Larissa Scherer Mo*
Luis Miguel Barudi de Matos**
José Carlos dos Santos***
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Brasil
E-mail: larissascherer1997@gmail.com
RESUMO: Este estudo tem por objetivo demonstrar a importância das ações afirmativas como um mecanismo de concretização do princípio da igualdade para a sociedade. A pesquisa utiliza o método descritivo, pautado no levantamento bibliográfico e documental. Dessa forma, realiza-se uma investigação sobre a construção do Estado Democrático de Direito, os direitos fundamentais, o princípio da igualdade e suas vertentes como fundamento das ações afirmativas. Buscando salientar a importância do direito a igualdade em suas perspectivas formal, material e procedimental como elementos de consecução e concretização do bem-estar social e do princípio da dignidade humana, de previsão constitucional. Nesse sentido, a promoção da igualdade material, por intermédio das ações afirmativas, tem o condão de promover a inclusão social, econômica e política das camadas sociais desfavorecidas. Como resultado, se alcança o objetivo de concretização da igualdade procedimental, garantindo o pluralismo político e econômico inerentes ao Estado Democrático de Direito, bem como o desenvolvimento social e uma sociedade justa e solidária nos moldes previstos na Constituição Federal do Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos fundamentais, Princípio da igualdade, Estado Democrático de Direito, Ações afirmativas, Inclusão social.
ABSTRACT: This study aims to demonstrate the importance of affirmative actions as a mechanism for implementing the principle of equality for society. The research uses the descriptive method, based on the bibliographical and documentary survey. In this way, an investigation is carried out on the construction of the Democratic State of Law, fundamental rights, the principle of equality and its aspects as the basis of affirmative actions. Seeking to highlight the importance of the right to equality in its formal, material and procedural perspectives as elements of achieving and concretizing social well-being and the principle of human dignity, of constitutional provision. In this sense, the promotion of material equality, through affirmative actions, has the ability to promote social, economic and political inclusion of disadvantaged social strata. As a result, the objective of achieving procedural equality is achieved, guaranteeing the political and economic pluralism inherent to the Democratic Rule of Law, as well as social development and a just and solidary society along the lines provided for in the Federal Constitution of Brazil.
KEY-WORDS: Fundamental rights, Equality principle, Democratic rule of law, Affirmative action, Social inclusion.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Larissa Scherer Mo, Luis Miguel Barudi de Matos y José Carlos dos Santos (2020): “As dimensões do principio da igualdade e as ações afirmativas como instrumento de inclusão social”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (marzo 2020). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2020/03/dimensoes-principio-igualdade.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss2003dimensoes-principio-igualdade
1 INTRODUÇÃO
O presente se propõe a analisar o sistema de ações afirmativas e como estas se concretizam objetivando a inclusão social sob a luz do princípio da igualdade. A escolha se deu em decorrência da sensibilidade do tema, que demanda reflexões em virtude dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988.
As desigualdades que marcam a sociedade brasileira ainda hoje impactam o acesso à educação, ao mercado de trabalho e o exercício de direitos fundamentais, prejudicando o acesso ao desenvolvimento social das camadas vulneráveis da população, compostas em sua maioria por minorias étnico-raciais. A inclusão desses indivíduos em situação de vulnerabilidade é um dos deveres previstos na Constituição Federal.
O desenvolvimento do estudo passa pela análise do conceito de ações afirmativas e sua eficácia como instrumento de promoção da igualdade, não apenas a igualdade material, mas também o que se denomina como igualdade procedimental, que permite aos cidadãos, de forma isonômica, participar do processo político e econômico do país.
Para se chegar desenvolvimento do assunto foi utilizado o método hipotético-dedutivo, partindo da hipótese inicial apresentada. Como metodologia de pesquisa, foi utilizada a pesquisa bibliográfica e documental, utilizando a doutrina disponível sobre o assunto e a legislação pertinente.
Como resultado da pesquisa realizada, em síntese, é possível afirmar que a Constituição Federal brasileira estabelece como objetivos fundamentais a construção de um Estado plural, fraterno, justa e solidário, tendo nas ações afirmativas um instrumento essencial para a correção das desigualdades existentes, garantindo o acesso de todos à educação e conduzindo à igualdade procedimental.
Desde os primórdios, o conceito original de direitos fundamentais estava vinculado aos ideais da burguesia, sofrendo inúmeras modificações durante a história. Em um primeiro momento, os direitos fundamentais eram tão somente aspectos relacionados à liberdade, propriedade e à vida. Com o passar do tempo, esta ideia e as transformações da sociedade, o conceito se tornou de difícil caracterização (Silva, 2009: 175).
Para Agra (2018: 84) quando um cidadão não se reconhece como um membro pertencente a uma sociedade, as normas de vivencia que foram estabelecidas pelo Estado passam a entrar em conflito e a Lex Mater deixa de ter eficácia normativa passando a ter eficácia retórica. Dessa premissa, na atualidade, os direitos fundamentais exercem o mesmo papel anterior dos direitos naturais, pois, servem como norte para as normas infraconstitucionais e legitimação do sistema normativo.
O conceito de Estado Liberal, decorrente da Revolução Francesa, que se estrutura como regime jurídico-político que garantiria direitos econômicos e sociais, em oposição ao antigo regime absolutista e autoritário, que de acordo com Bobbio (2000: 14) se origina em um período de crise visando mudanças profundas na relação do Estado com os indivíduos.
Nesse cenário, o poder econômico e político era dividido entre dois grupos: a classe burguesa que controlava o poder econômico e o poder político, controlado pela nobreza. Diante disso, a ideia da liberdade individual no sentido econômico, foi inserida pela burguesia com o fim de oposição ao manejo dos poderes livres dos soberanos, os colocando sob o controle da lei (Silva, 2005: 218).
O princípio da igualdade é umas das características fundamentais da doutrina liberal, influenciado pelo ideal de “Igualdade, Fraternidade e Liberdade” da Revolução Francesa. Destarte, nessa perspectiva, a igualdade era considerada em seu sentido formal, que submetia a lei todos os indivíduos sem distinção.
A inércia do Estado face às questões sociais levou à revolta do proletariado e de outros indivíduos que buscavam mudanças diante da situação de miséria e dos abusos sofridos, fazendo surgir a consciência da necessidade de promoção de justiça social e alterações no regime jurídico-político vigente (Silva, 2005: 223).
Desse modo, o Estado de Direito passa por uma alteração em suas concepções, se transformando em Estado Social de Direito, ultrapassando o ideário liberal inicialmente vigente e adotando o ideário do bem-estar social. Da ordem de abstenção inicial dada ao Estado para a ordem de intervenção deste em favor da consecução do bem-estar. Da igualdade formal para a igualdade material como forma de minimizar as desigualdades sociais, mantendo a busca do desenvolvimento econômico.
Além das novas características adotadas, a burguesia passa a apoiar a intervenção do Estado na economia, haja vista que se tornou a detentora também do poder político. Dessa forma, o poder antes dividido entre a burguesia e a nobreza, passa a ser desempenhado apenas pela burguesia, que enfeixa o poder econômico e político em um único grupo social.
Nesse sentido evolutivo, o Estado Democrático de Direito surge como mecanismo para a correção de alguns dos aspectos presentes no modelo de Estado Liberal e também no modelo de Estado Social, que nem sempre se configuram, na sua forma de regime político-jurídico, como democráticos.
Explicando brevemente o conceito de Estado Democrático de Direito, Streck e Morais (2013: 75) o definem como um modelo cujo conteúdo tem o caráter de transformar a realidade social, ou seja, este não se restringe tão somente a atender às necessidades específicas dos menos favorecidos, como no Estado Social de Direito, mas visa adequar, adaptar e melhorar as condições e as necessidades sociais, mudando a sociedade como um todo.
Assim, seu objeto transcende o caráter material da busca pela dignidade da pessoa humana, passando a proporcionar e fomentar os meios necessários para a participação pública na realização da construção da sociedade, buscando sempre solucionar os problemas materiais da vida em sociedade que o regime da democracia implica.
O Estado Democrático de Direito conta, para sua implementação, com princípios essenciais como a constitucionalidade, a organização democrática da sociedade, os sistemas de direitos fundamentais individuais e coletivos, a justiça social, a igualdade, a divisão de poderes, legalidade e a segurança jurídica. Por esses princípios, o Estado Democrático de Direito supera o Estado de Direito Liberal e social, pois oferece mecanismos que melhor se adequam à realidade e necessidades da sociedade.
A Constituição Federal de 1988, marco da redemocratização do Estado após o regime autoritário estabelecido pela ditadura militar no ano de 1964 teve grande influência no âmbito dos direitos fundamentais (Piovezan, 2012: 83).
A previsão constitucional se divide em cinco categorias específicas: os direitos individuais e coletivos; os direitos sociais; os direitos de nacionalidade; os direitos políticos; e a organização dos partidos políticos.
Com essa divisão estabelecida, verifica-se que a Constituição Federal de 1988, previu em seu texto constitucional, de modo transformador e pragmático, direitos fundamentais direcionados a todos os indivíduos e contidos em cláusulas pétreas, que não podem ser alteradas por meio de emendas constitucionais.
3 O DIREITO À IGUALDADE
O direito à igualdade passa a ter maior visibilidade no século XlX, a partir da Revolução Francesa, como forma de proteção dos indivíduos ante a ação do Estado. Todavia, o princípio da igualdade por derivar da observância da desigualdade, não é algo absoluto, uma vez que, a vedação está nas diferenciações subjetivas e não na diferenciação de tratamento (Ferreira, 2014: 215).
O conceito de igualdade provocou inúmeras reflexões devido ao seu grau de complexidade, sendo objeto de estudo dos filósofos desde os primórdios da sociedade.
Para os filósofos gregos, a igualdade se relacionava com a democracia. Para Aristóteles, o conceito de igualdade está diretamente relacionado ao conceito de justiça, ou seja, não há como entender ou se falar da igualdade, sem que se tenha o entendimento do conceito de justiça.
Partindo desse pressuposto, Aristóteles elenca inúmeros significados existentes para justiça que acabam determinando o conceito de igualdade para Aristóteles, tendo em vista a correlação dos conceitos na visão aristotélica.
Da concepção de igualdade como determinação de todos os indivíduos serão tratados de forma igual perante a lei que corresponde à igualdade formal, chegamos à igualdade material, como compensação das desigualdades socioeconômicas e culturais, passando a se chamar de igualdade social ou de fato (Sarlet, 2019: 620).
Do conceito material de igualdade, de acordo com Lobo (2009: 53), decorre o preceito de de que não há Estado de Direito se este não for democrático, permitindo através da igualdade, a participação de todos os indivíduos de forma ativa na realidade política do país.
Em virtude disso, a inclusão das minorias sociais, só se concretiza quando ocorre o reconhecimento da igualdade na participação ativa dos discursos políticos, pois é por meio destes que as minorias reivindicarão e incluir suas necessidades, pois isto faz parte da essência da democracia. Assim chegaremos ao conceito de igualdade procedimental.
Tendo início nos Estados Unidos, o Brasil foi amplamente influenciado pelas políticas afirmativas, trazendo debates acerca do tema no ano de 1960. E é nesse contexto que se mostra necessário entendimento acerca das ações afirmativas, para que possamos compreender o contexto histórico e social em que cada país e população vivem.
Dessa forma, o princípio da igualdade não só de modo formal, mas também material, constitui um dos pilares da Constituição Federal do Brasil de 1988, cujo objetivo é a eliminação de segregações raciais, étnicos, entre outros, sempre respaldado pela dignidade da pessoa humana para a evolução de uma sociedade e ambiente justo, democrático, solidário e fraterno. Assim, as políticas de inclusão como forma de igualar as oportunidades, constituem um processo importante de constitucionalização da República Federativa do Brasil.
Cumpre ressaltar que o conceito de ação afirmativa não se confunde com o de cotas, posto que, ação afirmativa seria considerada o gênero e cotas espécie. Então toda ação com o intuito de promover a preferência de minorias, independente a modalidade, como cotas, vantagens, etc., são abrangidas pela definição da ação afirmativa.
Conforme Duarte (2014: 08), por volta do ano de 1960 deu-se início as primeiras medidas em prol da implementação e efetivação das ações afirmativas como mecanismo de combate das discriminações raciais, em âmbito internacional, por conta de um longo período de reivindicações democráticas internas que aconteciam nos Estados Unidos.
No Brasil, as políticas afirmativas, tiveram início após o processo de redemocratização do país. Mas apenas em 20 de julho de 2010, foi aprovada a lei nº 12.288, que implementa o Estatuto da Igualdade Racial, que busca garantir aos indivíduos negros o efetivo acesso a oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos, bem como o combate as discriminações e demais formas de intolerância.
O estatuto é um marco no processo de legitimação e propagação das ações afirmativas em âmbito nacional, visto que, através dessa lei, é realizada a promoção e garantia da integração dos indivíduos negros, bem como diversas medidas e políticas afirmativas. Ademais, tal política assegura que passará a atingir a finalidade do combate à desigualdade étnica em diferentes áreas.
Conforme o exposto, o princípio da igualdade tinha a necessidade de instrumentos que promovessem sua efetiva aplicação, passando da igualdade formal, não suficiente para consecução de seus objetivos, para a igualdade material que, por meio de políticas públicas com o objetivo de reduzir a desigualdade existente impõe o dever de instituir ações afirmativas. Essas ações, cujo caráter é temporário e especial, buscam acelerar o alcance da igualdade material para as minorias da sociedade, (Piovezan, 2005: 49).
Através das ações afirmativas, especialmente as de natureza educacional, a igualdade material será promovida e, por conseguinte, será alcançada a igualdade procedimental, que se traduz na efetiva participação dos indivíduos, sem qualquer forma de distinção, nas atividades econômicas e políticas da sociedade, dando sentido efetivo à democracia e à justiça.
Portanto as ações afirmativas se apresentam como um instrumento imprescindível e necessário, pois garantem o pluralismo econômico e político inerente ao Estado Democrático de Direito, bem como a concretização da igualdade em sentido amplo e eficiente, conforme prevista na Constituição Federal.
A concepção dos direitos fundamentais sofreu inúmeras transformações ao longo do tempo, que vieram a se consolidar em várias etapas e momentos históricos. No Brasil, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, com a redemocratização, abriram-se as portas para que se acolhessem, instituíssem e construíssem direitos e garantias fundamentais.
O princípio da igualdade, nesse contexto, traz a noção de que todos os indivíduos serão tratados de forma igual perante a lei, garantido o tratamento diferenciado para aqueles que se encontrarem em situação de diferença e, a partir das ações afirmativas e políticas educacionais, se alcançará a igualdade procedimental.
A igualdade procedimental é essencial para a participação de todos os indivíduos, sem exceção, dos processos econômicos e políticos da nação, enfrentando de forma eficaz as desigualdades sociais que permanecem em nossa realidade social, econômica e política.
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*Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas – UDC. E-mail para contato: larissascherer1997@gmail.com