Lediane Santana dos Santos*
Kézia Siméia Barbosa da Silva Martins**
Jadson Justi***
Universidade Federal do Amazonas, Brasil
E-mail: lediannyy@gmail.com
RESUMO
O objetivo desta pesquisa é analisar o “tornar-se mãe” durante o processo de formação inicial das discentes de pedagogia de uma universidade pública situada no município de Parintins, Amazonas, Brasil, com o intuito de descrever as experiências da maternidade vivenciadas pelas discentes, e, a partir dos relatos de experiências, analisar as perspectivas e os desafios sociológicos enfrentados ao tornarem-se mães durante o processo formativo. A pesquisa foi realizada com sete acadêmicas, as quais tiveram bebês no percurso educacional. Metodologicamente, esta pesquisa engendra-se como qualitativa com enfoque na fenomenologia-hermenêutica. Os resultados apontam estudantes mães com inúmeros afazeres que influenciam direta e indiretamente de forma positiva ou não na vida social, afetiva, familiar e educacional. Conclui-se que há grandes dificuldades por elas enfrentadas para a conciliação do papel de mãe e aluna, que pode resultar em ausência às aulas, trancamento de curso e até a possibilidade de abandono dos estudos se desamparadas por políticas de assistência e incentivo institucional.
Palavras-chave: Ensino superior, Política de assistência, Relação gênero e maternidade, Sociologia educacional.
LOS DESAFÍOS DE SER MADRE Y ALUMNA SINCRÓNICAMENTE: UNA PERSPECTIVA EDUCACIONAL Y SOCIOLÓGICA
RESUMEN
Esta investigación objetiva analizar el "convertirse en madre" durante el proceso de formación inicial de académicas de pedagogía de una universidad pública de Parintins, Amazonas, Brasil, con el propósito de describir las experiencias de la maternidad vivenciadas por las alumnas, y, a partir relatos de experiencias, analizar las perspectivas y los desafíos sociológicos enfrentados al convertirse en madres durante la vida académica. Participaron del estudio siete alumnas, las cuales tuvieron bebés en el curso educativo. Esta investigación se engendra como cualitativa con enfoque en la fenomenología-hermenéutica. Los resultados apuntan a estudiantes madres con innumerables que hacen que influencian directa e indirectamente de forma positiva o no en la vida social, afectiva, familiar y educacional. Se concluye que hay grandes dificultades por ellas enfrentadas para la conciliación del papel de madre y alumna, que puede resultar en ausencia a las clases y hasta la posibilidad de abandono de los estudios se desamparan por políticas de asistencia e incentivo institucional.
Palabras clave: Educación superior, Política de asistencia, Relaciones de género y maternidad, Sociología educativa
THE CHALLENGES OF BEING MOTHER AND STUDENT SYNCHRONICALLY: AN EDUCATIONAL AND SOCIOLOGICAL PERSPECTIVE
ABSTRACT
This research aims to analyze the "becoming a mother" during the initial formation process of pedagogical academics of a public university of Parintins, Amazonas, Brazil, in order to describe the experiences of motherhood experienced by the students, and, from the reports of experiences, analyze the sociological perspectives and challenges faced in becoming mothers during the academic life. Seven students participated in the study, which had babies in the educational pathway. This research is engendered as qualitative with a focus on phenomenology-hermeneutics. The results point out to mothers students with numerous tasks that influence directly and indirectly positively or not in social, affective, family and educational life. It is concluded that there are great difficulties they face in reconciling the role of mother and student, which can result in absence from classes and even the possibility of dropping out of studies if they are abandoned by policies of assistance and institutional incentive.
Keywords: Higher education, Assistance policy, Gender and maternity relations, Educational sociology
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Lediane Santana dos Santos, Kézia Siméia Barbosa da Silva Martins y Jadson Justi (2020): “"Tornar-se mãe” durante a formação acadêmica: desafios da maternidade sob a perspectiva educacional e sociológica”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (marzo 2020). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2020/03/maternidade-perspectiva-educacional.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss2003maternidade-perspectiva-educacional
1 INTRODUÇÃO
Discutir sobre o tema da maternidade e formação inicial no contexto da universidade traz à tona questões relacionadas à representação do gênero feminino no contexto da educação superior. Homens e mulheres frequentam esse espaço, mas a mulher acaba por vivenciar mais implicações no processo de formação, especialmente quando se trata da conciliação de papéis. Quando consegue êxito na formação, mesmo entrelaçando as demandas da maternidade com a universidade, é percebido como algo natural, digno de uma boa mãe (Bitencourt, 2017). O que não se discute é como ela concilia tais tarefas e quais os desafios que necessita enfrentar para tal êxito.
Segundo Menezes et al. (2012), a necessidade de interromper os estudos por alguns períodos para se dedicar ao papel de mãe, visto como fundamental para a sobrevivência e também para o desenvolvimento físico do bebê, desacelera as atividades acadêmicas quando ocorre o retorno, e nesse malabarismo permanecem lutando para concluir seus estudos, quando há motivação para continuarem. A partir de uma breve reflexão dos desafios de ser mãe no contexto acadêmico, partindo do sentimento de mãe (do eu) é necessário que tal tema seja discutido entre os educadores e a sociedade.
As discentes que se tornam mães na trajetória universitária, interrompida ou não, enfrentam obstáculos relativos à complexidade do ambiente acadêmico e dos cuidados maternais indispensáveis aos filhos. É necessário discutir sobre esses desafios de modo que traga ao contexto acadêmico-científico debates sobre o “tornar-se mãe” no processo de formação inicial das discentes do curso de Pedagogia, abordando questões e procurando estabelecer uma relação entre o sujeito mãe que vive simultaneamente a maternidade e a formação inicial, tendo como fundamentos teóricos para essa discussão a questão da maternidade a partir da discussão de Urpia (2009), que tenciona seus estudos na experiência da maternidade e vida acadêmica; Glat (2009), em sua obra, discute os conflitos e experiências da mulher após o nascimento do bebê; e Urpia e Sampaio (2011), que, entre outros trabalhos científicos, articulam sobre a formação inicial e as políticas de assistência às mães universitárias, amparadas pela Constituição Federal brasileira de 1988.
De acordo com Urpia (2009: 1),
[...] O imaginário sociocultural em torno da maternidade é tão consistente que, não obstante as dificuldades que apareçam no processo de tornar-se mãe, estas serão quase sempre minimizadas ou invisibilizadas em função de pensarmos as mulheres como possuidoras de uma “essência feminina”, que as orienta, naturalmente, para as necessidades de seus filhos [...].
Urpia (2009) aprofunda e discute sobre os desafios da discente mãe na formação inicial, onde se identifica a dupla jornada de ser mãe e ser estudante universitária ao mesmo tempo, surgindo momentos de desvantagens na vida acadêmica por consequência do cansaço físico e psicológico que surge da rotina de cuidar do(a) filho(a). O processo que a mãe passa antes e depois do nascimento do bebê interfere nas atividades acadêmicas por causa dos atrasos e faltas, ocasionando pouca assimilação dos conteúdos e prejudicando o processo de aprendizado na universidade.
O significado de ser mãe e o laço maternal de proteção tomam o tempo da mãe, o que faz surgir a necessidade de priorizar o filho, pois a criança necessita do contato constante materno. Urpia e Sampaio (2011: 150) destacam que, ainda que as mulheres recebam “[...] a mensagem do mito do amor materno [...]”, elas serão afetadas de forma diferente e cada uma delas construirá significados pessoais sobre o ato maternal. A discente que se torna mãe durante o processo de formação inicial enfrenta amplos desafios e se depara com barreiras que iniciam na gravidez e intensificam após o nascimento do bebê. Quase sempre o aproveitamento das disciplinas fica comprometido e seu rendimento fica abaixo do exigido pela academia, por tentar conciliar o cuidar de si, do filho e lidar com as preocupações da vida acadêmica.
Portanto, dialogar sobre tornar-se mãe durante a formação inicial é um assunto relevante e desafiador, pois envolve sentimentos pessoais concomitantes à necessidade e ao interesse da formação profissional. A complexidade do ambiente universitário é intensificado para as mulheres que são ou se tornam mães durante o processo da formação, e o relevante vínculo entre mãe e filho, que torna necessária a ausência dela do contexto universitário, ocasiona faltas, perdas de conteúdo, participação em projetos científicos, e perdas em relação à participação nas discussões, nos debates e nos estudos que se efetivam no âmbito da sala de aula, o que resulta, muitas vezes, em perdas no aprendizado ou no trancamento do curso. Diante dessa problemática, questiona-se: Quais os desafios de “tornar-se mãe” no processo de formação inicial?
O objetivo da pesquisa é analisar o “tornar-se mãe” durante o processo de formação inicial das discentes de Pedagogia do Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia da Universidade Federal do Amazonas, com o intuito de descrever as experiências da maternidade vivenciadas pelas discentes, bem como verificar se há políticas de assistência estudantil a elas e como contribuem para a permanência delas no curso. A partir dos relatos de experiências, analisar as perspectivas e os desafios enfrentados ao tornarem-se mães durante o processo formativo no curso de Pedagogia. Menciona-se, ainda, que as narrativas produzidas por este estudo são uma ferramenta para a reflexão sobre a formação da mãe acadêmica, seus desafios e suas perspectivas, propondo discussões de como essa formação ocorre considerando os desafios da maternidade e permanência na universidade.
1.1 Experiência da maternidade e os desafios de ser mãe e universitária
Segundo o conceito clássico da língua portuguesa, a maternidade é o estado ou propriedade de ser mãe. “Maternidade é gloria. É a grande realização e grande alegria da mulher. Filhos são uma benção, felizes das mulheres que podem realizar este sonho [...]” (Glat, 2009: 22). Nessa perspectiva, Correia (1998) destaca que a maternidade ainda se configura como uma expressão cultural que envolve os valores do que é ser mulher em cada camada social, e seu papel é determinado a partir das exigências e dos valores impostos pela sociedade. O amor materno às vezes se torna complexo, dependendo muito do que envolve a vida da mulher, do modo de como se dá a gravidez ou o desejo que envolve a criança, depende da relação com o pai da criança, dos seus familiares, dos fatores que envolvem a sociedade, a cultura e a vida profissional. A gravidez torna-se um período de modificações físicas e psicológicas, manifestado de diferentes formas, dependendo das características de cada mulher.
Glat (2009: 22) afirma que a maternidade se assemelha à natureza “[...] como em todo dia de sol, existem alguns momentos em que as nuvens encobrem o céu [...]”. Às vezes, nublados ou até sombrios, principalmente nos primeiros dias de gravidez ou após o nascimento da criança. O modo como é vivenciada a maternidade – que se vem modificando em decorrências das exigências de uma determinada sociedade e dos espaços abertos às mulheres –, é determinado pela experiência que vem juntamente com outras preocupações e outros projetos, envolvendo a vida pessoal e a profissional. Segundo Correia (1998), a exigência de uma integração interna harmoniosa entre satisfação profissional, satisfação amorosa e satisfação maternal nem sempre é fácil de se conseguir; esse momento traz uma série de conflitos. A autora acrescenta que a forma como a mulher vive a maternidade e a gravidez depende de um componente cultural que vai influenciar no sentimento e de que forma ela vai agir, por outro lado, os sentimentos são definidos pela própria característica da mulher. A maternidade é diferente em cada civilização, pode ser um momento de satisfação pessoal, uma parte importante da vida ou uma experiência dolorosa, dependendo do momento em que a circunda. Algo em comum é que se entende que a maternidade não se configura em papéis fictícios, não é uma peça de teatro que se ensaia o papel de mãe, é algo real que envolve uma vida, uma vida que depende do ser humano e que cada ato é concreto com consequências reais.
Portanto, a discente que vivencia a maternidade durante o processo de formação inicial gera sentimentos conflituosos perante as demandas acadêmicas, o que acarreta, em algumas mulheres, o desânimo em prosseguir os estudos pelo cansaço das atividades de ser mãe, principalmente quando ela experimenta a maternidade pela primeira vez. Para algumas mães, o instinto de cuidar e proteger faz com que os estudos fiquem em segundo lugar, pois a prioridade do momento é o filho. Conciliar esses fatores é tarefa difícil principalmente quando a mulher não tem apoio emocional da família, ou apoio dos professores e colegas, além da atenção da instituição de ensino onde realiza suas atividades acadêmicas. Ter a possibilidade de um ambiente adequado com condições de atender as necessidades especiais da mãe para que não interrompa os estudos é essencial. Sabe-se que cada sujeito enfrenta seus desafios de maneiras diferentes e ser mãe para muitas mulheres pode ser a realização de um sonho, mas para algumas é uma missão complexa ou até indesejável.
Nota-se que a entrada na universidade exige que o estudante em formação “[...] aprenda os inúmeros códigos e modos de funcionamento da instituição educacional, de modo a progressivamente reconhecer-se e ser reconhecido por seus pares e professores como um membro desse contexto [...]” (Urpia e Sampaio, 2011: 157). O recém-estudante chega no curso tomado de energia para o mundo que lhe aguarda, o que não inclui os imprevistos que a vida lhe oferece principalmente, se for do sexo feminino. A mulher vem lutando historicamente para ter seu lugar reconhecido na sociedade, no trabalho, na família e o direito de acesso ao ensino superior. Estudar e fazer um curso superior para algumas mulheres é uma forma de liberdade e empoderamento por meio do acesso ao conhecimento. Segundo Tortato e Carvalho (2016: 154):
[...] o processo educativo resulta em um tipo de empoderamento. Assim, a realização de um curso de capacitação, considerado como um processo educativo, estaria contribuindo para um outro processo que seria um estado de empoderamento, entendido como uma condição em que as cursistas, ao longo do processo de aquisição de conhecimentos e novas aprendizagens, tomam consciência não só das condições relacionadas às mulheres e às questões de gênero na escola e na educação, mas, principalmente, àquelas relacionadas a si próprias. Assim, esse estado de empoderamento revelaria uma maior consciência das condições de cada mulher e, ainda, de suas possibilidades como profissionais da educação. A partir da tomada de consciência está atrelada à ideia de ação que, no contexto da pesquisa, seriam as iniciativas pessoais e profissionais adotadas em consequência do conhecimento e comprometidas com mudanças na escola e na sociedade, contemplando as questões de gênero.
Na análise de Urpia e Sampaio (2011), o processo de aprendizagem dos chamados códigos de convivência em um ambiente acadêmico torna-se complexo quando há uma dupla conciliação de obrigações em que envolve a maternidade e as atividades universitárias. As exigências da instituição alongam-se ao percurso da vida cotidiana doméstica desse sujeito mãe. Um processo que implica muitos desafios que se entrelaçam na rotina de ser mãe e na do ensino superior. A conciliação dessas duas tarefas acaba por colocar a mãe em um dilema. Por um lado, a obrigação de cuidar do filho atendendo as necessidades físicas e afetivas para seu pleno desenvolvimento, o que não deixa de ser tarefa cansativa, e, por outro lado, a necessidade de realizar as atividades acadêmicas e dar conta de concluir as disciplinas que a universidade oferece. Diante disso, leva-se ao pensamento de duas demandas necessárias, que conciliadas fazem a mãe estudante muitas vezes ao esgotamento físico e psicológico. O dilema é amenizado quando há uma cumplicidade entre as relações familiares e o relacionamento com os professores, mas, quando não há essa relação de compreensão e afetividade resta o malabarismo maternidade versus universidade.
Durante a formação no ambiente acadêmico é comum ser cobrado e trabalhado conceitos em que o acadêmico aprende a ser e a ter um olhar crítico diante das transformações da sociedade, para que consequentemente reflita nas suas práticas de atuação no ambiente de trabalho. Porém, ainda há uma visão utópica da forma de como se dá o aprendizado e a assimilação dos conteúdos durante a formação inicial, diante dos desafios particulares de cada discente, principalmente do ser mulher que passa pelo processo da maternidade. Em se tratando do ser mulher mãe, a formação deixa lacunas, que refletirão no momento em que passa a atuar no local de trabalho. Urpia e Sampaio (2009) destacam que durante a maternidade há uma flexibilização nos horários para cuidar dos filhos e, muitas vezes, há interrupções nos estudos ocasionando uma desaceleração nas atividades e o retorno acontece com dificuldades.
Em se tratando da mulher que não opta pela interrupção nos estudos, ficam as inúmeras solicitações de atividades que rodeiam o mundo acadêmico como resenhas, leituras, fichamentos, artigos, sínteses, seminários e a presença em sala de aula, que são estendidas para além do ambiente educacional, fazendo parte também do seu ambiente doméstico, conciliando com a posição de ser mãe mesmo com o auxílio de algum familiar (Urpia e Sampaio, 2011).
Jablonski (2010: 266) confirma “[...] que, entre as bem intencionadas atitudes igualitárias e a prática do dia a dia, a distribuição de tarefas dentro de um lar ainda é bastante marcada pela divisão sexual e as mulheres arcam com a maior parte delas.”, a intenção do companheiro em ajudar se limita a brincar com o filho enquanto a mulher mãe se ocupa dos afazeres do lar e dos interesses do filho, não sobrando muito tempo para realizar as atividades acadêmicas. Para o referido autor, um significativo conjunto de estudos tem demonstrado que inúmeros aspectos da vida cotidiana parecem continuar imputados à responsabilidade feminina.
Como se vê, a maternidade impõe escolhas e adaptações na rotina, e a universidade não é mais exclusividade como antes. Embora continue a frequentar e tentar participar de todas as exigências acadêmico-científicas, o percurso da gravidez e os primeiros meses e anos do bebê geram outras necessidades e prioridades. É o momento de a universidade oferecer uma educação especial direcionada a essas mães para atender às necessidades emocionais e educacionais.
1.2 Formação inicial do(a) estudante de pedagogia
A formação é um assunto que está em todas as pautas de discussões, tanto nos espaços de conversa quanto na mídia e no ambiente universitário, mas não está entre as discussões, a formação inicial do ser mãe na área da Pedagogia. A atualidade transparece a inserção do sexo masculino na profissão de pedagogo, mas ainda há uma predominância do sexo feminino, e é intensificado com o reconhecimento da mulher na sociedade e no mercado de trabalho. O sujeito pedagogo apresenta, como base de sua formação, estar preparado a princípio para atuar em várias áreas da transmissão da educação, atendendo “[...] demandas socioeducativas de tipo formal e não formal e informal, decorrentes de novas realidades – novas tecnologias, novos atores sociais [...]” (Libâneo, 2007: 38). O ato que o envolve como fenômeno educativo se torna um fato da vida individual e também da vida social que é possível de ser explicado, mediante a investigação, mas o processo no ambiente em que ele acontece ainda não alcança o mérito desejável de compreensão no que envolve a formação da mãe em transição, proporcionando uma formação satisfatória na qual se olha a sua singularidade.
Historicamente, a formação inicial de pedagogos avançou muito. A princípio, a formação inicial era fragmentada, pois o direcionamento era o profissional pedagogo especialista. A atuação dele era centrada nas funções técnicas, conhecida como especialista em educação. No final da década de 1960 houve uma reformulação do curso de Pedagogia, passou a ser especializado em habilitações definindo o perfil profissional do pedagogo. Segundo críticos, esse perfil seguia um modelo capitalista; o currículo tinha ênfase em funções técnicas, que introduziu na escola a divisão do trabalho, fragmentando a prática pedagógica. A partir dessas discussões, a formação inicial passou a ser pensada e centrada nas fundamentações da educação, formando o profissional para exercer diferentes atribuições, em diferentes espaços educativos com o compromisso político com a transformação.
As Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia, definidas pela Resolução n. 1, de 15 de maio de 2006, do Conselho Nacional de Educação, trouxe à tona, mais uma vez, o debate a respeito da identidade do curso e de sua finalidade profissionalizante (Brasil, 2006). Como licenciatura, destina-se ao desenvolvimento de competências para a educação infantil, ensino fundamental, na educação profissional, à área de serviços e apoio escolar, às experiências educativas não escolares, às atividades de organização e gestão educacional e às atividades de produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional. Como se observa, as demandas para os estudos e atuação profissional são extensas e merecem dedicação.
Essa formação inicial apresenta para o futuro educador os processos formativos para o exercício da profissão, os quais precisam ser contínuos e consistentes para melhor desempenho na sua prática pedagógica. é pertinente pensar na formação do educador como processo histórico que vem ao longo dos tempos sendo construída de forma crível e organizada cronologicamente no campo da Pedagogia emancipatória, que está diretamente ligada à deterioração materialista que resulta na exclusão. Tal consideração forma educandos não só para o domínio dos conteúdos nas áreas de cada conhecimento, mas, sobretudo, uma formação humana integral que lhes proporcione uma autonomia intelectual e moral, tornando-os conscientes e críticos perante a realidade. O conhecimento dá-se em conjunto, pela troca do conhecimento adquirido culturalmente e do conhecimento cientifico, inter-relacionados, porém, essas dimensões interligadas de conhecimento só vão ter sentido se os sujeitos se tornarem reflexivos de suas ações e a partir de uma prática docente crítica.
Freire (1996: 20) afirma que “Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica, e do outro, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade [...]”. Então, a formação não pode ser uma ação esvaziada, sem que seja significativo em vários aspectos para a discente mãe, além do que não deve estimular estereótipos que são impostos sobre o papel da mulher e mãe. É certo que a realização dos estudos no processo formativo não as desobriga dos cuidados da casa e dos filhos, porém não se pode colocá-las em situação de desvantagens no percurso da vida acadêmica; elas necessitam adquirir os conhecimentos de forma significativa também (Urpia e Sampaio, 2009). Entretanto, deve-se entender seus momentos e tentar cooperar com sua permanência no contexto universitário, certa de que essa formação contribuirá para sua ascensão social, cultural e profissional.
Um estudo da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio de 2014, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, aponta que as mulheres com nível superior são a maioria nas universidades brasileiras, no entanto 39,1% com ensino superior incompleto contra 33,5% dos homens (Governo do Brasil, 2016). A predominância do sexo feminino configura então que entre elas há também demandas de estudantes mulheres mães. Diante da demanda há necessidade de criação de políticas públicas que possibilitem assistência e estimulem as mães acadêmicas para a continuação dos seus estudos no ambiente acadêmico, sem grandes perdas no aprendizado. Para tanto, a assistência e a proteção à maternidade são um direito social garantido no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988).
Uma das formas já existentes de assistência que estimulam a permanência e o melhor desempenho dos estudantes é a Assistência Estudantil proporcionada pelo Plano Nacional de Assistência Estudantil em que envolve estudantes em situação de vulnerabilidade econômica. Menciona-se, ainda, que essas ações não priorizam uma determinada categoria em que se inserem as mães estudantes. Outra ação desenvolvida pelo Plano Nacional, que amenizaria a complexidade da mãe acadêmica é a assistência à creche em que as instituições são as responsáveis em inserir e desenvolver os programas. Urpia e Sampaio (2009: 32) argumentam que “[...] elas aparecem como ação facilitadora da permanência dos estudantes, mas não é referenciada como estratégia, que inclui e reconhece as mulheres como grupo social em desvantagem de permanência ou desempenho, quando na condição de mães [...]”. Exemplo disso tem-se a realidade de que as universidades brasileiras não estão preparadas para receber essas estudantes. Para os autores citados, há argumentação que mesmo que a universidade seja acessível a todas as mulheres não é o bastante para proporcionar equilíbrio de oportunidades na carreira e na formação das mulheres que decidem tornarem-se mães. A escolha pela maternidade traz alguns obstáculos principalmente na participação no campo da pesquisa, o que configura um processo lento na carreira cientifica. Portanto, é necessária uma reflexão sobre a formação inicial da mulher, mãe, dona de casa estudante de pedagogia, que necessita da realização pessoal e profissional diante das crescentes necessidades da formação acadêmica e do absorvente e aplicado trabalho que a maternidade exige.
2 METODOLOGIA
Os procedimentos metodológicos deste estudo foram desenvolvidos a partir da abordagem qualitativa com enfoque na fenomenologia-hermenêutica. Os pesquisadores que utilizam essa abordagem tentam compreender o significado que os acontecimentos representam para as pessoas e qual o significado particular que elas constroem diante das adversidades cotidianas (Bogdan e Biklen, 1994). “A Hermenêutica constitui o esforço do ser humano para compreender a própria maneira pela qual compreende as coisas [...]”, o que torna uma incessante busca para compreender a si próprio, dando sentido à própria existência no mundo (Ghedin e Franco, 2011: 164). Seguindo o pensamento de Ghedin e Franco (2011), os pesquisadores, ao utilizarem a hermenêutica como método, fazem uma leitura capaz de contemplar de forma mais abrangente, a realidade que o cerca, de forma que essa busca vise à compreensão do objeto pesquisado, ou seja, passa a ser significativo quando há uma relação com a realidade dos sujeitos. A escolha da abordagem qualitativa deu-se pelo propósito de trabalhar com o “[...] universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos [...]” (Minayo, 1994: 21-22). Tal escolha ainda se justifica pela necessidade do mergulho no mundo dos significados das ações humanas a partir das suas vivências e experiências. Segundo Oliveira (2012), as informações obtidas, além de facilitar e descrever as complexidades de problemas, hipóteses, análises, compreensões e classificações, ainda determinam processos sociais que resultam em conclusões pertinentes para o meio acadêmico.
Este estudo pode ser caracterizado como exploratório, no curso de Pedagogia do Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia da Universidade Federal do Amazonas a fim de se identificar as mães acadêmicas, permitindo uma visão mais abrangente da realidade vivenciada pelas participantes da pesquisa. Fora realizado o levantamento inicial nas turmas de 1º ao 9º período e estabelecidas como critério de escolha as discentes que se tornaram mães durante o processo de formação inicial. Os pesquisadores levaram em consideração a disponibilidade de cada participante bem como o aceite voluntário no respectivo estudo. A partir do contato por meio de conversas iniciais, participaram sete mães da faixa etária de dezenove a trinta e um anos, as quais são ficticiamente mencionadas ao longo desta pesquisa por meio de nome de flores, como: Rosa, Bromélia, Violeta, Margarida, Tulipa, Jasmim e Orquídea.
O instrumento de coleta e produção de dados foi a entrevista narrativa, cuja escolha se deu por ser um instrumento que permite que o sujeito transmita suas experiências, seus desafios, suas histórias de vida, tem como objetivo o encorajamento e estimulação do sujeito entrevistado (informante) a narrar algo sobre algum acontecimento importante de sua vida e do contexto social, e as histórias surgem da interação e do diálogo entre os pesquisadores e os participantes entrevistados (Jovchelovich e Bauer, 2002; Muylaert, 2014). Este estudo também leva em consideração o enfretamento das limitações físicas, estruturais da instituição de ensino superior na qual as participantes apresentam vínculo educacional.
Assim, tece-se uma rede de diálogos (discussões) com os conteúdos presentes a partir da expressão verbal e gestual das mães, expressando o sentido enquanto realizam as atividades acadêmicas concomitantemente.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 “Tornar-se mãe” no processo de formação inicial das discentes de pedagogia: perspectivas e desafios enfrentados
A busca por igualdades dos que integram a comunidade universitária, onde convivem pessoas de diferentes concepções e histórias de vida, deve ser um espaço de reflexões sobre a formação dos cidadãos. Em seu interior, o debate deve estar presente sobre a multiplicidade dos indivíduos com experiências e realidades diferentes, o que deve incluir a questão de gênero, especificamente, a relevância da educação das mulheres mães na sociedade. A formação inicial das mulheres mães e estudantes universitárias precisam estar nos debates dentro das instituições de ensino, principalmente sobre as educandas que fazem a transição para o ser mãe, dividindo o seu tempo para cumprir os prazos impostos pela instituição educacional vinculada e o cuidar do filho, não sobrando tempo para cuidar de si (Urpia e Sampaio, 2009). O ambiente universitário demanda tempo e dedicação, mas, para a acadêmica mãe que necessita cuidar do filho, surgem os dilemas em relação ao uso do tempo devido a tarefas inerentes à maternidade.
O Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia da Universidade Federal do Amazonas, onde se desenvolveu a pesquisa, é um espaço que abrange múltiplos indivíduos, com culturas diversas e grupos sociais distintos, em que homens e mulheres dividem o mesmo espaço. Dentre os cursos oferecidos no respectivo instituto está o curso de Pedagogia que funciona no turno noturno e se compõe de um quantitativo predominante de estudantes mulheres, entre elas, mães que se tornaram no percurso da formação. Foram selecionadas sete estudantes para participarem desta pesquisa, cujos relatos aqui descritos focalizam os enredos e complexidades do processo de se tornar mãe durante a formação acadêmica.
São abordadas suas experiências, bem como os desafios em conciliar a maternidade com as tarefas da vida universitária. A análise das narrativas relatadas pelas estudantes coloca em destaque três importantes momentos e aspectos relacionados ao tornar-se mãe durante a formação inicial “[...] marcados por um processo intenso de construção de significados e relações [...]” (Urpia e Sampaio, 2011: 152). O primeiro momento marca a descoberta da gravidez no percurso da formação acadêmica, na maioria não planejada, segundo os relatos das entrevistadas. O segundo destaca-se pelos desafios e significados construídos após o nascimento do bebê e a conciliação das exigências e demandas institucionais, expondo também, por meio de fotografias, situações marcantes vivenciadas pelas mães no contexto local. Já o terceiro aspecto analisa o ponto de vista das estudantes sobre as assistências às mães no processo de formação inicial.
3.2 Gravidez no percurso da formação inicial
Segundo Coulon (2017: 1.242), “A mudança mais espetacular que se produz com o ingresso na universidade é a relação dos novos estudantes com as regras e os saberes, uma verdadeira aprendizagem prática que deve ser desenvolvida.”, mas só terá sentido se forem direcionados por projetos individuais com objetivos de elevar tanto o nível de conhecimento quanto o de qualificação profissional. Quando o projeto dentro da formação é alterado por algum componente, como uma gravidez, seja ela planejada ou não, visto que necessitam de uma atenção e dedicação especial, surgem então muitas incertezas.
Em conversa com uma das estudantes, destacou: que na realidade a sua gravidez não foi planejada, e que ficou bem surpresa, ficou pensando na sua vida acadêmica como ela ia terminar os estudos e arrumar um trabalho, mas que depois foi aceitando; já que tudo aconteceu durante o processo (Rosa, 20 anos, 8º período). Ela é mãe pela primeira vez, com vinte anos de idade, está no sétimo período da graduação, mas quando descobriu a gravidez estava no sexto período, e, apesar da gravidez ter ocorrido sem intercorrências para sua saúde e de seu bebê, sentiu o impacto da nova condição, principalmente após o nascimento da criança. Seu relato demonstra que a descoberta da gravidez trouxe um misto de sentimentos, o fato de a gravidez não ter sido planejada trouxe complicações diversas para a vida acadêmica diante do projeto para concluir os estudos e se planejar para o mercado de trabalho. A estudante é uma de muitas jovens que buscam no ensino superior a possibilidade de uma ascensão na vida profissional, visto que há uma concorrência grande por causa da expansão e das exigências de uma sociedade concorrente e desigual, na qual principalmente a mulher ainda vivencia situações preconceituosas e discriminatórias.
Nas falas das estudantes, a descoberta de uma gravidez não planejada vai além das mudanças físicas, traz uma mistura de medo, tristeza e preocupação:
Ai, eu chorei muito, chorei, chorei e eu acho que as primeiras semanas de descoberta foi muito choro. Eu queria ter um filho, mas não estava preparada né, eu fiquei muito triste, passei a semana chorando. É porque só era eu e meu marido, a gente saía para onde queríamos, não éramos presos. Eu já era casada, morávamos sozinhos em nossa casa. Aí, quando a gente descobriu, sabíamos que ia mudar tudo [...], ia ter todo um processo. Logo nessa primeira semana só foi choro de alegria por saber que tem alguém dentro da gente. Pensei muito no que estava por acontecer futuramente [...].(Bromélia, 24 anos, 5º período).
Bom, quando eu descobri que estava grávida eu me senti muito mal, não esperava porque meu plano era fazer uma faculdade, eu senti um impacto [...] conversando com outras pessoas para entender o que estava acontecendo comigo, foi amenizando as coisas, não sinto, tipo, medo. Primeiro porque eu tomava bastante remédio para evitar [...].(Margarida, 19 anos, 1º período).
Nossa! A gravidez não foi planejada. Quando eu descobri que estava grávida eu estava no terceiro período de pedagogia, aí eu estava prestes a passar para enfermagem para Manaus, de 64 vagas eu era a 70ª, eu ia passar se caso houvesse desistência, nesse caso o que é que eu fiz, com muita vontade de passar para enfermagem eu parei de ir para a UFAM [...] passou duas semanas comecei a ficar gripada, gripei muito. Aí gripava uma semana sim uma semana não. Eu estava tomando uns remédios e comecei a enjoar os cheiros dos remédios, aí fui para o hospital e descobri que estava grávida, puts! [...]. Tive que voltar para pedagogia e já estava com o período todo desregulado, lá eu tive que refazer o período todinho [...]. (Violeta, 21 anos, 5º período).
A gravidez não planejada faz surgir interrogações na vida de uma mulher, e para a estudante universitária as apreensões se intensificam, pois, toda sua rotina de estudante irá mudar. Para Urpia e Sampaio (2011), o impacto psicocorporal que as estudantes vivenciam na descoberta tomam diferentes significados para expressar os conflitos marcados pelas mudanças físicas, emoção e abalo psicológico, demonstrados por meio do choro, medo, mas ao mesmo tempo a alegria de estar gerando um filho. Afinal, a gravidez proporciona momentos únicos e mágicos, imagina aquele ser crescendo no ventre, passando a imaginá-lo nos braços, cantando canções de ninar para dormir, e, quando possível, ter um cantinho especial para a sua chegada. São momentos que por alguns instantes fazem esquecer as dores, os enjoos e os desafios que estão por vir, principalmente quando se trata da conciliação de papéis de mãe e estudante.
Além das interrogações que surgem a possível mudança na vida e na rotina acadêmica, também surge a preocupação que a nova condição de futura mãe implicará em algumas limitações na vida social e econômica, como afirma uma das mães:
É porque só era eu e meu marido, a gente saía para onde queríamos, não éramos presos. Eu já era casada, morávamos sozinhos em nossa casa. Aí, quando a gente descobriu, sabíamos que ia mudar tudo [...], ia ter todo um processo. (Bromélia, 24 anos, 5º período).
Bromélia tinha uma vida conjugal aparentemente estável, usufruía da sua juventude e da relação com o esposo com maior liberdade. Terminando o quinto período de Pedagogia não esperava por uma gravidez, não estava ainda em seus planos ter um filho, pois sabia da dimensão e responsabilidades que trazia a chegada de uma criança.Sabe-se que a maternidade requer da pessoa tempo e dedicação e, sobretudo, a renúncia de diversas coisas, há necessidade de uma reorganização na vida familiar, pois uma criança necessita de cuidados com saúde, alimentação, vestuário, atenção, carinho, entre outros, para se desenvolver em todas as dimensões humanas.
No entanto, a partir do momento em que a estudante se insere no campo universitário, precisa estar disposta a aprender e se reconhecer como um membro desse grupo, compartilhando as linguagens e sutilezas das relações que a identificam (Coulon, 2017). Se, porventura, a estudante não consegue conciliar as determinações dessa demanda, pode estar propícia ao baixo desempenho acadêmico. É fato que para algumas das estudantes a gravidez acaba por interferir em planejamento na vida pessoal, que vão desde a frustração de ter que encarar um novo processo cheio de desafios e necessidades, até um possível trancamento ou abandono do curso iniciado para dar conta das atribuições que a maternidade exige.
Como se percebe, muitas recebem a notícia da gravidez com surpresa, junto de inúmeras interrogações, por mais que depois aceitem a nova condição, se sentindo privilegiadas e agraciadas pelo momento, não deixam de pensar na dimensão que será vivenciar o momento maternal e a vida acadêmica, pois ainda pesa a elas a “[...] função das diferentes prescrições de gênero da nossa cultura [...]” e as responsabilidades impostas sobre as mulheres após o nascimento da criança (Urpia e Sampaio, 2011: 157). Além de tudo, as dificuldades e os desafios já começam durante a gravidez, como pode-se observar a seguir:
[...] há dificuldades que tenho em sala de aula, não só eu como todas as grávidas é de sentar, as vezes dói a coluna porque não pode se esticar e tenho que ficar em uma mesma postura, essa é a minha dificuldade. (Margarida, 19 anos, 1º período).
[...] parte chata de estar grávida é de subir escada, a escada é um desafio para qualquer mãe, nossa e quando a barriga vai crescendo aí você sobe degrau por degrau e vai parando, respira e continua (risos).(Jasmim, 20 anos, 3º período).
[...] chegou um momento da gravidez, uma fase da gravidez que minha barriga ficou cheia de estria e bolha, não conseguia vestir roupa direito para ir para aula. Me deu uma alergia que fiquei cheia de bolha, aí eu ia para sala de aula, passava uma hora na aula, só um tempo de aula e voltava para casa porque estava me coçando toda. (Violeta, 21 anos, 5º período).
As mudanças físicas são um grande desafio para a grávida (a barriga aumenta de tamanho pressionando os órgãos o que resulta na falta de ar, os pés incham, vontade constante de ir ao banheiro, enjoos, entre outros), e, em se tratando de ser estudante universitária, as mudanças se intensificam com a rotina institucional. Segundo o relato das acadêmicas, ficar horas sentadas para assistir à aula se torna uma tortura, ocasionando dores nas costas, em função da demanda extensa de horas e disciplinas do ambiente acadêmico. Menciona-se, ainda, o esforço que se faz para subir a escada ou os previsíveis desconfortos da gestação.
Algumas mulheres não estão preparadas para as repentinas mudanças que a gravidez proporciona, sejam físicas, emocionais ou mesmo estruturais. A universidade não dispõe de boas estruturas para acessibilidade, há pouca disponibilidade de salas e carteiras especiais para atender essas mães. A falta de informação ou o constrangimento diante dos colegas são também fatores que contribuem para a não procura desses ambientes na gravidez. O esforço que se faz para frequentar a sala de aula é visível nas mães acadêmicas entrevistadas.
Contudo, a gravidez não deixa de ser o começo do processo de transição, fazendo com que as estudantes vivenciem mudanças e criem expectativas do que seria ser mãe e, também, diante do sonho de concluir um curso superior, permanecem na universidade.
3.3 Desafios da conciliação de papéis: ser mãe e estudante universitária
O ambiente acadêmico exige em seu contexto inúmeras solicitações como resenhas, leituras, artigos, seminários, iniciação científica e a presença do aluno em sala de aula (Urpia e Sampaio, 2009). Mediante tantas exigências acadêmicas ocorrendo paralelamente com as demandas da maternidade, requer organização temporal, de forma a não negligenciar as necessidades da missão maternal e isso pode criar muitos dilemas. Foi questionado às mães acadêmicas, participantes da pesquisa, como é ser mãe e universitária ao mesmo tempo. Todas relataram que “é difícil” conciliar universidade e maternidade:
Ah, é difícil (risos), porque já é um grande desafio ser mãe, você vai se deparar com as dificuldades do dia a dia [...], cuidar das atividades acadêmicas, cuidar das atividades de casa não é fácil, porque tem que ter total atenção ao seu filho principalmente quando está começando. Por exemplo o meu filho que já vai fazer nove meses e ele quer atenção, ele busca a atenção de mim. Tudo que ele faz olha para mim para ver se eu estou olhando [...], Quando eu não dou atenção ele se irrita, ele fica bravo e grita, porque ele não está tendo aquela atenção que ele quer. Então, eu quando vou fazer meus trabalhos acadêmicos, eu faço um pouquinho, quando vejo que ele vai se irritar entrego ele para o pai dele. E já peço para ficar com ele para mim, daí eu deixo o que estou fazendo e vou lá dar um agrado sempre que possível, alimento [...]. (Jasmim, 20 anos, 3º período).
Os relatos de Jasmim demonstram os desafios de ser mãe e acadêmica, pois ela precisa conciliar entre as dificuldades do dia a dia, os afazeres domésticos, a atenção ao filho com as atividades acadêmicas. Um verdadeiro malabarismo que uma jovem universitária precisa fazer para conciliar dois universos tão distintos e exigentes como a maternidade e a academia, além das prescrições de gênero que associam a mulher aos cuidados domésticos (Urpia e Sampaio, 2009). Apesar de Jasmim relatar que o pai fica com a criança, dividindo os cuidados, é nítida a necessidade de atenção primordial da mãe. Assim, as mulheres arcam com a maioria das atividades e trabalham duas vezes mais que os homens nas tarefas do lar, entre elas, o cuidar das crianças, lavar, passar, limpar a casa, entre outras (Jablonski, 2010).
Outro fator que evidencia a dificuldade de conciliação entre maternidade e universidade é a questão da organização dos horários entre a instituição e os horários das necessidades do bebê. Segundo os relatos de Violeta, ela sempre perde os primeiros horários de aula na universidade, pois precisa deixar a filha dormindo antes de ir para a faculdade. A responsabilidade como mãe é prioridade, a ponto de sair no meio das aulas para atender as necessidades da criança. Em sua fala enfatiza:
[...] eu ficava em casa de manhã e a tarde ia trabalhar, só que, saia seis e quinze ou seis e meia e tinha que vim aqui para pegar ela e dar o peito e quando eu chegava lá era sete horas, não tinha como, eu perdia o primeiro horário. Então, ser mãe e universitária não dá muito certo, porque tem o horário deles, no caso da minha filha. Ela tem um horário para dormir que é seis horas, então cinco e meia ou seis horas ela dorme, se ela dormir, sorte, aí eu vou para a faculdade mais cedo, se ela não dormir eu fico tentando até umas sete horas, aí já perco o primeiro horário [...]. As vezes acontece de meu esposo me ligar e me avisar que nosso bebê está nos gritos e tenho que ir embora oito e meia ou nove horas, daí eu perco o restante da aula também. (Violeta, 21 anos, 5º período).
Como se percebe, os desafios colocam-se entre essas tarefas. Os trabalhos da mãe universitária tornam-se muito mais complexos pela necessidade de conciliação entre estudar e exercer as ocupações da maternidade, principalmente dos filhos que ainda são amamentados pela mãe.
Essa necessidade de ir e voltar para casa ocasiona faltas nas disciplinas, além de ser um dos fatores de desmotivação para o estudo. Entre asquestões que influenciam a vida acadêmica das mães é não poder deixar o bebê e, desta forma, os laços afetivos maternos são mais fortes:
Então com essa questão de ter que ir e voltar foram me desmotivando até chegar o momento em que eu desisti no primeiro período ainda.
[...] quando eu deixava ela, eu já vinha chorando porque não tinha me afastado tanto tempo assim dela, toda vez que eu tinha que deixar ela com alguém eu me sentia triste, mas ao mesmo tempo insegura, porque, são filhos, a gente não sabe como outro vai cuidar. (Tulipa, 25 anos, 9º período).
Outro fator que influencia na vida acadêmica, quando não tem com quem deixar o filho, é a participação nos trabalhos de aula externos e nas práticas cientificas:
Quando eu tenho que fazer trabalho de campo, por exemplo, já teve trabalhos de campo que eu tive que levar o meu filho, ele já participou comigo [...].
[...] porque muitas vezes tinha aqueles trabalhos em grupo. Daí tem que se reunir na casa do fulano, outro trabalho na casa do ciclano então meu tempo ficou muito privilegiado para o meu filho e ainda tinha essa dificuldade de participar de reuniões de trabalho, de participar de monitoria [...]. (Jasmim, 20 anos, 3º período).
A dificuldade maior acontece nos primeiros meses após o nascimento do bebê quando a mãe é considerada, em geral, a principal responsável por seu cuidado. Há uma cultura que exige da mulher atitudes e sacrifícios em função das necessidades infantis, como no momento de enfermidades da criança (Urpia, 2009). Na fala de Bromélia (24 anos, 5º período), percebe-se o enfrentamento desta dificuldade:
[...] por exemplo, ele adoece, eu não vou para aula se ele estiver doente, de jeito nenhum. Nem que seja só uma gripezinha eu não vou. Eu fico lá com ele e é uma das coisas que eu não abro mão, daí a gente acaba se atrasando e fica meio perdido quando volta [...].
Diante de sua exposição fica evidente o sentimento maternal de dedicação e cuidado, a responsabilidade com a saúde do filho na qual ela não abre mão, mesmo que isso vá comprometer o seu desempenho no curso. Entre esses e outros desafios que as estudantes enfrentam, tem como consequência a vontade de parar os estudos para se dedicarem aos filhos:
Já passou pela minha cabeça parar de estudar, ela precisa de cuidado, sem falar nas pessoas que não tem obrigação de cuidar da nenê, cuidar dela, das coisas dela como uma mãe cuida e aí não tenho esse tempo devido à universidade. (Rosa, 20 anos, 8º período).
Essa mãe se vê como a única responsável para cuidar da filha que está com cinco meses, seu pensamento até o momento da entrevista era de parar os estudos, porque não estava tendo o tempo necessário para dar assistência à criança. Esse pensamento foi concretizado alguns dias depois da entrevista, pois trancou o curso para cuidar do seu bebê. Assim como Rosa, conciliar as responsabilidades da maternidade e as dificuldades das demandas do ensino superior leva algumas estudantes a interromper ou trancar o curso, nem que seja por alguns períodos, como pode-se também observar a seguir no discurso de outras mães:
[...] eu fiz isso, parei de estudar só para cuidar dele, e quando eu vi que ele já conseguia ficar com o pai dele, que não é a mesma coisa o cuidado da mãe e o cuidado do pai, eu acho totalmente diferente, aí eu decidi voltar [...].(Bromélia, 24 anos, 5º período).
[...] eu desisti no primeiro período, foi a besteira que eu fiz, desisti no finalzinho já. Aí fui embora pra Maués, quando retornei no segundo período, fiquei desperiodizada porque no primeiro período a gente tem muita disciplina pré-requisito, aí eu fiquei prejudicada, daí tive que acompanhar outra turma. (Tulipa, 25 anos, 9º período).
A interrupção nos estudos ocasiona a quebra no processo formativo, ocasionando o atraso nos períodos. Quando acontece o retorno, consequentemente com muita dificuldade, há também uma quebra de vínculos afetivos, decorrente do afastamento dos grupos que se formam diariamente na sala de aula, dificultando ainda mais o diálogo sobre os assuntos acadêmicos (Urpia, 2009). Outra questão sobre os desafios de ser estudante mãe é o conflito que surge ao deixar a criança aos cuidados da família para poder chegar à universidade, ocasionando certo desconforto emocional, conforme relato:
[...] saio dez horas, dez e meia da universidade, um dia me ligaram, dizendo que ela estava nos gritos e quando cheguei foi uma confusão enorme porque eu deixei ela com fome e fui embora. Nesse dia a minha vontade era parar de estudar na hora, parar, largar para lá e vim cuidar dela [...]. Assim, o que me deixou mais com vontade de largar foi essa situação. Eu estou correndo atrás de meu futuro e de minha família, poxa! Eu chego aqui fico ouvindo um monte de coisas, um monte de besteiras: ‘há, porque tu vai embora e larga ela com o pai dela, que tu não dá a atenção direito para essa criança, que tu não sei o quê’ [...]. (Violeta, 21 anos, 5º período).
A mulher na condição de mãe acaba por ser culpabilizada pelas imposições que caem sobre o ser mãe, que encontra nos estudos uma forma de emancipação e autonomia. Decorrente dessas situações e desconfortos com os familiares, as acadêmicas, muitas vezes, levam os filhos para a sala de aula, fazendo com que a mãe divida a atenção entre as aulas dos professores e a atenção à criança. Para Violeta (21 anos, 5º período), levar o bebê é complicado, já que ele vai no bebê carona e chega lá quer andar, mexer, e as vezes quer conversar com o colega da frente, do lado, com o professor que dá aula, situação que não dá certo. A distração torna-se um fator que ocasiona a pouca assimilação dos conteúdos em sala de aula.
Como se percebe, diante de tantos desafios, a mãe acadêmica ainda encontra forças para continuar, e isso ocorre, em geral, por conta da compreensão e motivação dos professores e colegas, contribuindo para que essas mães estudantes consigam conciliar a vida acadêmica e a maternidade.
Jasmim, emocionada, relata o quanto esse apoio faz diferença e marcou sua vida:
É, o que marcou a minha vida tanto quanto mãe como acadêmica foi a partir do momento que tive apoio de alguns colegas pra fazer acontecer aquilo que eu planejava, e também, o acolhimento dos professores [...]. Às vezes eu chegava, eu até me emociono (choro), eu fico sensível quando falo (choro) porque muitas vezes eu vinha de casa estressada, aí me animava na faculdade porque é muito difícil [...]. Foi o que eu precisava para seguir em frente, tem professor que tem esse diálogo com a gente, compartilha histórias passando experiências. Foi isso que marcou a minha vida e agradeço estar compartilhando.
Nota-se diante dos relatos das mães acadêmicas, o malabarismo que é necessário fazer no cotidiano. As exigências do curso que norteia a formação dessas mães, as atividades complexas, intercalam com a responsabilidade do ser mulher e mãe. A tentativa de adaptar seus horários para cuidar do filho e frequentar a universidade traz consigo consideráveis desafios: o desenvolvimento e aquisição dos conteúdos, a realização de trabalhos em grupo, a necessidade de compreensão de professores e colegas, o enfrentamento dos conflitos familiares e o necessário cuidado e atenção maternal.
3.4 Visão das estudantes mães sobre as políticas de assistência no processo de formação inicial
A luta das mulheres por direitos vai além de direitos à igualdade de gênero, para as mães que estudam é uma forma de garantir ou amenizar a permanência nos estudos. O direito às políticas de permanência, o acesso às assistências estudantis não necessariamente prioriza as estudantes que se tornam mães durante a formação, quando ocorrem, são direcionadas às mães em um tempo curto dos dois últimos meses de gravidez e até seis meses após o nascimento da criança. Fora perguntado a elas se tinham conhecimento de algum tipo de política de assistência que as ampara durante ou após a gravidez. Obtiveram-se algumas respostas negativas e outras positivas. De acordo com algumas entrevistadas, afirmam desconhecer ou não tiveram acesso a algum tipo de assistência:
Não, não tive nem uma informação sobre essa política, inclusive depois de eu ter tido o meu filho aí eu vi colado pela parede ‘yoga da maternidade’ [...] Logo que engravidei não tinha isso. (Jasmim, 20 anos, 3º período).
Esse tipo de ação de ioga, na qual a mãe relata, é fruto de projetos de extensão desenvolvidos no contexto universitário para contribuir com professores, alunos e comunidade em geral na instituição.
Algumas mães, também, conhecem ou já tiveram acesso ao afastamento para exercícios domiciliares:
Quando eu entrei na UFAM eu procurei logo saber, porque justamente eu queria saber sobre essa minha ausência. O que eu soube é sobre o amparo dos trabalhos domiciliares que temos direito. Mas, tem que entrar com um documento solicitando afastamento e atestado médico e aí estamos resguardadas para fazermos os trabalhos de aula em casa, fora isso, eu desconheço. (Orquídea, 31 anos, 1º período).
Quando eu estava no meio do semestre, fiz todos os trabalhos em casa. Alguns professores chegaram a ir em casa levar os trabalhos, só não acompanhei o estágio porque eu não quis e por causa dela que estava muito pequena. (Rosa, 20 anos, 8º período).
As estudantes gestantes têm seus direitos garantidos pela Lei nº 6.202, de 17 abril de 1975, permitindo-lhe o afastamento para exercícios domiciliares a partir do oitavo mês mediante atestado médico. A Lei teve a sua reformulação com o Projeto de Lei nº 2.350, apresentado em 14 de julgo de 2015, que prolonga para 90 dias o afastamento para exercícios domiciliares e que se estabeleça condições para essa estudante exercer seu direito à educação, para assegurar que a criança tenha desde o nascimento a possibilidade de se desenvolver e a mãe exercer seu papel de estudante e poder alimentar e cuidar do bebê nos primeiros seis meses:
Art. 1º A partir do oitavo mês de gestação e até seis meses após o nascimento da criança, a estudante, de qualquer nível ou modalidade de ensino, em estado de gravidez, puerpério ou lactação em livre demanda, fica assistida pelo regime de exercícios domiciliares instituído pelo Decreto-lei nº 1.044, de 21 de outubro de 1969.
§ 1º O início e o fim do período de afastamento serão determinados por atestado médico a ser apresentado à direção da instituição de ensino.
§ 2º Em casos excepcionais devidamente comprovados mediante laudo médico, poderá ser aumentado, antes e depois do parto, o período de repouso, sendo a estudante incluída no regime de exercícios domiciliares. (Brasil, 2015).
A partir da Portaria n. 04, de 25 de abril de 2011, da Pró-Reitoria de Ensino de Graduação da Universidade Federal do Amazonas, revogada e atualizada pela Resolução n. 023, de 3 de maio de 2017, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade Federal do Amazonas, há um respaldo às estudantes da respectiva universidade em relação ao atendimento de exercícios domiciliares, mediante um encaminhamento ao Coordenador Acadêmico de um laudo médico de, no máximo, três dias (Universidade Federal do Amazonas, 2017). Se, após o término do prazo, a estudante não realizar as atividades acadêmicas ou a prova final, fará uma solicitação à Coordenação para marcar dia e horário para as atividades acadêmicas. No entanto, a Portaria não respalda atividades que não sejam conteúdos disciplinares. Ressalta-se, também, que nem sempre a estudante consegue absorver os conhecimentos a distância, sem contato direto em sala de aula.
Eu só sei que a professora explicou que eu poderia escolher a data para voltar. Já tinha um mês que eu tive ela, ainda faltava muito para terminar a disciplina. Eu poderia ficar seis meses sem ter aula, aí eu escolhi ficar em casa fazendo os trabalhos. Apenas não deu para fazer o estágio. (Rosa, 20 anos, 8º período).
Acredita-se que os desafios enfrentados pela mãe estudante dentro do ambiente acadêmico também seriam amenizados se a instituição oferecesse espaços educativos para acolher essa demanda de crianças. Dentre as possíveis propostas que contribuiriam para melhorar as condições de estudo da mãe durante a formação sugerida pelas entrevistadas seria a disponibilidade de uma creche no instituto ou uma sala lúdica que tivesse profissionais disponíveis para ficar com as crianças enquanto a mãe está em sala de aula ou precisa realizar alguma atividade referente ao seu curso:
A sugestão que eu daria é que a Universidade tivesse uma creche que quando viéssemos com nossos bebês, acompanhássemos não somente os estudos, mas eles também. (Margarida, 19 anos, 1º período).
Eu acho que fazer a creche aqui na UFAM seria o ideal. A principal dificuldade da mãe é a falta deste espaço dentro da instituição, principalmente o curso de pedagogia, né? Nossas aulas acontecem a noite. Eu não sei se estou pensando longe, mas se tivesse uma sala onde tivesse profissionais desenvolvendo um trabalho de acolhimento das crianças, seria ótimo. Trabalho esse que poderia ser bem lúdico, seria bem interessante. (Tulipa, 25 anos, 9º período).
Estar na universidade significa estar aberto para grandes mudanças que irão contribuir para a formação, mas no momento em que a mulher se torna mãe há uma pausa, e então começa um novo ciclo em que ela tenta conciliar as necessidades impostas pela maternidade e pelas regras para estar inserida no ambiente universitário. Nesse sentido, a rotina de estudante entra em conflito com as atividades de ser mãe e começa uma adaptação rigorosa na vida da estudante. Por isso, a instituição deve compreender e acolhê-la criando estrutura e efetivando as políticas de assistência para oferecer suporte e para que não interrompa os estudos. A instituição deve proporcionar o acesso à informação sobre o direito às políticas de assistências à maternidade, pois muitas acadêmicas mães afirmam desconhecê-las.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme o exposto no texto, conclui-se esta pesquisa com várias reflexões sobre os desafios de se tornar mãe na formação inicial, fatos relevantes que confirmam os desafios enfrentados pelas estudantes mães do Curso de Pedagogia do Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia da Universidade Federal do Amazonas, que realizam uma sequência de tarefas laboriosas para conciliar o cuidar do(a) filho(a) e dar conta das demandas do cotidiano universitário. Pensar a formação inicial sob a perspectiva da maternidade ultrapassa a trajetória da visão que se tem da mulher frágil, delegada culturalmente aos cuidados da família e aos afazeres e obrigações maternais. A mulher moderna, mãe acadêmica, ainda se vê nessa posição, porém busca nos estudos uma formação que a capacite para exercer uma profissão. No entanto, não é fácil conciliar tais papéis, pois os desafios de se tornar mãe enquanto estuda gera ausência em aulas, trancamento de curso e até a possibilidade de abandono dos estudos.
As acadêmicas entrevistadas que se tornaram mães no percurso formativo do ensino superior fizeram levantar questões sobre a maternidade no ambiente acadêmico, com a exposição de situações e narrativas que chegam até a emocionar, pois se percebe o esforço de muitas para continuar os estudos, não abandonar as aulas, mas ficam divididas entre a necessária atenção aos filhos e as exigências de uma formação com qualidade.
Considera-se que, apesar dos desafios enfrentados pelas acadêmicas mães no ambiente universitário, os significados construídos em função da maternidade elevaram a confiança na escolha do curso de Pedagogia ao vivenciar o desenvolvimento do(a) filho(a). Outra questão evidente é a relevância da relação de compreensão e acolhida por parte dos professores e os colegas em sala de aula, pois motivam a continuidade dos estudos e a superação das dificuldades e complexidades da formação.
Assim, diante dos resultados da pesquisa, espera-se que este estudo contribua para a reflexão em torno da formação inicial de acadêmicas que se tornam mães durante a trajetória de formação, para que se pense em uma educação especial com as possibilidades de contribuição no enfrentamento dessa realidade e discuta políticas públicas para atender as necessidades psicológicas e acadêmicas dessas mães. Que a universidade disponibilize ambientes educacionais infantis em parceria com o poder público nas esferas municipal, estadual e federal. Espera-se, também, o incentivo por parte de órgãos competentes no que tange à continuação dos estudos após o nascimento de uma criança. Desse modo a universidade deve ser capaz de dar suporte institucional que envolva a comunidade acadêmica a partir de projetos de incentivo e conscientização para que as mães estudantes se sintam mais bem acolhidas emocional e educacionalmente, bem como seguras de seus direitos.
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