Danniel Ferreira Coelho*
Unimontes, Brasil
dannielcoelho65@yahoo.com.brRESUMO
O presente artigo buscará tratar, a partir de uma breve revisão bibliográfica, acerca de uma das principais características do debate em torno da politica, que é a questão da representação, suas origens e algumas polêmicas. A problemática em torno do aspecto representativo da politica é tão antigo quanto a própria existência da esfera coletiva de poder. Diversos pontos fomentaram polemicas e discussões que possibilitaram a evolução de tal perspectiva. Desde os tempos longínquos da antiguidade clássica, com a formação das primeiras, e primitivas, esferas estatais o conceito de representação está presente.
Palavras-chave: Representação, política, debate, iluminismo, modernidade, marxismo
RESUMEN
El presente artículo intentará tratar, a partir de una breve revisión bibliográfica, sobre una de las principales características del debate sobre la política, que es la cuestión de la representación, sus orígenes y algunas polémicas. La problemática del aspecto representativo de la política es tan antigua como la existencia misma de la esfera colectiva del poder. Varios puntos fomentaron controversias y discusiones que permitieron la evolución de dicha perspectiva. Desde los tiempos remotos de la antigüedad clásica, con la formación de las primeras esferas de estado primitivas, está presente el concepto de representación.
Palabras clave: representación, política, debate, ilustración, modernidad, marxismo.
ABSTRACT
The present article will try to treat, from a brief bibliographical revision, on one of the main characteristics of the debate about the politics, that is the question of the representation, its origins and some polemics. The problematic of the representative aspect of politics is as old as the very existence of the collective sphere of power. Several points fomented controversies and discussions that allowed the evolution of such perspective. From the distant times of classical antiquity, with the formation of the first, and primitive, state spheres the concept of representation is present.
Keywords: Representation, politics, debate, enlightenment, modernity, Marxism
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Danniel Ferreira Coelho (2019): “Contribuições para o debate sobre representação politica”, Revista Contribuciones a la Economía (julio-septiembre 2019). En línea:
//eumed.net/2/rev/ce/2019/3/debate-representacao-politica.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/ce193debate-representacao-politica
O presente artigo buscará tratar, a partir de uma breve revisão bibliográfica, acerca de uma das principais características do debate em torno da politica, que é a questão da representação, suas origens e algumas polêmicas.
A problemática em torno do aspecto representativo da politica é tão antigo quanto a própria existência da esfera coletiva de poder. Desde os tempos longínquos da antiguidade clássica, com a formação das primeiras, e primitivas, esferas estatais o conceito de representação está presente.
Em diversos momentos tal ideia esteve intimamente ligada a uma perspectiva de que o governante era a representação física de uma suposta divindade que definia os rumos da humanidade. Essa perspectiva vigorou em sociedades absolutamente distintas em tempos também distantes, separados inclusive por milênios de distancia. Povos tão variados quanto os germânicos da antiguidade clássica, e os demais europeus da idade média, tinham na divindade do soberano o centro da legitimação do poder politico.(SAMPAIO, 1988)
Apesar das iniciativas atenienses, que também na antiguidade, buscava a construção de um espaço de gestão da coletividade, a partir dessa própria coletividade, é somente a partir da idade moderna, que o poder politico busca algum tipo de respaldo popular, tanto na teoria quanto na pratica, sem obviamente dar nenhum tipo de alternativa a estes que agora legitimariam essa instancia.
O leviatã hobbesiano é um bom exemplo de tal visão, que propunha a existência de um determinado contrato, que todos os homens seriam signatários, que constituiria a base do regime politico. Apesar de nessa visão o caráter divino do poder real não ser questionado, há um avanço no sentido de se perceber a existência de uma participação da sociedade em tal esquema.
A seguir faz-se imperativo abordar outras teorias contratualistas, isto é que partem também do pressuposto da existência de tal contrato entre todos os homens de onde nasce a representação, mas que o faz sobre uma nova visão.
Desta vertente fazem parte inclusive representantes da corrente iluminista francesa, que a partir do século XVIII dará uma nova feição a representação politica, que em diante não mais será somente legitimada pela sociedade, mas também em alguma medida, será escolhida por ela.
E da influencia iluminista surgirá as novas teorias de representação, para corrobora-la, ou para nega-la de certa forma, como o faz o marxismo, que dará a representação uma feição necessariamente classista, apontando que mesmo que uma ampla parcela da sociedade possa opinar na forma de se definir os representantes, esses somente representarão uma classe, a classe dominante.
A origem do conceito de representação enquanto escolha popular.
A história nos demonstra que a escolha por parte das sociedades de alguma forma de soberano que, supostamente, representaria o conjunto da coletividade é uma pratica que remonta a milênios.
Sampaio(1988) nos demonstra, que os povos germânicos primitivos, já possuíam uma forma arcaica de pleito eleitoral, onde a tribo se reunia e, pela forma oral, escolhia o chefe dentre aqueles mais adequados a guerra, que era a principal necessidade coletiva da liderança.
A democracia ateniense por sua vez inaugura uma nova concepção de entendimento de representação, com o estabelecimento de assembleias populares, onde os cidadãos debatiam e deliberavam sobre os mais variados temas, dentre eles o exercício da representação. As principais magistraturas eram definidas nos distritos através do voto popular, dos cidadãos em assembleia.(SAMPAIO, 1988)
A representação a partir da vontade popular fora mais uma das varias tradições da Grécia antiga que chegou sob nova roupagem a Roma.
Durante o período republicano, que se notabilizou pela hegemonia do Senado enquanto principal instância da gestão publica, nasce a figura do candidato em busca de apoios para o exercício do provimento coletivo. A própria palavra candidato vem da tradição romana do uso de uma vestimenta branca, designada “toga candia”, que era utilizada por aqueles que ambicionavam o cargo.(SAMPAIO, 1988)
Esse modelo eletivo dura por toda a Republica e decai a partir da ascensão do poder imperial(e depois monárquico) onde a autoridade de representante da coletividade provinha de Deus.
Essa visão do caráter divino do poder será sobremedida fortalecida pela ascenção da Igreja Católica enquanto instituição mais poderosa do mundo, especialmente na era medieval.
A representação no Estado “Leviatânico” de Hobbes.
A partir portanto da decadência do modelo ateniense de representação, há uma lacuna que dura por toda a idade média em torno dos debate acerca de onde provinha a legitimidade da representação.
A partir da emergência do consenso do conceito de que a autoridade real provinha de Deus, pouco se debateu sobre tal situação, fato absolutamente explicável pelas condições impostas pelo período medieval, que dava pouca ou nenhuma margem para discussões.
Em tal conjuntura o que se busca são formas de se reafirmar o status quo. Projeto feito pelo inglês Thomas Hobbes(1588-1679) em sua obra clássica “O Leviatã”(2003), que buscou teorizar acerca da gênese do Estado Absolutista medieval e legitima-lo teoricamente.
Hobbes afirma que a representação fora instituída através de um “contrato social” para garantir a segurança coletiva:
"A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale a dizer: designar um homem ou uma assembléia de homens como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns; todos submetendo assim suas vontades à vontade do representante, e suas decisões à sua decisão. Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas.” (HOBBES, 2003, pg.109)
A teoria liberal e a representação dividida em três.
A perspectiva moderna de uma representação divindade por diferentes instancias, advêm desde o nascimento da segunda esfera. O conceito atual de Parlamento enquanto órgão de representação da sociedade designado a constituição de leis e fiscalização dos atos do poder executivo remonta a práticas quase milenares, oriundas do antigo regime feudal europeu. As primeiras experiências datam do início do sec. XI, na Inglaterra quando Guilherme da Normandia invade as ilhas da Grã Bretanha, e lá havia o “Witan” um conselho real “composto dos principais líderes de clãs, comerciantes, religiosos e burgueses da ilha. Esse conselho era frequentemente reunido pelo rei, para deliberar sobre os mais importantes assuntos”. (CAMPOS, 2006,p.1).
Nesse momento, o Conselho possuía um caráter exclusivamente consultivo, e assim o foi por diversos séculos até que, por força de diversos conflitos entre parlamento e soberanos que se sucederam na Inglaterra, e se impôs até mesmo àquela ilha, durante um breve período um governo republicano liderado por Oliver Cronwel,l alçado ao poder com o apoio do parlamento após uma guerra civil, e que, por sua vez, como um de seus atos mais marcantes, dissolveu o parlamento.(CAMPOS, 2006)
Após a morte de Cronwel, e a restauração da monarquia na Inglaterra, Carlos II assume o trono, comprometido com a convocação periódica do parlamento. Todavia, no reinado de seu sucessor, Jaime II, a Coroa novamente entra em conflito com este órgão, até que, em 1688, o Parlamento Inglês resolve destituir Jaime e levar ao trono inglês o holandês Guilherme de Orange, casado com a filha de Jaime, Maria. Todavia somente o faz após este se comprometer em ceder aos parlamentares, através da assinatura da Declaração de Direitos (Bill of Rights), a prerrogativa de decidir acerca das questões de Estado, instaurando pela primeira vez uma Monarquia-Parlamentarista. Esse período é conhecido na história como a Revolução Gloriosa. A sociedade inglesa a partir de então se encontrada representada na esfera estatal, por duas instituições distintas, a casa monárquica que preservava o caráter oligárquico da representação imutável instituída por Deus, e o parlamento, instancia que se propunha um reflexo dos plurais interesses presentes na coletividade, cujos membros seriam escolhidos periodicamente por todos, dando então a tal sistema traços medievais e modernos(CAMPOS, 2006).
É somente após a Revolução Gloriosa que o Parlamento se institucionaliza, enquanto poder independente da esfera estatal e responsável pela construção de legislação e fiscalização do executivo. E também é somente após esse momento que o parlamento passa a ser mais constantemente objeto de estudos acerca da sociedade. (CAMPOS, 2006)
O inglês John Locke (1632-1704), que durante a revolução havia vivido um forçado exílio na Holanda, devido à sua oposição às tentativas de retorno ao absolutismo, ocorridas durante os reinados de Carlos II e Jaime II, se tornara um dos principais líderes e ideólogos comprometidos com o regime monárquico-parlamentarista, e busca conceituar aquilo que se denominará de teoria liberal, que se denominará também “contratualista”, assim como em Hobbes, pois partirá do pressuposto da vigência de um contrato social coletivo que é a base da sociedade, contudo este será construído em novas bases. Se em Hobbes o ponto central de tal contrato, representação máxima da vontade coletiva, era a segurança, em Locke já seria a liberdade.
Após seu retorno à Inglaterra, publicou o seu livro “Dois Tratados sobre o Governo Civil” (1690), onde discorre acerca das questões das sociedades. Ele afirma que o homem havia se afastado de seu estado natural, onde não há governos nem leis, onde todos eram livres, iguais, independentes e governados pela razão. No estado da natureza um homem teria dois poderes: o primeiro era o de fazer tudo o que lhe parecesse oportuno para a preservação de si mesmo e dos outros, dentro do que lhe permite a lei da natureza; por virtude dessa lei, que é comum a todos eles, ele e o resto da humanidade são uma comunidade constituem uma sociedade separada das demais criaturas. E se não fosse pela corrupção e maldade de homens degenerados, não haveria necessidade de nenhuma outra sociedade, e não haveria necessidade de que os homens se separassem desta grande e natural comunidade, para reunir-se, mediante acordos declarados, em associações pequenas e afastadas umas das outras. O outro poder que tinha o homem no estado de natureza é o poder de castigar os crimes cometidos contra essa lei. (LOCKE, 1973)
O autor prossegue afirmando que a ambos esses poderes o homem renuncia quando se une em sociedade, através do que ele classifica como pacto social, origem da representação, que seria a cessão de uma parte da liberdade de todos os homens, a fim de manter sua segurança, preservar a vida, a liberdade e a propriedade. (LOCKE, 1973)
Portanto, através do pacto social se constituía o Estado, representação reificada, e, consequentemente, o Governo, pois era para este que a sociedade delegava sua liberdade, e a este caberia a missão de preservar a liberdade e a propriedade. E ao Estado eram dados os dois poderes renunciados pelos homens. (LOCKE, 1973)
A renúncia do primeiro poder do homem, isto é, o de fazer tudo que lhe convier para a preservação de si mesmo e dos outros, seria para reger-se sob leis criadas pela sociedade através de um poder legislativo, no caso o parlamento plural, que representaria todo o conjunto da sociedade. (LOCKE, 1973)
A renúncia do segundo poder do homem no estado de natureza, que é o de castigar aqueles que infringissem a primeira lei, seria entregue a um poder que executará em nome de todos, isto é, a um poder executivo, único que seria a representação máxima da sociedade . (LOCKE, 1973)
Nesses pontos se consistiram o caráter dual do exercício do governo, que, de acordo com Locke, não poderiam ser absolutos em um ente. Daí se consolida efetivamente a ideia de repartição da representação, no caso Executivo, e Legislativo. Foi somente anos mais tarde, com o francês Barão de Montesquieu, que os dois poderes representativos da sociedade (Legislativo e Executivo) de Locke foram acrescidos a um terceiro; o Judiciário.
Influenciado por Locke, Montesquieu publica “O Espírito das Leis” (1748), onde o centro de sua tese era a necessidade de distribuição dos poderes, a fim de se evitar o arbítrio e a violência. Novamente o contexto histórico é um importante pano de fundo a fim de se compreender Montesquieu, pois sua obra foi lançada quando a França ainda vivia sob a égide do Antigo Regime, isto é, ainda havia naquele país um monarca que regia absolutamente, exercendo o poder da representação ainda sob pressupostos estritamente medievais.(WEFFORT, 2006)
Montesquieu desenvolve a idéia outrora exposta por Platão e Aristóteles, a de que o Estado possui três atribuições essenciais – a executiva, a legislativa e a judiciária – e que todas essas estavam sob o poder do rei. Era necessário dividir esses poderes, pois, segundo o autor, “só o poder freia o poder”.(MONTESQUIEU, 1963)
A partir dessa constatação, ele desenvolve o chamado “Sistema de Freios e Contrapesos”, ressaltando a necessidade da tripartição dos poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, que seriam independentes entre si e exercidos por pessoas e grupos diferentes, a fim de atuarem mutuamente como freios, impedindo que o outro abusasse de seu poder. (MONTESQUIEU, 1963)
A Independência dos Estados Unidos (1776) inaugura a execução prática dessa nova concepção de representação a partir da teoria de tripartição de poder, em sua Constituição produzida sob a égide da necessidade dos “freios e contrapesos”, a fim de garantir a autolimitação do próprio poder político.(ALVES, 2004)
Concepção federalista de representação nacional.
Durante as discussões em torno da Constituição dos Estados Unidos da América, três dos mais eminentes ideólogos de tal documento, Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, se juntam e publicam, entre outubro de 1787 e maio de 1788, os famosos "The Federalist Papers”, conjunto de 85 artigos, traduzido para o português como “O Federalista”.
Nesses escritos Hamilton, Jay e Madison expõem de maneira mais explicita alguns mecanismos que constituíram os tais “freios e contrapesos”. Nesse sistema há a constituição de um sistema de dupla representação, onde há a divisão entre a unidade governamental central, e as demais unidades constituintes, com o centro em uma perspectiva clara de buscar a descentralização da representação e do poder a ela vinculado.(MADISON et al. 1987)
Tais artigos são articulados de forma a organizar um fluxo de raciocino destes federalistas, sendo que do 1º ao 37º, o foco é o caráter problemático das confederações, modelo entendido enquanto superado; do 38º ao 51º artigo se debate acerca da constituição e de seus princípios gerais; do 52º ao 83º há a discussão sobre a representação dividida em suas três esferas, o legislativo, este dividido em câmara alta e câmara baixa, o executivo representado a nível federal pela presidência da republica, e o judiciário. (MADISON et al. 1987)
Há entre esses, Montesquieu e os federalistas, diversos pontos de convergência como a centralidade dada à repartição dos poderes, contudo há também pontos de divergências.
Os federalistas, como se vê nas descrições acerca dos temas que compõem esses artigos, são fortemente influenciados pela obra de Montesquieu, contudo levam tais ideais ao próximo nível, quando intensificam as discussões em torno da necessidade da divisão da representação, e colocam em pratica com a constituição estadunidense, saindo então da característica utópica do trabalho do teórico francês.
Uma das principais rupturas é sobre a definição do que seria a republica, pois para o francês estava intimamente ligada a uma idéia de cidade-estado, já para os norte-americanos seria outra coisa:
Uma república, que defino como um governo em que está presente o esquema de representação, abre uma perspectiva diferente e promete o remédio que estamos buscando. (…) Os dois grandes pontos de diferença entre uma democracia e uma república são: primeiro, a delegação do governo, nesta última, a um pequeno número de cidadãos eleitos pelos demais; segundo, o maior número de cidadãos e a maior extensão do país que a última pode abranger.(MADISON et al. p.380 1987)
Essa transição se dá também acerca de a quem caberia a representação executiva, pois enquanto Montesquieu era influencia pelo modelo britânico monárquico-parlamentar, os federalistas são republicanos convictos, e acreditavam que a representação se dava em ultima instancia no âmbito da republica.
Alexandre Hamilton, John Jay e James Madison, nos Artigos Federalistas, apresentam o governo representativo como um dispositivo adotado no lugar da democracia direta, porque seria impossível reunir um grande número de pessoas em um único lugar(PITKIN, p. 35, 2006)
A representação na perspectiva marxista.
O ponto central dessas obras parte do pressuposto da construção da representação, personificada no Estado, como neutra e coletiva, isto é, de toda a sociedade. Tal abordagem partia da visão que o Estado era a representação inequívoca de toda a sociedade, e portanto agiria na busca do bem comum.
Tal ideia será fruto de uma teorização feita pelo filosofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel(1770-1831), que dividirá o conjunto da sociedade em dois âmbitos, o da sociedade civil e o do Estado Politico.(BRANDÃO, 2002)
Para Hegel a primeira esfera, a da sociedade civil, seria a representação dos interesses privados antagônicos entre si, e a esfera do Estado, seria a representante do interesse publico. A sociedade civil seria a fragmentação e o Estado seria a unidade (BRANDAO, 2002).
Outro alemão, Karl Marx(1818-1883), porém constrói toda a sua discussão de forma a descontruir a argumentação hegeliana de Estado.
Marx, que em suas origens se identificara enquanto um “Hegeliano de esquerda”, rompe com tal perspectiva, e demonstra esse rompimento, especialmente a partir de seu panfletário “Manifesto Comunista” de 1848. Nesse “Manifesto” Marx expressa claramente sua divergência com qualquer ideia de ser o Estado representante da coletividade e do bem comum ao afirmar que “O executivo do Estado moderno nada mais é do que um comitê para administrar os assuntos comuns de toda burguesia”(MARX e ENGELS, 1999, p.12)
A afirmativa acima, que é possivelmente o ponto fundamental do marxismo acerca desse debate envolvendo o Estado, demonstra a rejeição categórica dessa corrente filosófica a qualquer entendimento de que o Estado seria um representante de todo o conjunto da sociedade, e agiria pelo bem comum. Pelo contrário, Marx demonstra que o ente estatal representa apenas uma parte(diga-se de passagem a menor parte) da sociedade, a saber, este somente representaria os interesses daquela parcela denominada por esse autor de classe dominante, no caso do Estado Nacional contemporâneo seria a burguesia.(MARX e ENGELS 1999)
O pensamento marxista ainda vai além ao afirmar que o Estado é o instrumento utilizado pela burguesia, a fim de dominar o restante da sociedade.
"A força de coesão da sociedade civilizada é o Estado, que, em todos os períodos típicos, é exclusivamente o Estado da classe dominante e, de qualquer modo, essencialmente uma máquina destinada a reprimir a classe oprimida e explorada".(ENGELS, 1982, p.199)
Ideia que é constantemente repetida em todo arcabouço marxista, reforçando a perspectiva de que o Estado não é de forma alguma representante de toda a coletividade, mas sim da menor parte dela. O Estado seria inclusive um ser sem existência própria, seria apenas um epifenômeno da questão que seria realmente definitiva na ciência social marxista, isto é, a questão econômica(BOBBIO, 1980)
O Estado seria visto pelo marxismo apenas como “instrumental”, ou seja instrumento de dominação de classe, “repressivo” e “reflexivo”(BOBBIO, 1980, p.154).
O Estado seria portanto o representante da classe dominante, contudo as classes dominadas também teriam sua representação. Marx afirma que nas sociedades modernas em que a burguesia exerce a dominação, esta não ocorre sem resistência, o que gera aquilo que em sua opinião seria o motor da história, a luta de classes. Tal luta seria portanto entre a burguesia e seu antagônico, o proletariado, e quem exerceria a função da representação em ultima instancia dessa outra classe social, seria o “Partido Comunista”, instituição de vanguarda responsável pela organização dos trabalhadores, na luta pela suplantação efetiva do Estado burguês e sua substituição por um da classe trabalhadora.(MARX e ENGELS, 1999)
E essa representação ainda se faria em escala internacional, a partir da proposição final do manifesto, que proclama, “Proletariado do mundo todo, Uni-vos!”(MARX e ENGELS, 1999, p.45)
Essa perspectiva estará presente, em a maior ou menor medida, em todos os marxistas de Marx em diante. Em que pese o próprio Marx ter sofisticado sua analise, especialmente no famoso “18 Brumário de Luis Bonaparte” e alguns outros possuírem um visão ampliada de Estado, caso do italiano Antônio Gramsci, o viés classista deste ente está sempre presente, vinculando então a perspectiva da representação. (BOBBIO, 1980)
Outras concepções contemporâneas de representação.
Obviamente outros muitos autores construíram suas próprias percepções acerca de um tema tão amplo como a representação. Contudo em grande parte esses novos teóricos se embasaram principalmente nos escritos dos autores acima citados, e a partir deles, buscaram suas próprias formulações.
O principal desses autores possivelmente seja o também alemão Max Weber(1864-1820). Weber parte da tradição liberal de concepção de Estado e representação. O conceito de representação em Weber, assim como em Marx, está intimamente ligado a perspectiva da dominação.
A dominação é fundamental em Weber tanto para se compreender o Estado, quanto a sociedade como um todo. O Estado é oriundo de um exercício de dominação, em que este possui o monopólio legítimo do uso da força. Portanto, o Estado, e consequentemente a política, também se encontra sobre a lógica da dominação, todavia diferentemente de Marx, que o via sobre a ótica de que esta era exercida por uma classe sobre outra. Weber, entretanto, não vê dessa forma, pois a dominação para este autor é do homem sobre o homem, forjando assim a situação em que este é a única fonte de uso da violência. (WEBER, 1991)
Nessa relação de dominação, que sustenta a representação, tem de haver dois elementos que, segundo Weber, constituem o Estado, que são a autoridade e a legitimidade. A partir desses dois elementos o autor cria o seu mecanismo analítico chamado de “tipos ideais puros de dominação legítima” que por sua vez geram outros “tipos” de autoridade. Faz-se imperativo ressaltar que esses “tipos puros” criados por Weber são abstrações que somente se apresentam no interior de sua teoria, pois na realidade concreta o que ocorre são combinações de cada um desses. (WEBER, 1991, pg. 33)
O primeiro tipo de dominação proposto por Weber é a chamada tradicional. Para o autor a dominação tradicional é aquela em que a obediência dos indivíduos ao agente público ocorre oriundo do seu enraizamento cultural. Em sociedades com tal situação as pessoas não são cidadãos e sim súditos, e não obedecem a um estatuto instituído, mas sim a uma pessoa cuja autoridade foi instituída pela tradição, sendo portanto todos os seus atos legítimos por natureza, pois é sua prerrogativa exclusiva determinar essa legitimidade.(WEBER, 1991)
O segundo tipo de dominação é o carismático. Este tipo de dominação se assenta no fato de aqueles que se subordinam acreditarem na superioridade daquele que os lidera, que pode ser fruto de algo sobrenatural ou de características inigualáveis, tais como coragem ou inteligência. Assim como na dominação tradicional na carismática também não há a constituição de um ordenamento jurídico racional e estável, pois a ordem está inserida exclusivamente nas afirmativas propostas pelo tal chefe carismático. (WEBER, 1991)
E por fim o tipo de dominação legal, também chamado de racional ou burocrático. Neste tipo ocorre a priori a definição de um conjunto de normas legais que rege a gestão da coletividade, e em que repousa a autoridade estatal sobre todo o conjunto de pessoas inseridas nesse contexto. Neste caso a legitimidade se assenta na premissa de que o ordenamento jurídico vigente fora criado apenas sobre a lógica da racionalidade. O cidadão neste caso não é dominado pelo soberano, seja ele um monarca ou um presidente, e sim pela lei. O exercício desta autoridade racional se vincula a um corpo administrativo hierarquizado do Estado composto por profissionais que Weber designa enquanto burocracia. (WEBER, 1991).
Weber afirma ser este último tipo o mais adequado para a gestão do Estado moderno, além também de ser o melhor modo de se gerir empreendimentos empresariais privados. Diferentemente de Marx, para Weber a dominação não necessariamente é algo negativo, pois o tipo racional-burocrático pode atuar enquanto mecanismo de integração social (1991).
O Estado moderno seria portanto fundado na perspectiva da democracia representativa, e a partir da qual tal dominação se embasaria na legitimação conferida pela população que outorgaria a um parlamento a prerrogativa da representação, que por sua vez deveria instituir um poder executivo, pois para este autor o modelo parlamentarista seria o ideal.
Outro autor, muito utilizado atualmente nas ciências sociais neste debate de representação, e também muito inspirado em Weber é o francês Pierre Bourdieu(1930-2002).
Bourdieu, utilizando-se em boa medida da metodologia weberiana tipológica, constrói uma forte, e realista, argumentação acerca da representação politica. Este autor parte do pressuposto da divisão da sociedade, entre aqueles que são politicamente ativos e aqueles politicamente passivos, e acima deles paira o que Bourdieu denomina “campo politico”, que é o espaço de lutas, onde programas e projetos, denominados por “produtos políticos”, são apresentados aos cidadãos comuns, agentes passivos, “reduzidos a condição de consumidores” que devem fazer suas escolhas, instaurando assim o estatuto da representação politica. (BOURDIEU, 2010, p.164)
E essa representação seria por sua vez exercida por “profissionais” dotados de “tempo livre” e “capital cultural”, que atuam em “organizações-permanentes” que se orientam exclusivamente para a conquista da representação, entendida nesse contexto, como “poder”. (BOURDIEU, 2010, p.164-167) Em tal visão o poder politico é fruto de “atos subjetivos(...)que só existem na representação e pela representação”. (BOURDIEU, 2010, p.188)
A partir da atuação desta organização, a sociedade se divide em mandantes e mandatários, isto é aqueles que instituem a representação e aqueles que exercem a representação, e que se relaciona em uma dinâmica simbólica que em muito se assemelha a um teatro. Quando Bourdieu faz tal afirmativa, ele demonstra que, em sua perspectiva, a politica, enquanto campo que institui a representação, não é de forma alguma um epifenômeno das relações econômicas, que constitui sim um campo autônomo da vida societária. (BOURDIEU, 2010)
E é tal existência autônoma que permite que nesse campo os interesses que se sobreponham seja o daqueles que exercem a representação e não o contrário, rompendo com determinadas visões que buscavam atribuir características de neutralidade ao Estado, enquanto personificação da representação. (BOURDIEU, 2010).
E Bourdieu vai além ao afirmar que os representantes “servem aos interesses de seus clientes na medida em que(e só nessa medida) se servem ao servi-los” (BOURDIEU, 2010, p.177)
Considerações finais
A exposição de todas essas perspectivas acima citadas demonstra efetivamente as transformações que o conceito de representação passou ao longo do tempo. Diversos pontos fomentaram polemicas e discussões que possibilitaram a evolução de tal perspectiva.
Por exemplo, o ponto fundamental que inclusive originou em certa maneira toda a discussão sobre a representação, que era a necessidade do entendimento de que o Estado seria o isento e neutro representante de todos os interesses da sociedade, e que suas ações seriam exclusivamente visando o bem comum.
Atualmente tal concepção em grande medida caiu por terra, e hoje os principais teóricos entendem a existência de diversas ações enviesadas feitas pelos representantes públicos, fruto de ações grupos de pressões ligados a interesses particulares, que se sobrepõem sobre a vontade e as necessidades da maior parte da sociedade.
Contudo ampliar e aprofundar essa discussão, envolvendo novos setores da sociedade, deve ser o principal caminho, a fim de se engajar novos interesses no âmbito da representação, para que assim os representantes representem efetivamente mais representados.
REFERENCIAS
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