Luis Miguel Barudi de Matos*
José Carlos dos Santos**
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Brasil
E-mail: miguelbarudi@udc.edu.br
RESUMO: Este estudo tem por objetivo demonstrar a disfunção existente no ensino jurídico no Brasil e é resultado parcial do projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Doutorado em Sociedade, Cultura e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. Investigamos a disfunção do ensino jurídico com base nas estruturas curriculares e metodologias pedagógicas aplicadas nos cursos de Direito. Concluímos, inicialmente, que a disfunção decorre das duas situações: estrutura curricular disciplinar e metodologias pedagógicas mecanicistas. Como forma de enfrentamento dessa condição, propomos a aplicação de conceitos interdisciplinares e metodologias ativas, em especial a aprendizagem por projetos. Como forma de proposição, apresentamos um projeto integrador, interdisciplinar, que poderá ser aplicado no ensino jurídico ante a simplicidade e baixo custo da estratégia escolhida e com vistas aos resultados possivelmente alcançados.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino jurídico, Metodologias ativas, Interdisciplinaridade, Transversalidade, Aprendizagem por projetos.
ABSTRACT: This study aims to demonstrate the dysfunction in legal education in Brazil and is a partial result of the research project presented to the Doctoral Program in Society, Culture and Borders of the State University of Western Paraná - UNIOESTE. We investigated the dysfunction of legal education based on the curricular structures and pedagogical methodologies applied in Law courses. We concluded, initially, that the dysfunction arises from the two situations: disciplinary curricular structure and mechanistic pedagogical methodologies. As a way of coping with this condition, we propose the application of interdisciplinary concepts and active methodologies, especially project learning. As a form of proposition, we present an integrative, interdisciplinary project, which can be applied in legal education in view of the simplicity and low cost of the chosen strategy and with a view to the results possibly achieved.
KEY-WORDS: Legal teaching, Active methodologies, Interdisciplinarity, Transversality, Learning by projects
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Luis Miguel Barudi de Matos y José Carlos dos Santos (2020): “Ensino jurídico e cibercultura”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (marzo 2020). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2020/03/ensino-juridico-cibercultura.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss2003ensino-juridico-cibercultura
1 INTRODUÇÃO
Pela experiência profissional como professor de Direito acabamos encontrando algumas inquietações pela percepção de que parte do processo de ensino-aprendizagem nos cursos de Direito estava sendo realizada de forma equivocada. A organização dos cursos e as práticas docentes parecem estar descontextualizadas da realidade social, econômica, cultural e política que vivenciamos na época contemporânea.
As causas para o problema indicado estão fundadas na estruturação curricular dos cursos de Direito, na disposição disciplinar de conteúdos, na desconexão dos conhecimentos apresentados da realidade social e na metodologia de ensino mecanicista.
Os efeitos dessa disfunção do ensino jurídico são os baixos índices de apreensão dos conteúdos ofertados aos acadêmicos e a incapacidade de interconectar os conhecimentos recebidos entre si e com a realidade social ante sua incapacidade de atuação crítica e reflexiva.
O estudo realizado se insere no paradigma social da pós-modernidade, com a concepção da sociedade em rede e da cibercultura, nas quais a tecnologia, entendida como conjunto de técnicas disponíveis na sociedade em um determinado momento histórico acaba por alterar toda a dinâmica de produção social.
A proposição que trazemos é assentada na utilização de metodologias de ensino ativas, na interdisciplinaridade e nas tecnologias educacionais como forma de reaproximar o ensino jurídico da realidade social da cibercultura.
Segundo Shinn (2008: 45-48), a modernidade anunciou o fim do sagrado que marcava a pré-modernidade e embasava a conduta individual e coletiva, dando lugar a uma epistemologia racional crítica, à “universalidade”, ao ideal iluminista de progresso e ao determinismo, que passam a determinar as formas de interação social, um tipo de conhecimento e um sistema epistemológico dominante. A modernização, segue o autor afirmando que a pós-modernidade incorpora duas tradições que se reforçam reciprocamente: a corrente “emancipatória” e a corrente “tecnológica”.
O componente emancipatório da modernização encontra-se no Estado-nação, na introdução de princípios como cidadania, dever, burocracia, direitos e responsabilidades institucionais e de fronteiras, estas construídas em torno da linguagem, da geografia, da história, da cultura e da política, estendendo sua centralidade similarmente para a classe, a profissão, a etnia, a diversidade mental ou sexual, o privilégio e a obrigação. O tipo de individualismo da modernização emancipatória era amplamente padronizado e estritamente monitorado e disciplinado (SHINN, 2008: 45-48).
Assim, partindo do cenário iluminista da modernidade, o componente tecnológico desenvolveu-se paralelamente à corrente emancipatória, fundado na racionalidade, na universalidade, na diferenciação estrutural e na integração funcional, tendo a ciência e a tecnologia como focos essenciais. Para o autor
A tecnologia expressa três imperativos inevitáveis, que contrastam com a realidade pré-moderna. A primeira, a disciplinarização do trabalho e dos trabalhadores, com a transformação e integração de tarefas, tendo a máquina como significação da tecnologia moderna. Segundo, a vinculação da tecnologia com a ideologia do progresso científico e humano. E terceiro, a tecnologia como forma de redução da liberdade do indivíduo (SHINN, 2008: 45-48).
Por esse prisma, a modernidade representou um avanço tanto na esfera individual em relação aos direitos e deveres advindos com o conceito de cidadania, bem como um avanço no que se refere à ciência e o conhecimento advindo desta. Entretanto, tal liberdade individual é limitada pela universalização, pela racionalidade, pela hierarquia e disciplinarização trazidos pela burocracia tecnológica e civil.
Em relação à pós-modernidade, sua descrição é definitivamente menos consensual e homogênea do que aquelas descrições e análises da modernidade, sendo marcada por numerosas nuances e sutilezas analíticas trazidas pelos diversos autores que a descrevem, como dito acima. Porém, é possível detectar a concordância quanto a algumas proposições centrais, especialmente no que se refere à diferenciação dada para com a modernidade, da relação entre ciência, tecnologia e conhecimento e, como resultado, sua influência nas relações interindividuais e coletivas.
Ainda segundo Shinn (2008: 45-48), a partir da metade do século XX, ocorre a deterioração de princípios reconhecidos até então de forma absoluta como o do progresso irreversível e do bem na ciência. A par dessa percepção, se inicia a crise dos Estados Nacionais que contrapõe a burocracia e a racionalidade da organização total da sociedade e do indivíduo.
Surge assim a defesa pela legitimação de sistemas alternativos de epistemologia não cientificamente sustentados, emergindo uma visão de mundo pós-moderna. Surgem novas formas de cognição e de tecnologia como a engenharia genética, a cibernética, os estudos de não-linearidade e complexidade, o desenvolvimento e difusão do computador, a geração da realidade virtual, a comunicação global.
Nessa realidade, percebe-se o avanço exponencial das tecnologias de informação e de comunicação, que se consubstancia no fator decisivo para a implementação da sociedade globalizada, na qual a existência de fronteiras geográficas e a contagem do tempo são relativizadas frente à liberdade e celeridade na troca de informações e do conhecimento.
No contexto da pós-modernidade, a relação entre conhecimento, informação e tecnologia é condicionante para implementação das sociedades informacionais ou do conhecimento. O determinismo científico, a centralidade do poder, a secularização de normas e valores, a educação/formação tradicional e o conceito de progresso são alterados significativamente nessa nova sociedade.
E as características da pós-modernidade, especialmente a complexidade e a não-linearidade, o desenvolvimento e difusão do computador, a geração da realidade virtual, a comunicação global, com a mudança nos eixos de poder criam as novas estruturas sociais com base na formação de redes como defende Castells.
Segunda a definição do autor, rede é um conjunto de nós interconectados, sendo cada um desses nós o ponto no qual uma curva se entrecorta. O que é ou representa cada um desses nós depende da natureza da rede na qual está incluído (CASTELLS, 2018: 553-554).
A comunicação entre os diversos nós pertencentes a uma rede e entre as redes é caracterizada em fluxos, que são as sequências intencionais, repetitivas e programáveis de intercâmbio e interação entre posições fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas econômicas, política e simbólica da sociedade. Por esse motivo, o autor propõe a ideia de que há uma nova forma espacial característica das práticas sociais que dominam e moldam a sociedade em rede: o espaço de fluxos, definido comoa organização material das práticas sociais de tempo compartilhado que funcionam por meio de fluxos (CASTELLS, 2018: 464).
A teoria da Sociedade em Redes de Castells também inclui a análise sobe o tempo e sua desconexão no que se refere às práticas sociais como característica da pós-modernidade. Afirma o autor que as sociedades contemporâneas ainda se encontram dominadas, em grande parte, pelo conceito de tempo cronológico, considerado essencial para implantação do capitalismo industrial.
O domínio do tempo cronológico sobre o espaço e a sociedade é característica da modernidade. Esse tempo linear, irreversível, mensurável e previsível vem sendo fragmentado na sociedade em rede, com a mistura de tempos para criação de um universo eterno, aleatório e intemporal. Apresenta-se um movimento de aceleração em todas as atividades sociais, com objetivo incansável de comprimir o tempo até o limite que faz com que a sequência temporal e, consequentemente, o tempo, desapareça (CASTELLS, 2018: 515-516).
Em síntese, a topologia das sociedades em rede determina que a distância (ou frequência e intensidade de interação) entre dois pontos/nós (ou posições sociais) é menor (ou mais frequente, ou mais intensa), se ambos os pontos/nós pertencerem à mesma rede do que se pertencerem a redes diferentes. Por sua vez, os fluxos dentro de uma determinada rede não têm nenhuma distância, ou a mesma distância, entre os nós. Assim, a distância (física, social, econômica, política, cultural) para um determinado ponto ou posição varia do zero (para qualquer nó da mesma rede) ao infinito (para qualquer ponto fora da rede). A exclusão/inclusão em redes e a relação entre redes, possibilitadas pelas tecnologias de informação, configuram os processos e funções predominantes em nossas sociedades (CASTELLS, 2018: 554).
Essa topologia influencia diretamente na dinâmica das relações sociais, alterando a racionalidade das práticas sociais e o seu desenvolvimento. A ideia de relações em rede entre os diversos atores sociais é historicamente reconhecida. É possível percebê-la nas relações entre senhores feudais e seus súditos, na época colonial entre as metrópoles e suas colônias e entre as diversas metrópoles. Posteriormente, entre os Estados nacionais no campo da diplomacia e, internamente, entre governo central e suas províncias. Também no contexto do capitalismo industrial existia a relação em rede entre fornecedores, fabricantes, distribuidores e consumidores.
A tecnologia, no sentido de conjunto de técnicas disponíveis numa determinada sociedade em diferentes momentos históricos é que condicionava, a seu passo, as formas de produção social e de interação entre os diversos pontos/nós. Além da tecnologia, o espaço geográfico e o tempo cronológico também eram determinantes nesse relacionamento e nas possibilidades de interação entre os nós. Essas limitações espaciais, temporais e tecnológicas atuavam como fronteiras que separavam, distinguiam as sociedades em seus aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais, influenciando na dinâmica de desenvolvimento.
Não é possível afirmar que essas fronteiras desapareceram, mas certamente, seu funcionamento e função foram modificadas pela nova realidade tecnológica. Como afirma Castells (2018: 553), as redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades e a difusão da lógica de redes modifica substancialmente a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura. Embora a forma de organização social em redes já tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da tecnologia da informação fornece as bases materiais para sua expansão penetrante em toda a estrutura social.
As redes, em sua morfologia, são estruturas abertas com capacidade de expansão ilimitada, integrando novos nós desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação (valores, interesses, objetivos). Uma estrutura social baseada em redes é um sistema aberto altamente dinâmico, suscetível à inovação sem que isso ameace seu equilíbrio.
Por essa característica as redes se amoldam apropriadamente a uma economia capitalista fundada na inovação, globalização e centralização descentralizada; à flexibilidade e adaptabilidade do trabalho e da produção; à uma cultura em constante desconstrução e reconstrução; à política que processa instantaneamente novos valores e humores públicos; e à uma organização social que vise a superação do espaço e a invalidação do tempo (CASTELLS, 2018: 554).
A informação que circula nas redes na forma de fluxos influenciam diretamente a ação e a produção social, determinando as funções e atividades dos pontos não privilegiados nesse processo de interação. O poder de dominação permanece presente na sociedade em rede, apenas sendo exercido de forma diversa da que se manifestava em outros momentos e por agentes diferentes. Estamos vivenciando a despersonalização do poder e sua virtualização nos fluxos de comunicação interna das redes e entre as diversas redes, com predominância para os fluxos financeiros.
Como afirma Castells, a expansão das relações em rede chegando a ser caracterizadora da sociedade contemporânea com base em suas proposições só se tronou possível em decorrência das novas tecnologias de informação e comunicação, que possibilitam a desconexão efetiva dos significados tradicionais de espaço e tempo. Não significa dizer que não existem mais o espaço físico ou o tempo cronológico, mas que estes conceitos não servem mais ao propósito de direcionar ou limitar as ações sociais.
As tecnologias de informação e comunicação são o ponto de interconexão da teoria da sociedade em rede de Castells e a proposta de Lévy configurada nos conceitos de ciberespaço e cibercultura. É possível afirmar que sem o que denomina Lévy de ciberespaço não seria viável pensar em sociedade em rede e fluxos de informação conforme preconiza Castells. Tampouco tratar da cibercultura como defendida pelo próprio Lévy.
Explica-se essa afirmação pelos conceitos trazidos por Lévy (2010: 17). O ciberespaço, também chamado de rede pelo autor, é definido como o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial de computadores. Já a cibercultura é definida como o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.
O ciberespaço como espaço da prática de comunicação interativa, reciproca e intercomunitária, como horizonte de mundo virtual vivo e heterogêneo, permite que cada ser humano participe e contribua para seu desenvolvimento, caracterizando-se pelo movimento social contínuo que o move e ao mesmo tempo o modifica. Assim como no caso do automóvel, existe a conexão entre o desejo do indivíduo (participar, interagir, contribuir para o mundo virtual) e a ação das forças econômicas em atender a esse desejo com a criação de novos dispositivos, aumentar a potência e capacidade dos existentes e garantir a compatibilidade entre esses (tecnologia).
No plano social, a principal característica que surge na cibercultura é a relativização do conceito de classes quando os indivíduos acessam o ciberespaço. Não há distinção inicial entre classes sociais, econômicas, educacionais e culturais na oportunidade que cada usuário tem de receber, transmitir, inserir e tratar as informações que circulam nesse ambiente virtualizado. Como se projeta, a diferença entre os usuários resultará do que cada um faz com as informações recebidas e da intenção que tem quando insere ou transmite informações na rede. Esse resultado depende de fatores sociais, educacionais, econômicos e políticos específicos como analisaremos adiante.
A partir dessas premissas é que se percebe a relação reflexiva entre tecnologia, cultura e sociedade, com ingerência direta nos mercados de trabalho, nas profissões e, consequentemente, na educação e formação dos cidadãos. A dinâmica de transformação constante e cada vez mais célere trazida pela pós-modernidade altera os eixos de poder, a produção de conhecimento, a atuação dos indivíduos e suas relações interpessoais, influenciando, como dito, na produção e reprodução da vida social, como afirmam Vieira Pinto, Castells e Lévy. Essas condicionantes se inserem também no campo jurídico, alterando sua racionalidade e sua topologia, como se verá adiante.
3 OS EFEITOS DA CIBERCULTURA NA REDE FORMADA PELO DIREITO
O Direito, assim como os demais campos do saber ou estruturas pertencentes à sociedade também se organiza sistemicamente, ou como defende Castells, em rede. A rede como um conjunto de nós interconectados é perceptível desde os primórdios do que se concebe como sistema jurídico. O rol que se informa é exemplificativo, podendo ser ampliado a depender da inserção de novos nós, ou reduzido pela exclusão de outros. Essa grande rede se interconecta com outras redes em determinados momentos de mobilização de fluxos. Esse relacionamento com outras redes é incomensurável considerando a dinâmica da sociedade.
A cibercultura como descrita por Lévy, tendo a técnica como condicionante da sociedade e da cultura possibilitou o desenvolvimento de inúmeras formas inovadoras de atuação e interação entre os indivíduos e as instituições sociais. Novas formas de comunicação, de prestação de serviços, de relacionamentos interpessoais surgem e se transformam com velocidade e em dimensões nunca antes vistas. O surgimento do ciberespaço como locus por onde transitam e são armazenadas essas informações é marco dessa realidade social da pós-modernidade e que tem na internet seu símbolo e essência.
É nesse novo espaço social e cultural que se insere a rede do sistema jurídico. Um espaço criativo e cooperativo que altera as formas de atuação dos nós pertencentes com relação à formas anteriores de atuação, bem como no sentido de seu desempenho e inserção no novo sistema. Por esse prisma, o desafio que se apresenta diz respeito ao próprio conhecimento e utilização das novas tecnologias de informação, seus métodos e a capacitação para atuar nessa nova estrutura social. Mas também, devemos nos atentar para a formação deontológica com vistas à essa nova matriz sociológica e filosófica, garantindo a participação democrática dos indivíduos no espaço da cibercultura.
Esses desafios se apresentam a todos os nós (agentes e posições sociais) atuais e futuros sendo determinante a adaptabilidade dos atuais participantes para buscar inserção nessa realidade e, no caso dos futuros integrantes, será determinante a formação acadêmica recebida, que os capacite a integrar a rede estabelecida e mais, os capacite a interagir de forma ativa na sua manutenção e aprimoramento. Nesse quesito encontra sua importância o ensino jurídico, como um dos nós centrais da rede.
4 CIBERCULTURA, CIBERESPAÇO E EDUCAÇÃO JURÍDICA
A velocidade de transformação é a nova constante da cibercultura, o que explica a sensação de impacto, de exterioridade, de estranheza que toma as pessoas quando tentam apreender o movimento contemporâneo das técnicas. Para os indivíduos que tiveram seus métodos de trabalho subitamente alterados ou para as profissões tocadas bruscamente por uma revolução tecnológica que torna obsoletos seus conhecimentos tradicionais ou mesmo a existência da própria profissão, ou ainda para classes sociais ou regiões que não participam da criação, produção e apropriação dos novos instrumentos, a evolução técnica parece a manifestação de um outro ameaçador (LÉVY, 2010: 27-28).
No âmbito da educação, surge o desafio de preparar os alunos para aquilo que não se conhece, uma vez que se ignoram os conhecimentos que serão adequados aos sujeitos no futuro e requerer do sistema educacional maior atenção às demandas da sociedade, às relações entre educação e emprego e às demandas do mercado globalizado por competitividade e produtividade, ainda que de forma não clara considerando a dinâmica de mudança que se percebe pela pós-modernidade (SACRISTÁN, 2006: 65).
Para Lévy (2010: 159), qualquer reflexão sobre o futuro dos sistemas educacionais e de formação deve ser fundada na análise prévia da mutação contemporânea da relação com o saber, no que diz respeito à velocidade de sua produção e renovação dos saberes e savoir-faire. Pela primeira vez na história da humanidade, a maioria das competências adquiridas por uma pessoa no início do seu percurso profissional estarão obsoletas no fim de sua carreira. Também se tem uma alteração da natureza do trabalho, cada vez mais vinculado à ideia de aprender, transmitir saberes e produzir conhecimento. Por fim, a presença no ciberespaço de tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e modificam funções cognitivas humanas (memória, raciocínio, imaginação, percepção).
A partir dessas afirmações é que se estabelecem as análises realizadas quanto à produção e transmissão de conhecimento, formação profissional e modelos educacionais no âmbito da pós-modernidade considerando a dimensão trazida pela sociedade da informação e pela cibercultura. Análises que serão utilizadas para a posterior discussão acerca da educação jurídica inserida na nova realidade profissional emergente.
Jean-François Lyotard publicou a obra intitulada “A condição Pós-Moderna”, na qual aborda o conhecimento em sociedades desenvolvidas que acumulam saberes e, consequentemente, mais poderes. A questão fundamental proposta pelo autor foi analisar as transformações no estatuto do saber nas sociedades pós-industriais e mais desenvolvidas, definindo pós-modernidade como o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do final do século XIX (LYOTARD, 2000: XV).
Como afirma LYOTARD (2000: 94), para que se alcancem os objetivos de formação é necessário que a transmissão do saber não se limite à transmissão de informações, mas que comporte a aprendizagem dos procedimentos capazes de melhorar a capacidade de conectar campos que a organização tradicional dos saberes isola. A interdisciplinaridade, assim, é palavra de ordem no ensino na pós-modernidade, confrontando a estrutura universitária tradicional e do modelo de legitimação anterior, baseado numa metalinguagem para formular sua finalidade e uso. Ao contrário, o novo modelo tem na profusão de conhecimentos, informações e saberes a forma de melhorar seu desempenho e assim de legitimação.
Atendendo ao sentido estritamente funcional apresentado acima, o ensino superior voltado à profissionalização tem como conteúdo transmissível um conjunto organizado de conhecimentos. As novas tecnologias têm influência essencial como suporte comunicacional nesse contexto, assimilando informações, compilando dados e, muitas vezes, substituindo o professor fisicamente.
A didática não consiste apenas na transmissão das informações, e a competência não se resume em se ter uma boa memória de dados ou acesso a bancos de dados artificiais, mas na capacidade de articular em conjunto as informações e dados tidos em separado, garantindo a reprodução de competências e o seu progresso, produzindo novos saberes e conhecimentos (LYOTARD, 2000: 93-94).
A atenção se volta então para as tecnologias e seus possíveis efeitos como subsídio, suporte e apoio para a educação e construção do conhecimento e que, em conjunto com novas metodologias e estratégias de ensino, podem qualificar o processo de ensino-aprendizagem para os desafios da época contemporânea. Conforme afirma Belloni (2009: 7), o impacto do avanço tecnológico, entendido como processo social, sobre processos e instituições sociais (educação, comunicação, trabalho, lazer, relações pessoais e familiares, cultura, imaginário e identidades), tem sido muito forte, embora percebido de modos diversos a partir de diferentes abordagens.
Como afirma Flusser (1983: 146-147), a escola na modernidade, dividida em seus níveis, era o lugar de um saber a serviço de um poder, lugar de preparação para a vida ativa sendo que tal modelo passa, atualmente, por uma crise, pois se tornou supérflua em vista da tecnologia; inoperante quanto à estrutura atual do saber e do fazer; e antifuncional frente ao sistema comunicológico reinante.
Para Lévy (2010: 160), o domínio dos dispositivos e do espírito da cibercultura ao cotidiano da educação deve fazer parte das reformas pelas quais os sistemas educacionais devem ser submetidos. As tecnologias de informação exploram certas técnicas de ensino não presencial, incluindo as hipermídias, as redes de comunicação interativas e todas as tecnologias intelectuais da cibercultura, apresentando uma nova pedagogia, que favorece as aprendizagens personalizadas e a aprendizagem coletiva em rede e na qual o professor é incentivado a ser um promotor da inteligência coletiva de seus grupos de alunos em vez de um fornecedor direto de conhecimentos.
O modelo pedagógico proposto por Lyotard e de certa forma corroborado por Lévy e Castells poderá trazer maior autonomia aos alunos, preservando sua individualidade quanto ao processo ensino/aprendizagem e, ao mesmo tempo, propiciando a convivência e troca de experiências em grupo, sob a essencial mediação de um professor que estimula a absorção de saberes e conhecimentos disponíveis, mas também incentiva a criação de novos saberes a partir desses. Como resultado objetivado teríamos a criação das competências adequadas ao contexto da pós-modernidade, fundadas no constante aprimoramento, na autodidaxia e na adaptabilidade necessárias para atender às alterações tecnológicas e dos campos profissionais decorrentes.
Nesse sentido, afirma Tori (2009: 121), ao abordar a convergência entre o ensino presencial e virtual, que esses dois ambientes de aprendizagem que historicamente se desenvolveram de maneira separada vêm se descobrindo mutuamente complementares, aproveitando o que há de mais vantajoso em cada modalidade e considerando o contexto, curso, adequação pedagógica, objetivos educacionais e perfil dos alunos. Já para Moran (2015: 27), a educação sempre foi misturada, híbrida, combinando vários espaços, tempos, atividades, metodologias, públicos. Esse processo, atualmente, em vista da mobilidade e da conectividade, é muito mais perceptível, amplo e profundo, formando um ecossistema aberto e criativo, em uma interligação simbiótica, profunda e constante entre o mundo físico e digital.
Segundo Kenski (2003: 92), um novo tempo, um novo espaço e outras maneiras de pensar e fazer educação são exigidos na sociedade contemporânea, caracterizada como informacional, em rede, cuja realidade virtual do ciberespaço se insere a par da realidade física, muitas vezes se confundido com aquela no espectro da cibercultura. O acesso e o uso das novas tecnologias de informação na educação possibilitam reorganização dos currículos, dos modos de gestão e das metodologias utilizadas na prática e no ambiente educacional, permitindo uma alteração da dinâmica e da racionalidade do processo.
Diversos autores como John Dewey, Jean Piaget e Paulo Freire, entre outros, abordaram de formas diferentes a essencialidade de transformar a condição do aluno como objeto e receptor de conhecimentos prévios no processo de ensino e aprendizagem, colocando-o na condição de sujeito e, portanto, de criador de conhecimento em constante interação com o professor que deixa de ser apenas emissor para ser também criador de conhecimentos em conexão com os alunos.
O elemento que deve ser inserido nessas discussões, em decorrência da era contemporânea é a disponibilidade e o uso das novas tecnologias de informação como suporte ou ambiente paralelo de mediação do processo (TAJRA, 2019: 202-203).
5 METODOLOGIAS ATIVAS E ENSINO JURÍDICO
Opinamos que a “disfunção” do ensino jurídico decorre das tensões e jogos de poder que permeiam o sistema e que define as ações pedagógicas, estratégias de ensino e suportes tecnológicos utilizados prioritariamente pelas instituições de ensino, professores e alunos. Acreditamos, por fim, que existe a possibilidade de modificar esse panorama e, para tanto, será apresentada uma proposta com esteio no recorte teórico até aqui utilizado.
O ambiente educacional deve ser propício ao bem-estar dos sujeitos, incentivar sua curiosidade, fomentar a inovação e o diálogo. Os sujeitos devem sentir-se acolhidos no espaço e a ele pertencentes, mas ao mesmo tempo, não podem ser anulados em relação à suas identidades. O conjunto de sujeitos, práticas educacionais, espaços arquitetônicos, equipamentos, localização geográfica, técnicas e tecnologias devem formar um ecossistema equilibrado.
A modernidade inseriu na sociedade o ideal de disciplinarização e de especialização. Para Morin (1999: 12), enquanto a cultura geral comportava a possibilidade de buscar a contextualização de toda informação ou ideia, a cultura científica e técnica, por causa de sua característica disciplinar e especializada, separa e compartimenta os saberes, tomando cada vez mais difícil a colocação destes num contexto qualquer.
Segue Morin (1999: 12) afirmando que a especialização abstrai, extrai um objeto de seu contexto e de seu conjunto, rejeita a intercomunicação do objeto com o seu meio, insere-o no compartimento da disciplina, cujas fronteiras quebram a sistemicidade e a multidimensionalidade dos fenômenos, conduzindo à abstração matemática, que opera uma cisão com o concreto, privilegiando aquilo que é calculável e formalizável.
Mas para o autor, a compreensão de dados particulares exige a ativação da inteligência geral e a mobilização dos conhecimentos de conjunto. Citando Marcel Mauss, afirma que é preciso recompor o todo, é preciso mobilizar o todo. Reconhece a impossibilidade de se conhecer tudo do mundo ou captar todas as suas transformações.
Mas, por mais aleatório e difícil que seja, o conhecimento dos problemas essenciais do mundo deve ser tentado, essencialmente hoje, tempo em que todo conhecimento político, econômico, antropológico, ecológico, etc., é o próprio mundo. Aí está o problema universal para todo cidadão: como adquirir a possibilidade de articular e organizar as informações sobre o mundo. Para tanto, defende que se necessita uma reforma de pensamento (MORIN, 1999: 13).
Em complemento, como observa Munhoz (2008: 124), há uma tendência natural das disciplinas ou especialidades firmarem fronteiras entre si, do que resulta a dificuldade das profissões relacionarem-se complementarmente. Na ciência de orientação positivista o conhecimento cresce através da especialização. O conhecimento disciplinar, por consequência, tende a ser também disciplinado e policia as fronteiras entre as disciplinas, reprimindo aqueles que pretendam transpor esses limites.
O lado negativo dessa demarcação consiste na fragmentação artificial das ciências, na indesejável feudalização que não tem o contraponto de uma busca de complementaridades. Essa feudalização se reforça em decorrência da própria divisão social do trabalho, mas também pela concepção organicista do universo de profissões como uma soma de partes cuja função é tratar de segmentos específicos e aparentemente isolados da vida do homem na sociedade, e não como responsáveis pela consecução de uma teleologia maior em relação ao homem e à sociedade (MUNHOZ, 2008: 124-125).
Apoiada nessa representação social, como indica Munhoz (2008: 125), as instituições também cobram especificidade e valorizam o profissional pela especialização. Essa contradição precisa ser reconhecida e enfrentada. Se por um lado, os distintos profissionais diferem quanto a intenções e projetos, em função de suas áreas de pertencimento, por outro lado, enquanto homens comuns, compartilham de muitos significados frente ao mundo, porque grande parte do seu referencial de saber para enfrentar a realidade cotidiana é do senso comum. Mas, de modo geral, não se cultiva o hábito de discutir o cotidiano a partir do nos é comum, de pontos de similitude, a não ser quando nos sentimos ameaçados em nossa individualidade.
Entretanto, como afirma Morin (2000: 38), unidades complexas, como o ser humano ou a sociedade, são multidimensionais. Dessa forma, o ser humano é ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e racional. E a sociedade comporta as dimensões histórica, econômica, sociológica, religiosa. O conhecimento para ser “pertinente”, nos dizeres do autor, deve reconhecer esse caráter multidimensional e nele inserir estes dados. Como disse Paulo Freire, a realidade social, objetiva, não existe por acaso, mas é produto da ação dos homens e como produtores desta realidade, que se volta sobre eles e os condiciona.
Com base nesses pressupostos, a primeira dimensão da proposição em construção tem como eixo a interdisciplinaridade e sua inserção na educação, em especial nas práticas educacionais como caminho para afastar a disfunção que indicamos no ensino jurídico.
Não buscaremos apresentar um conceito definitivo de interdisciplinaridade, mas vamos buscar uma significação em sua finalidade prática, em especial, na prática pedagógica, definida como a prática profissional do professor antes, durante e depois da sua ação em classe com os alunos, bem como os esforços de adaptação efetuados pelo profissional do ensino para responder aos desafios impostos pelas situações complexas em contexto de ensino-aprendizagem.
A prática pedagógica assim se faz dialógica num patamar amplo, que envolve o ambiente de sala de aula, mas concomitantemente, se integra à atividade extraclasse. E mais, com a participação de todos os sujeitos envolvidos no processo como um todo. Se alcançarmos essa conjunção dialógica, a primeira etapa do enfrentamento à disfunção que citamos será dado.
Conforme Fazenda (2002: 50), o processo pedagógico precisa se fundamentar no diálogo, tanto entre as pessoas quanto entre as disciplinas como única condição possível de eliminação das barreiras entre as disciplinas e pessoas. Eliminar as barreiras entre as disciplinas é um gesto de ousadia, uma tentativa de romper com um ensino transmissivo e morto, distante dos seus sujeitos e dos objetos do mundo real. Como afirmou Paulo Freire, intercomunicação entre os sujeitos, mediados pela realidade social, tornando dialógico o processo de ensino-aprendizagem.
Ao mesmo tempo em que o ensino dividido em várias disciplinas, sem relação entre essas e sem vínculo com a realidade dificulta o desenvolvimento das potencialidades do sujeito aluno, também afeta o sujeito docente, que permanece afeto à sua especialidade, sem atentar para outros saberes e sem desenvolver outras habilidades. A interdisciplinaridade buscada parte do ideal de interação, que irá possibilitar o diálogo entre os interessados e uma intersubjetividade, abordando o problema do conhecimento de outro modo, substituindo a concepção fragmentária pela unitária do ser humano (FAZENDA, 2002: 31).
Como afirma LYOTARD (2000: 94), a interdisciplinaridade é essencial na educação para a pós-modernidade, confrontando a estrutura universitária tradicional disciplinar. Com objetivo de alcançar a formação idealizada, é necessário que a transmissão do saber não se limite à transmissão de informações, mas que comporte a aprendizagem dos procedimentos capazes de melhorar a capacidade de conectar campos que a organização tradicional dos saberes isola.
Entretanto, a concepção interdisciplinar levada à prática pedagógica não nos parece uma transformação suficiente para superar a disfunção do ensino jurídico conforme nos posicionamos. É necessário que outras dimensões metodológicas e epistemológicas estejam presentes nos projetos pedagógicos e na práxis educacional.
A educação, historicamente, combinou várias tecnologias, espaços, tempos, atividades e metodologias. Mesmo no modelo tradicional de ensino, se realizam atividades em sala de aula, combinadas com atividades extraclasse, estudos dirigidos, trabalhos de pesquisa, seminários. A mudança que agora se torna possível decorre da tecnologia, entendida como conjunto das técnicas de uma determinada sociedade e que condiciona o desenvolvimento de seus processos produtivos, definindo a centralidade do homem e das ações humanas.
A associação das modalidades de ensino, de diferentes metodologias e o uso de equipamentos tecnológicos não pode ser considerado como determinante ou a reinvenção da prática educativa. Pode significar uma alternativa complementar ou associada, para correção da disfunção à qual nos referimos. A seguir expomos alguns desses modelos.
O modelo de rotação, segundo BACICH (2015) pode ser aplicado em qualquer etapa do ensino, curso ou disciplina. Neste caso os estudantes se alternam em estações que podem conter uma ordem fixa ou a um critério estabelecido pelo professor, dentre as estações pelo menos uma será on-line. São pequenos grupos e atividades que contém orientações registradas em papel, disponíveis em suas mesas. Pode ser alternado também com um projeto a ser realizado pela turma, envolvendo debate e discussão. O professor deve determinar o tempo que o grupo ficará na estação para poder realizar a troca. Todos os grupos devem se mudar ao mesmo tempo.
A proposta do Laboratório Rotacional é semelhante à rotação por estações, cuja diferença está no uso do laboratório de informática para a parte on-line do ensino. A ideia é liberar tempo dos professores e espaço da sala de aula, usando um laboratório de informática e uma estrutura de pessoal diferente para o componente on-line (HORN; STAKER, 2015: 41).
A sala de aula invertida (flipped classroom), terceiro modelo de Rotação inverte totalmente o modelo de aprendizagem. Os alunos participam de palestras e atividades on-line de forma independente, realizadas fora do ambiente escolar e fora do horário das aulas. Cada uma das atividades possui um texto base para leitura e aprofundamento dos conteúdos, que são avaliados por meio de 5 questões e um dia fixo da semana no qual são realizadas avaliações referentes aos conteúdos estudados no período (HORN; STAKER, 2015: 58).
Em sala de aula, os alunos realizam atividades que envolvem os conteúdos previamente estudados na semana, de forma prática, resolvendo estudos de caso, solucionando problemas, desenvolvendo estratégias para enfrentamento de desafios relacionados ao exercício da profissão (HORN; STAKER, 2015: 58).
O quarto modelo da Rotação é a rotação individual. Neste modelo a aluno pode escolher a sua modalidade, alternando sua participação individualmente entre as estações e não em grupo, como no modelo da rotação por estações. O aluno define individualmente e de forma autônoma qual atividade realizará primeiro, sendo todas essas mediadas por um programa ou atividade on-line (HORN; STAKER, 2015: 58).
O segundo modelo híbrido é o modelo flex. Nesse modelo os educadores invertem suas salas de aula, ou adicionam ensino on-line nas estações no próprio ambiente da sala de aula. Nesse modelo o ensino on-line é a espinha dorsal da aprendizagem dos alunos. As atividades on-line direcionam e orientam os estudantes para as atividades presenciais. Para sua utilização é necessário que a instituição tenha espaço físico adequado para realização das atividades presenciais e no qual os professores orientam os estudantes, promovendo debates sobre os temas específicos e desenvolvendo projetos com objetivo de aprofundar a aprendizagem dos alunos (HORN; STAKER, 2015: 59).
O modelo À La Carte pode ser utilizado tanto no ensino médio quanto no ensino superior. Ele Inclui qualquer curso ou disciplina que um estudante faça inteiramente on-line enquanto também frequenta uma escola tradicional (HORN; STAKER, 2015: 49). Nesse modelo o aluno frequenta o ensino regular e realiza, concomitante, outro curso ou disciplina na modalidade EaD. Esse curso ou disciplina pode ser realizado durante o tempo de aula ou em contra turno, sendo que seu conteúdo será adicionado ao conteúdo do curso regular (HORN; STAKER, 2015: 59). O aluno terá as duas experiências, decorrentes dos dois modelos de ensino: on-line e presencial. Com o modelo À La Carte, o professor tutor é o professor on-line, o professor presencial atua apenas em sala de aula (HORN; STAKER, 2015: 49).
O quarto modelo de ensino híbrido é o Virtual Enriquecido, que oferece sessões de aprendizagem presencial e permite que as atividades sejam complementadas e finalizadas de forma on-line. Os alunos têm a opção de finalizar a tarefa de forma presencial ou on-line. Ademais, as atividades presenciais e on-line são realizadas em dias alternados da semana (HORN; STAKER, 2015: 49)
A diferença entre esse modelo e a sala de aula invertida é que os estudantes não encontram os professores todos os dias da semana. Não é um curso on-line por ter atividades presenciais obrigatórias. No Brasil algumas instituições utilizam esse modelo para oferta de cursos em larga escala. No modelo Virtual Enriquecido os alunos possuem o professor tutor especializado para as atividades on-line e o professor presencial para orientá-lo (HORN; STAKER, 2015: 59).
Segundo os autores, os modelos apresentados permitem aplicar diferentes estratégias para utilização tanto em disciplinas isoladas, como em cursos em sua totalidade. A inovação sugerida permite que as instituições de ensino realizem ações que antes não eram realizadas. A partir da organização de programas de formação para os professores é possível torna-los, posteriormente, agentes de implementação dessas no contexto prático de ensino.
6 A APRENDIZAGEM POR PROJETOS COMO PROPOSTA
Uma possibilidade de enfrentamento da disfunção do ensino jurídico, partindo da sala de aula como o espaço inicial para o planejamento e execução das ações pedagógicas é a aprendizagem baseada em projetos, com as adaptações necessárias para sua aplicação ao ensino jurídico. A opção pela estratégia e métodos decorre de questões prático-operacionais e econômicas.
É uma estratégia que não necessita grandes investimentos em estrutura física ou equipamentos específicos, podendo ser realizadas também com o suporte desses. A sua relativa simplicidade leva à democratização de sua utilização pelas instituições e pelos sujeitos, tanto no aspecto operacional quanto econômico.
Afirma Araújo (2014: 55), que os projetos são ações constituídas por três características: a intenção de transformar o real, uma representação prévia do sentido dessa transformação (que orienta e dá fundamento à ação), agir em função de um princípio de realidade (atendendo às condições reais decorrentes da observação do contexto da ação e das experiências acumuladas em situações análogas).
E com os projetos pretende-se: estabelecer as formas de pensamento atual como problema antropológico e histórico; dar sentido ao conhecimento baseado na busca de relações entre os fenômenos naturais, sociais e pessoais, ajudando-nos a compreender melhor a complexidade do mundo em que vivemos; planejar estratégias para abordar e pesquisar problemas que vão além da compartimentalização disciplinar (ARAÚJO, 2014: 56).
Pela definição de aprendizagem por projetos como uma técnica que permite, por meio de soluções para problemas reais, atender não apenas os alunos e professores envolvidos no projeto, mas os demais indivíduos se encontrem em tal situação ou atividade. Os projetos, aplicados à prática pedagógica podem ser integradores (interdisciplinares), envolvendo várias disciplinas do curso ou mesmo em um nível mais avançado, adaptando a matriz curricular do curso.
A flexibilidade da técnica, nesse sentido, permite sua aplicação em diversas circunstâncias ou programas curriculares. Pode ser utilizada como forma de integrar os conteúdos tradicionais em atividades interdisciplinares ou pode ser o eixo de organização do próprio projeto pedagógico do curso em questão.
A proposição que inicialmente trazemos é sua aplicação na forma de um projeto integrador, de natureza interdisciplinar e transversal, aplicável de plano, no âmbito de um curso de direito com estrutura curricular tradicional. O objetivo é a criação de uma estratégia para a construção do conhecimento, com a participação do aluno como protagonista do processo, em conjunto e em igualdade de posição com os demais alunos e também com os professores.
A estratégia, como planejamento inicial e em sua execução, se apresenta com grande flexibilidade, pois se organiza de tal maneira que permite e até prevê possíveis modificações em consequência de eventos, interações, questionamentos e decisões que surjam durante o processo.
Para Araújo (2014: 55), entender o projeto como estratégia traz uma nova perspectiva para o trabalho pedagógico, pois, com base em representações prévias sobre os caminhos a percorrer incorpora a abertura para o novo; a perspectiva de uma ação voltada para o futuro, visando transformar a realidade; e permite dar sentido ao conhecimento baseado na busca de relações entre os fenômenos naturais, sociais e pessoais, bem como planejar atividades que vão além da compartimentalização disciplinar, possibilitando articular os conhecimentos científicos e os saberes populares e cotidianos.
Utilizamos como ponto inicial da proposta de aplicação os estudos de Ulisses Araújo, com adaptações em consequência dos objetivos e do nível educacional ao qual se dirige. Escolhemos como temática central do projeto integrador os Direitos Humanos e possíveis questionamentos que poderiam surgir quando esta for apresentada aos alunos em sala de aula. A definição do tema é a primeira etapa do planejamento da rede que será a modelagem do projeto.
Como estratégia ideal, a definição do tema deve ser decorrente de uma decisão democrática e compartilhada entre os sujeitos do processo: professores e alunos. Da mesma forma, os sujeitos devem, preferencialmente, apresentar os primeiros questionamentos que darão sustentação à rede em construção.
O passo seguinte consiste em dividir a turma em grupos, para que estes definam sob quais perspectivas disciplinares gostariam de debater e analisar a temática central. O papel de protagonismo dos alunos nessa escolha é essencial para os objetivos propostos. Esses campos do saber ingressarão no projeto, compondo a teia inicial da rede que se forma. A definição das áreas de conhecimento integrantes da discussão passa também pela escolha democrática e compartilhada. Deve evitada, preferencialmente, a influência do professor coordenador da atividade na escolha das disciplinas para interlocução do tema central.
Note-se que a disposição do projeto em forma de rede traz o objetivo de que sejam eliminadas as hierarquias de natureza subjetiva e científica. Na primeira indicação, não deve haver prevalência da vontade dos professores sobre as intenções, interesses e questionamentos dos alunos. Na segunda, não deve haver preponderância de um campo específico ou área do direito sobre as demais envolvidas na realização do projeto.
Estabelecidos os nós iniciais da rede em construção, espera-se, a partir da interação dos sujeitos, que surjam questionamentos que levem a inserção de outras temáticas relacionadas, ramificando a rede inicial e enriquecendo a troca de informações entre os sujeitos, emissores e receptores dessas, interpretando, reinterpretando e criando novas informações.
Com o decorrer da execução da atividade em rede, os questionamentos iniciais deverão se desenvolver em direção ao estabelecimento da intercomunicação dos diferentes ramos do direito (campos do conhecimento) entre si e com o tema transversal proposto.
A singela contextualização que apresentamos acima demonstra uma das inúmeras possibilidades de encaminhamento que a atividade, no seu desenrolar, pode assumir. Percebe-se que todo o entrelaçamento que indicamos se desenvolve de forma circular, reflexiva, sem hierarquia entre os nós e sem prevalência nos fluxos de informação dada a nenhum emissor ou receptor. Todos emitem informações (opiniões, dados, resultados de pesquisa, ações realizadas), ao mesmo tempo em que todos também as recebem, interpretam e reenviam outras informações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados ora apresentados decorrem da parte inicial do projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Doutorado em Sociedade, Cultura e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. Como conclusão parcial definimos que a disfunção do ensino jurídico não está vinculada especificamente aos conteúdos curriculares em si, mas em conjunto com as práticas pedagógicas e metodologias utilizadas pela maioria dos cursos de Direito.
Nesse aspecto, a mudança das práticas pedagógicas é inafastável para enfrentar a disfunção existente. Na cibercultura o conhecimento encontra sua produção e divulgação disseminada por inúmeros atore sociais, estes interconectados em redes de transmissão, com acesso simplificado pela lógica do ciberespaço. As tecnologias de informação e comunicação substituem as formas tradicionais de circulação de informação através de fluxos e refluxos entre os nós pertencentes a uma mesma rede e entre as redes.
O acesso à informação e, consequentemente, ao conhecimento se democratiza no ciberespaço. As possibilidades de recebimento, transmissão, retransmissão e produção de conhecimento foram ampliadas de forma inimaginável pela lógica da modernidade.
Para que o ensino jurídico desempenhe sua função social, teremos que buscar alternativas para ensinar os graduandos a pensar, interpretar e correlacionar os conteúdos teóricos com a realidade social na qual se inserem.
Devemos buscar ensinar a aprender e ensinar como aplicar (fazer) as informações recebidas, apreendendo os conhecimentos com capacidade de criar novos conhecimentos e transformar a si e à sociedade.
A observação empreendida nos leva à conclusão de que devemos aliar os conhecimentos teóricos e práticos, promovendo sua aproximação com a realidade social. A práxis deve estar aliada à teoria. Para tanto, devemos flexibilizar as fronteiras do conhecimento especializado e de seus representantes, promovendo seu entrelaçamento através da interdisciplinaridade.
Dito entrelaçamento ocorrerá através de práticas pedagógicas diferentes daquelas utilizadas pelo paradigma tradicional. Práticas ativas e interativas, nas quais o papel de predominância do professor seja relativizado e o foco do processo seja na aprendizagem do aluno, que passa de receptor de conhecimentos a produtor de conhecimentos pela mediação de sua condição pessoal e da realidade social.
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