DELOS: Desarrollo Local Sostenible
Vol 6, Nº 17 (Junio 2013)


O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE, O ESTADO E A JUSTIÇA AMBIENTAL

 



Bruno Cozza Saraiva (CV)
brunocozza19@hotmail.com
Francisco Quintanilha Véras Neto (CV)
Universidade Federal do Rio Grande

 



RESUMO
O presente trabalho tem como fundamento discorrer em torno da fundamentalidade constitucional do Meio Ambiente, sustentado, necessariamente, sob a égide da hermenêutica do Art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil. Também, remeter-se-á à condição da tratativa do Estado de Direito Democrático com vistas à fruição de um Estado ideologicamente, socialmente e juridicamente ambiental (Estado de Direito Ambiental), alicerçado na promoção e na garantia da Justiça Ambiental como fundamento de execução da proteção contra a ocorrência de danos ambientais que, essencialmente, é destinada aos mais estigmatizados e vulneráveis do sistema capitalista que – originariamente – remete à idealização do risco inerente à própria condição.

PALAVRAS-CHAVE: Fundamentalidade Ambiental, Estado de Direito Ambiental, Dano Ambiental, Justiça Ambiental, Vulnerabilidade Socioambiental.

ABSTRACT
This work is based discoursing about the constitutional fundamentality of Environment, supported, necessarily, under the aegis of the hermeneutics of Article 225 of the Constitution of the Federative Republic of Brazil. Also, it will refer to the condition of the dealings of the Rule of Law with a view to the enjoyment of a state ideologically, socially and legally environmental (State Environmental Law), founded in promoting and ensuring environmental justice as the foundation for implementing protection against environmental damage that essentially is designed to the most vulnerable and stigmatized the capitalist system - originally - refers to the idealization of the risk inherent in the condition.

KEYWORDS: Environmental fundamentality, State Environmental Law, Environmental Damage, Environmental Justice, Environmental Vulnerability.


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INTRODUÇÃO

A relação de submissão do homem ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é remetida à ideia de utilização sustentável e responsável do patrimônio ecológico. A abertura constitucional, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil, possibilita aferir o meio ambiente como Direito Fundamental e Garantia à presente geração – pois é insustentável a manutenção da vida dos seres vivos em um ambiente degradado –,  também, às futuras gerações, como forma de proporcionar-lhes um meio natural em condições de existir dignamente. Para isso, a consolidação de um Estado de Direito Ambiental como força normativa, executável por meio da inter-relação e superação do Social (Estado de Direito Democrático), com vistas a efetivar um plano normativo ambiental, bem como mecanismo de combate às novas demandas que, fundamentalmente, se encontram localizadas na seara ambiental e, prioritariamente, na inefetividade relativa à concretização dos Direitos Sociais Constitucionais, é que tal modelo de Estado, Ambiental, deverá respaldar-se em um plano jurídico – Constituição – paralelamente a um sistema social transformador, modificador de injustiças e vulnerabilidades 1 destinadas aos mais “frágeis”, ou seja, àqueles selecionáveis pelo sistema.
No intuito de discorrer – essencialmente – partindo-se de uma hermenêutica ambiental consubstanciada na Carta Federal brasileira, para definir Dano como mecanismo determinante para viabilizar a eficácia do direito protetivo ao meio ambiente em função da ocorrência de degradação ambiental, faz-se imprescindível a visualização das áreas suscetíveis em incidência de problemáticas ambientais, consoante à ineficácia dos Direitos Socioambientais constitucionalizados com a finalidade de alicerçar um paradigma ambiental. Portanto, no presente artigo tratar-se-á de meio ambiente equilibrado como Direito Fundamental, inserido em um arquétipo com vistas a institucionalizar o Estado de Direito Ambiental como paradigma de confrontação à ocorrência de Dano, que modificará a realidade de Vulnerabilidades Socioambientais e construirá, democraticamente, a Justiça Ambiental.

1. MEIO AMBIENTE E CONSTITUIÇÃO

“[...] O legislador brasileiro, pois acoplou, na sua definição de meio ambiente, uma concepção mais atual e vasta, que aceita vários elementos, em oposição ao conceito restrito de proteção aos recursos naturais”. (LEITE, 2011, p. 83) Com isso, ampliando a tutela jurídica por meio de um novo ideal – transformador – atribuído ao Estado no que se refere à responsabilidade socioambiental.
Tal ampliação, refletida a partir do ordenamento jurídico ecológico constitucional e infraconstitucional, tenderá a uma visão antropocêntrica, quando referir-se ao equilíbrio ecológico que visa, essencialmente, tutelar o interesse público na conservação da integridade ecológica do bem natural e do sistema em que se insere.
O equilíbrio ecológico é dinâmico e a base jurídica relacionada deve ser compatível com esta orientação. Por outro lado, o conceito de meio ambiente consubstancia-se em uma concepção expressa na subdivisão do patrimônio cultural (histórico, paisagístico), juntamente a manutenção/destinação de uma sadia qualidade de vida ao homem. Porém, tal proteção, baseada nestas subdivisões, ideologicamente antropocêntricas, funda-se na posição axiológica que se relaciona, também, a proteção funcional do equilíbrio ecológico e da capacidade de aproveitamento do bem em relação às futuras e presentes gerações.

Há uma dupla conotação significativa, ou seja, atinente à preservação do patrimônio natural em si mesmo e ainda ao equilíbrio no que se refere à capacidade de aproveitamento do ser humano. Contudo, esta última subdivisão inclui elementos que revelam uma preocupação mais antropocêntrica e a primeira subdivisão, menos, pois encontra-se mais voltada à proteção da capacidade funcional do equilíbrio ecológico e de maneira menos direta à proteção da qualidade de vida humana, que inclui o patrimônio cultural.” (LEITE, 2011, p. 84)

“O legislador observou a tendência conceitual [...] e considerou o meio ambiente como macrobem, isto é, em uma visão globalizada e integrada”. (LEITE, 2011, p. 84) Desta forma, o meio ambiente é um macrobem, que também é incorpóreo e imaterial, o que estende o significado e a abrangência de seu papel designado por esta interpretação da Constituição:

Com efeito, desta forma, visualiza-se o meio ambiente como um macrobem, que além de bem incorpóreo e imaterial se configura como bem de uso comum do povo. Isso significa que o proprietário, seja ele público ou particular, não poderá dispor da qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado, devido à previsão constitucional, considerando-se o macrobem de todos. Adita-se, no que se refere à atividade privada, que a qualidade do meio ambiente deve ser considerada, pois o constituinte diz que a atividade econômica deverá observar entre outros, o princípio da proteção ambiental, conforme estatui o art. 170, VI, da Constituição Federal. (LEITE, 2011, p. 85)

A nova hermenêutica, com vistas a um constitucionalismo de Estado Ambiental exige uma concepção de meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental.

Na concepção de microbem ambiental isto é, os elementos que compõem (florestas, rios, propriedade de valor paisagístico etc.), o meio ambiente pode ter o regime de sua propriedade variado, ou seja, pública e privada, no que concerne à titularidade dominial. Na outra categoria, ao contrário, é um bem qualificado como de interesse público; seu desfrute é necessariamente comunitário e destina-se ao bem estar individual. (LEITE, 2011, p. 87-88)

2.         MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

As transformações ocorridas no bojo das últimas décadas resultaram na Constituição de 1988, onde o constituinte brasileiro dedicou um capítulo inteiro ao meio ambiente, realçando a importância deste direito fundamental que é produto da mobilização de ambientalistas e de outros setores sociais. Ao estabelecer na práxis constitucional o que já estava em Estocolmo (como marco principiológico precursor do debate da problemática ambiental), o legislador nacional, visando essencialmente o equacionamento, do que na época se denominou de ecodesenvolvimento (constitucionalizado em 1988), torna-se subproduto da transformação jurídica aberta nestes fóruns internacionais que, historicamente, iniciaram a institucionalização e juridicização da questão ambiental.

Podemos salientar que o patamar inicial desta transformação jurídica, relacionada com o meio ambiente e a qualidade de vida, surgiu, como interesse internacional e como preocupação de cada Estado, a partir da Declaração do Meio Ambiente, adotada pela Conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, em junho de 1972. A evidência desta transformação pode ser demonstrada pelo Princípio I da referida Declaração, que elevou o meio ambiente de qualidade ao nível de direito fundamental do ser humano. Princípio 1: O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequada em um meio, cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras.” (LEITE, 2011, p. 88)

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, embora não esteja no Título dos Direitos e Deveres Individuais é, indubitavelmente, por meio de uma leitura sistemática da Constituição e, necessariamente, da Política Nacional do Meio Ambiente, preponderantemente indispensável à concepção protetiva tendente a transformar o Estado de Direito Democrático em Estado de Direito Ambiental, englobando a idéia de preservação como Direito e Dever do homem. Além disto, o direito fundamental ao meio ambiente inclui nova concepção jurídico-política de solidariedade, ao ter, como destinatário final, o próprio gênero humano e a natureza, visando à preservação da capacidade funcional do ecossistema, atribuindo ao Estado a missão essencial de responsabilização global social na preservação e gestão do bem jurídico ambiental. Dessa forma, (LEITE, 2011, p. 91) “acentua que se trata de um direito de responsabilidade compartilhada por todos, isto é, um misto de direitos e deveres de todos, não se inserindo mais como um direito subjetivo de perfil egoístico”.
Esta lógica assimilada pelo Estado de Direito Ambiental possui um papel intergeracional e supranacional, implicando em uma ideia de solidariedade intercomunitária, pois assume o caráter de um direito que assiste a toda humanidade. Assim, estabelece genericamente sua base na interdependência interativa, a partir de um caráter interdisciplinar e transdisciplinar. Hodiernamente, tal direito tenderá a embasar-se em uma concepção de antropocentrismo alargado, por meio da inclusão de outros valores e elementos – essencialmente – na consideração de meio ambiente como sujeito de direito, com vistas ao interesse humano e, prioritariamente, no intuito de preservar o sistema ecológico como valor em si mesmo, buscando a harmonização da relação entre homem-natureza. Para (LEITE, 2011, p. 93):

b) a lei brasileira adotou um conceito amplo de meio ambiente, que envolve a vida em todas as suas formas. O meio ambiente envolve os elementos naturais, artificiais e culturais; b) o meio ambiente, ecologicamente equilibrado, é um macrobem unitário e integrado. Considerando-o como macrobem, tem-se que em bem incorpóreo e imaterial, com uma configuração também de microbem; c) o meio ambiente é um bem de uso comum do povo, trata-se de um bem jurídico autônomo de interesse público; e d) o meio ambiente é um direito fundamental do homem, considerado de quarta geração, necessitando, para sua consecução, da participação e responsabilidade partilhada do Estado e da coletividade. Trata-se, de fato, de um direito fundamental intergeracional, intercomunitário, incluindo a adoção de uma política de solidariedade.
           

Assim, o novo papel do Direito Ambiental nos remete a inter-relação entre Estado de Direito Ambiental e, ao papel deste no aspecto de tratamento jurídico do Dano Ambiental, edificando noções de responsabilidade.

3. ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL E O DANO AMBIENTAL

           
O intérprete constitucional contemporâneo, motivado por uma hermenêutica ambiental, deve deduzir uma dimensão ecológica da dignidade humana devido ao meio ambiente ser observado a partir de seu caráter de direito difuso e de bem de uso comum do povo, pertencente às presentes e futuras gerações, além de ser considerado um dever fundamental inerente à prevenção atinente ao princípio da responsabilidade como estruturante do Estado de Direito Ambiental. A premissa básica é que quem causa dano ao meio ambiente deve responder por este. A responsabilização se torna corolário da gestão antecipatória do risco ambiental, pois caso a possibilidade de reparação do dano não existisse, de nada adiantariam as ações preventivas e precaucionais.
Tal característica imperativa do Estado Ambiental de Direito que também é democrático e social, se fundamenta na concepção que orienta em prol de um novo horizonte das dimensões dos direitos humanos fundamentais, onde a própria dimensão de direito fundamental ao meio ambiente já sofreria uma nova clivagem entre uma primeira geração-dimensão, e uma segunda dimensão. A primeira, caracterizada pela linearidade dos impactos produzidos e, a segunda, pela produção de efeitos complexos e intrincados, o que torna substantivo uma mudança de orientação do Estado destinada a promover mudanças na sociedade organizada.

Analisando o contexto histórico que culminou com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, um marco na consolidação de uma nova consciência em matéria de proteção jurídica do meio ambiente, o Estado de direito ambiental passa a ser considerado, estudando-se seu conceito, fundamentos, pressupostos e funções. Afastando-se, finalmente, do campo teórico, insere-se o Estado de direito ambiental no contexto da Constituição da República Federativa do Brasil, demonstrando-se a proximidade entre seus pressupostos e o conteúdo do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. (LEITE & FERREIRA, 2010, p. 4)

O dano, por sua vez, é a lesão a interesses jurídicos protegidos, no caso do direito constitucional brasileiro, inaugurado pela Constituição de 1988.

[...] Danos estes direta ou indiretamente relacionados com os danos ao patrimônio ambiental (pela degradação de seus recursos ambientais considerados individualmente ou em conjunto), externo ou interno, natural, sanitário, cultural, sócio-econômico, do local residencial, do trabalho, de culto religioso e de suas liturgias, ou de qualquer espaço destinado ao bem-estar das pessoas individual, coletiva ou publicamente consideradas (CF, arts. 5º, VI X, XIII, XXIII, XXXV, §§. 1º, 2º, c/c arts. 21, XXIII, d – EC n. 49/2006, 200, VII, VIII, 216, § 4º, 225, §§1º, IV, V, VI, 3º) (CUSTÓDIO, 2006, p. 316).

O dano é o pressuposto necessário da obrigação de reparar e, por conseguinte, elemento imprescindível para estabelecer a responsabilidade civil.

Quanto às suas principais espécies, o dano poder atual ou iminente, quando decorre de acontecimento previsível e que está para ocorrer; ou potencial, eventual ou infecto, quando decorre de evento futuro e incerto, que poderá ou não causar prejuízos. Pode ser, ainda, indireto, quando consiste em consequência indireta da perda sofrida pelo lesado, que repercute em outros bens não diretamente atingidos. (PORFÍRIO JÚNIOR, 2002, p. 47)

Tal problemática ambiental, em sua especificidade, pode, em certas ocasiões, implicar alterações nocivas ao meio ambiente e noutras, ainda, em detrimento de seus efeitos, provocar alterações na saúde das pessoas e em seus interesses.

Dano ambiental significa, em uma primeira acepção, uma alteração indesejável ao conjunto de elementos chamados meio ambiente, como, por exemplo, a poluição atmosférica; seria, assim, a lesão ao direito fundamental que todos têm de gozar e aproveitar do meio ambiente apropriado. Contudo, em sua segunda conceituação, dano ambiental engloba os efeitos que esta modificação gera na saúde das pessoas e em seus interesses. Alerte-se que, nesta pesquisa, será chamado dano ambiental, em primeiro momento, todo dano causador de lesão ao meio ambiente, para depois poder classificá-lo. (LEITE, 2010, p. 94)

A classificação do dano ambiental pode se fragmentar em dano ecológico em sentido restrito e, também, em dano ambiental caracterizando um sentido mais amplo, abarcando a defesa dos interesses difusos e coletivos, e, ao dano ambiental reflexo, de caráter individual, conforme classificação de José Rubens Morato Leite:

1. Dano ecológico puro. Conforme já salientado, o meio ambiente pode ter uma conceituação restrita, ou seja, relacionada aos componentes naturais do ecossistema e não ao patrimônio cultural ou artificial. Nesta amplitude, o dano ambiental significaria dano ecológico puro e sua proteção estaria sendo feita em relação a alguns componentes essenciais do ecossistema. Trata-se, segundo a doutrina, de danos que atingem, de forma intensa, bens próprios da natureza, em sentido restrito. 2. Em maior amplitude, o dano ambiental lato sensu, ou seja, concernente aos interesses difusos da coletividade, abrangeria todos os componentes do meio ambiente, inclusive o patrimônio cultural. Assim, estariam sendo protegidos o meio ambiente e todos os seus componentes, em uma concepção unitária. 3. Dano individual ambiental ou reflexo, conectado ao meio ambiente, que é, de fato, um dano individual, pois o objetivo primordial não é a tutela dos valores ambientais, mais sim dos interesses próprios do lesado, relativos ao microbem ambiental. O bem ambiental de interesse coletivo estaria, desta forma, indiretamente ou, de modo reflexo, tutelado, e não haveria uma proteção imediata dos componentes do meio ambiente protegido. Assim, o bem ambiental estaria parcial e limitadamente protegido. (LEITE, 2011, p. 95- 96)

Neste sentido, a responsabilidade civil atrela-se, também, a uma concepção de índole preventiva concernente à preservação e à tutela jurídica do bem ecológico ambiental, responsabilizando àqueles que o agridem, com o intuito de reparar ou reprimir e, paralelamente, concretizar o designado desenvolvimento sustentável no seu sentido mais duro.

Para os que, como nós, defendem uma concepção dialéctica da relação homem-natureza, esta é uma controvérsia, em grande parte sem objecto. Deverá ficar bem claro, com efeito, que proteger a natureza limitando as nossas subtrações excessivas e reduzindo as nossas emissões nocivas, é trabalhar, simultaneamente, para a restauração dos equilíbrios naturais e para a salvaguarda dos interesses humanos. E mesmo formulando assim esta ideia, continuaremos prisioneiros das ideias convencionadas, porque parecemos opor <<equilíbrios naturais>> e <<interesses humanos>>, enquanto que, precisamente, os interesses humanos assentam, igual e mesmo primeiramente, em equilíbrios naturais. Como escreve magnificamente H. Jonas: << Se a obrigação a respeito do homem continua a ter um valor absoluto, ela não inclui menos, a partir de agora, a natureza como condição da sua própria completação existencial.>> Homem e natureza, improváveis passageiros da <<nave espacial Terra>>, vivendo em equilíbrio simbiótico, não nos cansamos de dizer, têm <<parte ligada>>. (OST, 1995, p. 310-311)

“Outra questão relevante é que a ocorrência de danos ambientais demonstra uma falha no arcabouço jurídico protetivo do meio ambiente, marcado preponderantemente pela prevenção, opção política essa associada à fragilidade e limitação dos recursos naturais, patrimônio cultural, saúde humana, etc.” (MARCHESAN, 2007, p. 233) Portanto, exigindo um tratamento prévio da possibilidade de ocorrência de dano, dada a sua irreversibilidade e, principalmente, o compartilhamento dos danos por grande parte da coletividade inserida em áreas de riscos, interferindo, necessariamente, na relação homeostática socioambiental.

 
A reparação do dano ambiental, conforme previsão constitucional, deve priorizar a restauração in natura, em face ao princípio da restauração natural. A Constituição de 1988, em seu art. 225, no §1, inciso I é a coluna vertebral desta concepção, impondo o dever relativo à preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas (MARCHESAN, 2007, P. 236)

A questão específica dos desafios da sociedade de risco, ditada pela incerteza e insuficiência dos conhecimentos científicos para o tratamento de problemáticas ambientais novas, assim como, a crise climática, os desmatamentos das florestas úmidas e as pesquisas das biotecnologias transgênicas baseadas na ganância do mercado ou na arrogância científica, agravam a problemática da crise socioambiental, demonstrando a gravidade dos impasses que resultam na inefetividade da ordem jurídica ambiental, em que a possibilidade de irreversibilidade dos fenômenos da degradação do equilíbrio ecossistêmico descamba na destruição massiva da biodiversidade, arruinando as condições de sobrevivência desta e das vindouras gerações humanas, paralelamente às outras formas de vida.

Todavia, seria importante reconhecer a gravidade dos impasses que cercam a aplicação efetiva (enforcement) dos novos códigos jurídicos, bem como dos vários déficits de percepção: por um lado, muitos temas são introduzidos nas agendas das políticas públicas ambientais apenas no momento em que se tornam visíveis nos meios de comunicação de massa; por outro lado, continuamos carecendo de uma base confiável de dados e conhecimentos para o enfrentamento de um número crescente de situações problemáticas relacionadas à conservação do patrimônio comum da humanidade, a exemplo dos riscos decorrentes da disseminação de organismo geneticamente modificados, das implicações das mudanças climáticas globais para a produção agrícola e pesqueira, ou da intensificação de desmatamentos no Trópico úmido. Em todos esses casos podemos constatar, para além das incertezas científicas, o peso da controvérsia para os próprios pesquisadores e o bombardeio permanente de informações contraditórias junto à opinião pública – o que acaba comprometendo a efetividade da participação popular nos conflitos relacionados à utilização dos recursos naturais. (VIEIRA; BERKES & SEIXAS, 2005, p. 22).

4. JUSTIÇA AMBIENTAL E VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

A questão da vulnerabilidade ambiental e social exige uma investigação do plano da injustiça ambiental expressa na ordem da vitimização mais intensa de populações marginalizadas, inclusive, no plano da urbanização caótica sem precedentes social-estrutural. A agricultura monopolista do agronegócio e da atividade pesqueira tradicional é ameaçada pela poluição juntamente à especulação imobiliária e à sobrepesca industrial, maleáveis por agentes que formam a maior parte da pegada ecológica e da composição sistêmica dos danos aferidos pela degradação ambiental, e que são assumidos pela coletividade, já que não há internalização das externalidades praticadas por estes agentes, o que ameaçaria sua margem de lucro e de exploração do trabalho e da natureza, o que possui uma conotação inclusive associada a uma produção controlada por transnacionais com sede nos países ricos e por um setor majoritário de consumidores de energia e mercadorias nos países centrais do capitalismo.
                                                                   
        
No âmbito das políticas públicas, difundiu-se a crença na racionalidade que decorre dos ajustes de mercado e das negociações efetuadas em espaços decisórios segmentados; encurtaram-se os horizontes temporais das decisões concertadas; substituiu-se a política operada em escalas abrangentes pelos procedimentos técnicos ocasionados em escalas locais e fragmentárias. Tais ajustes, compatíveis com as mudanças propugnadas pelo chamado “Consenso de Washington” não foram, por certo, de corte puramente econômico. Os Estados nacionais foram, para tanto, agentes decisivos, levados que são permanentemente a optar politicamente entre os distintos modos pelos quais podem ser definidas as coalizões internas e externas de poder. (ACSELRAD, 2006, p. 15-16)

A estes elementos se soma uma situação caracterizada pela falta de acesso à justiça, por obstáculos de ordem distributiva, econômico-financeira, acesso aos serviços públicos básicos, falta de capital cultural, o que demanda na necessidade de uma maior participação e empoderamento dos espaços democráticos disponibilizados por meio da Carta Constitucional, intentando a coletivização da gestão ambiental e das políticas públicas ecológicas pelas próprias comunidades, setores organizados da sociedade civil e movimentos sociais, visando superar as barreiras expressas no plano legal marcado pela falta de efetividade desta normatividade precariamente instituída e aplicada no mundo real.

Requerendo do Estado políticas equânimes de proteção e combate aos processos decisórios que concentram os riscos sobre os menos capazes de se fazer ouvir na esfera pública. No outro caso, daquela visão centrada no déficit dos sujeitos, é o Estado que afirmará pretender dar aos vulneráveis – diz-se- ‘ defesas contra os danos’, capacidade de controlar as forças que modelam seu destino’, ‘aumento no seu capital social e cultural’ ou seja, sempre a suplementação de uma carência, e não uma ação sobre o processo mesmo de vulnerabilização. No primeiro caso, sublinha-se algo que lhes é devido como um direito- o que aponta para o conjunto de decisões de natureza distributiva intercorrentes; no segundo, para algo que lhes falta capacidade que se buscará atribuir-lhes ou dizer pretender atribuir-lhes. Neste caso, pretende-se dar ao cidadão algo que ‘ele não tem’, enquanto, no anterior, aponta-se para o processo através qual essa capacidade de autodefesa lhe é em permanência subtraída’ – através do que chamamos de relações de vulnerabilidade. (ACSERALD, 2010, pp. 97-98)

CONCLUSÃO

Desta forma, o empoderamento social dos grupos marginalizados e vulneráveis, propiciado por um Estado de Direito Ambiental concretizador de igualdade social, da liberdade substantiva e de uma nova ética capaz de gerar controle social com participação concreta, uma lógica constitucional-democrática capaz de coibir abusos do mercado, do Estado e da mídia oligopólica, consubstanciando uma visão mais biocêntrica fundada na premissa precaucional e preventiva, colmatada por uma educação ambiental crítica, transformadora e emancipatória capaz de propiciar uma ação ambiental fundada em uma práxis concreta voltada a evitar o dano ambiental, possibilitaria a concretização da Constituição da República Federativa do Brasil, efetivando a práxis socioambiental constitucional.
Por isso, os objetivos fundamentais de um novo modelo civilizacional adequado a deter o risco da entropia ambiental e dos efeitos caóticos sobre as populações humanas e, também, sobre os ecossisstemas, são vislumbrados a partir de culturas geradoras de uma cidadania baseada na solidariedade com a rede vital que constitui a própria essência da vida humana, juntamente aos demais elementos que compõem a complexa rede viva, que caracteriza o planeta. Com isso, tais finalidades almejariam a extinção das dicotomias entre homem-natureza, unificando sociedade-natureza por uma nova forma de inserção e interação da espécie humana, possibilitando remodelar a base produtiva e consumista hegemônica com a alternativa de uma nova lógica responsável de partilha que garanta o equilíbrio ambiental e a sadia qualidade de vida para esta e, fundamentalmente, para as futuras gerações humanas e não humanas, incluindo a paz, a qualidade de vida e a preservação/manutenção da melhoria da qualidade de vida e dos ecossistemas que acolhem os seres-vivos.

BIBLIOGRAFIA:

ACSELRAD, Henri. Vulnerabilidade Ambiental, Processos e Relações. In: FERREIRA, Sivini Ferreira; LEITE, José Rubens Morato & BORATTI, Larissa Verri. Estado de Direito Ambiental: Tendências. São Paulo: Saraiva, 2010.

ACSELRAD, Henri. Território, localismo e política de escalas. In: ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do Amaral & BEZERRA, Gustavo das Neves. Cidade, Ambiente e Política: problematizando a Agenda 21 local. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.

CUSTÓDIO, Helita Barreira. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente. Campinas/SP: Ed. Millenium, 2006.

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial: teoria e prática. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

LEITE, José Rubens Morato; FERREIRA, Heline Sivini. Tendências e Perspectivas do Estado de Direito Ambiental no Brasil. In: FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, José Rubens Morato & BORATTI, Larissa Verri. Estado de Direito Ambiental: Tendências. São Paulo, Saraiva, 2010.

MARCHESAN, Ana Maria Moreira. A Tutela do Patrimônio Cultural Sob o Enfoque do Direito Ambiental. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2007.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

OST, François. A Natureza à Margem da Lei: a Ecologia à Prova do Direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.

PORFÍRIO JÚNIOR, Nelson de Freitas. Responsabilidade do Estado em Face do Dano Ambiental. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

VIEIRA, Paulo Freire; BERKES, Fikret & SEIXAS, Cristina Simão. Gestão Integrada e Participativa de Recursos Naturais: conceitos, métodos e experiências. Florianópolis: Ed. Secco, 2005.

1 A vulnerabilidade é uma noção relativa – está normalmente associada à exposição aos riscos e designa a maior ou menor suscetibilidade de pessoas, lugares, infraestruturas ou ecossistemas sofrerem algum tipo particular de agravo. Se a vulnerabilidade é decorrência de uma relação histórica estabelecida entre diferentes segmentos sociais, para eliminar a vulnerabilidade será necessário que as causas das privações sofridas pelas pessoas ou grupos sociais sejam ultrapassadas e que haja mudança nas relações que eles mantêm com o espaço social mais amplo no qual estão inseridos. (ACSELRAD, 2010, p. 98)

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