environment, society and sustainability, as well as the role of education in this universe, seeking to understand and contribute to the discussions about environmental issues and their (dis) paths (in) sustainable developed in the capitalist economic model. Thus, we consider different visions of sustainability and aspects of Environmental Education, in a relational way with the moment of paradigmatic transition between regulation and emancipation, pillars of the rationality that characterizes modernity. There for, it permeates the proposed debate, historical, socio-environmental, political and economic accessions based on premises that consider the relations between individual and collective emancipated individuals who seek and fight for a democratic and socially just society. Our reflections emerge as a starting point within the theme for doctoral studies at the Federal University of Rio Grande (FURG).
Keywords: environmental education, higher education, nature, environment sustainability
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Daniela da Silva Pieper y Carlos Roberto da Silva Machado (2018): “A (in)sustentabilidade da e na relação sociedade\meio ambiente: considerações sobre a educação ambiental no ensino superior”, Revista DELOS Desarrollo Local Sostenible (octubre 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/delos/33/sociedade-meio-ambiente.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/delos33sociedade-meio-ambiente
O debate acerca do termo desenvolvimento sustentável, e da sustentabilidade não pode se restringir a definição dos conceitos e noções acerca do tema. Necessário também, discutir as definições e conceituações em sua relação com a materialidade da qual emergiram. Até porque, na atualidade, tais conceitos foram naturalizados impondo-se sobre todas as atividades humanas como sinônimas de algo bom, positivo para o planeta. As relações socioambientais (entre humanos e destes com a natureza), portanto, parecem ser o ponto de partida em uma reflexão que se proponha crítica na superação da realidade, uma vez que, as definições e conceitos são expressões abstratas do concreto pensado, (conforme expressão de Marx), pelos humanos em suas relações.
No meio acadêmico, Saenz 1 (2014), num artigo sobre o “estado da arte” da la sustentabilidad en las Universidades de américa latina y el Caribe, registra que há 35 anos, pesquisadores da área utilizam a expressão “incorporación de la temática ambiental en la educación superior”2 para referirem-se as práticas universitárias socioambientais nas universidades na América Latina e do Caribe. Da mesma forma foi concebida pela UNESCO e na PNUMA, em 1984, para o “Diagnóstico de la incorporación de la dimensión ambiental en la educación superior”, em diferentes campos científicos em diferentes temáticas, assim como nos programa de ensino, extensão e pesquisa
Desde a década de 90, os conceitos de meio ambiente e sustentabilidade vêm sendo associados conforme os objetivos propostos no IV Seminário Sustentabilidade na Universidade no Brasil, e, a partir de 2007, na Alianza de Redes Iberoamericanas por la Sustentabilidad y el Ambiente (ARIUSA). Isto demonstra que a maioria das Universidades da AL e do Caribe compartilham as mesmas noções ou conceitos, uma vez que indicam atuação semelhante nas ações de incorporação da sustentabilidade socioambiental no ensino superior. Mais recentemente, o tema da sustentabilidade ou do desenvolvimento sustentável na e da Universidade vem sendo debatido em eventos acadêmicos na América Latina como preparação para a Conferência Internacional em Paris em 2019 sobre o Ensino Superior, e na construção da agenda para este nível de ensino no mundo até 2030 3.
Nesse sentido, de antemão entendemos, há que ser questionado: qual sustentabilidade se quer, para quem se quer, ou seja, a partir de quais realidades concretas e conflitivas, diversas e desiguais no contexto considerado 4 se está pensando essa sustentabilidade. E, não apenas em função das diversas vertentes derivadas de diferentes dimensões sociais, econômicas e políticas no debate sobre o que é ser sustentável. É também, porque vivemos no modelo econômico no qual se impõe um modo de vida que vem se constituindo como sustentável ambientalmente desde as revoluções burguesas dos séculos XVII até o XIX. O modelo econômico do capitalismo não se produz e re-produz sem conflitos e sem um processo ativo dos grupos dominantes contra os dominados através de suas ações e simbolicamente por seus pensadores. Ou seja, a manutenção sustentável do sistema hegemônico envolve também, subjetivamente a disputa e a produção de valores, comportamentos, relações e utopias.
Em nossa reflexão, partimos do pressuposto que as relações da sociedade em que vivemos com a natureza são de injustiça e de desigualdade decorrente da “existência de uma materialidade desigual na apropriação, uso e significação da riqueza, das terras/territórios e/ou com as diretivas/ações políticas dos/nos “espaços de poder em favor de um dos lados” que geram conflitos e injustiças conforme pesquisas realizadas no sul do Brasil (MACHADO, 2014, p.1; Machado, et. al, 2017). É claro, no entanto, que aqueles que se beneficiam das atividades das empresas, do agronegócio, da apropriação das terras definem o que é ser sustentável para a manutenção e ampliação de sua riqueza como rege o sistema hegemônico atual: a acumulação sem fim5 !
A perspectiva para o desenvolvimento desta reflexão, portanto, é de que vivemos numa sociedade humana na qual predomina a competição e a vitória dos melhores, dos vitoriosos do mercado, sendo os demais os derrotados, os que ficaram para trás. Uma sociedade carente de valores justos, de uma visão crítica, renovadora, que possibilite a formação de sujeitos emancipados, capazes de lutar pela transformação da ordem socioeconômica e da produção e estabelecimento de relações solidárias, de cooperação e de bem viver de tudo e todos/as. Pelo contrário, a sociedade atual se estabelece apenas da crítica ao aperfeiçoamento, a inovação e o aprofundamento de “mais do mesmo”, ou seja, mais competição, mais mercado, mais lucro e riqueza para os poucos vencedores e seus interesses imediatistas e utilitaristas.
Este ensaio, num primeiro momento, traça num dialogo com diversos autores considerações sobre as relações da sociedade com a natureza problematizando a concepção de que os povos primitivos viviam em harmonia e em equilíbrio com a natureza, às quais são idealizações que sustentam as perspectivas dominantes no campo da educação ambiental e do debate da sustentabilidade. Da mesma forma, apresentamos aspectos do real relacional como desigual e conflituoso, tanto nas representações ou concepções de meio ambiente/natureza assim como na relação destas com a sociedade.
Na segunda parte, apresentamos brevemente a evolução histórica da percepção, emergência e contradições do movimento ecológico que permitiu o surgimento do desenvolvimento sustentável, bem como, as perspectivas ético-políticas de enfrentar o problema em nome da sustentabilidade conforme Foladori (2005, 2007) num contexto de crise socioambiental contemporânea em nível mundial.
Na terceira parte, ampliamos a reflexão inserindo as ideias de Boaventura Santos (2000,2007) sobre a divisão entre ciência e natureza que caracterizou a modernidade alicerçada pelos pilares da regulação e da emancipação. Considerando o momento de crise socioambiental no contexto da sociedade capitalista, a transição do paradigma da regulação para o paradigma emergente buscamos relacionar as implicações para o desenvolvimento da consciência ecológica em diversos campos, entre os quais se inclui a Educação Ambiental e as vertentes politico-pedagógicas que sustentam o seu discurso e a sua praxis.
Por fim, tecemos considerações sobre o conjunto das reflexões expostas em dialogo com os autores que embasaram esse estudo preliminar, buscando a convergência entre as diversas perspectivas da (in) sustentabilidade e as vertentes da Educação Ambiental num cenário de transição de paradigmas e crise socioambiental que conduzem os caminhos de nossa pesquisa.
A relação dos seres humanos com a natureza sempre foi cercada de contradições desde os tempos mais remotos, seja por conta da própria luta pela sobrevivência que os humanos estabeleciam em diferentes sociedades e realidades, e depois, através das suas justificações que se constituiu nos tempos mais modernos como afirmamos na introdução. Assim, considerando a história ambiental mundial e a ocorrência de efeitos diretos ou indiretos de eventos climáticos naturais, constata-se ação humana sempre presente como agente nas crises ambientais através da utilização dos recursos naturais sem preocupação com sua possível extinção.
Portanto, a instabilidade e a incerteza sobre as condições e impactos nestes primórdios da vida humana era o que predominava, e não a estabilidade e a harmonia (TAKS E FOLADORI, 2004) como descrevem alguns discursos do campo da história e da educação ambiental tentando retratar uma relação de equilíbrio e harmonia existente. Relativo a isso, temos os registros através da arte rupestre reproduzindo a ação de caçadores e coletores, bem como a fragmentação do habitat pela devastação de bosques, a erosão causada pela alimentação de cabras, a introdução de outras espécies exóticas predadoras, como exemplos marcantes deixados por grupos humanos em sua movimentação pelos continentes desde há 12.000 anos. Em seus escritos os autores citados, buscam, neste sentido
desmistificar os preconceitos sobre a relação das sociedades com seus ambientes naturais — preconceitos tais como os mitos da existência de um vínculo harmonioso entre sociedade e natureza nos tempos pré-industriais, o da tecnologia moderna como causa última da crise ecológica, ou o do papel sacrossanto da ciência como guia em direção à sustentabilidade (TAKS; FOLADORI, 2004,p. 1)
Os eventos decorrentes da ação humana sobre a natureza, segundo Tommasino (2005) não constituem causas que possam se diferenciar qualitativamente daquelas que, na contemporaneidade se identificam como responsáveis pela degradação do meio ambiente. O que distingue a ação do ser humano contemporâneo dos grupos primitivos, não é o efeito degradante sobre o meio ambiente, nem a sua modificação com os fins de sobrevivência. É sim, o metabolismo entre seres humanos e a natureza que na atualidade se ampliaram com a utilização de instrumentos que permitem a acumulação geração a geração que, por sua vez, produzem um efeito bumerangue maior, devido a apropriação e o monopólio e, por conseguinte sua divisão em grupos e classes sociais conforme a relação de propriedade e domínio dos meios de produção para acumulação. Assim, de conformidade com Taks e Foladori (2004)
a natureza não pode ser considerada como algo externo, a que a sociedade humana se adapta, mas sim em um entorno de co-evolução, no qual cada atividade humana implica a emergência de dinâmicas próprias e independentes na natureza externa, ao mesmo tempo em que, em um efeito bumerangue, produz impactos na natureza social e na biologia das populações humanas (TAKS; FOLADORI, 2004, p.4).
Quanto à noção, significado ou conceito das expressões “meio ambiente” “natureza”, no campo da educação ambiental, no espaço universitário brasileiro, e também uruguaio, predomina o uso do termo “meio ambiente”, e não do termo “natureza”, o que representa um universo de significação amplo e ambíguo, que inclui tanto os aspectos naturais, como aqueles resultantes das atividades humanas.
Reigota (2004), a partir de uma pesquisa junto à comunidade acadêmica sobre o assunto, diz não existir consenso sobre o significado do termo meio ambiente. Pelo caráter difuso e variado, considerando o meio ambiente como uma representação social, a define como:
Lugar determinado ou percebido, onde os elementos naturais e sociais estão em relações dinâmicas e em interação. Essas interações implicam processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e sociais de transformação do meio natural e construído. (REIGOTA, p.14)
Brügger (2004, p.55), interpreta “a representação social dominante” de meio ambiente como sendo “um sinônimo, ou quase, de natureza” à qual “quando se reduz ao estudo dos ecossistemas, é confundido com a ecologia natural”. Apesar de haver um entendimento de que o meio ambiente deva abranger uma totalidade relacional (o ambiente natural e o construído) “resultante da interação de fatores biológicos, sociais, físicos, econômicos e culturais”, afirma a autora que, em diferentes textos de artigos científicos e projetos técnicos e político-pedagógicos acerca da questão ambiental apresentam contradições no uso do termo/conceito (BRÜGGER, p.54). Nesses, comumente a expressão “meio ambiente” é apresentada como “algo concreto, tangível e que pode ser solucionado desde que se adotem as medidas certas” (BRÜGGER, p.55), portanto, o humano que pensa e age de forma racional e regulatória sobre aquela “coisa” que está lá fora planeja e age para mantê-la sustentável. Para essa autora,
Embora a expressão “meio ambiente” seja amplamente confundida com natureza, mesmo nos meios acadêmicos, a questão ambiental diz respeito ao modo como a sociedade se relaciona com a natureza – qualquer natureza - e isso inclui também as relações dos seres humanos entre si (BRÜGGER, 2004; p.56).
Para Gonçalves, (2006, p.9) “O homem é a natureza que toma consciência de si própria e esta é uma descoberta verdadeiramente revolucionária numa sociedade que disso se esqueceu ao se colocar o projeto de dominação da natureza”. Para este autor o “conceito de natureza não é natural”, porque a ideia do que seja natureza é instituída pela cultura de uma sociedade, que ao mesmo tempo cria, institui relações sociais. Cita como exemplos: chamar de “burro” alguém com dificuldade de entendimento das coisas básicas; “cachorro” ser atribuído a pessoa de mau caráter; de “veado” e\ou “piranha” àquelas que têm determinada opção sexual ou estilo de vida, sempre se referindo a formas negativas ou erradas em relação ao comportamento “civilizado” ou “correto” criados por determinado grupo social. O “civilizado”, seria aquele atrelado à lei e ao Estado, e, portanto, que racionaliza e regula por seu saber em sintonia com o pensamento dominante e verdadeiro do sistema vigente; enquanto, os “primitivos”, “os burros”, os “inferiores” estariam vinculados ao primado da natureza, onde reinaria o caos, sendo por isso, necessário dominá-los (e educá-los) assim como o paradigma e as ações hegemônicas fizeram com a natureza natural.
Todavia, cabe registrar que, essa concepção de dominação e controle (até hoje hegemônica) não surgiu com o capitalismo, mas tem suas raízes sendo gestadas desde muito tempo antes. Por exemplo, a ideologia judaico-cristã, baseada na ideia monoteísta de um Deus todo poderoso que criou o mundo e o homem à sua semelhança, e, por conseguinte este se sentiu um elemento privilegiado da criação divina cabendo a ele, portanto, o domínio sobre tudo, tendo na idade média européia com a mediação de reis e o catolicismo (PRADO, 2000; FRANCO JR, 1995) exemplos disso:
Todos os fatos e acontecimentos sejam de natureza econômica, política ou bélica, estavam permeadas pelo aspecto religioso, de forma que as explicações e acontecimentos possuíam forte carga mística e mágica. [...] durante a Baixa Idade Média, atribuída como "castigo de Deus" a todos aqueles que se desviaram dos rígidos dogmas católicos; a crença no poder mágico dos reis, cujas visitas nos campos de produção eram muito festejadas, pois se acreditava que o poder real fertilizaria as terras, bem como o ato de camponeses enterrarem hóstias consagradas junto às plantações, pela mesma crença em futuras boas colheitas; ou o medo das pessoas com relação aos demônios e bruxas, e o apego aos anjos, santos, relíquias sagradas e imagens sacras (PRADO, 2000, p. 118).
Mas, foi no âmbito das relações econômicas, sociais e culturais do modo de produção capitalista, com o advento da Revolução Industrial alicerçada pelo paradigma cartesiano que possibilitou a radicalização da transformação da natureza e da apropriação material e intelectual dos humanos sobre a mesma tendo no pragmatismo e no antropocentrismo suas bases de sustentação (BRÜGGER, 2004; GONÇALVES, 2006; SOLER, 2011).
Edgardo Lander (2005) afirma que tal separação não é apenas um aspecto econômico, mas sim cultural e civilizatório, pois estes fundamentaram a superação das compreensões anteriores ao separar os humanos da natureza (para subjugá-la, dominá-la e explorá-la) de forma cada vez mais ampla, e profunda na busca do lucro. Como conseqüência, a natureza passou a ser desconsiderada como parte intrínseca nas e das relações contraditórias/conflitos entre as classes pela apropriação da riqueza, bem como no uso do Estado e de suas políticas nesta totalidade relacional (trabalho, capital e natureza).
As conseqüências resultantes dos processos contraditórios de transformação da natureza envolvem aspectos diversos da vida em comunidade impactando de forma desigual os diferentes grupos sociais interidnte a tal comunidade. O meio ambiente no qual tais relações se desenvolvem torna-se socialmente injusto e de baixa qualidade de vida para os grupos sociais, classes ou coletivos vulneráveis socialmente, porque submetidos aos impactos causados sobre os recursos naturais (FOLADORI et.al. 2005), assim como todos aqueles que vivem sobre a injustiça social e ambiental atual (ACSELRAD, 2006; IORIS, 2009).
Nesse contexto, vivemos uma crise socioambiental contemporânea que começou a ser percebida pelo senso comum através do aumento significativo dos níveis de contaminação, depredação e acidentes ambientais capazes de ameaçar a reprodução dos ecossistemas e causar efeitos prejudiciais tanto a sociedade como ao sistema econômico atual, a partir da 2ª metade do século XX (FOLADORI, 2007). Todavia, desde o século XIX, toda uma cultura de crítica teórica e prática da ordem instituída, ou seja, contra o capitalismo se desenvolviam no interior do movimento operário e dos trabalhadores em geral no quais grupos se reivindicavam como socialistas, comunistas, anarquistas, e até utópicos. As questões ambientais ainda não eram consideradas, entretanto, como parte articulada da exploração em tais relações, porque, a industrialização, o modelo capitalista de produção e consumo suas consequências estavam se constituindo na época, e não haviam atingido a degradação que vivemos na atualidade do século XXI.
Foi a partir dos anos 1960, do século XX, que surgem vários movimentos sociais como o das mulheres, dos negros e o ecológico voltando-se não só contra o modo de produção, mas também contra o modo de vida da sociedade. Nesse contexto, é que o movimento ambientalista ou ecologista emerge como força de reinvindicação social significativa. Dai, podemos considerar que o movimento ecológico tem suas raízes numa revolução cultural que questiona as condições presentes de vida como a extinção das espécies, explosão demográfica, poluição, e contaminação do ar, da água e da terra, corrida armamentista (GONÇALVES, 2006).
No Brasil, nos anos 1970, o movimento ecológico emerge sob o signo da ditadura civil-militar instituída em 1964 (e que se estenderá até 1989) sobre a sociedade, e em especial, contra os movimentos sindicais, estudantis e grupos políticos que questionaram e lutaram contra o sistema de exceção instituído na época. Enquanto a esquerda se debatia numa revolução anti-imperialista, devido à articulação e apoios dos Estados Unidos ao golpe, contra a oligarquia latifundiária e o empresariado pró-norte americano, a gestão do Estado ditatorial, “incentivada” por pressões internacionais a cria no ano de 1973, a Secretaria do Meio Ambiente (SEMA), vinculada ao Ministério do Interior. Da mesma forma, diversas outras instituições voltadas à gestão do meio ambiente foram criadas na sequência de sua participação nos eventos dos anos 1972 e 1973 6. No entanto, e apesar disso, “contraditoriamente o Brasil lidera os países do Terceiro Mundo para não aceitar a Teoria do Crescimento Zero proposta pelo Clube de Roma” (BRASIL, MMA, 2018).
Entre os motivos da criação da SEMA (apesar de composta por técnicos interessados na causa) estariam os empréstimos internacionais por parte do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID. No final dessa década, com a anistia, o retorno ao Brasil de diversos exilados políticos que vivenciaram o movimento ambientalista europeu iriam enriquecer o movimento ecológico brasileiro, no qual, cita-se o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro como vanguarda na causa ambientalista no Brasil.
A expressão “Desenvolvimento Sustentável” (DS) foi adotada em importantes documentos7 nas décadas de 1970/80, sendo a definição mais conhecida a da Comissão Brundtland: “O desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras satisfazerem às suas”.
No entanto, a partir dos anos 1980, o desenvolvimento sustentável, e depois a sustentabilidade torna-se foco de atenção e modismo, emergindo inúmeras ações e interpretações com a finalidade de conservação dos redutos naturais e, que buscavam corresponder aos interesses econômicos de determinadas classes e setores sociais, bem como diferentes posturas éticas e visões de mundo. Assim, nos países desenvolvidos “vivimos parciales avances em la sustentabilidade ecológica y retrocesos em la sustentabilidad social” (FOLADORI, 2007 p.13), ou de outra forma, uma melhoria de indicadores ambientais dos países mais desenvolvidos com o aumento da desigualdade social e de enfermidades infecciosas em todo o mundo.
No Brasil, na prática, para Diegues (2003, p.1), “o desenvolvimento sustentável acabou se transformando (...), numa dessas poções mágicas destinadas a curar todas as enfermidades crônicas de que sofrem as sociedades modernas” porque é definido segundo as perspectivas próprias de cada grupo de interesse ou classe social. Nesse sentido,
muitos empresários e financistas pensam no desenvolvimento sustentável como um meio de alcançarem “lucros sustentáveis”, certos governos rotulam suas políticas públicas de sustentáveis, freqüentemente como estratégia para conseguir apoio financeiro de instituições financeiras internacionais; determinados grupos ambientalistas definem sustentabilidade como princípio inerente à natureza, independentemente de sua relação com a sociedade (DIEGUES, 2003, p.1).
Sendo assim, pensar a sustentabilidade abre múltiplas possibilidades e relações desde as ciências biológicas, a política e a economia, e, como Loureiro (2012) defini-la torna-se uma tarefa instigante, complexa e desafiadora. Sob o olhar das ciências biológicas a sustentabilidade, “se refere à capacidade de suporte de um ecossistema, permitindo sua reprodução ou permanência no tempo” (LOUREIRO, 2012, p.56). E, por Tommasino (2005), mesmo considerando a perspectiva biológica ou ecossistêmica,
los problemas ambientales surgen, en cualquier caso, de una contradición entre el ritmo de los ciclos biogeoquímicos, y el ritmo del ciclo de producción humana para un nivel determinado de desarrollo de las fuerzas productivas (TOMMASINO, 2005. p.11).
Por exemplo, em Rio Grande durante o desenvolvimento do pólo naval e outras ações de impacto na cidade e região, Asmuz (2011), assim se refere à questão:
O referido recente acelerado desenvolvimento da região sul do Rio Grande do Sul está sendo planejado através de uma concentração massiva de energia na forma de energias naturais ou de investimentos (por exemplo, concentração de empresas, recursos energéticos elétricos, eólicos, petróleo & gás, materiais e recursos financeiros). Não há dúvida de que a região cresce com geração de impostos e criação de oportunidades de emprego e renda. Por outro lado, há indícios de perda de sua sustentabilidade ambiental. Exemplos destes indícios são a perda de alguns de seus importantes componentes e processos produtivos como a diminuição da atividade pesqueira, com destaque à pesca artesanal, e perda de qualidade de componentes representada, por exemplo, pela qualidade do ar, balneabilidade de suas águas e supressão de importantes ecossistemas e de valores paisagísticos que suportam atividades turísticas e elementos que definem o bem-estar social (ASMUS, 2011, p.1)
Portanto, haveria uma perda da “sustentabilidade ambiental”, exemplificado pelo pesquisador através de suas manifestações, mas que, se buscamos manter tal sustentabilidade na região, deveríamos planejar melhor a gestão:
parece clara a necessidade do estabelecimento de um limite para o uso de seus recursos e a manutenção das energias e investimentos que dão suporte aos múltiplos processos produtivos que nele ocorrem. Essas são ações que demandam para a sua realização o estabelecimento e uso de instrumentos de planejamento e gestão (ASMUZ, 2011.p.1).
Apesar do autor se referir aos aspectos sociais e econômicos, estes estão subordinados a visão da existência, a priori de uma troca sustentável e harmônica diríamos, da relação entre a sociedade e a natureza, portanto, focando na relação “entre el ritmo de los ciclos biogeoquímicos” como ponto de partida para a reflexão. A dinâmica e apropriação desigual e injusta das conseqüências de tal in/sustentabilidade identificada não são associadas com quem se beneficia e sobre quem impacta as conseqüências negativas de tal desenvolvimento e atividades. Sendo assim, para o autor teríamos que através do “planejamento e da gestão” restabelecer a harmonia socioambiental que estaríamos perdendo.
Sem dúvida devemos ter cuidado com a sobrevivência das espécies, com o ritmo utilizado quanto à capacidade da natureza de reproduzi-los e/ou de absorvê-los e a interferência humana acima dos limites de capacidade de suporte da natureza, mas tais questões, não estão separadas das relações desiguais e injustas que – como aparência – são expressões do modo de produzir e explorar a natureza, e a conseqüente apropriação desigual por parte de uns poucos que se beneficiam de tal in/sustentabilidade.
Diante do exposto Foladori (2005; 2007) nos traz diferentes posições acerca da crise ambiental contemporânea conforme as perspectivas éticas-políticas de enfrentar o problema em nome do desenvolvimento sustentável (grifo nosso). Uma delas seria a Tecnocentrista - a hegemônica, defendida pelos organismos internacionais e governos integrantes destes, pelas multinacionais. Tal perspectiva, identifica como causa dos problemas ambientais as “tecnologias ineficientes y sucias han degradado el ambiente” (FOLADORI, 2005, p.14), juntamente com seus processos depredadores e contaminantes; para os quais, propõem medidas alternativas como tecnologias limpas e fontes de energias chamadas de sustentáveis (exemplo, energia eólica, energia solar...).
Tais medidas, contudo não modificam as tendências intrínsecas das relações capitalistas com a natureza como recurso a ser explorado, e os processos produtivos visam alimentar o mercado, sem a preocupação com o aumento das diferenças socioeconômicas entre as comunidades e o seu deslocamento para áreas geográficas. O que ocorre somente quando se tornam ameaças ao próprio sistema. Os recursos naturais são utilizados além de suas possibilidades de recuperação apenas para obter mais lucro.
Uma segunda posição, conforme o autor seria a Ecocentrista, a qual entenderia ser a sociedade consumidora de produtos, usufruindo do ambiente externo, e que sua expansão e falta de cuidado estaria como um dos principais causadores da degradação do meio ambiente. Não acredita na tecnologia como única solução para problemática ambiental, posto existir uma relação individual entre o consumidor e as coisas (aquilo que ele necessita para seu uso imediato) para além dos aspectos econômicos e/ou tecnológicos. Mas, atribui à causa dos problemas ambientais ora a tecnologia, ora a atitude pessoal de cada um. Em outras, acusa a influência da ideologia supondo que a natureza se auto-regula, uma vez que é a sociedade que rompe esse equilíbrio intrínseco. Crê, por isso, no convencimento individual e na mudança de atitudes como instrumentos para transformar a sociedade. Apoia-se em argumentos ecológicos para a educação e conscientização ambiental, sem levar em conta que estes não explicam as contradições sociais que se desenvolvem dentro da organização da sociedade humana em sua relação com a natureza externa. Dessa forma, ao privilegiar as atitudes dos sujeitos em detrimento das relações econômicas materiais que conduzem a esse comportamento “consumista, irreflexivo, depredador e contaminante” é considerada por esse autor “ingênua e voluntarista” (FOLADORI, 2007, p.2). Ainda que seja necessária, e positiva, uma maior consciência ambiental e mudanças nos comportamentos em sua relação com a natureza, se tal entendimento não estabelece relação com sistema econômico de produção e os problemas ambientais, é considerada uma forma simplista e imediatista de encarar e resolver as questões ambientais.
Uma terceira perspectiva seria a Humanista ou classista (FOLADORI, 2007), a qual considera que a crise ambiental se estabelece pelos conflitos desenvolvidos no interior da relação sociedade/natureza. Estando as comunidades divididas em grupos e classes sociais com interesses diferentes tais contradições sociais explicam as relações sociedade/natureza. Ampliaríamos dizendo que, no núcleo dos conflitos estaria a disputa pela riqueza, as terras (a natureza de forma mais ampla) e os espaços de poder visando que as políticas e as direções dadas ao desenvolvimento (melhoria das condições de vida de todos/as, e não apenas a riqueza de e para poucos) desde as instituições estatais (MACHADO, et. al, 2017). Por esta visão são atribuídas responsabilidades diferentes as distintas classes e setores que compõe a sociedade capitalista, na qual os donos dos principais meios de produção são os maiores responsáveis pelas questões que acarretam a crise ambiental atual, bem como da apropriação advindas das atividades que geram a crise.
Avançamos no debate trazendo à cena a discussão acerca da dicotomização entre ciência e natureza (SANTOS, 1987, 2000) no processo de justificação de um lado, da superioridade dos humanos sobre a natureza física, e depois, sobre os povos “descobertos” nos séculos XVI e XVII como coloniadad do ser, do saber e do poder (QUIJANO, 2005). Boaventura Santos, nesse sentido, afirma estarmos vivendo um momento de transição entre o paradigma dominante da ciência moderna (regulação) e um novo paradigma emergente (emancipação).
Na perspectiva da regulação (dominante), diz o autor que a ciência moderna (o conhecimento) avançou pela especialização e pela disciplinarização, restringindo o objeto em que a reflexão incide (ao abstrato), restando pouco para se entender sobre a maneira dos sujeitos estarem no mundo, produzindo conhecimentos e desconhecimentos. Por isso, o foco hegemônico das pesquisas e da produção acadêmica ou em laboratórios diversos nesta perspectiva é da busca de aperfeiçoar produtos, coisas e serviços visando o lucro ao serem colocados no mercado e assim ser sustentável para o “bom” funcioidnto do sistema dominante.
No contexto da crise socioambiental atual, para Santos (1987; 2000; 2007) o paradigma emergente parte da ideia que o conhecimento é local, significando que é desde o meio ambiente (natural ou construído) vivido pelas pessoas em suas contradições e desigualdades, que deveria ser o ponto de partida. Contudo, também é total, pois não fica neste, enquanto perspectiva de ação e de análise, havendo uma articulação entre o conhecimento local ao total e ao global. Parte, portanto, das demandas surgidas na vivência dos grupos sociais concretos seja para reconstruir a história de um lugar, manter um espaço verde, fazer baixar a taxa de mortalidade infantil, erradicar uma doença etc. É por assim dizer um conhecimento emancipatório que por emergir da prática diária dos sujeitos em ação, permite um mais efetivo entendimento da realidade do que a cultura e a ciência mecanicista (reguladora e determinante);
Temos então, o paradigma hegemônico buscando pela regulação à manutenção e permanência, a sustentabilidade do status quo existente, através de ações políticas e perspectivas diretamente ligadas a soluções técnicas, de gestão, de soluções comprovadas pela ciência tradicional. Por outro lado, pensar a sustentabilidade desde o emergente, seria possibilitar o olhar pelo entorno de onde ocorrem as questões socioambientais, sejam as contaminações, a apropriação desigual e as injustiças e que são justificadas pelas classes, grupos e indivíduos que as defendem, como sendo naturais e sustentáveis.
Como um movimento emancipatório, que se posiciona para discutir as questões ambientais, o desenvolvimento da consciência ecológica emergiu dentro do movimento ambientalista, em diferentes camadas e setores da sociedade mundial, no qual se inclui o campo da educação a partir da crítica as consequências do modelo capitalista de produção em meados dos anos 1950/1960. Neste contexto, surge a Educação Ambiental (EA) cujo marco inicial no âmbito internacional foi a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972. Na medida em que, esses eventos e conferências internacionais foram protagonizadas por gestores e ideólogos do sistema dominante, a EA naquele momento focou em mudanças de comportamentos, hábitos e atitudes dos indivíduos, desconsiderando as conseqüências mais amplas do impacto do sistema social, político e econômico do modelo de produzir capitalista.
De acordo com Lima (2003), todo o discurso expressa uma vontade de reconhecimento como “uma verdade” sobre um determinado campo e num certo contexto histórico e social. Necessário entender, portanto, significados, interesses, valores e implicações da articulação entre sustentabilidade e educação, para o que cabem as questões: educar para quê?E para quem? Salienta-se que, assim como o desenvolvimento que antes não era sustentável, agora passou a ser, a educação não era ambiental, agora quer ser (BRUGGER, 2004).
A Educação Ambiental vista a partir da noção de Campo Social8 , abarca uma diversidade de atores, grupos e instituições sociais. Estes, apesar de compartilhar um núcleo de valores e normas comuns, se diferenciam desde suas concepções de meio ambiente, bem como nas suas propostas políticas, pedagógicas e epistemológicas na abordagem dos problemas ambientais, da mesma forma que lutam pela hegemonia no campo conforme sua interpretação da realidade (seus interesses) seja pela conservação ou a transformação das relações sociedade/meio ambiente (LAYRARGUES & LIMA, 2011).
A partir da literatura da área, estes autores reuniram em três macrotendências político-pedagógicas as principais correntes da Educação Ambiental buscando compreender as formas de abordagem dos diferentes atores e grupos sociais, através de sua visão de mundo, expectativas societárias e políticas. São elas a conservacionista, a pragmática e a crítica que, a seguir, descreveremos brevemente.
A corrente conservacionista também considerada comportamentalista, da Alfabetização Ecológica e do autoconhecimento, apoia-se nos princípios da ecologia, na valorização da dimensão afetiva em relação à natureza e na mudança dos comportamentos individuais em relação ao ambiente. Tal perspectiva se apresenta com limitado potencial para uma transformação social, por se distanciar das dinâmicas sociais e políticas e seus respectivos conflitos de interesses e poder existentes em todas as sociedades.
A corrente pragmática, se desenvolve no decorrer dos anos 1990 e utiliza a metodologia da resolução de problemas ambientais locais nas atividades de EA, acompanhada pela responsabilização individual, fruto da lógica do “cada um fazer a sua parte” como contribuição pessoal ao enfrentamento da problemática ambiental. A EA pragmática busca realizar uma mediação pedagógica voltada à mudança comportamental nos hábitos de consumo dos indivíduos. Sua atenção é focada na questão do lixo, coleta seletiva e reciclagem de resíduos, ampliando-se para a ideia do consumo sustentável 9. Nesse sentido, pode induzir a um aumento significativo na geração do lixo, pelo incremento do consumo para aquisição de material para ser reciclado. Diferencia-se da vertente conservacionista, quando nessa perspectiva pedagógica não se proporciona oportunidades de contato com os ambientes naturais. Sua pauta educativa se afasta da dimensão puramente ecológico-conservacionista e se aproxima da esfera da produção e consumo, embora voltada exclusivamente aos recursos ambientais sem quaisquer considerações com a dimensão social.
A corrente critica refere-se à EA emancipatória e transformadora. Possui uma abordagem pedagógica que problematiza os contextos societários em sua interface com a natureza, que busca articular as diversas dimensões da sustentabilidade e as contradições dos modelos de desenvolvimento e de sociedade que experimentamos local e globalmente. Têm na base os princípios da Educação Popular de Paulo Freire e se pauta pelo debate e conceitos-chave como os de Cidadania, Democracia, Participação, Emancipação, Conflito, Justiça Ambiental e Transformação Social. Para essa corrente, as causas constituintes dos problemas ambientais têm origem nas relações sociais, nos modelos de sociedade e de desenvolvimento prevalecentes. Apoia-se na revisão crítica dos fundamentos que proporcionam a dominação do ser humano e dos mecanismos de acumulação do Capital, buscando o enfrentamento político das desigualdades e da injustiça socioambiental.
Historicamente o desenvolvimento da relação entre as sociedades e a natureza sempre foram contraditórias e não harmônicas, uma vez que a ação humana sempre interviu no meio ambiente utilizando os recursos naturais para sua manutenção e sobrevivência, sem a preocupação com seu possível exaurimento. Salientamos também que, a partir do modelo capitalista de produção, no núcleo desta relação se instalou a apropriação desigual da riqueza, das terras e dos espaços de poder por parte de uns em detrimentos de muitos, que buscam justificar tal sistema injusto como sendo sustentável. E que, portanto o que distingue a ação do ser humano contemporâneo dos grupos primitivos é que atualmente os instrumentos utilizados para a intervenção permitem a acumulação e, consequentemente a divisão em grupos e classes sociais.
Nesse cenário reflexivo se configuram as mais amplas e ambíguas noções dos termos, “meio ambiente” e “natureza”, nos diversos espaços sociais, formais ou não formais como uma representação conforme o modo de cada sociedade se relacionar com este meio ambiente (natural ou construído), ou esta natureza. Todavia, é indiscutível nessa noção a relação de separação, dominação e controle ser humano/natureza por consagração divina.
Assim, considerando as diferentes visões acerca da crise ambiental contemporânea conforme as perspectivas ético-políticas de enfrentar o problema em nome do desenvolvimento sustentável (grifo nosso), referidas por Foladori (2005) e as três macrotendências político-pedagógicas das principais correntes da Educação Ambiental reunidas por Layrargues & Lima (2011), como formas de abordagem dos diferentes atores e grupos sociais, através de sua visão de mundo, expectativas societárias e políticas, numa perspectiva relacional com a crise dos pilares da ciência moderna - a regulação e a emancipação –, podemos dizer que:
- A sustentabilidade Tecnocentrista e Ecocentrista referidas por Foladori (2005) se relacionam a EA pragmática e conservadora (LAYRARGUES & LIMA, 2011). No mesmo sentido à perspectiva do paradigma da regulação da modernidade (SANTOS, 1987) na medida em que a primeira (1ª), a tecnocentrista identifica a degradação ambiental de maneira simplista à tecnologia e seus processos predadores e contaminantes, acreditando em medidas alternativas mitigadoras que resolvam as questões de conflitos ambientais pontuais. A sustentabilidade ecocentrista associa, ainda, à tecnologia a ação consciente dos consumidores na mudança de hábitos e atitudes, pois tal consumismo estaria levando ou contribuindo para o aumento da produção, das contaminações, etc. devido à necessidade de satisfazer tal consumismo.
- A corrente Crítica de EA, por sua vez, identificamos com a vertente humanista de sustentabilidade, e com o paradigma emergente da ciência pós-moderna (SANTOS,1987) uma vez que também se desenvolve em oposição às tendências conservadoras e comportamentais analisadas.
Essa perspectiva, ainda, ao atribuir responsabilidades diferentes aos diversos grupos e classes sociais, bem como identificar os benefícios e malefícios da inter-relação existente na sociedade capitalista (seja entre as classes e destas com a natureza), implicaria uma ação do ser, enquanto agente e ator, na totalidade da reflexão relacional que realizamos. Ou seja, não serão soluções individuais ou comportamentais apenas, e sim através do empoderamento, da participação e emancipação dos sujeitos, pela efetivação do emergente e alternativo enquanto paradigmas, como também na transformação da materialidade injusta e desigual e que decorre do sistema vigente e que destacamos ao longo do texto.
Ainda sobre as vertentes da educação ambiental apresentadas, podemos dizer que as três macrotendências convivem e disputam a hegemonia neste campo representando visões de mundo que conduzem a determinadas ações buscando a superação da crise socioambiental estabelecida ou sua manutenção, ou seja, sua sustentabilidade. Assim, de acordo com a adoção de uma ou outra forma de atuação nos projetos institucionais de inserção da dimensão ambiental nos espaços educacionais, sejam eles formais ou não formais, podem ser caracterizados como conservacionista e\ou pragmática, ao se voltarem para o viés em sintonia com o processo civilizatório hegemônico conservador e liberal de uma EA.
Por outro lado, a macrotendência crítica se preocupa em refletir e intervir sobre as origens e causas da crise ambiental, e sua superação local, apesar dos limites destas ações as quais deverão articular-se a outras lutas e movimentos contra a injustiça e a desigualdade social e ambiental. Portanto, na perspectiva do Paradigma Emancipatório, no contexto da Sustentabilidade Humanista e da EA Crítica, deveremos ter como ponto de partida o real relacional que é contraditório, conflitivo e desigual para muitos e muitas. A superação de tal realidade deverá, portanto, articular-se aos demais aspectos em seus elementos subversivos e superadores do existente – seja a realidade e as concepções – que o justificam como sustentável sendo também insustentável para muitos e muitas. Ainda, estando no campo da perspectiva humanista, do paradigma da emancipação, tende-se a superar o antropocentrismo colocando-nos como parte na relação com a natureza – em co-evolução – com os demais seres vivos, e, portanto, das múltiplas relações entre ser, saber e natureza.
Da mesma forma, Leff (2008) ao propor outra economia afirma ser necessário também a (re) significação dos vínculos cultura-natureza, orientado por princípios que valorizem a diversidade e a natureza. Assim, “o trânsito na direção da sustentabilidade, fundado em uma racionalidade ambiental, implica pensar a complexidade no processo produtivo” (LEFF, 2008, p. 107), para tanto, sugere:
novos instrumentos de avaliação e em novas tecnologias ecológicas apropriáveis pelos próprios produtores; (...) novos valores que dão novo sentido aos processos emancipatórios que redefinem a qualidade de vida das pessoas e o significado da existência humana (LEFF, 2008, p.108)
Essa “outra economia” somente poderia ser resultante da ação das comunidades, em sua diversidade e conflitividade, a partir da sua cultura, do e no local considerando o desenvolvimento histórico em sua relação com o ambiente natural na busca da superação da desigualdade, da miséria e da exploração de uns humanos e dos demais seres vivos (RODRIGUES,et.al., 2015).
Ampliando o campo de visão desde a perspectiva socioambiental e do paradigma emergente esse outro olhar, dessa outra economia, nos levaria e percepção, que a capacidade de suporte deveria ser relacionada também aos fins e benefícios das atividades transformadoras da natureza pelos humanos, bem como as conseqüências dessas sobre a sociedade, a natureza e determinados grupos humanos impactados negativamente. Sem estas considerações, diríamos que a perspectiva ecológica e/ou ecossistêmica acaba ficando subsumida, senão funcional, ao paradigma tradicional e hegemônico onde a preocupação com a degradação do meio ambiente se restringe a preocupação com a gestão dos resíduos, o cuidado no uso e utilização dos recursos naturais, a preservação e conservação das espécies, etc., como uma forma de desenvolvimento sustentável.
Assim, como direcioidnto para o estudo acerca da sustentabilidade e da Educação Ambiental nas instituições de ensino superior (IES) que pretendemos desenvolver a partir do aprofundamento dessas reflexões, entendemos como imperativo e necessário que as IES, constituam-se como um sistema integrado de educação e gestão ambiental, que priorize a resolução dos impactos socioambientais causados pelas atividades desenvolvidas, para além do seu próprio contexto de atuação, uma vez que a comunidade universitária em suas atividades institucionais de ensino, pesquisa e extensão é constituída potencialmente por sujeitos formadores de conhecimento.
Nesse sentido, a Educação Ambiental crítica deverá estar embasada em ações político pedagógicas visando a transformação da sociedade em geral de uma forma holística, através da formação de sujeitos que vivenciem a alteridade e a valorização da diversidade. O enfrentamento do desafio da sustentabilidade socioambiental demanda que os seres humanos se sintam potencializados e estimulados a rever seu modo de conceber e se relacionar ecologicamente para compreender e superar a realidade de injustiça e desigualdade que a sociedade contemporânea atravessa.
ACSELRAD, H.; MELLO, C.C.; BEZERRA, G. das N. O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
ASMUZ M., Agricultura Sustentável - Desenvolvimento sustentável na região do estuário da Lagoa dos Patos: será possível? Jornal Dia de Campo. Informação que produz.2011.
http://www.diadecampo.com.br/zpublisher/materias/Materia.asp?id=23782&secao=Colunas%20Assinadas, acesso 20/05/2018.
BRASIL, MMA. http://www.mma.gov.br/educacao-ambiental/politica-de-educacao-ambiental/historico-mundial, acesso 20/05/2018.
BRÜGGER, P. Educação ou adestramento ambiental? 3ed. rev. ampl. Chapecó: Argos; Florianópolis: Letras Contemporâneas. 2004.
DARDOT, P.; LAVAL, C. trad. Mariana Echalar. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. 1º ed. S.P.; Boitempo. 2016.
DIEGUES, A. C. 2003. Sociedade e comunidades sustentáveis. NUPAUB-USP. SP; Disponível em: http://www.usp.br/nupaub/artigos.html; acessado em 13/09/2011;
FOLADORI, G.; TAKS, J. Um olhar antropológico sobre a questão ambiental. MANA 10(2):323-348, 2004. http://www.scielo.br/pdf/mana/v10n2/25163.pdf. Acessado em 08/06/2018.
______y PIERRI, N. Coord. Sustentabilidade Desacuerdos sobre el desarrollo sustentable. Universidade autônoma de Zacatecas. Ed. Miguel Angel Porrúa. 2005.
______El Pensamiento ambientalista. Anales de la educación común/ Tercer siglo / año 3 / número 8 / Educación y ambiente / Publicación de la Dirección General de Cultura y Educación de la Provincia de Buenos Aires. Dirección Provincial de Planeamiento. Versión digital del artículo publicado en pp. 42-46 de la edición en papel. 2007.. Acesso em dez.2017.
FRANCO JR, H. Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 1995.
GONÇALVES, C.W.P. Os (des)caminhos do meio ambiente. 14 ed. São Paulo. Contexto. 2006. 148p.
IORIS, A. O que é justiça ambiental. Ambiente & Sociedade[online].vol.12, n.2, pp.389-392. 2009. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2009000200012, Acesso 26.06.2018.
LAYRARGUES, P. P.; LIMA, G. F.C. Mapeando as macro-tendências político-pedagógicas da Educação ambiental contemporânea no Brasil. VI Encontro “Pesquisa em Educação Ambiental” A Pesquisa em Educação Ambiental e a Pós-Graduação no Brasil. Ribeirão Preto. 2011.
__________ Para onde vai a educação ambiental? o cenário político-ideológico da educação ambiental brasileira e os desafios de uma agenda política crítica contra-hegemônica. Revista Contemporânea de Educação, vol. 7, n. 14, agosto/dezembro de 2012. p 388-411.
LANDER, E. (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciencias sociais. Perspectivas latinoamericanas. ColecciÛnSurSur, CLACSO, Ciudad AutÛnoma de Buenos Aires, Argentina. 2005.
LEFEBVRE,H. Da teoria das crises à teoria das catástrofes. Tradução do Excerto de: LEFEBVRE, Henri**. De L’État (Tome IV). Les Contradictions de l’État Moderne. La Dialectiqueet/de l’État. Paris, 1978. p. 211-258. Trad. Anselmo A.; De Paula C. M.; FicarelliT.in:GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 25, pp. 138 – 152. 2009 http://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/74117. Acesso em 27/12/2017.
LEFF H. Educação ambiental e desenvolvimento sustentável. In: Verde Cotidiano: o meio ambiente em discussão. REIGOTA. M. (org). 3ª Ed.Petrópolis.2008. p.97-111.
LIMA, G da C. O discurso da sustentabilidade e suas implicações para a educação. Ambiente & Sociedade – Vol. VI nº. 2 jul./dez. 2003. p.99-119.acesso em: 31.10.2018.
LOUREIRO, C.F.B. Sustentabilidade e educação: um olhar da ecologia política. São Paulo. Cortez. 2012.
MACHADO, C. R.S. O conflito como momento de ruptura da hegemonia: reflexões e contribuições a partir de Henri Lefebvre. IV Encontro Internacional de Ciências Sociais: Espaços Públicos, Identidade e Diferenças (EICS), no GT28, UFPel, Pelotas, RS. 2014.
____________et. al. Natureza, conflitos e injustica ambiental: desenvolvimento, sustentabilidade e educação ambiental na produção da hegemonia capitalista no extremo sul do Brasil e Uruguai, Projeto de Pesquisa Financiado pelo CNPq 2014-2017 (Edital Universal 2014).
____________et. al. Conflitos Socioambientais e Educação Ambiental:Reflexões sobre uma educação para a justiça ambiental. Trabalho apresentado GT19, XXXI Congresso de ALAS, Uruguay, 2017. http://alas2017.easyplanners.info/opc/tl/7221_machado_carlos_rs.pdf. Acesso em 31.10.2018.
PRADO, D. P.,Uma breve introdução acerca das estruturas mentais no período medieval. Biblos, v.12. Revista do Instituto de Ciências Humanas de da Informação. FURG. Rio Grande. 2000. P. 115-121.
RODRIGUES, E. da S.; MACHADO, C.R.S; AGUIRRE, K., As raízes históricas da desigualdade socioambiental no extremo sul do brasil: um olhar sobre o surgimento da cidade do rio grande 1737. Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.3, vol.2, jul/dez. 2015, <http://seer.ufrgs.br/index.php/revistadolhiste/article/view/59826/36939>, acesso 26.06.2018.
TOMMASINO, H. et.al. La crisis contemporânea mundial, in Sustentabilidad? Desacuerdos sobre El desarrollo sustentable. Foladori G. y Pierri N. Coord. Ed. Miguel Angel Porrúa. Cap. 1. Mexico. 2005. 219p.
QUIJANO, A. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina.Buenos Aires. 2005.http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/sursur/20100624103322/12_Quijano.pdf
__________ Cuestiones y horizontes: de la dependencia histórico-estructural a la colonialidad/descolonialidad del poder. Colonialidad del poder y clasificación social. Buenos Aires. 2005. http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20140506032333/eje1-7.pdf
SÁENZ, O. Panorama de la sustentabilidad en las Universidades de américa latina y el Caribe Educar em Revista, Curitiba, Brasil, Edição Especial n. 3/2014, p. 109-126.
REIGOTA, M. Meio ambiente e representação social. São Paulo: Cortez. 2004.
SANTOS, B. de S. Um Discurso sobre as Ciências. Porto: História e Idéias. 1987.
_______________A transição paradigmática: da regulação à emancipação. Oficina nº25. Oficina do CES. Coimbra. Portugal. 1991.
_______________Um discurso sobre as Ciências na transição para uma ciência pós-moderna. Estudos avançados. V.2, n.2, 46-51. 2007.http://www.scielo.br/pdf/ea/v2n2/v2n2a07.pdf. acesso em 16.05.2018.
___________ A crítica de la razón indolente. Contra el desperdício de la experiência.Bilbao. Desclee de Brouwer. 2000.
SOLER, A. Antropocentrismo e Crise Ecológica: Direito Ambiental e Educação Ambiental como meios de (re) produção ou superação. Rio Grande: FURG/PPGEA, dissertação de mestrado. 2011. Acesso em: <https://sistemas.furg.br/sistemas/sab/arquivos/bdtd/0000010081.pdf>
*Bacharel em Direito - (UFPel-1984), Especialista em Ciência Política (UFPel -1986) Mestre (2012) em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG).