Luiz Alves *
Universidade de Coimbra. CEGOT, Portugal
luizalves90@hotmail.com
Resumo: No universo patrimonial, em que os seus elementos apresentam escalas, tipologias e contextos cada vez mais diversos, as estruturas edificadas que estão associadas aos ambientes fluviais emergem como um recurso relevante.
No caso concreto dos territórios que congregam um forte potencial patrimonial associado a um enquadramento natural e paisagístico significativo, a valorização e promoção de dinâmicas indutoras de desenvolvimento de escala supramunicipal e uma estratégia coesa de cooperação intermunicipal apresentam-se como elementos importantes na dinamização e desenvolvimento dos territórios.
Este contexto esteve na génese do levantamento da ocupação humana nas margens do rio Ceira (distrito de Coimbra, região centro de Portugal), realizado pela Lousitânea - Liga de Amigos da Serra da Lousã, desde 2013, em que são identificados e analisados a distribuição de elementos que permitam a definição de padrões de ocupação do setor superior do referido território.
Com recurso a estas ferramentas de trabalho, pretende-se realizar uma síntese dos principais resultados da investigação, tendo em vista a promoção do património identificado no vale do rio Ceira, através do fomento do turismo e lazer.
Palavras-chave: Património construído. Ambiente rural. Turismo. Lazer. Vale do rio Ceira.
The Relevance of the Built Heritage in Rural Environment in Tourism and Leisure: The Case of the Valley of the Ceira River (Portugal)
Abstract: In the heritage universe, where elements present scales, typology and contexts increasingly diverse, the built structures that are associated with river environments emerges as relevant resource.
In the case of territories that congregate a strong patrimonial potential associated with a signicatif natural and landscaping value, the appreciation and promotion of inducing dinamics of supramunicipal scale development and a cohesive strategy for intermunicipal cooperation present as important elements in promotion and development of territories.
This context was the genesis of the survey of human occupation at the margins of the Ceira river (district of Coimbra, central region of Portugal), conducted by Lousitânea - Liga de Amigos da Serra da Lousã, since 2013, on which are identified and analysed the distribution of elements to define the occupancy of higher sector of the territory.
Using these work tools, we intend to perform a summary of the main results of the investigation, in order to promote the identified heritage in the valley of Ceira river, through the promotion of tourism and leisure.
Key-words: Built heritage. Rural environment. Tourism. Leisure. Valley river Ceira.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Luiz Alves (2018): “A relevância do património construído em ambiente rural no turismo e lazer: o caso do Vale do rio Ceira (Portugal)”, Revista DELOS Desarrollo Local Sostenible (octubre 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/delos/32/luis-alves.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/delos32luis-alves
1. Introdução
Na sociedade contemporânea, o turismo é uma das atividades motoras da economia-mundo e um fator impulsionador e facilitador da globalização (Cavaco & Simões, 2009; Sharpley, 2009), com repercussões de várias índoles em contextos geográficos diversos.
Neste contexto o turismo patrimonial, entendido como uma viagem para experienciar os lugares, artefactos e atividades que representam autenticamente as histórias e as pessoas do passado, podendo incluir recursos culturais, históricos e naturais, apresenta-se como relevante no seio da valorização destes elementos e na contribuição para o desenvolvimento económico e social dos territórios.
O património cultural é um importante fator de atração para o turismo em todo o mundo, e vários países procuram oferecer condições de baixo custo (low cost) a par de conteúdos e serviços de elevado valor, com o intuito de conceder maior visibilidade aos seus museus, sítios e paisagens (Roffia et al. 2011).
A própria relação entre turismo e património é vista como relevante na conservação patrimonial, além da sua valorização, como fazem notar Mrđa & Šćitaroci (2015:2) “a relação entre património e turismo pode ser mutuamente benéfica, e o património cultural tem sido protegido e preservado através do turismo […]. Hoje a simbiose entre turismo e património cultural tornou-se um dos principais objetivo na gestão e planeamento das áreas turísticas 1”.
Da mesma forma, Alves & Carvalho, 2016:129, consideram que “as atuais dinâmicas económicas, sociais e territoriais, assim como a renovação da imagem dos territórios rurais, refletem a importância estratégica dos recursos ecológicos e culturais, e a sua crescente vinculação ao lazer e turismo, nomeadamente os segmentos relativos aos passeios pedestres, BTT, touring cultural e paisagístico, observação e interpretação da natureza, experiências simbólicas, experiências criativas, aprendizagem/valorização de dimensões culturais materiais e imateriais, entre outros, que podem suscitar trajetórias inovadoras e sustentadas de desenvolvimento regional e local”.
É neste contexto, e com o objetivo de identificar e potenciar o património (natural e cultural) existente no vale do rio Ceira2 (Região Centro de Portugal, Figura 1), em outros através do turismo e lazer, que surgem os relatórios de “Levantamento da Ocupação Humana nas Margens do Rio Ceira”, elaborados pela Lousitânea - Liga de Amigos da Serra da Lousã, com base em observação indireta (em gabinete) e direta (em trabalho de campo), os quais “permitiram identificar vários períodos históricos, tipologias de construção (de acordo com o seu uso/função) e respetivas variações geográficas” (Alves & Carvalho, 2016, p.128).
Trata-se, em primeira análise, de um cadastro de todas as estruturas edificadas no contexto geográfico dos municípios de Arganil, Góis, Lousã e Pampilhosa da Serra, num total de cerca de 112 quilómetros percorridos ao longo das margens do rio Ceira, entre 2013 e 2015, o qual constitui também uma base de conhecimento empírico relevante para uma reflexão direcionada às ferramentas e estratégias que podem ser utilizadas com o intuito de salvaguardar e valorizar recursos ecoculturais diferenciadores e, assim, induzir dinâmicas de desenvolvimento.
O trabalho desenvolvido no decorrer deste processo de inventariação patrimonial teve uma importante base assente no trabalho de campo, desenvolvido ao longo de três anos que, para além da participação de vários técnicos da Lousitânea, contou com a colaboração de alguns habitantes de vários lugares percorridos pelo rio Ceira.
O trabalho de campo, com vista a identificar, descrever e catalogar os imóveis, apresentou duas fases distintas mas, fundamentalmente, complementares. “A primeira decorre de uma consulta prévia às Cartas Militares [de Portugal, da série mais recente] (…) para que, analisando o traçado do rio Ceira, (…) [fossem reconhecidas] estruturas sinalizadas pelos Serviços Cartográficos do Exército aquando dos levantamentos topográficos (…). Assim, mediante essa identificação [procedeu-se] à aproximação e catalogação, in situ, dos mesmos” (Alves & L.; 2014:24).
A segunda via utilizada para localizar imóveis, e porque nem todos os imóveis existentes no terreno estão sinalizados nas Cartas Militares, reflete o recurso a outros meios, como sejam: Google Earth; Carta Corográfico de Portugal na escala 1:100.000; informação oral.
Na observação direta, em trabalho de campo, para além da leitura das Cartas Militares e a auscultação das populações locais, as margens foram percorridas em toda a sua extensão, o mais próximo possível da linha de água e, quando tal não fosse viável, mediante caminhada aquática, tendo em vista garantir uma cobertura total da área de levantamento, minimizando a probabilidade de algum imóvel e/ou estrutura ficar por registar. Na definição das áreas de intervenção deste levantamento foi necessário definir uma faixa limite para além das margens do rio Ceira, não considerando os seus afluentes (barrocos, ribeiras, entre outros).
Durante o levantamento efetuado foi possível localizar, cartografar e catalogar múltiplas infraestruturas, de diversas tipologias e com diversos níveis de conservação. Assim, nas margens do rio Ceira integradas nos Municípios de Arganil, Góis, Lousã e Pampilhosa da Serra foram identificados 759 imóveis, num total de 303 fichas de campo preenchidas.
A análise da distribuição dos 759 imóveis identificados por tipologia, permite destacar quatro tipologias que, no total, representam pouco mais de 61,8% do total de imóveis identificados, a saber: muro de contenção (156 imóveis), açude (128), outro (125), moinho de rodízio (108). Os restantes 242 imóveis correspondem às demais tipologias: curral e palheiro (78), ponte (63), habitações (35), roda de rega (15), lagar de azeite (14), viveiro (14), poço (13), cortada (7), moinho de azenha (2), serração (1) (Figura 2). A tipologia “outro” agrega vários tipos de imóveis, como sejam, por exemplo, curral, apiário, praia fluvial, parque de merendas, albufeira, caminho tradicional, quinta, eira, parque de campismo.
Quanto ao estado de conservação dos imóveis identificados no conjunto dos 587 imóveis considerados , de uma forma geral, verifica-se alguma assimetria entre as estruturas não arruinadas (395 imóveis) e estruturas arruinadas (192 imóveis), numa relação de 67,3 e 32,7%, respetivamente. Entre os dados de maior relevo, salientamos que dos 192 imóveis não arruinados uma parte significativa (cerca de 33,4%) correspondem à tipologia de muros de contenção. Por outro lado, 69,6% dos moinhos de rodízio identificados encontram-se em ruínas.
Por sua vez, no seio dos 587 imóveis referidos, 289 correspondem a imóveis ainda em uso (sendo que mais de 43% destes correspondem a muros de contenção), correspondendo os restantes 298 a imóveis que não se encontram em uso, relevando a importância do despovoamento e do envelhecimento da estrutura social registados em parte significativa do território em estudo. Desses 298 imóveis que não se encontram em uso, 167 encontram-se em mau estado para recuperação funcional e parcial, 83 em bom estado para recuperação funcional e parcial e os restantes 48 num razoável estado para recuperação funcional e parcial.
4. Considerações finais
O turismo configura uma das principais atividades indutoras de apropriação do património (em diversas dimensões), com efeitos distintos no seio da indução de dinâmicas de desenvolvimento dos territórios. De igual modo, parece indubitável que o turismo tem sido (e continuará a ser) um dos principais motores de valorização do património e de criação de mais-valias para os territórios que usufruem de elementos patrimoniais, sobretudo quando primam pela singularidade. Porém, torna-se imperativo que estes processos com dinâmicas positivas sejam capazes, cada vez mais, de criar impactos positivos na conservação destes e, de igual modo, com acrescento de valor para as populações locais e para os atores que centram as suas atividades in loco.
A abrangência territorial dos trabalhos realizados no âmbito da elaboração dos relatórios de “Ocupação Humana nas Margens do Rio Ceira”, nos municípios de Arganil, Góis, Lousã e Pampilhosa da Serra, com cerca de 112 quilómetros reconhecidos ao longo do trabalho de campo, permitiu identificar diversos elementos patrimoniais relevantes, num total de 759 imóveis. Para além do número expressivo de imóveis, é de salientar a singularidade e importância de alguns destes conjuntos, por se apresentarem como elementos únicos de representação das técnicas (de construção, produção, outras), modos de vida, de relacioidnto como o meio (pelo elemento água). Porém, o elevado nível de abandono deste legado, fruto do flagelo do despovoamento e envelhecimento populacional que caracterizam grande parte dos lugares calcorreados no território em análise, apresentam-se com um risco à manutenção e valorização do património identificado.
Por fim, salienta-se que os resultados dos levantamentos efetuados nas margens do rio Ceira nos quatro municípios (Arganil, Góis, Lousã e Pampilhosa da Serra), apresentam-se como ponto de partida para delinear uma estratégia que possa contribuir para mitigar o declínio socioeconómico e a degradação da paisagem cultural do Ceira, através da criação e dinamização de um projeto de desenvolvimento territorial, o qual neste momento gravita em torno de uma ideia nuclear: o Parque Patrimonial do Vale do Ceira.
Alves, Luiz; Carvalho, Paulo. Parque Patrimonial do Vale da Ceira: Uma Proposta de Desenvolvimento Territorial. In Carvalho, Paulo (coord.), Museus, Turismo e Território (p. 127-144). Málaga: Universidade de Málaga
Alves, Luiz; L., J. Levantamento da Ocupação Humana nas Margens do Rio Ceira no Município de Pampilhosa da Serra. Lousitânea - Liga de Amigos da Serra da Lousã e Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra.
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