Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


JURISDIÇÃO AMBIENTAL: CONSTITUIÇÃO E O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA PROTEÇÃO DO ESTADO SOCIOAMBIENTAL

Autores e infomación del artículo

Clauderson Piazzetta*

Universidade Cândido Mendes- UCAM, Brasil

E-mail: claudersonpiazzetta@hotmail.com


RESUMO

As questões ambientais têm se avolumando nos últimos tempos, sobretudo após parcela da sociedade perceber que os recursos naturais são passíveis de extinção e que sem um meio ambiente ecologicamente equilibrado todos os seres estarão sujeitos à destruição. Pensando nisso, diversas legislações, especialmente a Constituição Federal do Brasil, trazem previsões acerca da necessidade de proteção a esse bem que é essencial. No entanto, ainda assim remanescem casos em que a legislação por si só não consegue inibir práticas atentatórias à preservação do ambiente, nascendo a necessidade de intervenção do Poder Judiciário a fim de tutelar de forma adequada o bem ambiental. Nesse sentido, busca-se trazer uma análise da atuação da jurisdição estatal na proteção do meio ambiente, sobretudo com relação à atuação do juiz e às amarras individualistas que acometem o procedimento judicial.

Palavras-chave: Meio ambiente. Constituição Federal. Danos ambientais. Poder Judiciário. Jurisdição Ambiental.

RESUMEN

Los problemas ambientales han aumentado en los últimos tiempos, especialmente después de que una parte de la sociedad se da cuenta de que los recursos naturales están en peligro y que sin un entorno ecológicamente equilibrado, todos los seres estarán sujetos a la destrucción. Con esto en mente, varias legislaciones, especialmente la Constitución Federal de Brasil, proporcionan predicciones sobre la necesidad de proteger este activo esencial. Sin embargo, hay casos en los que la legislación por sí sola no puede inhibir las prácticas que son perjudiciales para la preservación del medio ambiente, lo que da lugar a la necesidad de intervención del poder judicial para proteger adecuadamente el bien ambiental. En este sentido, buscamos llevar un análisis del desempeño de la jurisdicción estatal en la protección del medio ambiente, especialmente en relación con el desempeño del juez y los lazos individualistas que afectan el procedimiento judicial.

Palabras clave: Medio ambiente. Constituicion Federal. Daño ambiental. Poder Judicial. Jurisdicción ambiental.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Clauderson Piazzetta (2020): “Jurisdição ambiental: constituição e o papel do poder judiciário na proteção do estado socioambiental”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero 2020). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2020/01/jurisdicao-ambiental.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss2001jurisdicao-ambiental

1. INTRODUÇÃO
Um dos assuntos que tem despertado grandes debates são os temas relacionados ao meio ambiente. A sociedade começou a se debruçar nesse tema ao perceber que as fontes naturais são esgotáveis e que sem um meio ambiente ecologicamente equilibrado todos os seres estarão fadados à ruína. Nesse sentido, os diversos ordenamentos jurídicos vêm buscando proteger legalmente esse bem que é vital para o próprio futuro da humanidade. No Brasil não é diferente, pois o arcabouço legal e, especialmente, o plano constitucional, afirmam o ambiente na sociedade ao reconhecerem que ele é de todos e que cabe a toda população protegê-lo e preservá-lo.
A Constituição Federal de 1988 foi inovadora no que tange ao reconhecimento do meio ambiente como sendo um verdadeiro direito fundamental do homem. A Lei Maior, em seu art. 225, afirma que o meio ambiente é um bem fundamental comum a todos e que, ao mesmo tempo, todos têm o dever fundamental de cuidá-lo.
Conquanto a Constituição preveja a necessidade de tutela do bem ambiental, percebe-se que o Poder Público não tem eivado os esforços necessários a fim de cumprir o disposto no seio constitucional. Com isso, os danos ambientais vêm se avolumando, comprometendo a manutenção da vida de todas as espécies.
Em face dessa constatação, o Poder Judiciário tem chamado para si a responsabilidade de tutelar adequadamente esse bem, de modo a garantir a sobrevivência da humanidade. A esperança depositada no Judiciário avoluma-se na medida em que esse poder estatal é o último reduto a fim de garantir a efetividade da proteção ambiental tão buscada pelo ordenamento.
Dessa forma, utilizando o método hermenêutico, objetiva-se estudar a presença e a afirmação do direito fundamental ao meio ambiente na Constituição Federal de 1988, bem como a atuação jurisdicional na proteção desse bem. Em um primeiro momento, será visto que a Carta Magna traz o meio ambiente como sendo um direito fundamental do homem e que todos devem tutelá-lo. A partir daí, ganha espaço o exame do papel do Poder Judiciário na preservação e proteção do estado socioambiental, bem como a necessidade de uma atuação jurisdicional firme, ativa, que se desamarre dos traços individualistas, a fim de tutelar adequadamente o bem ambiental.
2. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: O RECONHECIMENTO DO MEIO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Um dos temas de grande recorrência nas agendas governamentais, nos ambientes acadêmicos e, principiante, nas esferas legislativas dos países são os assuntos relacionados à proteção do meio ambiente. Esses debates se acentuam especialmente pela preocupação que as nações vêm tendo por conta da degradação ambiental protagonizada pelo homem e, principalmente, pelas consequências dos danos ambientais à própria humanidade. Essa inquietação ganha fortes contornos justamente pelo fato de que o ser humano, por ser o principal agente poluidor, torna-se a principal vítima das suas próprias ações, já que ao degradar o bem ambiental, o ser humano acaba incutindo uma série de doenças e percalços que inviabilizam a própria existência das espécies.
Para fazer frente a todas as mazelas ambientais e prevenir novos danos ao ambiente, a fim de que seja efetivado um estado socioambiental para todas as gerações, os ordenamentos jurídicos dos mais diversos países vêm trazendo normas que tenham por escopo a tutela ambiental, para que assim se tenha uma sociedade com um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
No Brasil não foi diferente. A República Federativa do Brasil optou por elevar o meio ambiente a um estágio nunca antes visto, principalmente após a Constituição Federal de 1988. Não que antes da atual Constituição o meio ambiente não fosse previsto no ordenamento jurídico, ele o era, principalmente pela lei federal 6.938/81 que dispõe acerca da Política Nacional do Meio Ambiental. Em verdade, a preocupação do Brasil com o meio ambiente remonta à década de 70 com a participação do país na Conferência sobre o meio ambiente que foi realizada em Estocolmo, na Suécia. Com essa conferência, o Brasil começou a atuar mais incisivamente na proteção do bem ambiental, justamente por entender que o meio ambiente é crucial para a vida de todas as espécies e que o mesmo está sendo degradado pela própria sociedade. Assim, também o Brasil começou a se debruçar com mais afinco para que se tenha uma racionalização de toda espécie de exploração do meio ambiente de modo a preservá-lo para a vida das gerações.
Se na década de 70 já havia, embora incipiente, um olhar mais nítido com a causa ambiental, com a década de 80 houve uma ascensão, já que o país começou a promulgar leis que demonstravam a ideia da adequada tutela ambiental. Nesses anos, o Brasil promulgou uma série de leis que tratam do meio ambiente, tornando o bem ambiental um assunto de grande relevância e que merece mais fôlego quando se trata de sua adequada proteção.
E, se com as leis esparsas já havia a ideia de que o meio ambiente deveria ser tratado de maneira diversa, porque se constitui vital para a vida das pessoas, sem dúvida alguma o grande marco da causa ambiental foi a promulgação da Constituição Federal de 1988. Não é demais dizer que além de ser chamada de “Constituição Cidadã”, a Constituição Federal atual poderia estar atrelada a alguma nome relacionado ao meio ambiente, tamanha a importância conferida às questões ambientais. A atual Lei Maior foi precisa ao dispor, principalmente em um capítulo próprio, acerca da importância que o meio ambiente possui, bem como para asseverar que todos possuem o dever fundamental de proteger esse bem. Nesse sentido, Édis Milaré afirma que:
cabe à Constituição, como lei fundamental, traçar o conteúdo, os rumos e os limites da ordem jurídica. A inserção do meio ambiente em seu texto, como realidade natural e, ao mesmo tempo, social, deixa manifesto do constituinte o escopo de tratar o assunto como res maximi, isto é, de suma importância para a nação brasileira. (2011. p. 175-176).
O constituinte originário logrou êxito em deixar a questão ambiental como algo de peculiar importância à sociedade, sobretudo, pois, até então, nenhuma Constituição Federal que esteve em vigor no Brasil havia tratado com tanto apreço o meio ambiente. Antes da Constituição Federal de 1988, não havia em nenhuma das constituições tamanha preocupação e trato com a causa ambiental.
Nesse sentido, Maria Claudia Crespo Brauner, Natacha Souza John e Cristina Dias Montipó asseveram que:
Em 1988, quando foi promulgada a Constituição, intitulada como Constituição Cidadã, em ato de vanguarda, deu um tratamento constitucional à problemática ambiental ao designar um capítulo inteiro à questão, consolidando o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar a natureza para as presentes e futuras gerações (2012. p. 108).
No ano de 1988, a problemática ambiental já estava presente na sociedade, pois era visível que se não fossem tomadas atitudes legais com o escopo de mudar determinadas práticas humanas nefastas ao ambiente, as consequências seriam ainda piores. Por conta disso, o Constituinte Originário adotou uma posição totalmente pró- ambiente, na medida em que trouxe a questão ambiental para dentro da Constituição Federal, tornando, assim, tema central e curial para toda a sociedade.
Conforme ensina Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Renata Marques Ferreira, a Constituição Federal de 1988:
ao estabelecer em seu Titulo VIII, Capítulo VI- DO MEIO AMBIENTE, art. 225, a existência do direito “ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, fixou de maneira clara não só a existência no plano constitucional do Direito Ambiental brasileiro, como estabeleceu seus parâmetros, ou seja, os critérios fundamentais destinados a sua correta interpretação e, evidentemente, à adequada interpretação de uma política nacional do meio ambiente (2014. p. 74-75).
A Constituição Brasileira não só efetivou ainda mais o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como também traçou parâmetros para a adequada interpretação por parte de todas as pessoas com relação ao bem ambiental. Mais do que isso, com essa adequada interpretação do ambiente que a Constituição buscou, consequentemente haverá o entendimento correto acerca de toda a política nacional do meio ambiente.
Percebe-se, assim, que a atual Constituição Federal Brasileira guarda íntima relação com os cuidados envolvendo o meio ambiente. Se é certo que antes da atual Lei Maior, as demais Constituições que a antecederam não tratavam com afinco acerca do bem ambiental, é mais certo ainda que a atual Magna Carta debruçou-se com o escopo de compensar todas as omissões constitucionais que até então preponderavam em relação ao devido cuidado com o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O principal artigo constitucional que afirma o meio ambiente ecologicamente equilibrado é o art. 225 da Constituição Brasileira. Esse artigo se sobressai a qualquer outro, pois afirma que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Esse verdadeiro direito fundamental, preceituado pelo artigo em análise, se constitui em um importante direito difuso e que, portanto, não têm um número certo de destinatários, pelo contrário, estende-se a todas as pessoas, independentemente de qualquer outra característica física, credo, raça e sexo. Assim, o art. 225 apresenta um direito subjetivo do indivíduo e da coletividade, já que o ambiente em condições adequadas para a mantença da vida é um bem pertencente a todos.
O direito ao ambiente equilibrado é fundamental, pois está atrelado ao direito à vida, na acepção qualidade de vida apta a continuação das espécies, muito ao contrário dos direitos patrimoniais. A previsão inserida no plano constitucional mostra que o meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser desvinculado da ideia tradicional da individualização do bem por um titular, ao contrário, é de todos de forma indistinta já que faz parte da própria manutenção da vida dos cidadãos.
Em relação à ligação entre o meio ambiente e a vida, Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Renata Marques Ferreira asseveram que:
O direito à vida, em todas as suas formas, é garantido no plano constitucional de maneira ecologicamente equilibrada, ou seja, assegurou à Constituição Federal em vigor o direito à vida, relacionado com o meio, com o recinto, com o espaço em que se vive, envolvendo para a pessoa humana – principal destinatário do direito constitucional brasileiro – um conjunto de condições morais, psicológicas, culturais e materiais que vincula uma ou mais pessoas, nos autorizando a concluir que a definição jurídica de meio ambiente ecologicamente equilibrado, criada pela Carta Magna, diz respeito à tutela da pessoa humana, assim como de outras formas de organismos, adaptada ao local onde se vive (2014. p. 79).
Percebe-se que o meio ambiente equilibrado não diz respeito apenas à qualidade de vida de todas as pessoas, mais do que isso, é possível constatar que ao cuidar adequadamente do ambiente, a própria pessoa humana estará sendo protegida e preservada. Na esteira da compreensão internacional, o Constituinte buscou cuidar da própria vida humana ao dispor acerca da necessária tutela do bem ambiental.
Pode-se perceber que o plano constitucional reconhece o meio ambiente equilibrado como sendo um verdadeiro direito fundamental dos indivíduos, na medida em que sem um ambiente adequado, a vida das pessoas será totalmente inviabilizada e fadada à destruição. Augusto Leal e Jeferson Dytz Marin (2016. p. 24 -25) afirmam que entender o ambiente como sendo um direito fundamental é “essencial para compreender o nível de sua importância para a própria existência da sociedade, no âmbito da sua segurança e preservação, como se observa sob um enfoque político, bem como para a própria preservação da natureza”. 
Quando o ser humano entende que da Lei Maior emana o direito ao ambiente sadio como fundamental ao homem, a sociedade é instigada a viabilizar uma série de ações e cuidados para com esse bem, de modo a trazer segurança e preservação à natureza. Compreender o ambiente como fundamental à população propaga uma gama de ações políticas e sociais em prol da proteção ambiental.
Benjamin (2010. p. 78) mostra preocupação com relação ao entendimento da população acerca da propagação constitucional de que o ambiente é fundamental ao homem, pois a sociedade acaba não compreendendo corretamente o que a norma constitucional quer afirmar e, por consequência, não age de maneira eficaz para proteger esse bem. Assim afirma:
É difícil ao cidadão mediano aquilatar o papel simbólico e prático da norma constitucional no processo civilizatório, como marco indicador da transição entre dois modelos de Estado: um, avesso a rédeas pré-definidas; outro, regrado por pólos normativos objetivos, simultaneamente freio de autoridade e medida de liberdade.
É importante que se entenda a norma constitucional como essencial ao processo civilizatório e assim, seja possível compreender o meio ambiente como fundamental. A não observância adequada da norma constitucional leva ao não entendimento do que a Constituição propaga acerca da questão ambiental.
O meio ambiente sadio constitui-se decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana. Apenas com um ambiente ecologicamente preservado é que poderá ser efetivado esse princípio tão perseguido pela Constituição Federal de 1988.
Com a adequada interpretação do plano constitucional no sentido de conferir ao meio ambiente status fundamental é que poderá haver ações por parte de todos com o escopo de proteger e tutelar esse bem imprescindível à sociedade. Proteger o bem ambiente torna-se função basilar de toda a sociedade. Nesse sentido Bruno de Oliveira Moura e Matheus Almeida Caetano (2016. p. 115) atestam:
Estamos diante – como as expressões “defendê-lo” e “preservá-lo” indicam –, não apenas, de um dever mínimo de conteúdo negativo – consistente na proibição de causar danos ilícitos ao ambiente –, mas também de um dever de conteúdo eminentemente positivo, vinculante tanto para todas as esferas do Poder Público (União, estados, Distrito Federal e municípios, nos termos do art. 19 da Carta Magna), em seus três âmbitos de atribuições (Legislativo, Executivo e Judiciário), quanto para todas as pessoas, indistintamente, enquanto titulares difusos do direito ao ambiente sadio, consistente em fomentar e aprimorar a salubridade e higidez ambientais.
Com a afirmação constitucional do meio ambiente, torna-se mais concreta a obrigação de todos em tutelar esse bem, a fim de que seja cumprido o disposto constitucional. Essa proteção insculpida no plano abstrato deve ser buscada incessantemente; urge a necessidade de ações por parte de todos para que o ambiente tenha a proteção necessária a fim de que se garanta o próprio futuro da humanidade.
Deve-se deixar de lado qualquer traço individualista e de conteúdo negativo, ou seja, entendendo o direito ao ambiente como fundamental e de suma importância a todos os seres, faz-se necessário a propagação de ações positivas pelos entes públicos e a pela sociedade civil. A proteção ambiental não passa simplesmente pelo não cometimento de ilícitos ambientais, a adequada tutela perpassa pela promoção de políticas públicas voltadas à educação do estado socioambiental e, especialmente, que essas políticas sejam efetivas.
O que se nota, infelizmente, é que os entes federados, principalmente o Poder Executivo, não têm agido eficazmente no combate à depredação socioambiental. As mais variadas ações são paliativas e não possuem um estudo científico eficaz para que se chegue a resultados concretos que tragam proteção e segurança à natureza. Essa crise na proteção ambiental mostra que o poder público não está cumprindo o disposto no plano constitucional, na medida em que não protege o ambiente, não educa seu povo para atuar na adequada tutela do bem, assim como não propaga o real significado da proteção da natureza.
O poder público, na maioria dos casos, apenas age quando os danos já ocorreram, ou seja, quando não é mais possível restituir a situação antes existente. Pode-se dizer, com segurança, que o principal agente responsável pela degradação ambiental é a própria administração pública, que não atua de maneira correta no cuidado do bem ambiental. Tudo isso, termina por contribuir para o deslocamento, para o Poder Judiciário, da tarefa de tentar efetivar o que está disposto no plano abstrato no que diz respeito à tutela do bem ambiental.
3. A FUNÇÃO JURISDICIONAL NA PROTEÇÃO DO BEM AMBIENTAL
Assim como em outros ramos do direito, o fenômeno da judicialização das questões ambientais cresce a cada dia, atribuindo-se ao Poder Judiciário aquele que é um dos maiores desafios do atual século: proteger o meio ambiente a fim de que se possa garantir a vida de todas as espécies.
Em que pese a Constituição Federal e outros normas legais prevejam a necessidade de cuidados com o ambiente com o escopo de assegurar que esse bem seja ecologicamente equilibrado para todas as gerações, todas essas legislações acabam não tendo a efetividade necessária para proteger o ambiente, o que acaba ocasionando diversos danos ambientais e, por consequência, mazelas à sociedade.
Essa falta de efetividade no cumprimento das normas que preveem proteção ambiental é corolário de uma série de fatores que corroboram para a o total descaso com esse bem supraindividual. Em relação a esses motivos que ocasionam o descumprimento das leis ambientais, Carlos Alberto Lunelli (2015. p. 12) afirma:
De um lado, a tensão existente entre os diferentes e antagônicos interesses de órgãos governamentais e dos setores produtivos; de outro, a natural discussão, que se estabelece na aplicação das previsões legais acerca do trato da questão ambiental. 
O não cumprimento do arcabouço legal ambiental perpassa pelos vários interesses econômicos e políticos que defendem apenas as suas ambições e não se preocupam com a proteção do meio ambiente, a fim de que ele se mantenha ecologicamente equilibrado. Ainda, a falta de efetividade das leis protetoras do meio, é decorrência de que essas normas muitas vezes são dúbias e lacunosas, que permitem várias e variadas interpretações, ocasionando, por óbvio, o seu descumprimento.
Diante desse cenário, o Judiciário é chamado e colocado como último reduto para atuar a fim de que se garanta o cumprimento do que está previsto no plano abstrato do ordenamento legal, mais do que isso, esse poder estatal é obrigado, muitas vezes, a fazer o papel do Poder Executivo e do Poder Legislativo nos assuntos destinados à tutela do estado socioambiental. É nesse ponto que Lunelli (2015. p. 17) assevera:
o que se pode perceber, a partir da judicialização da discussão envolvendo a problemática ambiental, é que o Judiciário tem chamado para si uma considerável responsabilidade nas decisões que, ao final, expressam discussões que importam na sobrevivência da própria espécie.
Percebe-se que o Poder Judiciário tem encampado a missão de proteger esse bem e garantir o que está previsto no plano abstrato, especialmente no seio constitucional. Essa missão se acentua especialmente porque todas as discussões travadas nas disputas judiciais envolvendo a natureza dizem respeito ao futuro da humanidade, ou seja, a prestação jurisdicional ambiental tem impacto na vida de todas as espécies.
Os conflitos judiciais ambientais que deságuam no Judiciário, como assevera Rogério Santos Rammê (2012. p. 46) “em muitos casos são típicos conflitos locais, outros são mais globalizados; alguns são de cunho eminentemente social, outros de cunho eminentemente ecológico; há ainda aqueles que conjugam estas duas últimas perspectivas”. Ou seja, as demandas judiciais destinadas a proteger o bem ambiental abarcam diversas searas sociais e territoriais. Cada dia que passa as demandas judiciais envolvendo a proteção desse bem extrapolam territórios, proporcionando decisões que abrangem um número incontável de pessoas.
Com segurança, é possível afirmar que as ferramentas que os agentes legitimados para atuar perante o Judiciário dispõem a fim de garantir o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, possuem uma pretensão material, que conforme Augusto Leal e Jeferson Marin (2016. p. 31-32) “trata-se de apresentar ao Judiciário pretensões materiais conforme expostas, no tocante a um direito a prestações em sentido estrito, que tenha por base a preservação e a defesa da natureza”. Não se pode olvidar que o Estado- Juiz ao atuar nos conflitos destinados a pretensão material de um ambiente ecológico, deve agir de maneira positiva, ou seja, imiscuindo-se de qualquer traço privatista e individualista. O juiz deve ter uma visão holística, a fim de realmente proteger esse bem.
Diante das omissões do Executivo em não propagar políticas públicas de proteção ao ambiente, o Judiciário deve agir em uma posição de vanguarda, ou seja, garantindo a afirmação da preservação da natureza. É nesse sentido que Rammê ensina:
Com efeito, o Estado-juiz, ao exercer o poder-dever da jurisdição para solver conflitos de distribuição ecológica, deve pautar sua atuação pelos valores, objetivos, princípios e normas constitucionais que amparam a perspectiva tridimensional da justiça ambiental aqui analisada, dentre os quais destacam-se: a dignidade da pessoa humana; a redução das desigualdades sociais; a vedação de qualquer forma de discriminação; a preservação do meio ambiente para as gerações presentes e futuras; e a vedação de práticas que importem em desequilíbrio ecológico, extinção de espécies ou submissão de animais à crueldade.
Ao exercer sua atuação jurisdicional, o juiz deve pautar-se por vários elementos que envolvem os conflitos destinados a proteção do bem ambiental, ou seja, o juiz deve galgar-se pelos valores e princípios pelos quais a constituição propaga, tal qual o princípio da dignidade da pessoa humana, o da proteção ambiental para todas as gerações, entre outros.
Carolina Medeiros Bahia (2016. p. 19) afirma que nas demandas judiciais envolvendo o bem ambiental:
deve o magistrado abandonar sua postura eminentemente passiva, para se transformar num intérprete criativo, que age de maneira mais ativa na prevenção e reparação das lesões ao meio ambiente e atua, em cooperação com as partes, para o esclarecimento da verdade dos fatos e a garantia da máxima efetividade destas ações
Nas ações judiciais envolvendo a natureza, deve o juiz atuar ativamente, no sentido de propor soluções concretas para o combate da degradação ambiental, ou seja, nas demandas que envolvem o próprio futuro das espécies, o membro do Judiciário não pode ser passivo, bem como deve cooperar com as partes para que se chegue a um rápido esclarecimento dos fatos a fim de que sua decisão tenha efetividade.
Constata-se que esse modelo adequado de juiz que deve pautar as demandas destinadas a proteção do meio ambiente vai de encontro com o modelo processual adotado até então, já que a marcha processual é galgada em traços do direito privado, ou seja, onde o Estado não interfere na vida das pessoas. Nesse procedimento em vigor, o juiz permanece neutro, já que é um mero julgador de conflitos. Não cabe a ele buscar provas não trazidas aos autos, já que acabará comprometendo a sua imparcialidade. Por isso, cumpre ao magistrado velar pela real proteção ambiental e se desamarrar dos traços privatistas que preponderam em relação ao trâmite processual.
Essa é a abordagem feita por Augusto Leal e Jeferson Marin (2016. p. 37), ao afirmarem que:
a perspectiva de ferramentas judiciais, que se voltem para a tutela do bem ambiental e, principalmente, como é o caso, na obtenção de uma prestação em sentido estrito, por parte do Poder Público, deve necessariamente condizer com uma amplitude democrática, que esteja desvinculada de uma ótica processual individualista
Só com atitudes democráticas do julgador é que será possível ter efetividade e eficácia no âmbito processual de proteção ambiental. Os instrumentos judiciais devem conter mecanismos que arrefeçam as óticas individualistas que preponderam nos procedimentos judiciais, sob pena de não haver adequada proteção jurisdicional do ambiente.
Há que se considerar ainda que o Estado- Juiz deve atuar em posição firme mesmo nos casos em que não houver certezas científicas sobre determinados danos ao ambiente, ou seja, deve ser considerado e aplicado o princípio da precaução ambiental nas demandas envolvendo casos em que não há um comprovado resultado científico sobre uma depredação ao estado socioambiental. É nesse sentido que Lunelli (2015. p. 19) leciona:
Outro aspecto que haverá de ser considerado, na tutela ambiental, é a incerteza que se apresenta em relação aos efeitos que a tecnologia e o modo de vida contemporâneos poderão produzir, seja implicando o esgotamento de recursos naturais ou, ainda, a própria precarização da qualidade de vida das futuras gerações. A atuação jurisdicional haverá de informar‑se pelo Princípio da Precaução. Porém, esse princípio não tem – e nem poderia ser diferente – seus contornos precisamente definidos, ora se apresentando com intensidade débil, a ponto de nem mesmo permitir sua aplicação, ora se constituindo num empecilho para a realização de atividades comuns.
Diante das grandes incertezas que se apresentam no ambiente, os processos judiciais destinados a proteção desse bem possuem resquícios dessas incertezas. Dessa forma, o juiz deve aplicar, sempre que possível, o princípio da precaução, de modo a proteger o bem ambiental mesmo nos casos em que não houver certeza de degradação acerca de determinadas atividade.
Deve-se afirmar ainda que muitas questões envolvendo o bem ambiental perpassam pela seara jurídica e biológica, ou seja, abrangem uma gama de searas que impactam fortemente no ambiente, por isso, urge a necessidade do juiz ter noção de outros ramos do saber e não apenas no que se refere às leis e às demais normas ambientais. É nesse sentido que Carlos Alberto Lunelli e Jeferson Dytz Marin (2012. p. 16) ensinam:
com o crescimento em progressão geométrica dos casos em matéria ambiental que chegam à apreciação do Poder Judiciário, o “bom juiz” será aquele que melhor aplicar os conhecimentos da ciência jurídica ao caso concreto, mas sempre buscando a aplicação conjunta com matérias interdisciplinares correlatas, sob pena de decidir com a visão eminentemente biológica do meio ambiente.
O conhecimento de outras áreas fará a total diferença no momento em que o magistrado for proferir sua decisão em uma demanda destinada à proteção da natureza, já que o meio ambiente abrange muito mais área do que a jurídica ou a biológica.
Enfim, o Poder Judiciário tem se apresentado como a última saída para a proteção do estado socioambiental, isso exige que o juiz tenha um trato diverso com as causas que envolvem a proteção desse bem. No entanto, apenas com novas roupagens institucionais e processuais, poderá o juiz cumprir com o que está previsto no ordenamento e, assim, garantir um estado socioambiental para o futuro da própria humanidade.
4. CONCLUSÃO
Nos tempos atuais, os temas que dizem respeito à proteção ambiental foram elevados a um status nunca antes visto. As diversas nações proporcionaram ao ambiente uma atenção especial, principalmente após estudos e pesquisas atestaram a necessidade de cuidado e proteção desse bem, sob pena de inviabilização da própria vida dos seres.
No plano constitucional brasileiro não foi diferente. A atual Constituição tratou da matéria ambiental de forma diversa, ou seja, buscou tratar o meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado como um direito fundamental de todo indivíduo. Mais do que isso, a Lei Maior do Brasil insculpiu que todos devem tutelar e proteger esse bem, para que a vida seja garantida.
Entretanto, o Poder Público não efetiva a proteção ambiental almejada pelo plano legal em abstrato, o que ocorre, como corolário, uma série de degradações ao estado socioambiental. Diante disso, o Poder Judiciário tem chamado para si a grande responsabilidade de efetivar os cuidados ao ambiente que estão previstos no ordenamento, especialmente na seara constitucional.
Pode-se constatar que para que se tenha uma efetiva tutela jurisdicional do ambiente, o juiz deve atuar de forma diversa, ou seja, deve querer preservar o ambiente. O Poder Judiciário deve agir de maneira ativa, desprestigiando os traços privatistas que ainda permeiam a marcha processual. Concluiu-se ainda que o juiz deve atuar sob o pálio do princípio da precaução, dado as grandes incertezas que ainda gravitam em torno das questões envolvendo o meio ambiente, assim como o juiz deve buscar sempre novos conhecimento para que a adequada jurisdição ambiental tenha eficácia.
Enfim, conclui-se que se faz necessária uma nova visão do Judiciário em relação às questões ambientais. Só com atitudes pioneiras e inovadoras é que será possível uma efetiva tutela jurisdicional ambiental para benefício de toda a população.
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*Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes- UCAM. Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul – UCS. Advogado. E-mail: claudersonpiazzetta@hotmail.com


Publicado: 14/01/2020

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