Revista: CE Contribuciones a la Economía
ISSN: 1696-8360


TRABALHO E INTERCULTURALIDADE: UMA INTERFACE NA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL

Autores e infomación del artículo

Gislene Feiten Haubrich*

Universidade Feevale, Brasil

gisleneh@gmail.com

Resumo
O objetivo do artigo é investigar como os discursos sobre o trabalho manifestam a interculturalidade enquanto fenômeno inerente às organizações. Trata-se de uma pesquisa teórico-empírica, descritiva e qualitativa. Vale-se de pesquisa documental para a coleta de dados a partir de depoimentos de trabalhadores no portal da empresa Delloitte, que são postos em interface com as categorias teóricas comunicação organizacional, atividade laboral e interculturalidade. Depreende-se que a tensão de sentidos oriundos dos diversos discursos estrutura e manifesta o trabalho enquanto instância intercultural por excelência nas organizações.

Palavras-chave: Comunicação Organizacional. Trabalho. Interculturalidade. Produção de sentidos. Deloitte.

Resumen
El objetivo del artículo es investigar cómo los discursos sobre el trabajo manifiestan la interculturalidad como fenómeno inherente a las organizaciones. Se trata de una investigación teórico-empírica, descriptiva y cualitativa basada en los procedimientos de la investigación documental para la recolección de datos a partir de testimonios de trabajadores en el portal de la empresa Delloitte, que se ponen en interfaz con las categorías teóricas comunicación organizacional, actividad laboral e interculturalidad. Se desprende que la tensión de sentidos oriundos de los diversos discursos estructura y manifiesta el trabajo como instancia intercultural por excelencia en las organizaciones.

Palabras-clave: Comunicación organizacional. Trabajo. Interculturalidad. Producción de sentidos Deloitte.

Abstract
The aim of this article is investigate how the discourses about the work manifest the interculturality as a phenomenon inherent on organizations. This is a theoretical and empirical research, with descriptive goals and qualitative approach. The data were collected from testimonials of workers at the portal of Delloitte enterprise, what defines the documentary research. These data are on interface with the theoretical categories: organizational communication, work activity and interculturality. It appeared that the tension of meanings coming from the various speeches structure and expresses work as intercultural instance for excellence in the organizations.

Key words: Organizational Communication. Work. Intercultural. Meaning production. Deloitte.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Gislene Feiten Haubrich (2018): “Trabalho e interculturalidade: uma interface na comunicação organizacional”, Revista Contribuciones a la Economía (julio-septiembre 2018). En línea:
//eumed.net/2/rev/ce/2018/3/trabalho-interculturalidade.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/ce183trabalho-interculturalidade


1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Refletir sobre a noção de interculturalidade, por si, é um ato desafiador, visto as múltiplas concepções que ela agrega. Considerar o lócus organizacional como sua manifestação, representa um significativo recorte e potencializa o cerceamento do conceito às práticas de internacionalização e às relações entre organizações multi ou transnacionais. Porém, ao conjecturar a comunicação nas organizações a esse raciocínio, pode-se admitir o trabalho enquanto manifestação inerente a esse processo, especialmente sob uma perspectiva contemporânea, mundializada, na qual implicações (e complicações) estão no potencial de convergência da diversidade, o que se refere a uma condicional no cotidiano organizacional e social.
A expansão da internet e a viabilidade de cruzar oceanos a partir de um clique atribuem à mundialização parâmetros que vão além da ampliação das possibilidades econômicas dos sujeitos no deslocamento para outros espaços como turistas, estudantes ou trabalhadores, por exemplo. Trata-se ainda de uma experiência diferente daquela oportunizada pelos novos negócios instalados localmente, como restaurantes temáticos ou mesmo empresas, cujas características são fortemente marcadas por tradições originárias. Fala-se da possibilidade de interação com tradições, línguas, cores, sabores, sensações, e etc., sem sair do espaço territorial do qual se inicia tal conexão. Nenhuma dessas possibilidades de interação é novidade. Porém, delas ainda emergem muitas incógnitas, principalmente no que permeia as múltiplas manifestações da mundialização.
Percebe-se, desse modo, que interculturalidade é um termo sem muitas redomas. Tal asserção é justificada com um levantamento junto ao banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Ensino Superior (CAPES). Com base na palavra-chave “interculturalidade” nos campos “título”, “resumo” e “palavras-chave” seis trabalhos foram localizados de 2010 até o dia da consulta: (01) uma tese e (04) cinco dissertações, sendo (01) um na Administração, (01) um nas Artes e (03) três na Educação. As temáticas pautam a investigação das interações intranacionais às negociações internacionais, as relações com indígenas, memória e ancestralidade, teatro e colonialismo. Diversidade é a palavra que impera.
A fim de identificar como a comunicação se relaciona com a noção, optou-se pela consulta aos trabalhos em eventos disponíveis no portal Portcom. Com base nas mesmas categorias, foram localizados (07) sete trabalhos, sendo (05) cinco em afinidade com as categorias cidadania e interfaces comunicacionais e (02) dois orientados à relação com a comunicação organizacional. A diversidade é também manifesta. O enfoque da interculturalidade nos estudos organizacionais transita entre o processo de internacionalização e a gestão da cultura em um contexto mundializado. A produção acadêmica, como se pode depreender, é restrita e compreende múltiplas perspectivas, tendo como ponto de convergência o encontro de diferentes culturas.
Perante essas considerações, apresenta-se a questão norteadora deste artigo: a interculturalidade é um fenômeno inerente às organizações, manifesto nos discursos sobre o trabalho, entendido como atividade? Essa perspectiva se ancora na asserção de que as “organizações são culturas” (MEYERSON; MARTIN, 1987; CARRIERI; SILVA, 2014), logo, que se referem a um processo coletivamente estruturado e em permanente atualização. As interações entre os sujeitos, que estão imersos em um trânsito de saberes inebriado pela mundialização, têm na comunicação organizacional seu fundamento.
Como objetivo principal, almeja-se investigar como os discursos sobre o trabalho manifestam a interculturalidade enquanto fenômeno inerente às organizações. Busca-se, ainda, analisar depoimentos de funcionários da empresa Deloitte 1 e identificar elementos que fundamentem a interculturalidade vinculada à atividade laboral. Para tanto, o artigo apresenta uma noção que admita o trabalho como fonte para o reconhecimento interculturalidade nesse ambiente. Tal aspecto é relevante, visto a pluralidade de olhares possíveis acerca da temática.
Quanto aos aspectos metodológicos, trata-se de pesquisa descritiva, visto o interesse em apresentar reflexões acerca da interculturalidade e sua relação com o trabalho, com base em discursos sobre a atividade laboral. Os procedimentos técnicos abordados admitem a pesquisa bibliográfica, que propicia a conceituação dos termos-chave para a análise proposta. Adota-se, ainda, a pesquisa documental como fonte dos dados para interface com as proposições teóricas. A abordagem de análise é qualitativa e orientada pelas categorias comunicação organizacional e trabalho, postas em diálogo por meio dos discursos que revelam a interculturalidade como fenômeno inerente às organizações.

2 INTERCULTURALIDADE: UMA NOÇÃO EM BUSCA DE SIGNIFICADOS

A noção de cultura é ponto de partida para o entendimento da multiplicidade de significados que tangencia o termo interculturalidade. Porém, a polissemia associada a concepção de cultura sugere a seleção de concepções norteadoras. Elegem-se os horizontes propostos por Cuche (1999) e Geertz (2008): a cultura é uma teia, cuja construção é processual e vinculada às manifestações dos sujeitos que negociam sentidos e produzem normalizações que orientam sua convivência. A diferença emerge como premissa para esse entendimento. Ambos os autores salientam que a cultura não é algo cristalizado, mas um movimento que depende das apreensões de sentido dos sujeitos que se caracterizam pela subjetividade e singularidade das experiências. Ao considerar as diversas formas de experiência passíveis aos indivíduos na contemporaneidade, fica evidente o permanente diálogo entre local e global, assim como as nuances que se transformam nessas interações.
A perspectiva processual, interacional e simbólica da cultura converge com o olhar de Canclini (2005, p. 17) sobre a interculturalidade, que é percebida como um modo de produção social. A “interculturalidade implica que os diferentes são o que são, em relações de negociação, conflito e empréstimos recíprocos”. A negociação de significados admite a convergência e a divergência de sentidos, que são mediadas pela comunicação entre os sujeitos em interação. Canclini (2005, p. 24) define comunicação intercultural “como relações interpessoais entre membros de uma mesma sociedade ou de culturas diferentes, e, depois, abrangendo também as comunicações entre sociedades distintas, facilitadas pelos meios de comunicação de massas”.
Do ponto de vista de Canclini (2005), a comunicação é um pilar fundamental para a compreensão do processo intercultural, pois admite a heterogeneidade como característica intrínseca de qualquer cultura, visto a permeabilidade viabilizada pelas interações entre os sujeitos e suas diferentes experiências em um contexto globalizado. Ao encontro dessa perspectiva, Ortiz (1998) defende que na modernidade-mundo2 ocorre a conversão de diversas influências à forma de vida, estabelecendo uma padronização cultural, em que as características locais e globais dividem espaço. A conversão entre as concepções de tradição e difusão esclarecem a noção de padronização cultural, ou seja, o diálogo entre os costumes originários com os laços estabelecidos sem restrições espaciais (ORTIZ, 1998).

3 ORGANIZAÇÕES E COMUNICAÇÃO: FONTE DOS SENTIDOS NO COTIDIANO

A interculturalidade compreendida à luz da proposta de Canclini (2005) é admitida como inerente à sociedade contemporânea. Nesse sentido, abre-se a justificativa para a escolha do objeto de estudo, que nesse caso, parte das organizações, instância fundamental de socialização de saberes (BERGER; LUCKMANN, 2012), logo, de produção de sentidos. Das experiências dos sujeitos emergem as possibilidades de trânsito entre saberes e sentidos, encontro caracterizado pela processualidade que atualiza as orientações comportamentais conjecturadas na teia, a cultura. Defende-se o conceito que posiciona as organizações como “construções discursivas porque o discurso é a real fundação sobre a qual a vida organizacional é construída” (FAIRHUST; PUTNAM, 2010, p. 105). Doravante as interações entre os sujeitos é que se desenvolvem os direcioidntos de suas condutas.
A negociação de significados e a produção de sentidos como critérios ao entendimento organizacional enfatizam a noção de comunicação que, conforme Baldissera (2009, p. 153), refere-se a “um processo de construção e disputa de sentidos”. Construção, pois se constitui diante da (re)articulação dos signos em decorrência das experiências dos sujeitos. Disputa, já que a construção dos sentidos que serão compartilhados depende da constante tensão decorrente do diálogo estabelecido entre os sujeitos. Oliveira e Paula (2008, p. 101) comentam: “[...] o sentido existe na interação estabelecida e as organizações são concebidas como agentes discursivos e comunicativos, nos processos interativos que se dão dentro e fora de seu ambiente”.
A perspectiva assumida neste estudo prevê a indissociabilidade de três elementos do contexto organizacional: cultura, comunicação e trabalho. Acredita-se que da conjunção entre eles advenha um olhar mais adequado às dinâmicas contemporâneas. Entende-se que o contexto organizacional não pode mais ser concebido de maneira fragmentada, mas hologramática, compreendendo que a realidade é transformada constantemente pelos sujeitos em interação, para além da determinação de um sobre todos. Tal olhar converge ao desafio sugerido por Taylor e Casali (2010, p.78) para (re)pensar a comunicação organizacional: “observar como a organização emerge através da comunicação.” Dentre os múltiplos caminhos que podem conduzir uma reflexão como essa, opta-se pelo olhar ressignificado do trabalho, entendido como uma manifestação das interações entre os sujeitos nas organizações.

4 O TRABALHO: ATIVIDADE HUMANA E INTERCULTURAL

O trabalho é concebido como atividade humana e compreende uma dupla dimensão: pessoal e socioeconômica. A primeira refere-se às estratégias utilizadas pelo trabalhador para realizar suas tarefas. A segunda, enquadrada pela situação de trabalho, decompõe a atividade humana em atividade de trabalho (DURRIVE, 2011). Trata-se de um ponto de vista antropológico, embasado no real do cotidiano organizacional, que admite a transgressão inseparável das prescrições perante o agir humano, um agir predominantemente discursivo, comunicativo e relacional. Quando posta a tarefa ao trabalhador, sabe-se que ele não é mero executor, como uma máquina, mas alguém que mobiliza múltiplos elementos, desde seu corpo à sua inteligência, para realizar, da maneira mais conveniente, o realizar o solicitado. Como as situações não se repetem, o trabalho se mostra como fonte constante de reflexão, em diversos níveis, para que a demanda promulgada seja concluída (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007).
Esse aspecto predominantemente transgressor e renormalizador que aproxima a noção de trabalho à de interculturalidade. Transgressão e normalização são possíveis na e pela comunicação, fundadas nas interações linguageiras entre os trabalhadores em sua atividade laboral. “Cada palavra é um risco, a transgressão da verdade anterior” (COELHO, 1968, p. LXIX). O trabalho, entendido como atividade, é percebido como um processo de apropriação comunicacional e articulação de sentidos que culminam com as manifestações linguageiras ou discursivas que interconectam os sujeitos e as situações. A interculturalidade é a negociação entre os diferentes que não assimilam ou têm assimiladas suas normas, mas as transformam e as renormalizam mediante as exigências do fazer laboral no cotidiano.
O movimento proveniente do diálogo entre interculturalidade e organizações por meio do trabalho apenas pode ocorrer devido à comunicação que conjectura e manifesta a cultura. Marchiori (2009, p. 14), com base nas perspectivas metateóricas da comunicação e da cultura, salienta que “podemos reconhecer o contexto e as práticas sociais que possibilitam a criação e o desenvolvimento de uma realidade com sentido para as pessoas”. Essa autora corrobora com o entendimento que as organizações são resultado das relações de comunicação, que evidenciam os processos interacionais e a construção de saberes no ambiente organizacional.
O comportamento transgressor do trabalhador, na renormalização da atividade, é denominado por Schwartz (2000) e Schwartz e Durrive (2007) como “dramáticas dos usos de si”. Esses autores defendem que o sujeito, em sua atividade laboral, faz uso “de suas próprias capacidades, de seus próprios recursos e de suas próprias escolhas” (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p. 192). Fazer uso de si representa trazer à vida, as experiências, sejam de ambiente laboral ou outros cotidianos, para as escolhas do trabalho, que permitem ao sujeito (re)criar-se e (re)criar a realidade. Os usos de si remetem às duas faces da moeda do trabalho: a) as normas, o uso de si pelo outro, a prescrição, a ação planejada de comunicação; b) as renormalizações, o uso de si por si, a interação do sujeito com seus saberes, suas experiências e com o outro. Trata-se do trânsito de saberes que orientam os olhares e sentidos construídos a cada situação sociolaboral.
À luz das noções, indissociáveis, de cultura, comunicação e trabalho é possível vislumbrar a inerência da interculturalidade às organizações. As propostas de Meyerson e Martin (1987) e de Carrieri e Silva (2014) congregam com essa perspectiva ao defender que as organizações são culturas, ou seja, a conjunção permanentemente modificada das manifestações discursivas elaboradas pelos sujeitos. Nesse sentido, defende-se que os discursos sobre o trabalho podem manifestar a interculturalidade perante os saberes que transitam nas organizações. Da percepção e interpretação dos sujeitos acerca da atividade que realizam emerge uma descrição, a qual provém elementos à realização de investigações que associem cultura, comunicação e trabalho. De porte desse propósito, dá-se sequência à reflexão com a apresentação das categorias-chave para análise, bem como a apresentação do corpus.

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este estudo se constitui como pesquisa teórico-empírica e se vale de métodos qualitativos para compor a interface entre as categorias emergentes das considerações teóricas apresentadas e que compreendem o objetivo central do estudo. A fim de melhor vislumbrar os conceitos referenciados e de ancorar a reflexão proposta, optar-se pela pesquisa documental, a partir de discursos sobre o trabalho. A escolha por essa modalidade de análise se deve a ênfase simbólica ora defendida à compreensão da interculturalidade.
Elenca-se como corpus a divulgação de depoimentos dos trabalhadores, disponível na página da consultoria Deloitte. Trata-se de uma organização de origem britânica com firmas no Brasil desde 1911. Conforme informações disponibilizadas em seu site na internet, a Deloitte atua com a entrega de serviços de Auditoria, Consultoria, Assessoria Financeira, Gestão de Riscos, Consultoria Tributária. Tem escritório nas seguintes localidades brasileiras: São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Campinas, Curitiba, Fortaleza, Joinville, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Recife, Salvador e Ribeirão Preto.
Dos 82 depoimentos disponíveis no site da empresa, selecionam-se 26. Como critérios utilizados para filtro à análise adotam-se: a) não mencionar vínculo com a consultoria perante projetos internacionais ou outros, os quais descrevem a experiência com a situação específica; b) indicar aspectos do cotidiano organizacional no formato discurso sobre o trabalho. Os comentários selecionados são, então, agrupados conforme duas categorias de análise: 1) trabalho, cujo enfoque está na relação que revela os saberes que orientam os usos de si; 2) comunicação organizacional, a partir dos sentidos construídos acerca do ambiente laboral e da relação com os colegas. A conjunção entre os aspectos emergentes das duas categorias permite a vinculação da interculturalidade à atividade laboral.

6 TRABALHO, INTERCULTURALIDADE E COMUNICAÇÃO: ALGUMAS REFLEXÕES

A primeira parte do artigo se ocupou do atendimento aos objetivos teóricos de desenvolvimento da noção de interculturalidade e sua relação com o trabalho. Da reflexão conceitual apresentada emergem as categorias que orientam a análise. A categoria trabalho, construída, principalmente, com aporte dos esclarecimentos de Schwartz e Durrive (2007), tem como concepções centrais as normas e as transgressões manifestas pelos usos de si. Já o olhar para a comunicação organizacional se divide em duas faces, uma prescritiva e outra interacional e simbólica.
Nesta segunda parte, opta-se pelo olhar às práticas expressas em discursos sobre o trabalho, o que se faz com base nos depoimentos de funcionários da Deloitte. O Quadro 1 sintetiza os principais sentidos manifestos pelos sujeitos. A opção por isolar as categorias definidas para análise deve-se à limitação de espaço para apresentação dos resultados. Assim, acredita-se que os dados analisados são apresentados de forma clara e facilitam tanto o processo de entrecruzamento das noções quanto o entendimento do leitor.

A categoria trabalho evidencia o incentivo renormalizador dado pela organização, o que é reconhecido como motivacional pelos trabalhadores, que reconhecem este como ponto fundamental para seu desenvolvimento pessoal. Percebe-se, então, que os trabalhadores consideram o volume de prescrições adequado para que seu aprendizado se dê satisfatoriamente e garanta os resultados esperados pela organização, clientes e para si mesmos. Esse contexto converge com o que Schwartz e Durrive (2007, p. 140) afirmam sobre a relação entre definição das prescrições e a atividade (re)criadora dos sujeitos: “[...] é preciso manipular conceitos. Se não, a pessoa permanece em seu horizonte que, sem dúvida, é permanentemente microcriador, mas não atua para transformar um certo número de dimensões desse horizonte”.
A face prescritiva da comunicação organizacional assume destaque, pois orienta as expectativas de desenvolvimento e crescimento profissional no que se refere aos benefícios e também a condução dos processos, o que garante a segurança necessária para que se assumam os riscos imbricados aos desafios que se apresentam em seu cotidiano. Nesse aspecto, cabe lembrar a afirmação de Marchiori (2009, p.16) sobre a necessidade “de se reconhecer que o fluxo de informação existe e é fundamental para a vida organizacional, mas que é pela natureza simbólica da comunicação que se percebe como a organização se estrutura”. É o caráter simbólico emergente das prescrições que permitem perceber que é pelo diálogo que as práticas organizacionais da Deloitte se estabelecem.
Os usos de si evidenciam a construção e disputa de sentidos (BALDISSERA, 2009) emergentes do diálogo entre prescrições e transgressões intrínsecas em sua interpretação. Tal interação é percebida como positiva e desafiadora ao trabalho, tanto pela organização que se vale da capacidade intelectual dos trabalhadores para atender às expectativas de rendimento e de entrega dos clientes, quanto dos sujeitos que reconhecem seu desenvolvimento pessoal e profissional. Exemplifica-se esse diálogo a partir da noção de tempo que é posta e apreendida pelos trabalhadores: “um curto espaço de tempo” para atender às demandas e ascender profissionalmente “de maneira rápida”. O uso de si por si revela uma premissa para a realização da atividade: a iniciativa. A organização espera, e abre espaço para tal, que os sujeitos ponham em diálogo suas experiências e as prescrições acerca de comportamento e resultados almejados. O uso de si pelo outro é então expresso perante as exigências: eficiência, qualidade, flexibilidade e aprendizado constante.
A produção de sentidos decorrente da comunicação organizacional é basilar ao trabalho, o que é indicado por meio de asserções simbólicas acerca do fazer laboral e da própria organização, o que converge com a asserção de Baldissera (2010, p. 199) “sob a perspectiva de as organizações existirem pela e em comunicação, considera-se que são resultados dinâmicos das complexas interações entre sujeitos e entre eles e o entorno”. “Grandes” é uma das características atribuídas às oportunidades de crescimento financeiro e pessoal. “Vestir a camisa” e “uma empresa que realiza sonhos” são também elementos que revelam o que significa para esses sujeitos estar inserido nesse contexto que permite aprender constantemente, além de reconhecer a dedicação ante o desafio superado.
As interações são incentivadas e manifestam uma boa relação entre os colegas, que disponíveis para dialogar, encontram soluções adequadas às metas postas. Pode-se supor, a partir dos depoimentos, que há um tratamento que busca posicionar todos os trabalhadores na posição de aprendizes, sem a supremacia de uns sobre outros de forma depreciadora. Isso fica evidente na fala de uma gerente: “tenho sido cobrada por isso, na função de conselheira” para o desenvolvimento de jovens profissionais. Assim, diante dos apontamentos dos trabalhadores da Deloitte, pode-se perceber que, nessa organização, a interculturalidade é uma característica intrínseca de seus processos. Reconhece-se que ao invés de tentar suprimir tal atributo a organização o utiliza como fonte de desenvolvimento de suas práticas o que é bem quisto entre seus colaboradores.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A amplitude terminológica da noção de interculturalidade revela-se desafiadora e possibilita a inclusão de diversas perspectivas para embasamento do olhar. Nesse estudo, opta-se por associar a noção de trabalho, enquanto atividade humana (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007), eminentemente transgressora diante de suas características discursiva e interpretativa. Defende-se que a partir do fazer laboral seja possível a atualização e compreensão mais adequada dos fenômenos contemporâneos, marcados pela fluidez e transformação constante. A noção de cultura enquanto teia (GEERTZ, 2008) estabelecida processualmente (CUCHE, 1999) impulsiona a concepção de interculturalidade apresentada por Canclini (2005) que enfatiza a diferença como base para negociação de sentidos.
A comunicação organizacional para além da face prescritiva e ferramental estabelece a realidade, pois as mensagens são manipuladas pelos sujeitos na realização de seu trabalho. Interesses particulares e coletivos estão coercitivamente em diálogo e por meio das interações vão se adequando às estratégias de cada parte (BALDISSERA, 2009; MARCHIORI, 2009). Por isso, acredita-se que, conforme propõem Taylor e Casali (2010), uma das formas de fazer a organização emergir através da comunicação é o trabalho. Assim, a indissociabilidade entre as noções de cultura-comunicação-trabalho é fundamental para compreender os fenômenos organizacionais.
Os depoimentos dos funcionários da Deloitte contribuíram para a compreensão da interculturalidade nas organizações perante seus discursos sobre o trabalho. A partir da inter-relação entre as categorias comunicação organizacional e trabalho identificou-se como se dão as interações entre os sujeitos, que inebriadas pelo simbólico, transformam constantemente o cotidiano organizacional. No caso dessa organização, percebe-se que, além de reconhecido, esse movimento é estimulado e esperado. Os trabalhadores consideram o fator transgressor, pertinente à atividade laboral, desafiador, estimulante e um dos principais motivadores de sua carreira. Embora os benefícios relacionados ao plano de carreira sejam referenciados, perante os depoimentos, pode-se afirmar que a atividade em si seja a principal estratégia de motivação dos sujeitos, que precisam manejar a diversidade cultural para o êxito de suas ações.
Assim, perceber o ambiente organizacional como lócus heterogêneo evidencia a interculturalidade enquanto seu elemento intrínseco, revelado por meio do trabalho, da atividade laboral. Emergentes dos múltiplos espaços de socialização experimentados pelos sujeitos, diversas manifestações culturais são congregadas em um mesmo lugar. A comunicação é mediadora neste processo de negociação de sentidos, embora esta seja uma face ainda pouco difundida pelas ações organizacionais. No caso da Deloitte, entende-se esse diálogo como estratégia de negócio intercedida pela comunicação, tanto a partir dos sentidos produzidos nas interações quanto nas prescrições que atuam como guias comportamentais, especialmente quanto às competências que devem ser desenvolvidas pelos trabalhadores, como a qualidade e eficiência dos resultados e a flexibilidade nas relações entre colegas e com os clientes. A partir dos resultados apresentados, afirma-se que os discursos da comunicação organizacional podem ser estruturados perante a atividade laboral realizada pelos trabalhadores, visto que na interação com as normas e prescrições instituem a negociação de sentidos, evidenciando a interculturalidade como fenômeno inerente das organizações.

REFERÊNCIAS

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*Doutoranda e mestra em Processos e Manifestações Culturais, especialista em Comunicação Estratégica e Branding e graduada em Comunicação Social (Universidade Feevale). Bolsista em regime de dedicação exclusiva Prosuc/Capes. Realizou estudos na modalidade Doutorado sanduíche (2017/2018), na Université de Strasbourg/ França com bolsa Pdse/Capes.
** A Deloitte oferece serviços em Auditoria, Consultoria, Consultoria Tributária, Corporate Finance e Outsourcing em mais de 150 países e em 12 cidades de todo o Brasil. Para referir-se ao tempo atual, Ortiz (1998, p. 181) vale-se do termo modernidade-mundo. Emerge da noção de modernidade enquanto descentramento, individualização, diferenciação e de mundo enquanto o extravasar das fronteiras.
1 A Deloitte oferece serviços em Auditoria, Consultoria, Consultoria Tributária, Corporate Finance e Outsourcing em mais de 150 países e em 12 cidades de todo o Brasil.
2 Para referir-se ao tempo atual, Ortiz (1998, p. 181) vale-se do termo modernidade-mundo. Emerge da noção de modernidade enquanto descentramento, individualização, diferenciação e de mundo enquanto o extravasar das fronteiras.
 

Recibido: 12/07/2018 Aceptado: 17/09/2018 Publicado: Septiembre de 2018

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