Lucas Araújo Monte*
Universidade de Brasília (UNB), Brasil
E-mail: lucas.monte.bsb@gmail.com
RESUMO
Este artigo se baseia no contexto de polarização política em torno de direita e esquerda e da relevância da temática relacionada às Forças Armadas nas últimas eleições presidenciais brasileiras de 2018, e tem como objetivo principal apurar como oscilaram as propostas dos candidatos que disputaram o cargo, no que diz respeito a essa temática, de acordo com a posição do seu partido no continuum direita-esquerda. Foram analisados previamente os treze programas de governos dos candidatos à presidência. Nove propostas, que versam sobre o assunto, foram objeto de análise do conteúdo, com a finalidade de observar a frequência de palavras-chaves, a porcentagem de texto dedicada ao assunto e o teor das principais propostas relacionadas à matéria. A pesquisa verificou que as pautas de direita se confluem na utilização das instituições militares para realizar atividades de segurança pública e na instituição de princípios militares para a educação civil. As de esquerda convergem na implantação de princípios descentralizadores e democráticos para as questões militares, no uso estrito das Forças Armadas de acordo com o previsto na Constituição Federal/88, e na criação de tecnologia bélica nacional para uso dual (militar e civil). A convergência de ambas foi no sentido de que as Forças Armadas sejam utilizadas para proteger as fronteiras do país, bem como sobre a necessidade de que as instituições militares sejam modernizadas (tecnologicamente).
Palavras-chaves: eleições presidenciais no Brasil; forças armadas; planos de governo; ideologias políticas; direita-esquerda.
RESUMEN
Este artículo se basa en el contexto de la polarización política al rededor de derecha y izquierda y la relevancia de las discussiones relacionadas con las Fuerzas Armadas en las últimas elecciones presidenciales brasileñas de 2018, y tiene como objetivo principal investigar como variaron las propuestas políticas de los candidatos que disputaron el cargo, en relación a esta temática, según la posición de partido político en el continuum derecha-izquierda. Los trece programas guberidntales de los candidatos presidenciales fueron analizados previamente. Nueve propuestas, que tratan del tema, fueron sujetas a análisis de contenido, a fin de observar la frecuencia de las palabras clave, el porcentaje de texto dedicado al tema y el contenido de las principales propuestas relacionadas con la temática. La investigación encontró que las agendas políticas de la derecha se acercan en el uso de instituciones militares para llevar a cabo actividades de seguridad pública y en la institución de principios militares para la educación civil. Las de izquierda convergen en la implementación de principios descentralizadores y democráticos para asuntos militares, em el uso las Fuerzas Armadas de acuerdo con las disposiciones de la Constitución Federal/88, y en la creación de tecnología de guerra nacional para uso dual (militar y civil). La convergencia de ambas fue en el sentido de que las Fuerzas Armadas sean utilizadas para proteger las fronteras del país, así como en la necesidad de modernizar las instituciones militares (tecnológicamente).
Palabras clave: elecciones presidenciales en Brasil; fuerzas armadas; planes de gobierno; ideologías políticas; derecha-izquierda.
ABSTRACT
This article is based on the context of political polarization around the right-wing and left-wing and the relevance of the theme related to the Armed Forces in the last Brazilian presidential elections of 2018, and its main objective is to determine how the proposals of the candidates who ran for office fluctuated in the regards this theme, according to your party's position on the right-left continuum. The thirteen government programs of presidential candidates were previously analyzed. Nine proposals, which deal with the subject, were subject to content analysis, in order to observe the frequency of keywords, the percentage of text dedicated to the subject and the content of the main proposals related to the subject. The research found that the right agendas converge in the use of military institutions to carry out public security activities and in the establishment of military principles for civil education. Those on the left converge in the implementation of decentralizing and democratic principles for military issues, in the strict use of the Armed Forces in accordance with the provisions of the Federal Constitution/88, and in the creation of national war technology for dual use (military and civil). The convergence of both was in the sense that the Armed Forces are used to protect the country's borders, as well as the need for military institutions to be modernized (technologically).
Keywords: presidential elections in Brazil; armed forces; government plans; political ideologies; right-left.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Lucas Araújo Monte (2020): “As forças armadas no contexto eleitoral brasileiro – uma análise das propostas dos candidatos à presidência da República no ano de 2018”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (marzo 2020). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2020/03/contexto-eleitoral-brasil.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss2003contexto-eleitoral-brasil
1 – INTRODUÇÃO
As últimas eleições presidenciais no Brasil tiveram, sem dúvidas, uma forte influência das Forças Armadas. Essa presença se fez tanto pelo número de candidatos oriundos das respectivas instituições, como pela inclusão de temáticas correspondentes no debate político-eleitoral, além das inúmeras manifestações públicas por parte do alto escalão de Exército, Marinha e Aeronáutica durante o ano de 2018. No mesmo sentido, restou evidente que, na última eleição presidencial, as discussões e a oposição ideológica restaram balizadas em torno da díade direita-esquerda.
Direita e esquerda possuem a capacidade de sintetizar – embora parcialmente – as ideologias políticas e de se adaptarem a cada contexto, bem como de trazerem para o cenário político cotidiano uma representação simplificada das ideologias as quais formam parte. Em outras palavras, configuram a formatação e a clivagem política dentro de um plano unidimensional (Downs, 1999), abarcando diversas esferas temáticas, podendo incluir, por óbvio, as Forças Armadas.
Portanto, esta pesquisa tem como objetivo principal identificar, nos planos de governo dos candidatos da direita e da esquerda, que concorreram à presidência da República em 2018, se há uma similaridade entre as propostas para a temática das Forças Armadas entre os representantes de cada polo da díade, bem como se há uma coesão de temática entre ambos. Desse modo, a pergunta que balizará esse trabalho é: há elementos comuns no discurso dos candidatos à presidência da República nas eleições de 2018 de direita e de esquerda e de ambos lados do continuum em relação às Forças Armadas?
O presente artigo abordará, a partir de um recorrido histórico, o papel das Forças Armadas dentro da política nacional; a vinculação das instituições militares com o conservadorismo, bem como a aceitação das respectivas instituições pelos teóricos clássicos do liberalismo na instituição dos Estados-Nação modernos; uma discussão conceitual em torno da distinção entre direita e esquerda; a utilização do discurso como manifestação das ideologias políticas; o posicioidnto dos partidos dos candidatos que disputaram as eleições presidenciais de 2018 dentro do continuum direita-esquerda; e a análise das propostas dos concorrentes ao cargo de presidente da República no último sufrágio em relação a temática das Forças Armadas.
2 – AS FORÇAS ARMADAS COMO ATOR ATIVO NO PROCESSO POLÍTICO NACIONAL
A história das Forças Armadas 1 brasileira se confunde, em muitos momentos, com a própria história política nacional. A Revolta Tenentista da década de 1920, a Revolução Constitucionalista de 1932, a instauração do Estado Novo (1937-1946) sob a gestão de Getúlio Vargas e o Golpe de Estado militar de 1964, são grandes exemplos de como a ação política por parte dos militares podem delinear os rumos do Brasil e refletir, até os dias atuais, na sua realidade sócio-política-econômica. Assim, esse trabalho parte do pressuposto de que os militares são atores ativos e relevantes no processo político do país.
A última grande atuação direta das Forças Armadas na política brasileira foi, sem dúvidas, no contexto do Golpe de Estado levado à cabo em 31 de março de 1964. Na ocasião, sob a justificativa de combater a ameaça comunista, houve o fim de um governo democraticamente eleito, com a deposição de João Goulart, e a assunção do poder pelos militares (Rosenmann, 2013). Além das atrocidades e violações aos direitos humanos cometidas em solo nacional, os militares brasileiros firmaram uma aliança político-militar com os ditadores dos países do cone sul e o Estados Unidos, conhecida como Operação Condor, que tinha como principal objetivo eliminar os inimigos políticos (Calloni, 2001).
Por mais que as Forças Armadas tivessem albergado, à época do golpe de 1964, um apoio considerável de grande parte da classe média brasileira, de grandes proprietários rurais, de uma parcela da mídia de massa, e de setores conservadores da sociedade, incluindo a Igreja Católica, no final do período ditatorial militar restou claro que a adesão destes grupos praticamente já não existia2 . Assim, num ato de autopreservação, a própria elite autoritária iniciou e criou as bases para o processo de transição democrática (Codato, 2005).
No primeiro período pós-redemocratização, isto é, desde o governo Collor até meados do primeiro mandato de Lula (1990-2006), os militares mantiveram uma postura discreta na política brasileira. Ademais, havia uma desconfiança das instituições militares por grande parte da população, devido à violência e violações de direitos praticadas durante a ditadura militar, bem como pelos efeitos negativos que a gestão militar trouxe para a economia na década de 1980, sobretudo pelas altas taxas de inflação.
O governo Collor extinguiu o SNI3 , rebaixou o status da EMFA 4, além de ter gerido as Forças Armadas com uma certa distância – o que causou na época reações de revanchismo por parte dos militares. No governo FHC foi criado a política de Direitos Humanos e de Memória, para as vítimas da ditadura militar, e o Ministério da Defesa (com a consequente extinção da EMFA), cuja titularidade ficou a cargo de um civil. A partir de então, o controle máximo da Marinha, Exército e Aeronáutica restaria apartado dos próprios militares. Do mesmo modo, no primeiro mandato de Lula houve um aprofundamento da questão do resgate à memória e da reparação das políticas ditatoriais, além do reforço da submissão civil das Forças Armadas5 (SANTOS, 2018). Por outro lado, os militares começaram a se manifestar publicamente sobre assuntos vinculados à caserna, especialmente aos de políticas salariais e falta de investimentos no setor (Martins Filho, 2010).
No segundo período pós redemocratização, ou seja, a partir da reeleição de Lula, em 2006, os militares vão retomando a confiança tanto do governo como da população. Nesse período foi construído um clima amistoso com os membros das Forças Armadas, o que refletiu em um aumento dos soldos e do orçamento da pasta da Defesa (Martins Filho, 2010). As ações das Forças Armadas em situações humanitárias, de calamidades e de saúde pública no Brasil e no exterior – sobretudo na controversa missão da ONU no Haiti – resultou na reconstrução de uma imagem positiva das respectivas instituições.
Durante a gestão de Dilma Rousseff houve a criação da Comissão da Verdade6 , a qual foi objeto de crítica por parte do alto escalão das Forças Armadas, além da proibição de qualquer comemoração alusiva ao dia 31/03/1964 (data do golpe militar) por parte das Forças Armadas. Ademais, mesmo com o maior reajuste salarial recebido nos últimos anos7 , os militares, no decorrer do mandato da petista, se manifestaram publicamente, de forma crítica, sobre diversos assuntos, especialmente sobre a condução política e econômica do país. No transcorrer do processo de deposição de Dilma Rousseff restou claro o posicioidnto político das Forças Armadas8 , sobretudo pelo rechaço de políticas sociais de cunho progressista (Souza, 2016).
O governo Temer foi marcado pelo protagonismo dos militares. O sucessor de Dilma assumiu o governo num contexto de crise política e de baixa popularidade – que se manteve até o término do seu mandato –, tendo se aproximado das Forças Armadas a fim de compartilhar o prestígio elevado que as respectivas instituições mantinham perante à população brasileira. Temer agradou os militares dando-lhes protagonismo nacional, como, por exemplo, na recriação do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, na intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, nas diversas operações de Garantia da Lei e da Ordem9 , além da inédita nomeação de um militar como Ministro da Defesa.
Outro fato que chamou a atenção, nos últimos quatro anos, foi a manifestação pública, em diversas partes do país, em favor de uma intervenção militar. Esse movimento ganhou notoriedade nas manifestações em favor do impeachment de Dilma Rousseff e continuou aparecendo em outras ocasiões, como na greve nacional dos caminhoneiros em 2018. Embora tal pensamento esteja restrito (ao que parece) a um pequeno número de pessoas, trata-se de algo novo no contexto brasileiro pós-redemocratização.
Ao que tudo indica, a percepção negativa que grande parte da população brasileira tinha em relação às Forças Armadas no início da década de 1990 mudou drasticamente. Se antes, para a sociedade, as instituições militares estavam vinculadas à ditadura militar, às violações dos direitos humanos, ao cometimento de crimes e, até mesmo, à corrupção, hoje é associada à manutenção da paz, à prestação de serviços sociais em situações graves de saúde e calamidades, à manutenção da ordem e à probidade. Nesse sentido, o instituto de pesquisa DATAFOLHA (2019) apurou que as Forças Armadas continua sendo a instituição mais confiável para os brasileiros10 , com uma certa vantagem sobre as demais.
Por fim, cabe destacar a visibilidade e o protagonismo das Forças Armadas nas eleições de 2018. Durante a campanha presidencial dez candidatos à presidência da República visitaram o então Comandante do Exército, general Villas Bôas, para escutar as demandas e apresentar propostas. Além disso, houve um quantitativo recorde de militares que se candidataram, bem como os que foram eleitos11 . No entanto, a maior expressão desse fenômeno foi a eleição do capitão da reserva Jair Bolsonaro (PSL) para a presidência da República, tendo o general Hamilton Mourão (PRTB) como vice. Cabe destacar que Bolsonaro liderou 12 as pesquisas de intenções de voto durante toda a campanha eleitoral.
Tanta prevalência e relevância das Forças Armadas no contexto eleitoral de 2018 foram suficientes para homogeneizar as propostas dos candidatos à presidência da República? Ou as inclinações político-ideológicas de cada partido, dentro do espectro direita-esquerda, se mantiveram nos respectivos planos de governo, a despeito do protagonismo das Forças Armadas?
3 – AS INSTITUIÇÕES MILITARES, A DEMOCRACIA E O CONSERVADORISMO
A conformação do atual modelo de Estado de direito difundido e implantado, especialmente nas nações ocidentais, remonta ao Século XVIII. Assim, a base ideológica da construção do Estado-Nação se situa dentro do liberalismo. Os autores desse período teorizaram sobre a limitação dos poderes estatal, bem como pela positivação e respeito dos direitos humanos. Muitos teóricos também abordaram a questão das Forças Armadas dentro da perspectiva liberal. Ao contrário do que possa se imaginar, há uma prevalência do respeito e manutenção das Forças Armadas como instituição essencial para a instituição de um Estado sob a égide do liberalismo, e, em consequência, como parte integrante do próprio sistema democrático liberal.
Nesse sentido, Locke (1994) percebia a preservação do exército como uma garantia da ordem, e até mesmo aceitava que, em determinadas situações, se transformasse em um poder absoluto. Montesquieu (1996) destacava que as Forças Armadas eram necessárias, já que replicavam em nível estatal um próprio direito natural humano: o da proteção. Rousseau (2010) entendia que as forças militares eram inevitáveis para a manutenção do contrato social, uma vez que este pressupunha também a defesa do território contra invasões externas. Num período posterior, Hamilton (Madison; Hamilton; Jay, 1840) – teorizando sobre a composição do Estado norte-americano – foi enfático em admitir que as Forças Armadas são inimigas da liberdade, mas essenciais ao Estado, logo a administração do poder militar deveria ser centralizada no governo federal. Tocqueville (2005), analisando a democrática posta em prática nos Estados Unidos, elogiou o modelo de repartição de competências daquele país, incluindo a formatação das instituições militares.
As forças militares são marcadas por serem, historicamente, baseadas em pressupostos conservadores (Codato, 2005). Quanto ao tema, Freeden (2013) explica que o conservadorismo se caracteriza pelo receio de modificações na ordem social e pela necessidade de discernir as mudanças naturais das antinaturais. Assim, se concebe que há leis naturais que não se encontram sob o controle do homem, e, por isso, determinadas mudanças são tidas como prejudiciais. Ademais, tem como sustentação uma gama de paradigmas explicativos sobre a ordem, tanto de natureza divina como a natural humana, que embasam a manutenção de uma ordem social.
Outro núcleo identificador do conservadorismo é a apelação à inercia humana. Assim, a manutenção do status quo das instituições e das pessoas particularizam essa tradição política. Além disso, esta macroideologia13 se caracteriza por utilizar-se de métodos reacionários, quando ameaçada por princípios e ideologias contrárias, e pela construção de um contraconjunto em reação à possível ameaça aos seus princípios, marcado pela utilização de conceitos e ideias de outras ideologias. A partir dessa flexibilidade, que os conservadores protegem seus conceitos centrais, blindando a ordem social de mudanças significativas, e, ao mesmo tempo, permitindo reduzidas mudanças (Freeden, 2013).
Tendo esse referencial conceitual da macroideologia conservadora, observa-se que, exceto pela própria limitação do poder das Forças Armadas perante às normas constitucionais, o liberalismo – enquanto ideologia política – não prevaleceu sob as respectivas instituições. Pelo contrário, Codato (2005) menciona que, apesar da existência de algumas vertentes ideológicas dentro do seio dos órgãos militares do país14 , prevaleceu, desde o golpe de 1964, a ideologia conservadora como força motriz para a ação política. Tal perspectiva, segundo Codato, ficou bem visível no processo de transição militar-civil, isto é, na redemocratização. No mesmo viés, também não há expressões marcantes da macroideologia socialista no seio das forças militares, e sim o oposto. Pois, sempre que essa ideologia ganha espaço no meio político, o conjunto do braço armado do Estado se volta às bases conservadoras, para fazer frente a uma possível ameaça. Tal dinâmica é, inclusive, uma das características do conservadorismo, segundo Freeden (2013).
Não desprezando as diversas forças político-ideológicas existente no interior das Forças Armadas (Santos, 2018), o conservadorismo continua sendo a ideologia política prevalecente no braço armado do Estado nos dias atuais. A atual formatação dessa ideologia política dentro das instituições militares não difere da explicitada no tópico anterior. No entanto, para o eleitorado, há uma ressignificação quanto ao conservadorismo manifestado pelas Forças Armadas, uma vez que, na atualidade, agregou-se um novo elemento ao seu núcleo caracterizador: a probidade (Löwy, 2015). Portanto, no Brasil, a luta contra a corrupção, o modelo de gestão proba e eficiente, e, até mesmo, de sociedade, encontra-se identificado – para parte da população –, no conjunto de ideias e valores difundidos pela Marinha, Exército e Aeronáutica, isto é, no conservadorismo vinculado as Forças Armadas.
4 – DIREITA E ESQUERDA EM PERSPECTIVA AMPLA
A história da democracia liberal se confunde com a disseminação ideológica e a ação política em torno da díade direita-esquerda. Essa configuração político-ideológica tem origens na Assembleia Constituinte Francesa, no fim do Século XVIII, tendo sido difundida pela Europa e Estados Unidos, sobretudo, no Século XIX (Tavares, 2016). Inicialmente, a direita estava vinculada ao conservadorismo, enquanto a esquerda ao liberalismo (Rothbard, 2016). Com a difusão das ideias de cunho socialista 15, houve uma primeira ressignificação conceitual em torno da díade, de modo que o liberalismo se aproximou do centro (oscilando entre os dois lados do espectro), e a esquerda ficou caracterizada pela defesa da ideologia política socialista (Medina, 2015). Por fim, com a implantação do neoliberalismo, e com o posterior fim da União Soviética, a esquerda ficou marcada pela defesa de um socialismo democrático (Forcheri, 2004), e a direita oscilou em duas grandes vertentes: a (neo)liberal e a conservadora (Rodríguez Araujo, 2004).
Por mais que a queda do bloco soviético pudesse determinar o fim da história, isto é, o fim das disputas ideológicas (Fukuyama, 1992), o que se viu no Brasil foi o contrário. Singer (2002, p. 49), analisando as eleições presidenciais brasileira de 1989 e 1994 e o perfil político-ideológico dos eleitorados, conclui que “a adesão a uma posição no contínuo esquerda-direita ou liberal-conservador que, mesmo sendo difusa, isto é, cognitivamente desestruturada, sinaliza uma orientação política geral do eleitor”. Tal constatação foi apurada em outros contextos eleitorais, como, por exemplo, em 2002 e 2006 (Carreirão, 2002; Ames; Smith, 2010). Desse modo, observa-se que os significados em torno de direita e esquerda no Brasil, por mais que tenham tido suas ressignificações ao longo do tempo, sobretudo no campo econômico (Negri, 2014), nunca deixaram de fazer parte da política nacional.
Assim, sem perder de vista a dinâmica dos pontos de permeabilidade entre as macroideologias (Freeden, 2013), bem como as especificidades brasileira quanto às grandes ideologias políticas associadas ao continuum direita-esquerda, observa-se, no atual contexto político do país, a divisão dos partidos políticos – que possuem uma considerável repercussão eleitoral, isto é, votos e representação no Congresso Nacional – entre as três macroideologias consolidadas na direita e na esquerda. Assim, a disputa política no país oscila entre as ideologias políticas: socialista (mais próxima à esquerda), liberalista (centro, mas com prevalência na centro-direita) e conservadora (à direita).
Diversos autores já se debruçaram sobre a temática em torno da díade direita-esquerda ao longo de mais de dois séculos de sua existência no campo político, no entanto, até hoje não há um consenso em torno de um conceito ou de critérios que definam os termos. Pelo contrário, prevalecem as controvérsias e o aprofundamento do assunto dentro do meio acadêmico. Nesse sentido, há autores que, inclusive, rechaçam a vigência da díade, como Giddens (1996) e o próprio Freeden (2013). O primeiro, apesar de reconhecer uma dinamicidade conceitual em torno de direita-esquerda, conclui que tal divisão – especialmente pelas mudanças sociais modernas – não oferece respostas satisfatórias para os dias atuais (Giddens, 1996, p. 61). O segundo afirma que o continuum tem somente o objetivo de: “conferir un aura de moderación o, respectivamente, de radicalismo e incluso de peligro en relación con una ideología; viene a sugerir que moverse entre ideologías puede ser un proceso gradual, y señala que las ideologías son mutuamente excluyentes” (Freeden, 2013, p. 102).
Por outro lado, outro grupo de autores defende a vigência da díade sob diferentes perspectivas. Bobbio (2011) desenvolve um critério chave para a distinção entre direita e esquerda: a atitude diante da igualdade. Neste ponto, observa que a esquerda acredita que a maior parte das desigualdades é social e, portanto, elimináveis; por outro lado, a direita crê que grande parte das disparidades são naturais e, logo, inelimináveis. O conceito de igualdade para Bobbio (2011, p. 112) é relativo, sendo necessário ser submetido a três variáveis: “[...] entre quem, em relação a que e com base em quais critérios”. Com a combinação dessas variáveis obtém-se uma infinidade de repartições que necessitam ser analisadas no caso concreto.
Num viés diferente, Bresser-Pereira (1997) elabora a sua chave interpretativa utilizando-se das variáveis ordem pública e justiça social. Desse modo, a direita seria identificada por priorizar a ordem em relação à justiça social. Por outro lado, a esquerda por arriscar a ordem em nome da justiça. Nesse sentido, observa que a direita defende um Estado mínimo, limitado à garantia da ordem pública, e reconhecendo a soberania do mercado na vida social. Em contrapartida, a esquerda confere ao Estado o papel de ator principal na redução das desigualdades sociais.
A partir de uma matriz teórica distinta, Alain Touraine (1999) e Fernández de la Mora (1999) utilizam da relação com o Estado a diferenciação entre direita e esquerda. O primeiro entende que a direita seria caracterizada por agir na diminuição do Estado em favor do mercado, enquanto a esquerda em suprir aparato estatal para agir em favor do social. Já o segundo autor traça a sua a sua distinção não somente utilizando-se da relação Estado-economia, mas sim o Estado com todos os seus vieses. Portanto, direita menos Estado; esquerda mais Estado.
Utilizando-se de uma perspectiva mais complexa, Rui Tavares (2016) defende a existência e a análise da política sob a perspectiva da díade. Não obstante, apesar de descrever algumas características de cada polo do espectro político-ideológico, ressalta o risco de reduzir a identificação de cada um deles, ou seja, de descrever a direita e a esquerda, com apenas um único fator/critério (Tavares, 2016). Desse modo, afasta-se um pouco de Bobbio (2011) e de Bresser-Pereira (1997) no que diz respeito à distinção dos dois lados do continuum, apesar de considerar que a característica – a atitude diante da igualdade – adotada pelo filósofo italiano positiva.
Para Tavares (2016), a descrição de direita e esquerda é uma tarefa muito difícil, uma vez que há uma grande possibilidade de incorrer em equívocos. Por este motivo, o historiador português propõe que a análise seja feita a partir da busca do ar de família 16 de cada conceito, visto que “existem categorias de coisas que não se definem por uma característica, mas por várias, sendo que todas essas características não se encontram em todos os elementos da categoria” (Tavares, 2016, p. 48). Portanto, o exercício a ser realizado é a busca de categorias que definam direita e esquerda, e mesmo que em determinada análise não haja todos os critérios, estas ainda possa ser caracterizada como direita e esquerda.
Inglehart e Norris (2016) utilizam-se da tradicional divisão entre direita e esquerda, na qual a gestão da economia é o que discerne cada um dos polos. Sendo a primeira caracterizada por políticas que favorecem a desregulamentação, o livre mercado, a oposição a políticas redistributivas e os cortes de impostos. Em contrapartida, a segunda é marcada pela ação política em torno da manutenção da regulamentação dos mercados, da gestão estatal na economia, da distribuição de renda e de gastos públicos.
No entanto, Inglehart e Norris (2016) não se limitam a essa divisão, e agregam uma nova díade de caráter cultural: populista-cosmopolita. A partir dessa divisão, associada à econômica direita-esquerda, os autores analisam o direcioidnto político-ideológico de vários partidos políticos europeus. Nessa perspectiva, populista, em síntese, agrega as políticas que favorecem os valores tradicionais opostos aos estilos de vida liberal, promovendo o nacionalismo, favorecendo a lei e a ordem do multiculturalismo, contra a imigração, opondo-se aos direitos das minorias éticas, e apoiando “princípios” na política e os interesses rurais. Por outro lado, os liberais cosmopolitas adotam uma posição e ação política contrária aos populistas.
5 – OS PARTIDOS BRASILEIROS DENTRO DO ESPECTRO DIREITA-ESQUERDA
No entanto, independente da perspectiva de análise, e, especialmente, pela complexidade de se analisar e enquadrar todos os partidos que concorreram as eleições presidenciais do ano de 2018 dentro do continuum direita-esquerda – o que seria, por si só, um trabalho de pesquisa à parte –, optou-se por utilizar três artigos científicos que se debruçaram sobre o tema: o de Tarouco e Madeira (2013), que versa sobre a posição ideológica dos partidos brasileiros; o de Codato, Berlatto e Bolognesi (2018), que trata da identificação tipologia da direita brasileira, e, para tanto, realiza um trabalho de classificação dos partidos brasileiro em direita, centro e esquerda; e o de Barbosa, Schaefer e Ribas (2017) que analisa o perfil de três agremiações políticas que surgiram recentemente: a Rede Sustentabilidade (REDE), o Partido NOVO e o Partido da Mulher Brasileira (PMN).
A inclusão do trabalho de Barbosa, Schaefer e Ribas (2017) tem como objetivo suprir a lacuna encontrada nos artigos de Tarouco e Madeira (2013) e de Codato, Berlatto e Bolognesi (2018), em relação à ausência do Partido NOVO e da REDE no mapeamento dos partidos no continuum direita-esquerda. O lapso de referências de ambas agremiações nos dois trabalhos se justifica pelo fato de que os respectivos registros no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) somente ocorreram em setembro de 2015, e, portanto, as eleições presidenciais de 2018 foram as primeiras disputas em nível nacional do NOVO e da REDE. Cabe destacar que o material utilizado para análise da classificação dos partidos políticos brasileiros na díade, em ambas publicações, foram os programas de governo, manifestos e o posicioidnto de outros especialistas.
Desse modo, a partir da análise realizada nos três supracitados trabalhos acadêmicos, e considerando os candidatos habilitados à disputa presidencial do ano de 2018, conforme dados obtidos na página web do TSE.
6 – A IDEOLOGIA POLÍTICA ENQUANTO MÉTODO DE ANÁLISE DISCURSIVA
O estudo em torno das ideologias pode ser dividido em duas vertentes: uma de perspectiva negativa (ou significado forte), que compreende a ideologia como a falsa consciência das relações de classe, isto é, há um domínio por parte da classe dominante por meio de um falseamento da realidade. (Stoppino, 1998, p. 586). Essa corrente de pensamento deriva da obra de Marx e Engels (2010). A outra, perspectiva neutra (ou significado fraco), aborda a função das ideias e valores na vida social (Eagleton, 1997). Este campo surge a partir dos aportes de Karl Mannheim (Bosi, 2010), o qual reconhece a pluralidade de posições e concepções de mundo, de modo a viabilizar a observação das características e formas constituídas do pensamento de uma determinada sociedade (ou grupo social), isto é, das ideias e valores comuns, a fim de compreender a função destas na vida social (Mannheim, 1968).
Diferentemente da vertente marxista, que, pela sua própria natureza (isto é, a partir da falsa consciência), resta dificultada a operacionalização de uma verificação empírica de casos concretos – especialmente quando se trata de análises de programas de governo –, o campo em torno da concepção neutra se torna valioso ao possibilitar a construção de ferramentas para análise políticas, especialmente por reconhecer a coexistência de ideologias, sem se basear em critérios subjetivos, além da defesa do pensamento político como resultado de fatores sociais, econômicos, históricos etc. Assim, viabiliza-se a elaboração de categorias de análise que possam ser utilizadas como meio para uma observação mais apurada do viés político sob a perspectiva ideológica.
Por essa razão, segundo Stoppino (1998, p. 585), há um predomínio na ciência política e na sociologia política contemporânea da utilização do significado fraco da ideologia, que, nesse viés, pode ser definido como “[...] o genus, ou a species diversamente definida, dos sistemas de crenças políticas: um conjunto de ideias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos.” (Stoppino, 1998, p. 586). No mesmo sentido, Michael Freeden (2013, p. 65) entende que as ideologias são sistemas de pensamento político no qual grupos e indivíduos elaboram uma compreensão do mundo político em que habitam, para então agir com base nela, sendo identificadas por quatro características: “1. exhibe un patrón recurrente; 2. es seguida por grupos relevantes; 3. compite por la formulación y el control de planes en materia de políticas públicas; y 4. lo hace con el fin de justificar, oponerse o cambiar las bases y los acuerdos sociales y políticos de una comunidad política” (Freeden, 2013, p. 50).
Desse modo, para o autor inglês, a análise das ideologias políticas deve ser realizada a partir da assimilação da função exercida por elas no campo político, especialmente no que diz respeito à disputa do controle da agenda política. Freeden (2013, p. 95) identifica as ideologias políticas como sendo uma estrutura complexa e flexível, integradas por uma rede de elementos racionais e irracionais, situados em contextos históricos determinados, nas quais os conteúdos linguísticos e semânticos não só expressam a realidade, senão, de fato, as constituem. Ou seja, há uma ligação íntima entre a ideologia política e a expressão linguística.
Nesse viés, Freeden (2013) destaca que tanto os vocábulos apartados, como as estruturas semânticas, podem explicitar uma ideologia, de modo a trazer à tona a sua estrutura interna. No entanto, ressalta que há vocábulos de terminologia idêntica, que, sob a égide de cada ideologia, podem manifestar significados distintos. Por fim, conclui que que “los significados que transmite una ideología no sólo reflejan las tradiciones históricas del discurso político, ni sólo el pluralismo cultural [...], sino que son accesibles a través de las pautas particulares con las que se ordenan sus conceptos políticos constitutivos” (Freeden, 2013, p. 72). Portanto, as ideologias são sistemas de pensamento pelos quais se confere significado específico a cada conceito político no seu âmbito. Logo, a análise discursiva dos planos de governo, por exemplo, tem a capacidade de trazer à tona uma compreensão mais ampla do contexto sócio-político sob a perspectiva ideológica.
7 – ANÁLISE DAS PROPOSTAS DOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
7.1 – Metodologia
A análise dos planos de governo dos 13 (treze) candidatos à corrida presidencial do ano de 2018, que tiveram o registro da candidatura deferida, seguiu os seguintes passos. Todos os documentos foram obtidos no site do TSE. Estipulou-se como palavras-chaves para a realização do estudo empírico os seguintes termos: Forças Armadas, Exército, Aeronáutica, Marinha e/ou Defesa17 . A partir da seleção das orações que continham os respectivos vocábulos, além das posteriores que versassem sobre o mesmo assunto, e utilizando-se da técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2009), associada à perspectiva de Freeden (2013) – quanto à observação das ideologias políticas a partir da verificação das expressões semânticas e vocábulos (a análise discursiva) –, identificou-se as características ideológicas de cada plano de governo apresentado no que diz respeito a temática Forças Armadas.
A análise do conteúdo foi realizada em apenas oito planos de governo, tendo em vista que cinco candidatos, conforme quadro abaixo, não realizaram qualquer menção aos vocábulos-chaves, e tampouco versaram sobre a temática com outros termos correlatos. O critério para ordenar os resultados quantitativos e qualitativos da análise dos planos de governo foi a disposição dos respectivos partidos no continuum direita-esquerda.
O lapso de abordagem no referidos planos de governo foram interpretados por dois vieses distintos: de um lado há planos de governo que são embasados numa perspectiva marcadamente econômica, como os dos representantes da direita Alvaro Dias (Podemos) e João Amoedo (Novo), de centro, Henrique Meireles (MDB), e da candidata identificada com a esquerda Vera Lúcia (PSTU), que, pela própria centralidade da condução da economia (e meios de produção, no caso da Vera), a questão das Forças Armadas encontra-se apartada – por não ter correlação direta – do cerne das respectivas propostas. No caso de Geraldo Alckmin (PSDB), da direita, a ausência da temática nas suas propostas é compreendida pela natureza do respectivo plano de governo. Com outros candidatos da direita acentuando as pautas típicas desse polo do espectro político-ideológico, Alckmin apresenta um plano de governo sem temas polêmicos, focando em demandas de grande repercussão e consenso, como o combate à corrupção, desigualdade social e geração de emprego. Desse modo, se abstém do assunto e busca uma proximidade com o centro do continuum. Por fim, observa-se que as cinco propostas em tela se assemelham pelo laconismo em diversos temas nacionais, o que condiz com o diminuto número de páginas de cada plano 18.
7.2 – Análise Empírica
Com o objetivo de apurar o quantitativo do conteúdo dedicado à temática das Forças Armadas, bem como a frequência de emprego das cinco palavras-chaves ora elencadas, foi realizada a análise de conteúdo dos oito planos de governos que abordam o tema.
Apesar desses resultados não demonstrarem, por si só, nenhuma distinção que possa apresentar alguma diferenciação entre as propostas dos representantes da direita e da esquerda, denotam algumas observações importantes entre os oito planos de governo. Jair Bolsonaro (PSL) e Cabo Daciolo (Patriotas), por serem militares 19, são os candidatos da direita que mais demandaram espaço para abordar o assunto: Bolsonaro é o que mais utiliza as palavras-chaves e Daciolo é o que mais dedica, proporcionalmente, conteúdo para abordar o tema das Forças Armadas, inclusive dentre os representantes da esquerda. A base das propostas de ambos é a manutenção do contexto atual das Forças Armadas, com a utilização das instituições para ações em torno da segurança pública, bem como na implantação das diretrizes militares na educação pública.
No grupo da esquerda, Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL) são os que mais versam sobre a temática. Eles são os que mais empregam as palavras-chaves dentre todos os candidatos, respectivamente. E são os que mais utilizam, em termos absolutos, número de caracteres20 . Enquanto o primeiro foca suas propostas na modernização das Forças Armadas, a partir de tecnologia nacional, tendo como limitador a vontade popular. O segundo desenvolve o seu plano de governo propondo alterar as próprias bases conservadoras das instituições militares.
As propostas de direita e esquerda possuem alguns pontos de proximidade: seis planos de governo apresentaram propostas em torno dos eixos temáticos proteção de fronteiras e na modernização das Forças Armadas; quatro (sendo um da direita) defendem o aumento do efetivo das instituições militares; três (um de direita) propõe o uso das Forças Armadas para atividades tipicamente civil, em caso de desastres naturais, calamidades, epidemias e preservação do meio ambiente, por exemplo; e, dois (um de cada polo da díade) aventam a necessidade de melhores condições de trabalho para os membros dessas instituições. Nesse último ponto observa-se uma característica dos dois partidos representados. De um lado, o Partido do Trabalhador, que tem como uma das principais bandeiras a defesa dos trabalhadores. E, por outro, o Patriotas, que é uma agremiação fundada com forte apelo e adesão militar. Ademais, há uma identificação laboral pelo candidato Cabo Daciolo, que é militar estadual.
Os pontos de coesão entre os representantes exclusivamente da direita foram: o emprego das Forças Armadas em atividades típicas da Segurança Pública, tendo a adesão de todos os (três) candidatos; e a instituição de princípios militares na educação civil, sendo proposto esse tema por Jair Bolsonaro e Cabo Daciolo. Enquanto a maior parte dos representantes da esquerda defendem a limitação da atuação das Forças Armadas, os da direita propõem a ampliação do emprego das instituições militares; mesmo após a desastrosa intervenção militar federal na segurança pública do Rio de Janeiro em 2018. No tema da educação, Bolsonaro indicou ampliar as competências das Forças Armadas, para atuar na educação da população, e o número de escolas militarizadas em todo o país. Daciolo propôs fomentar nos estudantes brasileiros valores que eram evocados, sobretudo, no período da ditadura militar21 . Ademais, a questão da ordem ganha força no seu programa ao propor a formação de cidadãos que respeitem e cumpram as ordens. Essa é uma das bases da doutrina da caserna, na qual os militares são instruídos a não questionarem, mas sim, simplesmente, cumprir as ordens superiores. Resta visível o viés conservador de ambas propostas.
As propostas dos representantes de esquerda possuem uma amplitude temática maior. Logo, o discurso desse lado da díade oscila numa quantidade maior de eixos temáticos. A análise demonstrou que os principais pontos de coincidência exclusiva entre o grupo da esquerda se situaram em três propostas que contaram com o apoio de três candidatos: o condicioidnto de mudanças nas Forças Armadas ao apoio popular; emprego das Forças Armadas somente de acordo com o previsto na Constituição Federal; e, tecnologia bélica de caráter nacional e para uso, inclusive, civil.
A primeira proposta demonstra ainda uma certa desconfiança da esquerda com os militares; sobretudo pelo histórico de perseguição no período da ditadura. Desse modo, a responsabilidade de colocar os militares em uma posição de valorização, dotando-os de melhores recursos humanos e logísticos, é descentralizada, num viés democrático, para uma decisão direta pelo restante da população. A segunda está associada à restrição do uso das Forças Armadas para as atividades de segurança pública. Os representantes da esquerda manifestam o rechaço quanto ao emprego das instituições militares para realizarem atividades, sobretudo, policiais. Nesse sentido, dois deles mencionam, como fato negativo, a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro de 2018. A última denota uma preocupação dos candidatos da esquerda em manter o país atualizado tecnologicamente, mas sem a dependência de um Estado estrangeiro. Ademais, essa modernização tecnológica é para uso militar e civil. Tais pautas possuem uma influência da ideologia liberal.
8 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Direita e esquerda protagonizaram as pautas do debate político-ideológico nas últimas eleições presidenciais. Por mais que cinco candidatos decidiram não abordar a temática relacionada às Forças Armadas, resta visível que a oposição ideológica prevaleceu, inclusive, nas propostas vinculadas ao tema. Os maiores pontos de aproximação da direita foram em relação à ampliação do emprego das instituições militares federais, sobretudo nas atividades típicas da segurança pública, bem como na implantação de princípios militares na educação civil. Percebe-se uma valorização da ideologia conservadora nessas propostas.
Por outro lado, nas principais convergências entre as propostas da esquerda observa-se o predomínio do liberalismo, e não do socialismo. Estas se situaram, sobretudo, em três pontos: na implantação de um pré-requisito democrático para alterações nas Forças Armadas, ou seja, a partir do apoio da população. O uso das Forças Armadas apenas nas situações previstas na Constituição Federal de 1988. E, no desenvolvimento de tecnologia bélica a partir de um know how brasileiro. Tendo a sua aplicação não só para fins militares, mas igualmente para civis.
Direita e esquerda formularam um consenso no sentido de que as Forças Armadas sejam utilizadas para proteger as fronteiras do país, bem como sobre a necessidade de que as instituições militares sejam modernizadas (tecnologicamente). O primeiro ponto diz respeito à proteção quanto ao tráfico de drogas, de armas, de pessoas e de espécies animais e vegetais. O segundo retrata o sucateamento e defasagem tecnológica dos equipamentos que estão à disposição de Exército, Marinha e Aeronáutica.
Constatou-se que Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), candidatos mais votados nas últimas eleições presidenciais, somente convergiram em uma temática (Modernização das Forças Armadas), tendo apresentado propostas distintas em todos os outros temas relacionados ao assunto. No entanto, de uma maneira em geral, as propostas de Haddad não apresentaram mudanças consideráveis na estrutura das forças militares. Em alguns pontos, conforme citado anteriormente, prevaleceu o liberalismo, e em apenas dois observa-se uma prevalência do socialismo: melhores condições de trabalho para os militares e a retomada da Embraer para a gestão estatal.
Portanto, conclui-se que, embora as Forças Armadas demonstrem um prestígio crescente na população, as propostas em torno destas não denotam ter sofrido a influência direta (central) da hegemonia, segundo a perspectiva de Gramsci (1984). Isto é, não prevalece uma proximidade e tampouco um consenso entre as propostas apresentadas. Por outro lado, exceto no plano de governo de Guilherme Boulos (PSOL), não há também nenhuma proposta – sobretudo dos representantes da esquerda – no sentido de alterar as bases conservadoras das instituições militares. Desse modo, aduz-se que a pauta militar, salvo pela própria aceitação da vigência dessas instituições e pelo assentimento do seu caráter conservador, não está no centro hegemônico-ideológico.
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*Departamento de Estudos Latino-Americanos (DELA) Universidade de Brasília (UNB), Brasil lucas.monte.bsb@gmail.com