Revista: CE Contribuciones a la Economía
ISSN: 1696-8360


DESENVOLVIMENTO: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE MUDANÇA DO SEU SIGNIFICADO

Autores e infomación del artículo

Renata Cherém de Araújo Pereira*

Fundação Getulio Vargas de São Paulo, Brasil

cherem.renata@gmail.com


RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar o processo da mudança do conceito de desenvolvimento. Para tanto, foi realizada uma revisão bibliográfica da literatura existente sobre o tema. O estudo demonstra que, inicialmente, desenvolvimento era visto como sinônimo de crescimento econômico. A partir da necessidade da construção de um aparato teórico que não se baseasse apenas nas nações desenvolvidas, a teoria do desenvolvimento passou a ser diferenciada da teoria econômica. Depois disso, com a repercussão das desigualdades e de desastres ambientais, o significado de desenvolvimento passou a almejar a conciliação entre crescimento econômico e sustentabilidade. A pesquisa conclui que desenvolvimento é um conceito multidimensional e que o processo de mudança do seu significado esteve sempre atrelado as transformações econômicas e históricas.
Palavras-chave: Desenvolvimento. Crescimento Econômico. Sociedade. Sustentabilidade. Qualidade de vida.
ABSTRACT
The purpose of this paper is to analyze the process of changing the concept of development. For this, a bibliographical review of the existing literature on the subject was carried out. The study shows that, initially, development was seen as synonymous with economic growth. From the necessity of the construction of a theoretical apparatus that was not based only on the developed nations, the theory of the development happened to be differentiated of the economic theory. After that, with the repercussion of inequalities and environmental disasters, the meaning of development began to seek the reconciliation between economic growth and sustainability. The research concludes that development is a multidimensional concept and that the process of changing its meaning has always been linked to economic and historical transformations.
Keywords: Development. Economic Growth. Society. Sustainability. Quality of Life.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Renata Cherém de Araújo Pereira (2018): “Desenvolvimento: uma análise do processo de mudança do seu significado”, Revista Contribuciones a la Economía (enero-marzo 2018). En línea:
https://eumed.net/rev/ce/2018/2/desenvolvimento-brasil.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/ce182desenvolvimento-brasil


1 INTRODUÇÃO

A construção do conceito de desenvolvimento passou por importantes transformações nas últimas décadas. Transformações estas atreladas aos modelos econômicos vigentes e a melhoria das condições de vida dos indivíduos. Devido a sua importância, o desenvolvimento desponta como um dos conceitos mais empregados nos estudos acadêmicos. Apesar disso, a compreensão do seu significado ainda passa por um processo de transição.
Podendo ser visto desde sinônimo de crescimento econômico até como o maior transformador social capaz de garantir a preservação do meio ambiente e da qualidade de vida, o significado de desenvolvimento foi sendo ampliado ao longo da história, evoluindo do reducionismo econômico para o desenvolvimento sustentável. Durante esse processo de transformação, foram inseridos novos paradigmas ao conceito e o debate em torno do seu significado foi ampliado.
Constata-se que, esse termo, já pesquisado por diversos autores, com diferentes enfoques, pode ser classificado em três principais correntes: i) Desenvolvimento como crescimento econômico; ii) Desenvolvimento diferente de crescimento econômico e iii) Desenvolvimento como sustentabilidade. A primeira corrente sugere que desenvolvimento é sinônimo de crescimento econômico e que este se restringe a acumulação de capital (BRESSER-PEREIRA, 2006; MORETTO; GIACCHINI, 2005; STERN, 2002). Por outro lado, a segunda corrente enxerga que o desenvolvimento vai além do acúmulo de riqueza e que também inclui outros aspectos, tais como: ética, política e questões sociais (SACHS, 2004). Já a terceira corrente propõe uma visão adicional ao significado de desenvolvimento ao defender que este termo deve estar aliado a preservação ambiental a longo prazo (BERANTAN ET AL, 2004;  BECKER, 2000; POPE ET AL, 2004)
Apesar de poder-se identificar a evolução do conceito de desenvolvimento, considerando que o seu sentido encontra-se em contínua transformação, esta investigação pretende contribuir para a reflexão das principais teorias que influenciaram e continuam influenciando a formação desse conceito. Além disso, tendo em vista que esse termo possui influencia na forma de agir e pensar das pessoas, uma análise da mudança do seu significado proporcionará também a exploração de importantes momentos históricos e econômicos da sociedade capitalista.
Para tal, inicialmente, são feitas considerações gerais a respeito do desenvolvimento e das suas principais correntes, descrevendo-as e fazendo um contraponto com o contexto histórico e econômico da época. A discussão começa com o desenvolvimento sendo sinônimo de crescimento econômico até o surgimento da diferenciação entre ambos. Depois de apresentar diferentes visões de autores sobre em quais aspectos o desenvolvimento e o crescimento se diferenciam, o paradigma de desenvolvimento é mostrado por via da sustentabilidade. As origens e as definições, bem como a importância e a influência desse fator para a sociedade são discutidos durante todo o trabalho.

2 DESENVOLVIMENTO COMO CRESCIMENTO ECONÔMICO

A discussão sobre desenvolvimento tem origem em autores que não estavam necessariamente preocupados com este tema, mas acabaram lançando seus questionamentos iniciais sem fazer menção direta ao problema, como François Quesnay, David Ricardo e Adam Smith (SEN, 1995). Desde então, muito do esforço dedicado à questão do desenvolvimento tem sido em relação à definição do termo. Apesar de se encontrar vários conceitos na literatura, todos concordam que o desenvolvimento está relacionado com a “melhoria das condições de vida dos indivíduos” (PAVARINA, 2003).
Destaca-se, porém, que o significado de “melhoria de vida” alterou-se com o passar do tempo e de acordo com a realidade de cada indivíduo e do local onde este se insere. Nesse sentido, o desenvolvimento configura-se como um fenômeno histórico, relacionado com a formação dos estados, com o acúmulo de capital e com a incorporação da evolução técnica ao trabalho (BRESSER-PEREIRA, 2006). O desenvolvimento está, portanto, segundo Bresser (2006, p. 5), “relacionado com o surgimento das duas instituições fundamentais do novo sistema capitalista: o estado e os mercados”. Para que isto se compreenda melhor, ao se debruçar em estudos sobre desenvolvimento, constatou-se que esse tema pode ser classificado em três correntes: i) Desenvolvimento como crescimento econômico; ii) Desenvolvimento diferente de crescimento econômico e iii) Desenvolvimento sustentável.
A primeira corrente, desenvolvimento como crescimento econômico, que ocorreu durante as décadas de 1940 e 1950, tem como base teórica a obra dos economistas mercantilistas Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill, Karl Marx, Joseph Schumpeter, Thomas Malthus e John Maynard Keynes (BRESSER-PEREIRA, 2006; MORETTO; GIACCHINI, 2005). O estudo do desenvolvimento nessa corrente era uma resposta ao protecionismo dos mercantilistas. Dessa forma, para os autores dessa primeira perspectiva, o liberalismo era defendido como principal filosofia e o investimento e o mercado eram os dois tópicos mais abordados (STERN, 2002).
Nesse sentido, o desenvolvimento nessa primeira corrente restringia-se a análise das causas do aumento do produto ou renda nacional per capita e o seu conceito passou a ser confundido e considerado sinônimo de crescimento (STERN, 2002). Para os economistas da época, o desenvolvimento seria obtido com o crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB) e, para isso ocorrer, era necessário fomentar a industrialização, a proteção do mercado interno e a intervenção do Estado. Ou seja, de acordo com essa perspectiva, o desenvolvimento limita-se à esfera econômica, objetivando o acúmulo de capital (SILVA, 2006).
Segundo Ribeiro (2010), em 1950, logo após a Segunda Guerra Mundial, manifesta-se uma nova corrente da teoria do desenvolvimento – desenvolvimento diferente de crescimento econômico - a qual se preocupou com o desenvolvimento aliado ao crescimento econômico, porém, não sendo sinônimo dele. Tendo como pano de fundo esse pós II Guerra Mundial e as elevadas taxas de crescimento que tanto os países centrais quanto os periféricos começaram a experimentar, a problemática do desenvolvimento passou a ser discutida de forma intensa no meio acadêmico (GOULART, 2006).
De acordo com Dias (2012), antes do término da Grande Guerra, o atraso econômico e social das regiões pobres do mundo não recebiam grande atenção da ciência econômica e as discussões sobre desenvolvimento desses países restringiam-se, basicamente, as agências da ONU e algumas organizações internacionais. Após a Guerra, a eficácia de muitas afirmações ditadas pelo pensamento econômico clássico começaram a ser questionadas, em função de não terem conseguido lidar com as crises do capitalismo e com a enorme disparidade do nível de renda entre países ricos e pobres.
Ao procurar compreender e equacionar as distorções entre os países, a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) contribuiu para a formação de um novo modelo para análise dos problemas econômicos e sociais dos países “capitalistas retardatários” (DIAS, 2012). Seus estudiosos, conhecidos como cepalinos ou estruturalistas, levaram em conta, principalmente, as diferentes formas de dependência entre os países centrais e os países periféricos (MORETTO; GIACCHINI, 2005). Os autores cepalinos se depararam com os limites da teoria vigente sobre desenvolvimento, que se moldava no contexto econômico dos países ricos e industrializados e utilizava a mesma premissa desses países para interpretar a realidade dos países menos avançados.
Representados por Raúl Prebisch, Juan Noyola Vásquez, Anibal Pinto, Osvaldo Sunkel Maria da Conceição Tavares, Celso Furtado, entre outros, os cepalinos defendiam que não deveria se importar a teoria de desenvolvimento das nações desenvolvidas e sim, que era preciso romper com essas amarras e construir um novo aparato teórico metodológico (DIAS, 2012). De acordo com Bielschowsky (1999, p.111), [...] “o estruturalismo é um sistema analítico que tem por base a caracterização das economias periféricas por contraste às centrais”. [...] “o estruturalismo inclui a análise das relações “centro-periferia”, isto é, a análise da forma específica de inserção internacional das economias da América Latina”. Com o surgimento de novos modelos de desenvolvimento que se adaptavam mais às novas exigências e a realidade de cada país, tornou-se convencional distinguir a teoria de desenvolvimento da ´teoria de crescimento´. Essa distinção será apresentada a seguir.

3 DESENVOLVIMENTO DIFERENTE DE CRESCIMENTO ECONÔMICO

Para reduzir a concepção de que desenvolvimento é sinônimo de crescimento econômico, muitos autores iniciaram um processo de distinção entre tais conceitos. Celso Furtado foi um autor que deixou um importante legado ao tratar o problema do desenvolvimento se opondo a explicação mecânica de crescimento econômico. Este pensador buscou a compreensão da totalidade e trouxe à Economia elementos da Sociologia e da Ciência Política (JUNIOR, 2008). Para Furtado (2002), as decisões econômicas são decisões políticas, tendo, portanto, sempre que levar em conta o papel do Estado e dos grupos políticos ao abordar sobre desenvolvimento.
A partir de uma perspectiva histórica, Furtado busca analisar o que conduziu os países ao desenvolvimento. Em sua teorização, Furtado (2002) afirma que o desenvolvimento tem três dimensões: “a do incremento da eficácia do sistema social de produção, a da satisfação de necessidades elementares da população e a da consecução de objetivos a que almejam grupos dominantes de uma sociedade e que competem na utilização de recursos escassos” (p.22). Essas dimensões, em conjunto, dão suporte para o desenvolvimento econômico e social. Entretanto, elas não bastam por si só. Para que o desenvolvimento ocorra, não pode-se excluir a preparação ideológica e a formulação de uma política de desenvolvimento, promovidas pelas classes dominantes. A falta desses fatores é determinante para o processo de não desenvolvimento (FURTADO, 2002).
Destaca-se que, segundo Furtado, a falta de desenvolvimento não é um processo pelo qual, necessariamente, tenha-se que se passar antes de alcançar o desenvolvimento. O pouco desenvolvimento ou a falta deste surge em função da condição histórica do país, criado por uma dependência externa de outros países (FURTADO, 1974). Isso advém de situações em que “aumentos de produtividade e assimilação de novas técnicas não conduzem à homogeneização social, ainda que causem a elevação no nível de vida médio da população” (FURTADO, 1992b, p. 39-40). Esse modelo de economia pautado na modernização tem como alvo somente as classes mais altas, o que aumenta a disparidade e o nível de subdesenvolvimento da população.
Segundo Furtado (1998), o desenvolvimento não seria alcançado, apenas, pelo impulso do mercado. Furtado demonstra a necessidade e a importância do Estado para a promoção do desenvolvimento. Para o autor, o Estado é visto como responsável e ator chave para colocar em práticas políticas públicas que viabilizem a saída de uma situação de dependência. De acordo com o Furtado (1998, p.62)
Essa visão global do capitalismo industrial levou-me à conclusão de que a superação do subdesenvolvimento não se daria das simples forças do mercado, exigindo um projeto político voltado para a mobilização de recurso social que permitisse empreender um trabalho de reconstrução de certas estruturas.
No caso do Brasil, Celso Furtado advoga que o país não foi capaz de romper com suas estruturas de grandes desigualdades, como concentração de renda, desemprego, entre outros. O que predominou foram políticas de cunho recessivas e com elevado custo social. Na falta de um projeto de desenvolvimento nacional, a economia brasileira fica, na visão do autor, aumentando cada vez mais seu endividamento externo e aprofundando a crise na economia brasileira e, logo, perdurando o seu pouco desenvolvimento. De acordo com Furtado (1999, p. 26), se continuarmos trilhando esse caminho (...) “o sonho de construir um país tropical capaz de influir no destino da humanidade ter-se-á desvanecido”.
Além de Celso Furtado, outros autores colaboraram para a diferenciação de desenvolvimento e crescimento econômico. Para Sachs (2004), por exemplo, desenvolvimento difere-se de crescimento econômico por ir além da multiplicação de riqueza material e também envolver ética, política e questões sociais. Além disso, equidade, igualdade e solidariedade estão inseridas no conceito de desenvolvimento, como consequências alcançáveis em longo prazo. O crescimento seria uma condição necessária, mas não suficiente para o alcance de uma vida melhor. Sachs (1997) advoga que se acreditava que o crescimento econômico traria prosperidade e distribuiria a força de trabalho, mas o que ocorreu foi um aumento da desigualdade entre as classes sociais.
Já para Siedenberg (2006), crescimento econômico é o aumento da produção de uma economia, medido normalmente pela variação do PNB (Produto Nacional Bruto) ou do PIB (Produto Interno Bruto). Dessa forma, segundo o autor, crescimento econômico é um processo de mudança de caráter predominante quantitativo. Por outro lado, desenvolvimento é um processo mais abrangente, envolvendo também mudanças sociais que se relacionam com outros elementos e estruturas, configurando um complexo sistema de interações. Vasconcellos (2000) corrobora Siedenberg em relação ao crescimento ser um conceito mais quantitativo e, o desenvolvimento, mais qualitativo. Ele reforça que o desenvolvimento vai além de mudanças econômicas, incluindo também melhoras em indicadores sociais como pobreza, desigualdade, saúde, moradia e educação.
Amartya Sen também procurou ampliar o conceito de desenvolvimento, desvinculando-o da ideia comumente aceita do termo associado ao crescimento do PNB (SEN, 2000). De acordo com Sen (2010, p. 18) “o que as pessoas conseguem realizar é influenciado por oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e por condições habilitadoras, como boa saúde, educação básica e incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas”. Sen (2000) descreve cinco tipos de liberdade de caráter instrumental: a liberdade política, econômica, social, de transparência e de segurança protetora. A primeira diz respeito à democracia e a oportunidade que o indivíduo tem de escolher quem o governa e de expressar sua opinião política. A segunda refere-se “as oportunidades que os indivíduos têm para utilizar os recursos econômicos com propósitos de consumo, produção ou troca” (p. 55). Já as oportunidades sociais dizem respeito ao direito a saúde, educação e cultura. A liberdade de transparência fala sobre a capacidade das pessoas de lidarem com a sinceridade das outras e, por fim, a liberdade de segurança protetora está ligada a necessidade de impedir que a população mais pobre alcance a miséria ou morra.
Esse enfoque dado pelo autor ilustra sua teoria do desenvolvimento como liberdade. A ideia de desenvolvimento de Sen (2000) construída a partir do aumento das liberdades humanas foca-se na “eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente” (p. 10). As liberdades como a liberdade de receber educação, saúde e participar da política contribui para o desenvolvimento e, como uma via de mão dupla, a privação de uma dessas liberdades contribui a privação de outras, formando um processo de influências diretamente interligadas. Dessa forma, para o autor, o desenvolvimento é um processo de expansão das liberdades, que são tanto um fim como um meio para o desenvolvimento:
O desenvolvimento pode ser visto, argumenta-se aqui, como um processo de expansão das liberdades reais de que desfrutam as pessoas. Enfocar a liberdade humana contrasta com concepções mais estreitas do desenvolvimento, como as que o identificam com o crescimento do produto nacional bruto ou com o aumento da renda pessoal, ou com a industrialização, ou com o avanço tecnológico, ou com a modernização social... Ver o desenvolvimento em termos da expansão das liberdades substantivas dirige a atenção para os fins que tornam o desenvolvimento importante, antes que meramente para os meios, que, inter alia, cumprem parte proeminente no processo (SEN, 1999, p. 3)
A obra de Amartya Sen serve como referência política e ética para um desenvolvimento voltado para a dignidade humana e que vai além da esfera meramente econômica. Para o autor a riqueza por si só não é alvo de interesse real dos indivíduos, mas sim o estilo de vida com que a riqueza se conecta.
Outro autor que também extrapola o limite econômico do crescimento é Boaventura de Souza Santos, unindo a problemática do desenvolvimento à questão da emancipação social. De acordo com Santos (s/d) a noção de que o progresso econômico traz o bem estar a humanidade máscara a realidade de que é justamente esse crescimento advindo da industrialização que colabora para as desigualdades entre os indivíduos e para a destruição das condições básicas de vida.
Ainda segundo Santos (2000), a modernidade resulta em dois tipos de conhecimento: o regular e o de emancipação. O conhecimento regular tem como pilar o Estado, o mercado e a comunidade. Já o conhecimento de emancipação tem três formas de racionalidade: a estético-expressiva, a cognitiva e a prático-moral do direito. O conhecimento de regulação “[...] é uma trajetória entre um estado de ignorância que designo por caos e um estado de saber que designo por ordem”. Já o conhecimento de emancipação é “[...] um estado de ignorância que designo por colonialismo e um estado de saber que designo de solidariedade” (2007, p. 78).
[...] O conhecimento-regulação conquistou a primazia sobre o conhecimento-emancipação: a ordem transformou-se na forma hegemônica de saber e o caos na forma hegemônica de ignorância. [...] Assim, o estado de saber no conhecimento-emancipação passou a estado de ignorância no conhecimento-regulação (a solidariedade foi recodificada como caos), e, inversamente, a ignorância no conhecimento-emancipação passou a estado de saber no conhecimento-regulação (SANTOS, 2007, p. 78)
Destaca-se assim que, para SANTOS (1995), a absorção do pilar da emancipação pelo pilar da regulação ocorreu por meio da racionalização da vida coletiva baseada na modernidade (CORRÊA; BORTOLI, 2008). Assim, ele entende que a emancipação deve ser compreendida de forma abrangente, representando a construção de um processo pleno de desenvolvimento da capacidade humana (CORRÊA; BORTOLI, 2008) e que a dimensão da participação contribui para a criação de uma nova forma de organização mais igualitária.
Até este ponto tratou-se de duas abordagens sobre desenvolvimento: a abordagem clássica, que perdurou até meados de 1950 e analisa o desenvolvimento como sendo sinônimo de crescimento econômico e a abordagem que iniciou após a II Guerra Mundial e prevaleceu até a década de 1990, na qual os autores passaram a distinguir desenvolvimento de crescimento econômico e a ampliar seu conceito em diversos sentidos. A partir de 1990, outra abordagem sobre desenvolvimento entra no cenário mundial: a do desenvolvimento sustentável. Esta terceira e última abordagem sobre o tema, que será discutida agora, se inicia com a repercussão das desigualdades e dos desastres ocasionados pelo sistema capitalista globalizado, o qual priorizava o crescimento econômico frente ao desenvolvimento humano (GADOTTI, 2000). Os fatores que foram fundamentais para alterar a forma de enxergar o mundo e a evolução do conceito de desenvolvimento sustentável são explorados a seguir.

4 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A degradação ambiental condicionada pela racionalidade econômica e tecnológica do modelo dominante de desenvolvimento gerou desequilíbrios: por um lado, houve progresso econômico e social, por outro, também houve miséria e degradação ambiental. Diante da realidade de se considerar a sociedade atual como insustentável a médio ou a longo prazo, surge o desenvolvimento sustentável, procurando conciliar o crescimento econômico com a preservação ambiental.
Apesar de o desenvolvimento sustentável ter se consolidado nos anos 1990, a problemática ambientalista surge no contexto das relações internacionais no final da década de 1960. Alguns fatores foram fundamentais para o surgimento dessa nova forma de enxergar o mundo, tais como: a foto da Terra tirada pelo astronauta William Anders em 1968 e a ida do astronauta Neil Armstrong à Lua em 1969 (DIAS, 2000); A publicação, em 1968, de dois best-seller sobre os problemas ambientais: “The population bomb”, de Paul Ehrilich e “The tragedy of the commons”, de Garret Hardin (NOBRE, 2002); e a conferência promovida pela Unesco, também em 1968, em Paris, sobre os fundamentos científicos da manutenção da biosfera.
Nessa mesma perspectiva, algumas catástrofes, como o naufrágio do petroleiro Torrey-Canyon em 1967, o acidente na central nuclear de Three Mile Island nos Estados Unidos em 1978 e o acidente em Chernobyl em 1985, mobilizaram as populações e impuseram a formação de uma nova agenda (COSTA, 2006). Dessa forma, em 1972 acontece a Conferência de Estocolmo, que resultou na formulação da Declaração sobre o Ambiente Humano (ou Declaração de Estocolmo) (MACHADO; SANTOS; SOUZA, 2006),
O conceito de desenvolvimento sustentável surge, então, para dar respostas a essas crises e tentar harmonizar os processos econômicos com os ambientais. Inicialmente, este conceito focava-se apenas na preservação ambiental. No documento intitulado World Conservation Strategy, onde o conceito de desenvolvimento sustentável foi debatido primeiramente, constava que “para que o desenvolvimento seja sustentável devem-se considerar aspectos referentes às dimensões social e ecológica, bem como fatores econômicos” (BELLEN, 2006, p. 23). Muller (1996) também aborda desenvolvimento sustentável com enfoque, principalmente, nos problemas ambientais. Em relação às questões sociais, o autor argumenta que esse é um problema resolvido pelo pensamento neoclássico, pois a economia deve-se ater a distribuição eficiente dos recursos, já os problemas de renda dizem respeito a outras ciências.
A partir do Relatório de Brundtland (1987), o conceito de desenvolvimento sustentável passou a dar ênfase ao elemento humano, equilibrando as dimensões econômica, social e ambiental (SANTANA, 2012). Intitulado como “Our Common Future”, este relatório conceitua Desenvolvimento Sustentável como “o encontro das necessidades do presente sem comprometer a sobrevivência das gerações futuras(McMICHAEL, 1996, p. 218). A partir deste ano, as questões ambientais retornaram com mais força ao cenário internacional (DIAS, 2000). Presenciou-se a ampliação do número de pessoas a favor do movimento ambientalista, o crescimento das ONG´s e a evolução das negociações internacionais. Estas, começaram a evoluir com o objetivo de se chegar a um consenso, visto que, enquanto os países desenvolvidos se voltavam para a conservação dos recursos naturais, os países em desenvolvimento, assolados pela miséria, propunham o desenvolvimento econômico (COSTA, 2006; MACHADO, SANTOS; SOUZA, 2006).
Nesse cenário, segundo Costa (2006), a contribuição da RIO-92, realizada em 22 de dezembro de 1989 pelas Nações Unidas foi importante. A RIO-92 mobilizou diversas organizações e, apesar das divergências entre os participantes, principalmente entre os países industrializados com os menos industrializados, foram aprovados: a Declaração do Rio (documento que visa estabelecer medidas de cooperação entre Estado, mercado e sociedade), a Agenda 21 (documento ético, não normativo, que propõe a proteção ambiental aliada a justiça social e a eficiência econômica), a Declaração sobre Florestas (documento que representa o primeiro consenso mundial sobre a importância das florestas), a Convenção sobre Mudanças Climáticas (documento que objetiva reduzir a emissão dos gases) e a Convenção sobre a Diversidade Biológica (documento que objetiva conservar os recursos biológicos).
Apesar de estes eventos terem trazido um avanço no plano simbólico e político, mas não tanto nos resultados práticos, eles colaboraram e influenciaram diretamente a ampliação do debate acadêmico em torno do conceito de desenvolvimento sustentável. Segundo Berantan et al (2004) outras definições de desenvolvimento sustentável passaram a ser publicadas, cada uma com suas nuances próprias, mas todas abordando o aumento ou a manutenção da economia com o bem estar social e do ambiente natural. Por exemplo, Becker (2000), discute o desenvolvimento sustentável fundamentado em um triplo processo de diferenciação socioambiental, de diversificação econômico-corporativa e de pluralização ideológica. Já Pope et al (2004) defendem o desenvolvimento sustentável como a integração entre os aspectos econômicos, sociais e ambientais. Nesse mesmo sentido, Oliveira, Viana e Braga afirmam:
o desenvolvimento sustentável vai além do modelo de produção, pois está calcado numa nova postura ética em relação ao meio ambiente e à própria sociedade, onde cada cidadão é chamado a refletir sobre o seu atual estilo de consumo e de vida (OLIVEIRA; VIANA; BRAGA, 2010, p.6).

Percebe-se que, independente das especificidades na definição do conceito de desenvolvimento sustentável descrito pelos autores, todos defendem a harmonização entre o desenvolvimento econômico, ambiental e social. Além disso, observa-se que a proposta de desenvolvimento sustentável, na medida em que propõe o aumento da produtividade e do crescimento econômico com menores riscos sócio ambientais, busca a manutenção do atual modelo de produção capitalista com modificações, e não, necessariamente, a transformação de um novo modelo de manutenção da vida moderna.

5 CONCLUSÕES

O objetivo deste estudo foi investigar o processo da mudança do conceito de desenvolvimento. O trabalho foi conduzido pela revisão teórica dos principais debates de estudiosos sobre o tema. Através da revisão de literatura, foi possível observar que embora não exista um consenso em relação ao conceito de desenvolvimento, seu significado, que iniciou como sinônimo de crescimento econômico, hoje se encontra atrelado ao desenvolvimento sustentável. Constata-se também que o processo de mudança de tal conceito ocorreu influenciado diretamente pelas transformações econômicas e históricas da sociedade. Fica claro que a evolução do conceito de desenvolvimento não aconteceu de forma simples, mas, sim, que esta resultou de um processo complexo e dinâmico, influenciada diretamente pela economia de mercado, pela acumulação de capital e pelo padrão de vida dos indivíduos.
Constata-se que o conceito de desenvolvimento utilizado nos dias de hoje – desenvolvimento sustentável – apesar de transcender a perspectiva meramente econômica, continua relacionando-se possibilidade da evolução do sistema capitalista, porém, aliado à preservação ambiental. Nesse sentido, o termo desenvolvimento sustentável é frequentemente criticado, devido à falta de uma delineação mais clara. Pouco se sabe ainda sobre a verdadeira potencialidade do desenvolvimento sustentável, mas pode-se afirmar que esse tipo de desenvolvimento não remete apenas a conservação da natureza. Em uma concepção mais ampla, seu significado aponta para novos modelos de progresso e para transformações sociais. Ressalta-se ainda que, além da amplitude do termo, este deve ser analisado dependendo do contexto e do tempo, sendo, portanto, aberto e dinâmico
É importante reconhecer que o conceito de desenvolvimento é um paradigma em construção que não deve ser investigado como algo único. Mesmo tendo em vista a realidade de um mundo globalizado, é preciso admitir a necessidade de cada região enfrentar de forma autônoma seus dilemas e perspectivas, construindo seus próprios modelos. O que se pode perceber é que apesar de haver evidências que o desenvolvimento esteja sendo explorado de forma crescente e constante na academia, a análise desse tema em países em desenvolvimento é insuficiente. Constata-se que a maioria da literatura sobre desenvolvimento tem sido feita por meio de questões levantadas e abordadas em países desenvolvidos, cabendo contestar a validade da aplicação desses resultados nos países em desenvolvimento.
Longe de pretender esgotar o tema, acredita-se que este trabalho contribuiu para ampliar o nível de conhecimento sobre o significado de desenvolvimento e forneceu informações que podem colaborar para se explorar e avançar na compreensão do termo.  Paralelamente, considerando a complexidade do conceito, novos caminhos poderão ser percorridos em pesquisas futuras. Sugere-se a realização de estudos empíricos em países em desenvolvimento que investiguem, sob a perspectiva de diferentes atores da sociedade, o significado de desenvolvimento. Fica o desafio para a realização de estudos que utilizem este olhar.

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*Mestre em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutoranda em Administração na Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Professora no Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração na Fundação Getulio Vargas de São Paulo, Brasil.

Recibido: 25/04/2018 Aceptado: 27/04/2018 Publicado: Abril de 2018

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