VARGAS, Ian Martin *
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
ian_vargas_@hotmail.com
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar a relação entre a chamada “pós-verdade” com a política nacional atual. Primeiramente, faz-se necessário partir de uma base teórica que se inicia com os estudos de Gramsci acerca das superestruturas. O desenvolvimento teórico do trabalho também passa por abordagem sobre o avanço da internet e a relação com a política e opinião pública. Nesse sentido, as eleições brasileiras de 2018 foram fortemente marcadas por ondas massivas de informações falsas que caracterizam o fenômeno das chamadas “fakenews”. Tal fenômeno já havia sido notado nas eleições norte-americanas, de 2016. Observa-se que no Brasil a extrema-direita é o espectro político que mais se utiliza de tais formas de comunicação com os cidadãos, atraindo adeptos e exercendo o consenso político dentro dos espaços virtuais. Deste modo é possível observar uma correlação entre o papel destas informações falsas e a ascensão de forças políticas de extrema-direita de matriz fascista no país. Conclui-se, portanto, que a extrema-direita tanto brasileira quanto em outros locais do globo, vem utilizando o espaço virtual para propagação despudorada de mentiras, muitas vezes por intermédio de robôs, para aglomerar adeptos às suas ideias antidemocráticas, antissindicalistas, antissocialistas, contra as esquerdas e os direitos humanos. O trabalho baseou-se em análise bibliográfica e de artigos relacionados ao tema para seu desenvolvimento.
Palavras-chave: fakenews, política, fascismo.
ABSTRACT
This work aims to analyze the relationship between the so-called post-truth and current national politics. First it is necessary to start from a theoretical basis that begins with Gramsci's studies of superstructures. The theoretical development of the work also includes the advancement of the internet and its relationship with politics and public opinion. In this sense, the 2018 Brazilian elections were strongly marked by massive waves of false information that characterize the phenomenon of so-called “fakenews”. This phenomenon had already been noticed and scrutinized in the 2016 North American elections. It is observed that in Brazil the extreme right is the political spectrum that most uses such communication ways with the citizens, attracting supporters and exercising political consensus inside the virtual spaces. In this way it is possible to observe the role of this false information with the rise of fascist-based extreme-right political forces in the country. It can be concluded, therefore, that the extreme right, both Brazilian and elsewhere, has been using virtual space for shameless propagation of lies, often through robots, to gather supporters to their undemocratic, anti-unionist, anti-socialist ideas. against the left and human rights. The work was based on bibliographical analysis and articles related to the theme for its development.
Keywords: fakenews, politics, fascism.
RESUMEN
Este trabajo tiene como objetivo analizar la relación entre la llamada "post-verdad" y la política nacional actual. Primero, es necesario comenzar desde una base teórica que comienza con los estudios de Gramsci sobre superestructuras. El desarrollo teórico del trabajo también implica abordar el avance de Internet y la relación con la política y la opinión pública. En este sentido, las elecciones brasileñas de 2018 estuvieron fuertemente marcadas por oleadas masivas de información falsa que caracterizan el fenómeno de las llamadas "noticias falsas". Tal fenómeno ya se había notado en las elecciones norteamericanas, en 2016. Se observa que en Brasil la extrema derecha es el espectro político que más utiliza tales formas de comunicación con los ciudadanos, atrayendo seguidores y ejerciendo el consenso político dentro de espacios virtuales. De esta manera, es posible observar una correlación entre el papel de esta información falsa y el surgimiento de fuerzas políticas de extrema derecha con una matriz fascista en el país. Se concluye, por lo tanto, que la extrema derecha, tanto en Brasil como en otras partes del mundo, ha estado utilizando el espacio virtual para la propagación desvergonzada de mentiras, a menudo a través de robots, para reunir partidarios de sus ideas antidemocráticas, antisindicalistas y antisocialistas, contra izquierdas y derechos humanos. El trabajo se basó en análisis bibliográficos y artículos relacionados con el tema para su desarrollo.
Palabras clave: noticias falsas, política, fascismo.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
VARGAS, Ian Martin (2020): “Fakenews e política: A influencia da pos-verdade na ascenso da extrema-direita”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (mayo 2020). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2020/05/ascensao-extrema-direita.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss2005ascensao-extrema-direita
A política é composta por vários elementos sendo a retórica, indubitavelmente, um deles. Ao se observar que a organização política, social e econômica vigente no Brasil é o sistema capitalista, faz-se necessário analisar alguns outros elementos que sustentam esse modelo, como comunicação, propaganda e disseminação de informações.
O filósofo marxista italiano Antonio Gramsci (2011) conceitua o Estado como sendo a soma da sociedade política com a sociedade civil. Para tal autor, a sociedade política seria formada pelos aparelhos coercitivos goveridntais. Tais aparelhos seriam os meios pelos quais a classe dominante exerce a coerção, como por exemplo, as polícias, as forças armadas, o Poder Judiciário.
As análises de Gramsci se mantém atuais ao se considerar a composição das forças que formam as instituições políticas e a busca incessante por domínio dos trabalhadores através de alienação e cooptação no campo do consenso e repressão no que concerne aos órgãos coercitivos.
Da mesma maneira, as reflexões de Gramsci (2011) acerca da hegemonia no campo do consenso são fundamentais para compreensão de fenômenos que marcam a política atual no Brasil, sendo necessário se aprofundar nos elementos que mais vêm marcando a política atual do país.
Estes elementos podem ser verificados não só no Brasil, mas em outras partes do mundo, que têm vivenciado, nos últimos anos, o retorno da extrema-direita nos governos de democracias liberais1 . Coincidentemente, com a ascensão desse viés político e ideológico, observa-se o surgimento de outros fenômenos sociais que podem estar intimamente ligados com os objetivos dessa ideologia.
Segundo Ianoni (2018), a extrema-direita vem implementando a chamada “hegemonia cultural” refletida por Gramsci (2011). Para o referido cientista político, tal corrente ideológica atua no campo do consenso através do setor neopentencostal, por meio do uso cotidiano de uma retórica simplória e popular nas redes sociais e através do uso de uma indústria de fakenews que atinge as mais diversas camadas da sociedade, sendo que as vítimas mais fatais de tal beligerância comunicacional são os setores mais despolitizados.
A propagação de notícias e informações falsas vem sendo discutida no meio acadêmico como a “pós-verdade”. Tal fenômeno inicialmente emergiu no meio político. Porém, possui capacidade potencial de influência em outras áreas da sociedade. Todavia sua influência na política pode vir a afetar a cidadania, os direitos humanos e a democracia como um todo.
Como destaca D’Ancona (2018), o termo “pós-verdade” foi utilizado pela primeira vez em meados dos anos 1990 pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich e se referia à supressão da verdade dos fatos. D’Ancona (2018) aduz que no dicionário Oxford a expressão pós-verdade se relaciona com as circunstâncias onde fatos objetivos possuem menor importância e influência em moldar a opinião pública do que os apelos emocionais e crenças morais na maneira com que se transmitem as informações.
A globalização facilitou a interação humana, dando mais opções de troca de ideias por meio da Internet e das telecomunicações, conforme descreve Katz (2007). Contudo, observa-se que, com o advento do avanço das comunicações, ao mesmo tempo ocorreu uma transformação no capitalismo seja por meio das trocas comerciais virtuais, seja por novos formatos da relação entre capital e trabalho como também na política.
Nesse aspecto, as redes sociais se tornaram, dentro da ótica do avanço da tecnologia globalizada, um novo espaço da sociedade civil, o qual as classes dominantes se utilizam para assegurar sua hegemonia, criando consenso cultural e político de dominação. Apesar de ser um meio de efetivação do direito humano à expressão, opinião e exercício da liberdade de pensamento, também passou a ser um ambiente onde ocorrem processos de controle pelas classes dominantes.
Rosa (2018) ressalta que o conceito de fakenews surgiu para desacreditar a imprensa nos Estados Unidos em meio a campanha eleitoral de 2016. Formou-se uma disputa dento da estrutura do consenso, no que diz respeito ao espaço midiático, sendo o mundo virtual o principal deles. Assim, jornais e páginas de facebook de extrema-direita disputam a propagação dos fatos e, por consequência, a interpretação das verdades.
As notícias falsas e a desinformação são espalhadas virtualmente em um ritmo e nível global assustador e se correlacionam a um dos efeitos da globalização. A evolução da globalização caminhou junto com a evolução tecnológica e, desde os anos 1990, do crescimento da influência da Internet. Nesse contexto o surgimento das redes deu lugar a um espaço virtual de interação e propagação de informações, inclusive falsas.
Como destaca Avendaño (2018), as informações falsas ou distorcidas que são espalhadas nas redes sociais se tornaram uma epidemia que percorre o mundo inteiro e fazem parte de uma guerra informativa que é utilizada com objetivos políticos.
Alguns autores como Lévy (2010), que esquadrinham o ciberespaço em análises sociológicas e filosóficas, observaram a mudança da esfera pública pela influência das redes sociais como positiva, uma vez que fornece aos cidadãos maior capacidade de expressão, aquisição de informações e associação. Isso colaboraria para aumentar a capacidade cívica do povo de pressionar governos, obtendo-se assim maior transparência e diálogo democrático.
Outros autores, como o filósofo alemão Habermas (2003), observam nas redes sociais da Internet um perfil potencializador de participação política mais efetiva que combina colaboração, interação, mediação, acessibilidade a informações e mobilização.
Por outro lado, autores como Haddad (2017), no que concerne às redes sociais, defendem que se criou uma ilusão nas esquerdas em relação ao potencial de emancipação da internet. Segundo tal autor, nos ambientes de esquerda, imaginou-se que o advento das redes sociais no ciberespaço poderia ser positivo, na medida em que enfraqueceria a autoridade de quem reproduz uma informação e seriam reduzidas as forças de manipulação da indústria cultura. Todavia Haddad (2017) defende a ideia de que a difusão em grande escala de informações com viés político e sem as formas tradicionais de validação se tornou algo até mesmo mais perigoso do que as formas tradicionais de comunicação.
As fakenews causam um grande risco para as relações sociais e para a cidadania. Isto porque, por trás das conexões virtuais está uma gama de táticas que causam reações psicoemocionais e morais alheias ao contraditório, ao pluralismo. Em outras palavras, o ambiente das redes digitais virarou um campo de batalha marcado pela existência em massa de crimes contra a honra, como difamações, e sendo observado um meio potencial de alienação em massa.
Conforme visto em Gramsci (2011), a hegemonia tradicional da burguesia capitalista é o uso da mídia. Nos tempos de Gramsci eram principalmente o rádio e os jornais. Todavia, com o avanço das tecnologias, a internet ocupou um espaço significativo na sociedade civil e as fakenews estão justamente inseridas dentro de tal bolha virtual.
Observa-se, então, uma possibilidade de fragmentação da democracia, até mesmo da democracia liberal burguesa, com o avanço do debate político no mundo virtual. O avanço das redes sociais parece ter representado uma certa ruptura paradigmática entre a emissão e a recepção das mensagens. O emissor, a origem e a validade da informação perderam importância, dando lugar ao teor emocional e moral. Este fato pode ser verificado diuturidnte na divulgação de notícias difamatórias e espúrias no Brasil por grupos como MBL2 , youtubers e think tanks3 de extrema-direita e que trabalham em regime de cooperação para desqualificação das esquerdas no geral.
Avendaño (2018) explica que os aplicativos de mensagens são lugares onde se distribui desinformação e, por estarem criptografados, há uma dificuldade em certificação sobre o conteúdo que por eles circula. Com a grande possibilidade de proliferação de conteúdo de forma anônima, é através destes mecanismos tecnológicos e virtuais que se espetacularizam títulos de notícias captadas da imprensa e se altera o verniz da mensagem transmitida, levando à dominação do grupo ideológico que fabrica a notícia falsa.
O autor também destaca a existência de robôs ou bots, que são programas capazes de controlar centenas e até milhares de perfis falsos nas redes sociais, com a finalidade de propagação das notícias falsas para o maior público possível.
Ainda durante as eleições de 2018, foi verificado que o uso de tais robôs e contas falsas de perfis de redes sociais foram utilizadas para propagação de notícias falsas tais como o famigerado "kitgay". Após as eleições, segundo Militão e Rebello (2020), a própria empresa Whatsapp desativou contas após a constatação de que elas possivelmente foram utilizadas para propagação de notícias falsas.
Conforme explica Marchao (2019), uma pesquisa feita pelo Barômetro Global da Corrupção: América Latina e Caribe, demonstrou que quatro em cada cinco brasileiros acreditam que notícias falsas foram disseminadas para influenciar a eleição de 2018 no Brasil.
Neste cenário, formou-se um nítido fundamentalismo comunicacional nas redes sociais que criou uma espécie de histeria coletiva, quando o falso exercício de direitos fundamentais como liberdade de expressão, liberdade de imprensa e o direito de livre associação dão lugar à proliferação dos discursos de ódio, segregacionismo, racismo, machismo, misoginia, antissindicalismo, antissocialismo. Os indivíduos que compartilham as informações sem verificar a originalidade do conteúdo, contribuem para ganho de força eleitoral dos grupos políticos que fazem oposição a qualquer grupo ou político progressista.
Deste modo, tal espectro político conquista adeptos que passam a reverberar a desinformação fabricada por meio de suas redes sociais, criando assim uma vasta amplitude para as mensagens que atendem um grupo político e ideológico que é notavelmente de matriz fascista.
O compartilhamento desenfreado de notícias falsas acarreta na estruturação desse fenômeno político já conhecido no passado: o fascismo. Todavia não é mais aquele fascismo dos tempos de Mussolini e Hitler, grandes expoentes do ultraconservadorismo e extrema-direita, mas um fascismo cultural virtual, tecnocrático e que se utiliza justamente da hegemonia que Gramsci (2011) se aprofundou.
Na mesma direção, a mídia tradicional liberal vem sendo descredibilizada pela mídia de opinião de plataformas partidárias onlines. Segundo Valente (2019), a polarização política e as "fakenews" têm impactado na confiança do jornalismo tradicional e muitas pesquisas indicam que a confiabilidade das pessoas nos veículos jornalísticos vem caindo.
Com essa mudança de paradigma, a mídia tradicionalmente pertencente a grupos de direita, centro-direita ou liberais vem perdendo forças, na construção da opinião pública, para plataformas de extrema-direita, que utilizam de espetacularização de informações para disseminação de conteúdos falsos com finalidade política.
Da mesma forma que no Ministério da Verdade, da obra de Orwell (2009), as informações desleais propaladas nas redes sociais servem a grupos reacionários para amplificar e legitimar o ódio. Assim como nos Estados Unidos, segundo Chomsky (2013), os governos fazem uso da mídia para angariar apoio da população e assim, legitimarem sua entrada em confrontos militares. A soma dos elementos pós-verdade e internet está a serviço da direita política.
A mesma direita que incansavelmente acusa inconcebivelmente os direitos e liberdades defendidos por progressistas e humanistas de “politicamente corretos” e frutos do marxismo cultural da hegemonia gramsciana, possui agora uma produção constante e articulada de um possível “fascismo cultural”, que utiliza das redes para legitimar poder político e enfraquecer as esquerdas e, acima disso, prejudicar a democracia, o pluralismo político e a cidadania. Portanto faz-se necessário repensar a falta de consciência das redes e a instrumentalização das mesmas para fins político-partidários através da disseminação de difamações coletivas quase que instantâneas.
Bauman (2008) já apontava para tal perigo das redes de inibirem o medo dos chamados “caçadores” da sociedade de partirem para o ataque raivoso sobre os indivíduos contra quem nutrem ódio. O império das mentiras e manipulação das massas não pode voltar a vigorar.
Por outro lado, Goés (2006) destaca que as mídias alternativas podem ser concebidas como instrumentos contra-hegemônicos no embate pela hegemonia da sociedade civil. O autor enfatiza que as mídias alternativas são lugares para produção de estratégias que possuem como finalidade a reformulação do processo social para se contrapor ao interesse da mídia tradicional.
Desta maneira, o uso da mídia alternativa pelos movimentos sociais seria, ainda que em pequena escala, um caminho alternativo às perspectivas hegemônicas do capital, sendo possível observar sua atuação fundamental na desqualificação das fakenews.
O papel essencial da mídia alternativa também envolve a divulgação de temas e notícias ignoradas pela grande mídia que abarcam desde desastres ambientais, genocídio indígena e de trabalhadores do campo entre outras violações de direitos humanos. Portanto, dentro da ótica gramsciana, o ciberespaço, as redes sociais e a mídia alternativa são locais de propagação de ideias políticas contra-hegemônicas.
O uso massivo de informações falsas tem influenciado eleições e a política no mundo todo. No caso brasileiro as chamadas fakenews influenciaram significativamente as eleições de 2018 e estão intimamente ligadas com a ascensão da extrema-direita no campo político. Ao se analisar o fenômeno das fakenews sob o viés filosófico, sociológico e da ciência política é possível observar que tais tipos de comunicação ocorrem em um ambiente de obtenção do que Gramsci chamou de consenso.
Destaca-se o papel contra-hegemônico das mídias alternativas no combate a tal tática de propaganda neofascista e, todavia, observa-se um conflito no próprio espectro político da direita. Isto porque a extrema-direita desqualifica os meios tradicionais liberais de comunicação, sendo inegável que a estratégia desta corrente político-ideológica é ocupar o espaço das comunicações para ampliar sua influência na política e no campo econômico e, acima de tudo, ampliar o poder de seu capital.
Inevitável constatar que o uso das fakenews no ambiente virtual é um novo mecanismo de alienação da classe trabalhadora, ao mesmo tempo que serve para aglomerar adeptos de uma corrente ideológica de perfil fascista no Brasil.
Diante disso é fundamental que as forças progressistas invistam nas mídias alternativas que possuem finalidade contra-hegemônica de conscientização e reflitam sobre criação de meios para contenção eficaz da propagação das fakenews.
As redes sociais são trincheiras em uma guerra contra o capital, contra o fascismo e de defesa dos direitos humanos e da classe trabalhadora.
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*Mestrando em Sociedade, Cultura e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil.