DELOS: Desarrollo Local Sostenible
Vol 5, Nº 15 (Octubre 2012)


O COLETIVO, O SOCIAL E O SOCIOAMBIENTAL NAS REPRESENTAÇÕES ATRAVÉS DO DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO

 



Daniela da Silva Pieper
Universidade Federal de Rio Grande
danypieper@gmail.com
Tiago Fonseca dos Santos
Universidade Federal de Rio Grande
tiago_fsantos@yahoo.com.br
Rafael de Souza Dias
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
geo.rafael@gmail.com
Gabriella Pieper Domingues
Núcleo de Atenção a Criança e Adolescentes
gabriellapdomingues@hotmail.com


 



RESUMO

O artigo discute a Teoria das Representações Sociais (TRS) em uma perspectiva socioambiental. Para tanto, apresentamos o conceito das Representações, em sua evolução histórica desde Durkheim, Moscovici, entre outros autores, em suas interpretações e estudos. A seguir, abordamos a aplicabilidade das TRS ao Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) no âmbito da Pesquisa Qualitativa, como técnica que busca revelar o pensamento de um grupo e seus componentes, sobre assuntos que estão imersos na coletividade. Finalmente, apresentamos a proposta de abordagem socioambiental das Representações, pela interpretação do caráter dinâmico da relação entre natureza, indivíduo e seu grupo de trabalho em suas atividades laborais a partir de uma investigação em andamento na Universidade Federal de Pelotas – UFPel.

Palavras-Chave: Representações Sociais; Discurso do Sujeito Coletivo; Pesquisa Qualitativa; Educação Ambiental.

Resumen

El artículo aborda la Teoría de las Representaciones Sociales (TRS) en un punto de vista social y ambiental. Por lo tanto, se presenta el concepto de representaciones en su evolución histórica desde Durkheim, Moscovici, entre otros, en sus interpretaciones y estudios. A continuación, se discute la aplicabilidad de TRS para el Discurso del Sujeto Colectivo (CSD), bajo la investigación cualitativa como una técnica que busca revelar el pensamiento de un grupo y de sus componentes en los temas que están inmersos en la comunidad. Por último, se presenta el enfoque propuesto para las representaciones ambientales, la interpretación de la naturaleza dinámica de la relación entre la naturaleza, el individuo y su grupo de trabajo en sus actividades laborales a partir de una investigación en curso en la Universidad Federal de Pelotas - UFPel.

Palabras Clave: Representaciones Sociales; Discurso del Sujeto Colectivo; Investigación cualitativa Educación Ambiental


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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao longo das últimas duas décadas, as questões referentes ao meio ambiente foram elevadas ao primeiro planos dos debates internacionais nos diferentes lugares sociais; entretanto, mesmo contando com certo desenvolvimento conceitual e teórico, muitas vezes, a noção de meio ambiente é apropriada de forma fragmentária. Vários textos e publicações abordam a temática do meio ambiente, considerando-o enquanto meio natural, dando enfoque nos elementos físicos e pouca relevância às questões culturais. O contrário também é verdadeiro. Em muitos textos a respeito do meio natural, as questões sociais, compreendidas como um espectro abrangente da cultura são tangenciadas. A conjuntura contemporânea demanda a compreensão alargada das questões ambientais, bem como a superação da dicotomia cultura-natureza.

Com base nestas premissas as discussões do campo ambiental são orientadas por esta perspectiva, tomando por base elementos da pesquisa qualitativa tem como característica a busca pelos processos sociais e sua historicidade, bem como uma característica política de consciência histórica e, ainda, a identificação entre o pesquisador e o contexto no qual a desenvolve, em uma relação entre a construção do conhecimento e as suas motivações, entendida como critério de compreensão e transformação da realidade na busca de sua objetivação (Minayo, 2010). Especificamente em relação à Metodologia do Discurso Coletivo (DSC), segundo Alvântara & Vesce (2008) indicam que a mesma possui seus fundamentos teóricos nas Representações Sociais, permitindo acesso direto e indireto a estas podendo assim, com significativa qualidade e eficiência revelar em detalhes as representações, as crenças, os valores e as opiniões a respeito de um tema específico. Da mesma forma, a metodologia respeita o comum e o diferente, ou seja, compreende posicionamentos emitidos de maneira diversa, mas que podem ser complementares.

A representação a respeito da noção meio ambiente, portanto, ganha centralidade. Em Meio ambiente e representações sociais, Marcos Reigota indica o meio ambiente como árdua a tarefa de sua definição, compreendendo-o como o lugar determinado ou percebido “(...) onde os elementos naturais e sociais estão em relações dinâmicas e em interação. Essas relações implicam processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e sociais de transformação do ambiente natural e construído” (Reigota, 1997, p.14). Neste sentido, convém destacar a noção de representação com base nas proposições de Roger Chartier, a fim de compreender quais os sentidos são inscritos nas práticas específicas na construção do mundo social que configuram e delimitam a compreensão socioambiental dos sujeitos.

No âmbito da administração pública brasileira um dos grandes desafios se refere à qualidade que, neste momento, tem como foco de sua atuação elevar o padrão dos serviços prestados, bem como, tornar o cidadão mais exigente em relação aos serviços públicos a que tem direito.  Nesse sentido, desde 1991, o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade – PBQP - vem desenvolvendo ações cujo propósito é transformar as organizações públicas voltando-as prioritariamente ao atendimento das necessidades do público alvo e não apenas preocupadas os seus processos burocráticos internos. Acompanhando as tendências globais de defesa do meio ambiente, em 2001 o Ministério do Meio Ambiente (MMA) lançou um Programa1 , voltado à sensibilização dos gestores públicos para as questões ambientais e onde a Educação Ambiental atua como ferramenta estratégica investindo, também, internamente na formação de recursos humanos visando a melhoria da qualidade do ambiente de trabalho.

Esta tendência vem se materializando na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), com a implementação do programa de capacitação e avaliação de desempenho pelo setor de desenvolvimento de pessoal, assim como em ações e metas direcionadas a (re) configuração do enfoque sustentável em todas as atividades da Instituição, através da Coordenadoria de Gestão Ambiental (CGA). Nesse sentido, a proposta de uma abordagem que relacione o servidor técnico administrativo da Instituição as possibilidades de maior eficácia do programa de gestão/educação ambiental a partir da participação efetiva da comunidade Universitária para encaminhamento e soluções das questões ambientais estabelecidas.

REPRESENTAÇÕES COLETIVAS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

As primeiras referências acerca da teoria das Representações Sociais remontam ao século XIX, com Émile Durkheim (2003), considerado um dos precursores da Sociologia e idealizador da Teoria das Representações Coletivas (TRC). Em seus pioneiros estudos sobre os fatos sociais ele identificou o fenômeno, a partir do contexto da sociedade francesa, em oposição à sociologia cientificista de Auguste Comte. A perspectiva de Durkheim, referia à importância das representações dentro de uma coletividade e como elas influem nas decisões que os seres humanos tomam individualmente. Pela definição de RC de acordo com Sales et al. (2007), os indivíduos edificam e manifestam um conhecimento comum que preside e orienta as suas existências como um corpo/contingente humano situado no tempo e espaço. Esse conhecimento é comum, porque reúne o que vem dos indivíduos dando sentido próprio a uma forma coletiva de linguagem e saber. Nesse sentido e expressando a prevalência do social sobre o individual a sociedade teria um poder coercitivo sobre as consciências dos sujeitos.

Serge Moscovici, em 1961, publicou um trabalho sobre a Representação Social da Psicanálise2 a partir de uma perspectiva que buscava compreender o processo de construção de teorias do senso comum. Ele começou a estudar a constituição e a função das representações sociais, não mais as adjetivando como coletivas - como as definiu Durkheim anteriormente. Inova Moscovici (1978), ao prescrever que as Representações Sociais constituem um campo de conhecimento específico que tem por função a construção de condutas comportamentais, estabelecidas pela comunicação entre sujeitos em um grupo social produtor de interações interpessoais. Tais formas de conhecimento são elaboradas e compartilhadas socialmente e favorecem a produção de uma realidade comum, viabilizando a compreensão e a comunicação dos indivíduos com o mundo. Sendo assim, o caráter social das representações se mostra na sua contribuição para os processos de formação de condutas e de orientação das comunicações sociais. Já em Reigota, encontramos que as Representações “equivalem a um conjunto de princípios construídos interativamente e compartilhados por diferentes grupos, que através delas compreendem e transformam a realidade” (2007, pp. 69-70). Ainda, ilustra Cabecinhas (2004), que a obra de Moscovici, apresenta uma problemática específica e uma mais geral em termos de Representação Social: como é que o conhecimento científico é consumido, transformado e utilizado pelo homem comum (leigo); e como o homem constrói a realidade a partir disso.

Na perspectiva da Teoria da Representação Social, os sujeitos vivem num grupo social ou comunidade compartilhando pensamentos baseados em uma reunião de representações, mas não deixam de interagir com conteúdos e opiniões distintas. Nesse sentido, sugere Cabecinhas (2004) que as representações coletivas cedem o lugar às representações sociais porque as primeiras, não têm em conta a sua diversidade de origem e a sua transformação, entendendo como Moscovici (1989), que a visão clássica das representações peca por considerá-las como pré-estabelecidas e estáticas. Dentre as várias correntes teóricas no interior das Ciências Sociais, há o entendimento de que as Representações Sociais, enquanto senso comum 3 são indispensáveis para compreender a dinâmica das interações sociais e ainda para buscar determinantes das práticas sociais. Elas se manifestam em condutas e práticas que chegam a ser institucionalizadas, portanto, podem e devem ser analisadas a partir da compreensão das estruturas e dos comportamentos sociais (Minayo, 1992).

Nessa mesma linha de pensamento, Jodelet (1989), principal representante de Moscovici no campo de estudo das RS acrescenta que, pelas relações que estabelece entre fenômenos individuais e coletivos, articulando elementos mentais, sociais e afetivos e vinculando a cognição, a comunicação e a linguagem com as relações sociais em que intervêm, as Representações Sociais demonstram vocação para ser um campo de interesse de todas as ciências humanas, para além das áreas da sociologia e da psicologia. Assim, na medida em que se amplia a apropriação do estudo das representações como base para se compreender os discursos firmados na construção do senso comum, da mesma forma que na transformação do discurso científico em conhecimento geral, avoluma-se a produção de literatura que torna a essa Teoria instrumento tanto para interpretar a ancoragem 4 dos mesmos quanto para compreender a objetivação com que eles se apresentam (Sá & Arruda, 2000). Em sua evolução, a TRS vem produzindo desdobramentos como via de tratamento dos pensamentos construídos socialmente. De acordo com Salles et al. (2007) trazer as RS como uma teoria e metodologia para o exame de fenômenos educacionais (Gilly, 2001), de gênero (Arruda, 2002), de comunicação (Guareshi, 2000), de profissionalização (Palmonari & Zani, 2001), da esfera pública (Jovchelovitch, 2000), tem ocupado os interesses de pesquisadores que buscam compreender as diferentes formas e expressões de interação na sociedade.

Em termos conceituais, com base em Marcel Mauss, Chartier ressalta que as representações são determinantes à compreensão dos elementos estruturantes do mundo social, pois delimitam as práticas sociais. Logo, pode-se considerá-las 

[...] como as matrizes de discursos e de práticas diferenciadas – <<mesmo as representações colectivas mais elevadas só têm uma existência, isto é, só o são verdadeiramente a partir do momento em que comandam actos>> – que têm por objectivo a constrição do mundo social, e como tal a definição contraditória das identidades – tanto a dos outros quanto a sua. (Chartier, 1990, p. 18)

Vale ressaltar ainda, conforme indica Chartier (1990), que as representações do mundo social são diretamente relacionadas aos discursos proferidos e à posição de quem deles se utiliza e, por isto, não podem ser considerados como neutros. As estratégias e as práticas sociais, escolares e políticas produzidas se constitui como processo de atribuição de valores e autoridade em detrimento de outros, chamados por isto a justificar ou legitimar um conjunto de práticas socialmente aceitas pelo grupo social, de forma a validar as escolhas e condutas por estes adotadas. Neste sentido, de acordo com o autor, “[...] embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos grupos de interesse que as forjam” (Chartier, 1990, p. 17).
Ainda, de acordo com esse autor, o porquê da importância atribuída a esta noção, justifica-se uma vez que

[...] as representações coletivas que incorporam nos indivíduos as divisões do mundo social e organizam os esquemas de percepção a partir dos quais eles classificam, julgam e agem; por outro, as formas de exibição e de estilização da identidade que pretendem ver reconhecida; enfim, a delegação a representantes (indivíduos particulares, instituições, instâncias abstratas) da coerência e da estabilidade da identidade assim afirmada. (Chartier, 2002, p. 11)

Assim, a relação entre as propriedades sociais objetivas e a sua interiorização pelos indivíduos, que comandam as suas ações, considera os conflitos e as negociações no processo de afirmação e reconhecimento das identidades sociais. A construção destas identidades, por sua vez, inscreve-se na delimitação do mundo social, definindo-a “[...] como o êxito do trabalho que os grupos efetuam sobre si mesmos e sobre os outros para transformar as propriedades objetivas que são comuns a seus membros em uma pertença percebida, mostrada, reconhecida (ou negada)” (Chartier, 2002, p. 11).

O conceito de Representações Sociais (RS), evidentemente sofreu as influências das grandes modificações socioculturais, científicas, econômicas e políticas ao longo do tempo. Assim que, sobretudo a partir dos anos 1960, surge uma nova abordagem, mais ampla, correspondente à dinâmica do “pós-guerra” a nível mundial, das crescentes renovações tecnológicas industriais, etc. Tal conceito associou os campos intelectuais da Sociologia e da Psicologia gerando uma nova abordagem da sociedade e resultou na Teoria das Representações Sociais (TRS).

O estudo das RS no Brasil, foi introduzido por brasileiros que haviam frequentado, a École de Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), em Paris, durante os anos 1970, sob orientação de Serge Moscovici e Denise Jodelet (ALMEIDA, 2009). Na EHESS os pesquisadores latino-americanos da época encontravam um espaço para refletir sobre os problemas emergentes da vida cotidiana que afligiam seus países e o estudo das RS se insinuava como uma resposta a estas questões.

A expansão da Teoria das Representações Sociais (TRS) nos meios acadêmicos, entretanto, também passou por um longo período de latência, (de forma semelhante ao que ocorreu na Europa, entre obra Moscovici, em 1961). Por múltiplas razões, segundo Almeida (2009, p. 714) “a inserção da TRS no Brasil se deu pela via de universidades situadas fora do eixo Rio-São Paulo”, localizadas no Nordeste e Centro-Oeste que na época eram centros considerados periféricos do ponto de vista da produção científica nacional.

No início da década de 80, quando chega ao Brasil, encontra-se a Psicologia Social, dividida entre duas vertentes que se opuseram à TRS: a primeira, afinada com pesquisadores americanos, estudo das RS como uma nova roupagem para o estudo das atitudes; a segunda, apoiada na teoria marxista, considerava-os como um desvio ideológico, marcado pelo viés idealista.

O desenvolvimento das pesquisas na área, entretanto, caminhou na direção da evolução do conceito, assim como de uma teoria amplamente investigada. Atualmente, o estudo das RS encontra-se em plena expansão no Brasil onde se incluem as áreas da Educação, Saúde e Serviço Social, História, Sociologia, Antropologia, Geografia, Comunicação e Meio Ambiente.

No que se refere à área de nosso estudo, podemos destacar, além de Reigota em 1991, com “Meio Ambiente e Representação Social” (2007); Arruda (1995) em “Ecologia e desenvolvimento: representações de especialista em formação”; e Tomanik (2002), com o Grupo de Estudos Sócio-Ambientais (GESA-UEM/PR), Estes pesquisadores desenvolveram estudos sobre as Representações Sociais do meio ambiente em segmentos da população para intervenção nos locais estudados.

Emerge, por assim dizer, a pesquisa das RS na área da Educação Ambiental, como forma de investigar as representações de diferentes grupos sociais, por exemplo, com relação à noção de ”meio ambiente”, quando, com o surgimento da crise ambiental, no debate da relação homem/natureza, várias acepções teriam aparecido. Para Vieira (1998), o termo “meio ambiente” não designa um “objeto” específico e assim, temos “natureza”, “espaços naturais”, “paisagens”, “assentamentos”, designando atividade e pensamento no campo ambiental. Essas diferentes definições indicam um conjunto de relações envolvendo um objeto de referência e seu contorno. Reigota (2007) afirma que nas representações sociais de meio ambiente, podemos encontrar os conceitos científicos da forma como foram aprendidos e internalizados pelas pessoas. Os estudos feitos pelo autor, com professores de diferentes áreas (ecólogos, geógrafos, psicólogos), indicaram Representações Sociais sobre o meio ambiente com caráter difuso e variado. Não havendo um consenso entre os grupos, ficou demonstrada a co-existência de uma multiplicidade de significados, que foram elaborados segundo o meio social em que as representações são apreendidas e interpretadas. A investigação de Reigota (2007), portanto, também demonstrou que o objeto “meio ambiente” muda de acordo com a representação que a comunidade faz deste conceito.

Sobre a importância da pesquisa com as RS no campo ambiental podemos citar, Trevisol & Socolovski, (2000) para quem a compreensão das várias representações de meio ambiente nos leva a um dos objetivos básicos da Educação Ambiental: o de criar situações para que indivíduos se sintam estimulados a rever seu modo de conceber e se relacionar ecologicamente com seu entorno. Para Trevisol (2004), há um consenso entre os educadores ambientais, técnicos e pesquisadores em meio ambiente de que qualquer programa de EA precisa conhecer as Representações Sociais do grupo social ou a comunidade com a qual vamos trabalhar. A identificação dessas Representações Sociais possibilita a intervenção, reforçando os aspectos positivos e transformando os negativos das representações (Trevisol, 2004). Por sua vez, Reigota, em seus estudos defende que: “A compreensão das diferentes representações, deve servir como base de negociação e solução dos problemas ambientais”, importando saber “qualitativamente melhor sobre as questões que um determinado grupo pretende estudar e onde pretende atuar” (2007: 20).

O SOCIOAMBIENTAL ADJETIVANDO E SUBSTANTIVANDO AS REPRESENTAÇÕES EM ESTUDO ESPECÍFICO

Seguindo os ensinamentos de Moscovici (1981), citado por Oliveira (2007), as representações sociais em nossa sociedade, podem ser equiparadas aos mitos e sistemas de crença das sociedades tradicionais assim como, a versão contemporânea do senso comum, ou seja, um conhecimento genuíno que tem o poder de levar a cabo as mudanças sociais. Da mesma forma, como nos ensinam Alvântara & Vesce (2008), com base em Jovchelivitch (1995) elas possuem grande potencial para criar e transformar a realidade social em que estão inseridas através de seu caráter dinâmico, geradas pelas mediações sociais como estratégias desenvolvidas por seus atores para enfrentar a diversidade e a mobilidade de um mundo que, embora pertença a todos, transforma cada um individualmente, algo bastante próximo às proposições de Chartier.

A degradação permanente do meio ambiente e de seus ecossistemas nos remete a necessária reflexão sobre o desafio que se constitui a transformação nas formas de pensar e agir em torno da questão ambiental na conjuntura contemporânea. Diante da complexidade da questão ambiental estas ações demandam crescentemente a articulação entre os diversos sistemas de conhecimento, a capacitação de profissionais e a comunidade universitária numa perspectiva interdisciplinar, posto envolver o universo educativo. Para tanto, a construção desse novo conhecimento deverá necessariamente contemplar as inter-relações do meio natural com o social, onde se inclui o papel dos diversos atores envolvidos e suas formas de organização social, numa perspectiva que priorize novo perfil de desenvolvimento, com ênfase na sustentabilidade socioambiental. Leff (2001) considera sobre a impossibilidade de resolver os crescentes e complexos problemas ambientais e reverter suas causas sem que ocorra uma mudança radical nos sistemas de conhecimento, dos valores e dos comportamentos gerados pela dinâmica de racionalidade existente, fundada no aspecto econômico do desenvolvimento.

Dentro desse contexto são pertinentes as considerações de Gonçalves (2006), quanto ao entendimento do natural, cultural e a constituição do movimento ecológico em nossa sociedade:

É fundamental que reflitamos e analisemos como foi e como é concebida a natureza em nossa sociedade, o que tem servido como um dos suportes para o modo como produzimos e vivemos o qual tantos problemas nos têm causado e contra o que constituímos o movimento ecológico. Toda a sociedade, toda a cultura cria, inventa, institui uma determinada idéia do que seja a natureza. Nesse sentido, o conceito de natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelos homens e constitui um dos pilares através do qual os homens erguem as suas relações sociais, sua produção material e espiritual, enfim, a sua cultura. (Gonçalves, 2006, p. 24)

Ao longo dos últimos anos, vê-se uma profusão de atividades em relação ao meio ambiente que requerem para si a definição de Educação Ambiental; ao mesmo tempo, emergem distintas denominações a estas práticas educativas que se referem ao meio ambiente, dentre elas a educação para a sustentabilidade, educação para o desenvolvimento sustentável, ecopedagogia, ecoalfabetização, educação no processo de gestão ambiental, dentre outras, se poderia dizer, grosso modo, que todas orbitam um conjunto de práticas pedagógicas relacionadas ao meio natural e/ou ao meio ambiente com o objetivo de refletir as relações entre os seres humanos entre si e com o meio natural. Contudo, perceber o quão substantivo é o adjetivo ambiental da expressão Educação Ambiental é emblemático para a definição da orientação teórico-metodológica destas práticas. Por isto, é fundamental a compreensão do meio ambiente como sócio-histórico, como produto de relações sociais determinadas por um modelo político-hegemônico não sustentável (Carvalho, 2002; 2006; Layrargues, 2004; 2006; 2009).

Pode-se perceber a complexidade da questão ecológica, a qual abarca inúmeras dimensões, dentre elas a social, a cultural, a ética e a estética, implicando a abordagem de questões extremamente profundas; o que por sua vez denota a construção de outros valores, demandando atenção a “[...] questões de ordem cultural, filosófica e política. Implica um outro conceito de natureza e, conseqüentemente, outras formas de relacionamento entre os seres vivos; com o mundo orgânico; enfim, dos homens entre si” (Porto-Gonçalves, 2006, p. 22). Assim, a preocupação com a sustentabilidade deve representar a possibilidade de garantir mudanças sociopolíticas que não comprometam os sistemas ecológicos e sociais que sustentam as comunidades.

Em nosso estudo, temos como objetivo o desvelamento das relações entre as pessoas, o grupo e o meio ambiente no qual se desenvolvem atividades laborais em uma Instituição de Ensino Superior. Tais relações geram questões ambientais que demandam o entendimento do pensamento do coletivo como referencia para a interpretação da realidade da Instituição, da mesma forma que possíveis sugestões de soluções para estas problemáticas socioambientais por eles vividas em seu meio ambiente de trabalho.

É nesse sentido que nos apropriamos e propomos a expressão "socioambiental", para qualificar metodologicamente as representações em nosso estudo acerca dos modos de pensar e agir do servidor técnico administrativo. Cada vez mais utilizada em diversos setores, a expressão “socioambiental” remete a um verdadeiro movimento político, que nas palavras de Leff (2001) discute o social e o ambiental em uma só palavra para manifestar o surgimento de uma nova relação entre natureza e cultura, onde a consciência ambiental se manifesta por uma angustia de separação e uma necessidade de reintegração entre o homem e a natureza.

Para o estabelecimento dessa nova relação que transcenda a crise “ambiental, é imprescindível, portanto, “a adoção de novas posturas diante da natureza e das relações humanas, de novos comportamentos e valores”, como afirma Brügger (2004, p. 91). Essa autora, ainda afirma, que uma Educação Ambiental crítica necessária para a formação dessa nova consciência, precisa abordar para além do contexto da história natural, as possíveis relações da natureza/ homem entre si.

A formação do mundo moderno e a tradição das ciências sociais, da filosofia e da economia tiveram como uma de suas marcantes características a oposição entre a natureza e a cultura. Dentro da visão contemporânea da ciência, já se entende que não é possível estabelecer separação absoluta entre as ciências da vida, da natureza e da cultura. Nesse sentido, o “socioambiental” vem indicar a tendência para reconciliação dessas noções que foram separadas artificialmente tecendo um caminho (re) conciliação, em busca da (re) construção de um meio ambiente mais sadio que perpetue a reprodução da vida e a permanência das espécies.

 DISCURSOS COMUNS REPRESENTADOS NUM CONTEXTO SOCIOAMBIENTAL

Na Universidade Federal de Pelotas, a Gestão Ambiental começou a ser discutida efetivamente, a partir de um estudo que culminou na tese de doutorado “Construção de Políticas Gestão dos Resíduos na Perspectiva da Educação Ambiental” (Corrêa, 2009), iniciada no ano de 2005. Atuando na área desde 2003, a pesquisadora adquiriu experiência profissional como técnica do Instituto de Saneamento Ambiental da Universidade de Caxias do Sul.  Assim no mestrado e no doutorado na Universidade Federal de Rio Grande (FURG), aprofundou seus estudos na linha de pesquisa da gestão; educação, resíduos sólidos de serviços de saúde e na Teoria da Complexidade de Edgard Morin, sempre voltada para as atividades da Instituição de onde era egressa.  Em suas palavras se percebe o sentimento de comprometimento e pertencimento inerentes aos princípios da Educação Ambiental, que entende como primordial a participação dos indivíduos que fazem parte do processo na caminhada da construção, implementação e de soluções para os problemas ambientais:

A escolha pela instituição, para a realização dos estudos tanto da pesquisa de mestrado quanto do doutorado, fez com que me aproximasse mais uma vez do ambiente da UFPEL, especialmente por essa instituição de ensino superior representar um espaço de grande significado, pelos vínculos criados com sua comunidade durante meu processo de formação, bem como, pelas dificuldades e limites percebidos em relação aos resíduos produzidos no âmbito universitário. (Corrêa, 2009, p.15)

Desde o início da pesquisa foi constituído um Grupo de Estudos para Tratamento de Resíduos5 formado por representantes dos docentes e técnicos da comunidade universitária e coordenada pelo Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento Institucional. A comissão tinha por objetivos a implementação de metas e ações com enfoque sustentável que fossem gradativamente avançando especialmente em propostas para o gerenciamento (minimização, reaproveitamento, reciclagem, segregação, identificação, acondicionamento, coleta, armazenamento, transporte, tratamento e destino final) dos resíduos de serviços de saúde em todas as unidades geradoras da Instituição.

Apesar do apoio institucional ao projeto, não foi fácil adentrar com novas idéias comportamentais em meio a atitudes e hábitos tradicionais e insustentáveis, que, entretanto, já estavam sacramentados dentro da academia. Nesse sentido, a trajetória da pesquisadora foi marcada pela atuação junto a esta comissão que lhe dava respaldo institucional e subsídios para conhecimento da demanda gerada pelas unidades da Universidade, bem como, pelo engajamento voluntário ao grupo de dois servidores técnico-administrativos, ambos com formação acadêmica na área de saneamento gestão ambiental.

Tal fato vai impulsionar a efetiva implantação da gestão ambiental na UFPel. A Comissão de Estudos ganhava naquele momento o suporte técnico que necessitava pela competência e conhecimento dos dois novos integrantes com dedicação exclusiva como requeria a demanda do passivo ambiental existente. Egressos do CEFET/RS( Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas), atual IFSUL 6, já se conheciam daquela Instituição.  O fato de terem formação na área os instigava a buscar um envolvimento mais direto com a gestão ambiental na Universidade. Nesse sentido, buscavam da UFPel, um setor em que pudessem aplicar efetivamente seus conhecimentos acadêmicos. 

Em contato com a pesquisadora, ficaram a par das atividades que estavam sendo desenvolvidos pela Comissão de Resíduos, falaram do seu interesse em participar das atividades, colocando a disposição seus conhecimentos para contribuir qualitativamente nesse processo. Solicitada e aprovada a inclusão dos dois servidores voluntários na Comissão de Estudos, juntamente com os encontros periódicos da mesma com a pesquisadora, começa efetivamente a ser traçado um plano de metas, objetivos e direcionamentos sobre o “o que fazer” e “por onde começar”.  Assim, surgiu o projeto para o gerenciamento da destinação do resíduo hospitalar nas unidades geradoras e para a desativação do lixão existente no Campus Capão do Leão e para onde era levado todo o lixo do Campus. Na sequência, seguiu-se a construção de uma central de resíduos, com objetivo de receber todo o lixo comum e após promover a separação do que era possível separar; e o isolamento da área que passou do status de “lixão” para o de área degradada em recuperação (como se encontra até o presente momento).

Concretizado esse projeto, cuja implantação durou quatro meses, surge então uma proposta mais abrangente da criação de um setor específico para tratar da gestão ambiental na UFPel. Em 2008, portanto, foi instituído o Núcleo de Saneamento Ambiental7 ligado a Pró-Reitoria de Infra-Estrutura, com intuito de intensificar o gerenciamento das ações ambientais na Instituição. Com a instalação do núcleo de saneamento as atividades se voltaram primeiramente para a minimização dos impactos ambientais gerados ao longo da existência da Instituição. A equipe que foi se formando, desde então, se buscou promover e apoiar propostas e ações com vistas a qualidade e a sustentabilidade do ambiente em todas as atividades internas e externas vinculadas a UFPel. A eficácia das atividades do Núcleo e o conseqüente aumento na demanda levaram ao entendimento de que a gestão precisa ser sistêmica e horizontal, abrangente e articulada a todas as Pró-Reitorias, unidades e setores da instituição. Este fato tornou imprescindível a transformação do Núcleo em Coordenadoria de Gestão Ambiental - CGA8 e sua realocação diretamente ao Gabinete do Reitor, atuando principalmente nos eixos da Educação Ambiental e do Gerenciamento de Resíduos.

Atualmente Pablo é o Coordenador da Gestão Ambiental (CGA) e Marisa permanece lotada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAURB), onde exerce o cargo de secretária do Colegiado de Curso da Unidade. Luciara é docente concursada na UFPel (2011), ligada ao Centro das Engenharias, onde ministra disciplinas como educadora ambiental.

É no contexto desse processo de implantação da Gestão Ambiental na Instituição, concomitante ao desenvolvimento do Programa de Capacitação dos Servidores Técnico-Administrativos que se propõe o estudo das Representações neste seguimento, posto concebê-los como força viabilizadora e, portanto, propulsora das atividades de ensino, pesquisa, extensão que são desenvolvidas na comunidade universitária.

A TEORIA APLICADA AO MÉTODO - AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E O DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO EM UMA INVESTIGAÇÃO DE CARÁTER QUALITATIVO

Durante o processo de investigação que envolve toda esta caminhada, desde a busca e emergência do objeto de pesquisa e respectivos sujeitos a serem analisados, inúmeros questionamentos se revezam na composição do cenário que, por fim, servirá de força motriz para os desdobramentos, por vezes imprevisíveis, da proposta almejada. No contexto da trajetória do pesquisador, e posta a problemática já apresentada, salientamos as dificuldades inerentes ao referido processo de estruturação institucional para a implantação da gestão ambiental na Universidade, bem como ao desenvolvimento de uma consciência ecológica nos diferentes segmentos da comunidade universitária, assim como ocorre na sociedade em geral.

Buscando por esse entendimento, melhor direcionar o estudo, necessário se faz delimitá-lo por alguns questionamentos que foram surgindo enquanto observadora participante e colaboradora no curso de capacitação para servidores cuja temática foi a Educação Ambiental. Por reunir servidores de diversas unidades e setores da Universidade, escolhemos o mesmo como contexto base para investigar as representações que direcionam as práticas profissionais dos técnico-administrativos. Desenvolvemos, por assim dizer, a busca pelo desvelamento de representações que chamaremos de “socioambientais” e que entendemos como determinantes da forma como se produzem as relações entre os agentes, suas práticas e o meio ambiente que os envolve.

A escolha pelo desvelamento das noções acerca do socioambiental, de pertencimento e de sustentabilidade dos servidores em suas atividades laborais, a partir de um grupo que, por iniciativa própria decidiu por um curso de capacitação na área ambiental entre os dez (10) outros oferecidos ao servidor, vislumbra o contato com potenciais multiplicadores junto à comunidade universitária dentro do processo de gestão/Educação Ambiental que ora se desenrola na Instituição.

A compreensão das representações sobre as questões ambientais, o relacionamento dos sujeitos entre seus pares e entre o meio ambiente que os cerca, deve ser a base de negociação e solução dos problemas socioambientais ali recorrentes (Reigota, 2004), da mesma forma que a eficácia dessas ações, depende da receptividade das propostas a partir das quais determinado grupo se dispõe atuar.

Considerando que o contexto social é permeado pela subjetividade e pelo simbolismo, a abordagem qualitativa em pesquisas que propõem um caráter interpretativo, deve ser realizada por uma análise cuidadosa daqueles fatores, com vistas a uma melhor compreensão dos motivos e intenções que geram as ações dos sujeitos. Em linhas gerais, na abordagem qualitativa se procura compreender um determinado fenômeno em profundidade através descrições, análises e interpretações de caráter subjetivo não trabalhando com estatísticas e regras rígidas. Dessa forma, é mais participativa e menos controlável, posto que as interações entre os elementos participantes, o pesquisador e os pesquisados, podem orientar os caminhos da pesquisa.

A prática na Pesquisa Qualitativa envolve o pesquisador profundamente com a vida cotidiana dos sujeitos de pesquisa, compreendendo um problema a partir da visão, vivências, aflições, desejos, anseios e sentimentos destes sujeitos. Símbolos lingüísticos, com destaque para as metáforas, conceitos e descrições são utilizados. Por isso, é importante manter-se uma postura receptiva e flexível frente a possíveis e inesperadas descobertas que podem surgir durante investigações mais profundas sobre temas específicos. Deve-se considerar o contexto social no qual a pesquisa ocorre, delimitando-se o problema e havendo liberdade para mudar a hipótese da pesquisa e a linha de interpretação a qualquer momento, conforme os indicadores que a realidade pesquisada revelar.

Encontramos na pesquisa qualitativa, de acordo com Minayo (2007), uma possibilidade de respostas a questões muito particulares que se referem a realidades que não podem ser quantificadas. Ela não busca a generalização dos resultados, mas tem como preocupação a compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma política ou de uma representação, direcionando para um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Embora não se pretenda aprofundar as questões relacionadas com a investigação quantitativa, é importante ressaltar na possibilidade de abordagem desse aspecto que as mesmas não se excluem ou se contrapõe, mas que podem ser complementares. Portanto, também se pode utilizar um aspecto quantitativo na metodologia do DCS, uma vez que cada depoimento origina-se de um determinado sujeito. Para exploração desta faceta de acordo com Lefevre (2006), foram desenvolvidas técnicas específicas e até mesmo ferramentas computacionais de tabulação, que quantificam os dados e segmentam resultados, mesmo em amostras grandes.

Conforme concebido por seus autores, o DSC consiste em uma modalidade de análise de discursos obtidos em depoimentos verbais ou obtidos em qualquer manifestação discursiva que se possa encontrar em textos e documentos escritos.  As pesquisas utilizam entrevistas individuais com questões abertas, resgatando o pensamento, enquanto comportamento discursivo e fato social internalizado individualmente, podendo ser divulgado, preservando a sua característica qualitativa (Lefevre, 2005).

Os operadores na produção do Discurso do Sujeito Coletivo são as: Expressões Chave; Idéias Centrais; Ancoragens e o Discurso do Sujeito Coletivo em si.  As Expressões Chave são os trechos do discurso que devem ser destacados pelo pesquisador em cada depoimento e que revelam a essência do conteúdo do discurso.  As Idéias Centrais descrevem de maneira mais sintética e precisa os sentidos presentes nas Expressões Chave, assim como no conjunto de discursos de diferentes sujeitos que possuem semelhança de sentido. As expressões Chave possuem uma função discriminadora e classificatória que permitem identificar e distinguir os vários sentidos ou posicionamentos contidos nos depoimentos. Por fim, as Ancoragens são expressões sintéticas que descrevem as ideologias, os valores e as crenças presentes nos depoimentos individuais ou agrupados, configurados como afirmações genéricas enquadradas em circunstâncias particulares. As Ancoragens, entretanto, são consideradas apenas quando existem marcas explícitas das afirmações genéricas nos depoimentos.

 Os depoimentos no DSC são sintetizados e analisados, redigidos na primeira pessoa do singular, expressando o pensamento coletivo por meio do discurso dos sujeitos. Nos vários depoimentos colhidos, percebem-se elementos comuns que delineiam o discurso coletivo e que são as Representações Sociais de um determinado grupo. Tais discursos contêm o conjunto das Expressões Chave dos depoimentos, que possuem Idéias Centrais e/ou Ancoragens com características semelhantes. Dessa forma, a técnica considera o sociocultural de um determinado grupo, para desvelar/interpretar uma determinada opinião ou posicionamento sobre um tema.

Quando se deseja ter como resultado final as Representações Sociais ou opiniões de grupos sociais, tendo como coleta de informações, questões abertas, é necessário fazer a soma desses depoimentos obtendo desta soma o pensamento generalizado. A chamada “categorização de respostas”, que tem o papel de analisar as respostas dadas e atribuir um sentido a elas, reunindo as respostas de mesmo sentido. A soma dos depoimentos, que são incluídos na categoria semelhante em relação ao conteúdo. Os Discursos de Sujeitos Coletivos não anulam os conteúdos dos depoimentos, já que o objetivo não é somente desenvolver uma soma matemática, mas fazer aflorar um posicionamento, um sentido onde a opinião individual de cada depoimento esteja garantida e preservada. Estes distintos conteúdos e argumentos podem ser mantidos em conjunto num discurso porque este remete a praticamente uma única idéia ou opinião. Indo de encontro com a Teoria da Representação Social, os sujeitos vivem num grupo social ou comunidade compartilhando pensamentos baseados em uma reunião de Representações Sociais, mas não deixam de interagir com conteúdos e opiniões distintas. Dessa forma, o Discurso do Sujeito Coletivo respeita o comum e o diferente, ou seja, compreende posicionamentos emitidos de maneira diferente, e que podem ser complementares (Alvântara & Vesce, 2008).

SOBRE A ANÁLISE DOS DADOS

A presente investigação das representações foi desenvolvida a partir de um grupo de servidores inscritos em um curso de capacitação em Educação Ambiental - realizado de agosto a novembro de 2010 - na perspectiva de que os sujeitos já teriam minimamente uma noção ou uma disposição para a abordagem sobre questões ambientais em seu ambiente. Participaram representantes de diversas unidades da IES de um programa que contou com diversas atividades como aulas expositivas, palestras, saídas de campo, trabalhos em grupo, questionários e finalmente a proposição de projetos de Educação Ambiental, direcionados as unidades de origem dos alunos/servidores9 .

Consideramos que os instrumentos de investigação qualitativa devem priorizar uma contribuição para a construção do conhecimento coletivo a partir da perspectiva que se pretende analisar. Dentro dessa linha de pensamento, foram selecionados os seguintes instrumentos de coleta de dados:
1) Cinco questões extraídas de uma das avaliações realizadas pelo programa do curso de capacitação e que denominamos de Instrumentos de Análise de Discurso (IADs), transcritos como segue:
IAD 1 - Como você conceituaria meio ambiente?
IAD 2 - Você acha que é possível colocar em prática o que acha que vai aprender no curso? Como?
IAD 3 - Acha que pode atuar como multiplicador e cobrar de seus colegas outra postura com relação ao meio ambiente? De que forma?
IAD 4 - O que de prático existe em seu setor que pode ser relacionado à questão ambiental?
IAD 5 - Diante dos paradigmas da crise ambiental atual, como a postura do servidor público poderá fazer a diferença?
IAD 6 “Eu e a UFPel”, questão de autoria da pesquisadora (APÊNDICE 1).

A escolha dos IADs, 1, 2, 3, 4 e 5, se deu após análise de questionários que fizeram parte do programa do curso e por conveniência, dentro da perspectiva de obter as representações de pertencimento e sustentabilidade dos agentes TA da IFES e que qualificam as relações servidor/instituição em seu meio ambiente de trabalho.

A IAD 6, atividade denominada “Eu e a UFPel”, elaborada dentro da mesma perspectiva, antes da escolha dos IADs acima referidos. Assim que houve a apresentação como pesquisadora, esta atividade foi apresentada aos sujeitos como uma participação de forma livre, que seria respondida e devolvida posteriormente.

Fizeram parte dos instrumentos de análise de dados, também, a observação e as percepções da pesquisadora durante as aulas assistidas e as saídas de campo com o grupo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A compreensão das Representações Sociais, no sentido da dinâmica das interações entre os indivíduos e as determinantes de suas práticas sociais, viabiliza o processo da Educação Ambiental no que tange a criar situações para que os mesmos se sintam estimulados a rever seu modo de conceber e se relacionar ecologicamente com seu entorno.

Se considerarmos de acordo com Moscovici (2003), que sempre existe certa autonomia, quanto de condicionamento em cada ambiente, seja natural ou social, podemos afirmar que as RS, ao convencionalizarem fatos e dados apreensíveis através dos sentidos, possibilitam que um grupo humano estabeleça as identidades para o que lhe rodeia.  Pela convenção social ela se impõe sobre o grupo de forma irresistível, de caráter prescritivo, o que contribui para a construção do processo de socialização dos indivíduos em bases que lhe permitam agir e interagir socialmente, pela produção de um conhecimento estruturado.

Em nosso estudo também consideramos, que as noções de meio ambiente, pertencimento e sustentabilidade do servidor constituem-se como representações essenciais para a compreensão das relações socioambientais que se desenvolvem entre os mesmos em suas práticas profissionais, e que são responsáveis pelas questões ambientais que se estabelecem naquele meio ambiente. Nesse contexto, tais modos de pensar/fazer, podem ser reformuladas no sentido de “internalizar as externalidades” (LEFF, 2010), necessárias a mudança de pensamento/comportamento no que tange a (re) significação dos valores culturais/profissionais desses sujeitos.

De acordo com Sá (2005), a visão particularista e fragmentada do ser humano em suas relações com o meio ambiente, tem sido apontada como o principal obstáculo para a superação da capacidade política de reverter os riscos ambientais e a exclusão social, traduzida numa das causas efetivas da degradação socioambiental global.  Nas palavras da autora,

 Uma das noções mais relevantes para a compreensão da crise socioambiental que vivemos hoje é a noção de pessoa humana. A ideologia individualista da cultura industrial capitalista moderna construiu uma representação da pessoa humana como um ser mecânico, desenraizado e desligado de seu contexto, que desconhece as relações que o tornam humano e ignora tudo que não esteja direta e imediatamente ligado ao seu próprio interesse e bem estar. (idem, 2005: 247)

Nesse sentido, a intenção de qualificar as relações seres humanos/natureza visa desde o entendimento do humano como ser biológico até os posicionamentos humanistas mais sofisticados sobre a possibilidade de construção de uma nova natureza.

Da mesma forma, segundo Dias, 2004:226, “a chave para o desenvolvimento é a participação, a organização, a educação e o fortalecimento das pessoas”. O desenvolvimento sustentado não deve ser centrado na produção, e sim nas pessoas. Nem deve ser apropriado somente aos recursos e ao meio ambiente, mas também à cultura, história e sistemas sociais do local onde ele ocorre, assim permitindo a apropriação e o sentido do pertencimento dos seus integrantes a esse meio. A alta produtividade, a tecnologia moderna e o desenvolvimento econômico podem e devem coexistir com um meio ambiente saudável, posto serem compatíveis, interdependentes e necessários.

Portanto, a noção de pertencimento e sustentabilidade que aparecem nos discursos e práticas de Educação Ambiental, vislumbram um sistema socioeconômico equitativo onde haja uma distribuição justa dos benefícios e custos do mesmos.

 Por fim, ainda é importante neste momento destacar, que a utilização do DSC, vem auxiliando na busca das representações coletivas ou sociais construídas por indivíduos participantes de grupos sociais ou profissionais, especialmente para entender o pensamento dos indivíduos que compõem esses grupos e, ao mesmo tempo, explicitá-lo, o seu envolvimento pessoal com o dia-a-dia ou com os fenômenos produzidos num local da qual pertencem.

Dessa forma podemos afirmar, que o estudo das representações dos servidores a IFES, investigada até o presente momento, pretende contribuir com seus resultados, para a construção de sujeitos críticos e comprometidos com a sustentabilidade do ambiente, avançando também para o desenvolvimento de estratégias dentro do processo de gestão/Educação Ambiental ora estabelecido.

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Recibido el 21 de Junio de 2012.

1 Agenda Ambiental na Administração Pública - A3P - (AGENDA A3P , 2007:20)

2La Psychanalise: Son image et son publique.1961.France.Publicado no Brasil em 1978, com o título A representação social da psicanálise. Ed Zahar.

3 Idéias, imagens, concepções, percepções e visões de mundo que os atores sociais possuem sobre a realidade.

4 Na TRS, ancoragem tem relação com os conhecimentos que dão sustentação científica, filosófica, etc. a um dado discurso e objetivação é a própria expressão de um conteúdo ou conhecimento em dado discurso que representa o pensamento de determinado grupo social (SÁ; ARRUDA, 2000).

5 Portarias 1.306/2005; 502/2007; 289/2008

6 O Instituto Federal Sul- rio-grandense, Campus Pelotas. http://www.pelotas.ifsul.edu.br/portal/index.php/o-campus-pelotas.html

7 Portaria 1.252/2008

8 Portaria 1.632/2009

9 Diferentes unidades administrativas e acadêmicas da UFPel estavam representadas no curso, o que tornou possível a proposição de três (3) projetos de Educação Ambiental como atividade final.

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Carlos Barrios
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Juan Carlos M. Coll (CV)
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