Rafael de jesus Correa Quaresma*
Gracilene Ferreira Pantoja**
Yvens Ely Martins Cordeiro ***
Universidade Federal do Pará, Brasil
E-mail: rafaeldejesus94@hotmail.com
Resumo: Esse artigo analisa a relação da escola com a comunidade ribeirinha a partir das razões sócio territoriais permeadas pela natureza e pelas redes de sociabilidades vinculadas ao território e suas territorialidades. Pois, as escolas possuem um papel extremamente importante para o desenvolvimento e engajamento social em virtude das vivências as margens dos rios em seus processos de interatividades com o meio e com os saberes. Como metodologia foi utilizado a pesquisa Bibliográfica e Documental. Os apontamentos dinamizam e intensificam essas relações como componentes específicos para o desenvolvimento do sistema educativo nas zonas de várzeas, tendo como referências os modos e as inter-relações entre a sociedade e a natureza. Portando, nas comunidades ribeirinhas as relações que se estabelecem entre os sujeitos e o espaço, devem e podem ser compreendidos como componentes essenciais para as escolas e o desenvolvimento da educação nas comunidades e dos próprios sujeitos.
Palavras-chave: Escola, Comunidade, Educação ribeirinha, Ensino, Relações sócio territoriais.
Resumen: Este artículo analiza la relación de la escuela con la comunidad ribereña a partir de las razones socio-territoriales impregnadas por la naturaleza y las redes sociales vinculadas al territorio y sus territorialidades. Para, las escuelas juegan um papel extremadamente importante para el desarrollo y el compromisso social debido a las experiencias de la orilla del río en sus procesos de interactividad con el medio ambiente y el conocimiento. Como metodologia se utilizó la investigación bibliográfica y documental. Las notas dinamizan e intensifican estas relaciones como componentes específicos para el desarrollo del sistema educativo en las zonas inundables, teniendo como referencia los modos e interrelaciones entre la sociedad y la naturaleza. Por lo tanto, en las comunidades ribereñas, las relaciones que se establecen entre las asignaturas y el espacio deben y pueden entenderse como componentes esenciales para las escuelas y el desarrollo de la educación em las comunidades y las asignaturas mismas.
Palabras clave: Escuela, comunidad, educación ribereña, enseñanza, relaciones sócio-territoriales.
Abstract: This article analyzes the relationship of the school with the riverside community from the socio-territorial reasons permeated by the nature and social networks linked to the territory and its territorialities. For, schools play an extremely important role for the development and social engagement due to the riverbank experiences in their processes of interactivity with the environment and knowledge. As methodology was used the Bibliographic and Documentary research. The notes dynamize and intensify these relations as specific components for the development of the education system in the floodplain areas, having as reference the modes and interrelationships between society and nature. Therefore, in riverside communities the relationships that are established between the subjects and the space, should and can be understood as essential components for schools and the development of education in the communities and the subjects themselves.
Key Words: School, Community, Riverside Education, Teaching, Socio-territorial Relations.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Rafael de jesus Correa Quaresma, Gracilene Ferreira Pantoja y Yvens Ely Martins Cordeiro (2020): “Escola, comunidade e educação ribeirinha: relações sócio territoriais e concepções de ensino”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero 2020). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2020/01/escola-comunidade-educacao.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss2001escola-comunidade-educacao
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo surge no contexto da disciplina “Escola, Identidade e Diferença” ofertada pelo Programa de Pós-Graduação em Cidades, Territórios e Identidades (PPGCITI) da Universidade Federal do Pará, em virtude dessas temáticas, delimitamos nossa discussão à “escola”, destacamos nesse estudo o cenário educativo, especificamente o ribeirinho, o enfoque desenvolvido se estabeleceu a partir da seguinte questão: qual a importância da relação da escola ribeirinha para com a comunidade, dentre os aspectos sócio territoriais que as envolvem? Os apontamentos dinamizam e intensificam essas relações como componentes específicos para o desenvolvimento do sistema educativo nas zonas de várzeas, tendo como referências os modos de inter-relações que são desenvolvidas nesses espaços entre a sociedade e a natureza.
Partindo da concepção que a escola é um espaço de relações, objetivamos analisar a relação da escola com a comunidade ribeirinha, entre razões sócio territoriais que margeiam as vivências deste grupo, os ribeirinhos, como um campo da pluralidade, relações que circundam também os processos da identidade, enquanto sujeitos vivendo sobre uma espacialidade permeada pela natureza e pelas redes de sociabilidades que são desenvolvidas entre si e coletivamente, vinculados ao território e as territorialidades, perspectivando um ensino e aprendizagem atento as demandas sociais das comunidades.
Destacamos, a relação dos sujeitos ribeirinhos com o meio em que vivem, dentre as múltiplas relações que se estabelecem cotidianamente como o território, como um componentes específico para o desenvolvimento da educação nas comunidades de várzeas atrelada as identidades sócio territoriais, enfatizamos ainda que, as escolas nas comunidades ribeirinhas devem atentar-se as condições que envolve o seu público enquanto espaço de socialização e conhecimento, além de todas inferências que são inerentes aos ribeirinhos em seus processos de ensino e aprendizagem, os quais não são restritos somente a escola, quando direcionados a partir da ótica do campo.
As escolas enquanto instituições nas comunidades possuem um papel extremamente importante para o desenvolvimento e engajamento nas questões sociais as quais os sujeitos estão envolvidos enquanto partícipes de uma territorialidade específica, devido suas vivências as margens dos rios em seus processos de interatividades com o meio e nas relações de saberes, nesse sentido, a escola e a educação deve ser compreendida como um espaço de encontro como pontua Silvio Gallo (2008), sendo essa concepção o nosso ponto de partida, pelo quais buscamos relacionar escola e comunidade, a partir de um processo contínuo de construção e autonomia, ressaltando a produção de um conhecimento atento ao contexto o qual os sujeitos ribeirinhos estão vinculados socialmente. É importante frisar que esse conhecimento atento as demandas das comunidades não substituem o saber científico, mas constitui um diálogo, como componente próprio do ensinar e aprender no ambiente de várzea.
Este artigo versa sobre a “escola e educação”, porém quando direcionamos nosso olhar para o campo ribeirinho, outras temáticas como “identidade e diferença” se entrecruzam constantemente, devido as peculiaridades e especificidades destes. Desse modo, relacionamos estas, sem perder de vista o nosso foco principal. E para a elaboração deste estudo, utilizamos como técnica metodológica a pesquisa Bibliográfica recorrendo-nos a livros e artigos científicos.
Conforme Gil (2008, p. 50), “A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”. Também utilizamos uma amostra documental que enfatiza as questões educacionais desenvolvidas nesse estudo, assim tecemos essa discussão, no intuito de propor uma reflexão acerca das relações entre escola e comunidade ribeirinha, estas estando interligadas a partir de um vínculo socioeducativo.
2 RIBEIRINHOS: QUESTÕES DE IDENTIDADE E RELAÇÕES COM OS SABERES
O território Amazônico compõe-se como um espaço da pluralidade e isso é reflexo das intensas relações sociais, culturais e ambientais desenvolvidas entre si e com a natureza, pelos diversos povos que habitam essa região. Para Ferreira (2012), são elementos que respondem a própria sociodiversidade refletidas pelos diversos grupos e sujeitos que o integram-na, produzem e organizam-se conforme seus modos de ser e viver, configurando a cultura amazônica, influenciada pelas vivências dos povos indígenas, negros e brancos.
Corrêa e Hage (2011), analisam que essa sociodiversidade refletidas por intermédio da relação do homem com a natureza representa uma das principais características desse território e das comunidades ocupadas por diferentes sujeitos sociais, como os indígenas, quilombolas e ribeirinhos, os quais incorporam modos distintos de se relacionar com a terra, com as florestas e as águas.
A Amazônia ocupa maior região do território brasileiro e possui uma grande variedade em sua fauna e flora. Diferentes grupos culturais locais elaboram e reelaboram saberes, práticas, valores, costumes e mitos: são caboclos, ribeirinhos, indígenas, extrativistas, agricultores, quilombolas, entre outros. Rica em biodiversidade e em diferentes populações, a Amazônia é um território constituído por uma pluralidade sociocultural com fortes raízes geradas ao longo de sua trajetória (OLIVEIRA, 2015, p. 75).
Gonçalves (2008), afirma que a geografia amazônica corresponde até os dias atuais como uma importante característica da formação desse espaço, a disponibilidade de terras e a hidrografia favoreceu a constituição de quilombos e comunidades caboclas e nativas, devido à dificuldade de se estabelecer um domínio sobre esses sujeitos, sobretudo, em relação ao amplo conhecimento que estes possuíam sobre o espaço, pois “a riqueza da floresta e a piscosidade dos rios permitia o desenvolvimento de uma economia natural, isto é, não monetizada, que dava suporte a liberdade dessas populações” (GONÇALVES, 2008, p. 35).
De acordo com Corrêa e Hage (2011, p. 85), a Amazônia também é compreendida a partir de seu potencial heterogêneo, dentre essa classificação apresenta-se a heterogeneidade ambiental representada a partir da biodiversidade amazônica, constituída por conjuntos de ecossistemas diversos, abriga ainda uma diversidade sociocultural extremamente rica correspondendo a heterogeneidade sociocultural, “entre essas populações, que habitam a região, encontram-se indígenas, quilombolas, caboclas ribeirinhas e da floresta, sem-terra, assentadas, pescadores, camponesas, posseiras, migrantes, oriundas, especialmente, das regiões nordeste e do centro-sul do país, entre outras populações”.
Para Gonçalves (2008, p. 09), “habitar esses espaços é um desafio à inteligência, à convivência com a diversidade. Esse é o patrimônio que as populações originarias e tradicionais da Amazônia oferecem para o diálogo com outas culturas e saberes”. É a partir desse contexto, que situamos as comunidades ribeirinhas.
Chaves (2001, p. 77), ao estudar as comunidades tradicionais da Amazônia, em específico as comunidades ribeirinhas, considera que estas possuem “um modelo particular de gestão dos recursos naturais e de organização social” e em seu entendimento as comunidades se constituem como espaço de construções de identidades sociais, de projetos comuns e da diversidade. Os ribeirinhos possuem relações muito particulares com a natureza, em seu modo de viver, mas como pontua a autora, são particularidades que os identificam e os integram à um conjunto social, a partir das especificidades locais e de suas territorialidades.
Para Chaves e Lira (2015, p. 70), as comunidades tradicionais estruturam-se como um espaço onde se solidificam relações sociais e modos de vidas específicos, nas quais as diversas formas de uso e gestão dos recursos naturais atrelam-se a cotidianidade de seus diferentes povos, onde “as relações homem-natureza encontram-se mediadas pela cultura” e essa, relaciona-se aos próprios conhecimentos adquiridos ao longo do tempo por essas populações em suas inter-relações sociais e naturais desenvolvidas em grupo.
Segundo Gonçalves (2008), os ribeirinhos amazônicos compõem uma heterogeneidade de diferentes povos que se especializaram a viver sobre uma espacialidade mediados pelas inferências do próprio ambiente, como um território de sociabilidade natural, em que as contínuas participações sociais refletem as próprias interações sociedade-natureza, conforme a concepção clássica apresentada por Diegues (1996). Compondo uma diversidade sociocultural extremamente rica, para Rodrigues (2012), as interações entre esses diferentes povos ao longo do tempo caracterizaram os aspectos da cultura cabocla amazônica. Segundo Oliveira (2015, p. 75), “[...] os ribeirinhos constroem seus modos de vida na terra, na mata e nos rios, e assim forjam costumes, valores, práticas, saberes e linguagens”.
Ferreira (2012), abordando as dinâmicas sócio espaciais e os modos de vida dos ribeirinhos na região amazônica, nos propõem que as interações desse grupo estão ligadas intensamente com o meio em que vivem mantendo múltiplas e complexas relações. Como também aponta Diegues (1996, p. 87), em algumas proposições e características dos sujeitos ribeirinhos em relação a natureza, tais como:
a) pela dependência da relação de simbiose entre a natureza, os ciclos e os recursos naturais com os quais se constroem o modo de vida; b) pelo conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se refletem na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais...; c) pela noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz econômica e socialmente, d) moradia e ocupação desse território por várias gerações, e)importância das atividades de subsistência.
Assim, demarcando a própria confluência com o espaço, sua condição enquanto sujeito social repercute sua própria existência, como um território múltiplo, o rio destaca-se como próprio cursor das relações cotidianas. Nessa concepção, Lira e Chaves (2015, p. 73), consideram que “o rio influencia, inclusive, a própria construção das casas do ribeirinho, uma vez que são sempre construídas de frente para o rio, as quais podem ser vistas pelas grandes embarcações que navegam nos rios amazônicos, evidenciando que o rio possui um alto poder simbólico para ribeirinhos”. Desse modo, o rio está no centro das sociabilidades e relações que são desenvolvidas peculiar ao “modus vivendi” desses sujeitos.
Segundo Gonçalves (2008, p. 155), esses sujeitos possuem “uma visão e uma prática nas quais solo, floresta e rio se apresentam como interligados, um dependendo do outro, dos quais todo modo de vida e de produção foi sendo tecido, combinando essas diferentes partes dos ecossistemas amazônicos com a agricultura, o extrativismo e a pesca”. Ainda nesse sentido Tocantins (1988), propõem que a interação deste grupo com o rio expressa a própria cotidianidade desses indivíduos, navegando sobre as influências e tendências da sociabilidade amazônica. Conforme Victoria (2012, p. 4), estes sujeitos possuem uma constante relação com o rio como condutor das relações cotidianas, sendo “a partir desse elemento, a água, é que nascem as comunidades ribeirinhas da Amazônia, com sua heterogeneidade, multiplicidade e particularidade”.
As territorialidades que os ribeirinhos desenvolvem sobre o espaço combinam aos aspectos da sua própria identidade social, com particularidades e especificidades que não se desassociam, a forma como imprimem suas relações sócio espaciais os caracteriza, os identifica, a partir das múltiplas inferências que ocupam sobre esses territórios. Logo, essas relações nos levam a refletir sobre o papel socioeducativo da escola em um contexto de multiplicidades, como o ribeirinho.
A política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, no âmbito do decreto de nº 6.040 de fevereiro de 2007, define que:
Povos e comunidades tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007).
Esse reconhecimento como sujeitos e comunidades ribeirinhas, politicamente intensifica e fortalece a identidade desse grupo, integrado a um contexto sócio espacial particular de suas vivências, seja em grupo ou individualmente, assim, o território no contexto em questão é condicionante para a própria identidade dos ribeirinhos, a partir de uma sociabilidade específica como propõe o documento mencionado, nesse sentido, Hall (2006, p. 08), defende que “a identidade está sempre descentrada”, ou seja, constitui um movimento em construção sempre, para o autor, a identidade se forma a todo instante e constrói-se conforme as forças e contextos locais.
Lira e Chaves (2015), entendem que a partir dessa assertiva os ribeirinhos constituem o grupo das comunidades tradicionais, devido seu auto reconhecimento identitário, assim, respondendo aos seus próprios processos de lutas e autoafirmação frente as causas as quais fazem parte, são sujeitos que possuem uma relação particular com a natureza, traduzidos em um montante de saberes sociais e culturais, além de amplos conhecimentos sobre os ciclos naturais e ecossistemas aos quais estão inseridos.
Para Lima e Andrade (2010, p. 68), falar das relações de saberes implica consequentemente falar de pessoas, lugares, de ser e estar no mundo, propondo que a partir do contato com o contexto social o homem sente sua humanidade. “Nas comunidades ribeirinhas, e possível afirmar que seus habitantes estão constantemente implicados tanto nas relações de saber quanto nas relações de aprender”. Logo, os saberes construídos nesses espaços ou como as diversas forma de aprender as regras sociais que circunda as comunidades, estão relacionadas ao homem ribeirinho, dentre suas singularidades e particularidades.
Nesse contexto, as autoras afirmam ainda que;
[...] as representações sociais construídas pelos ribeirinhos são um tipo de saber compartilhado que contribui não só para a comunicação entre si, mas demarca os elementos de construção identitária que o constituem. São esses elementos, ou seja, tal construção identitária que os conduzira na relação com o mundo e com os demais saberes necessários para viver nele (LIMA & ANDRADE, 2010, p. 69).
Segundo Charlot (2000, p. 78), “a relação com o saber é relação de um sujeito com o mundo, com ele mesmo e com ou outros” demarcando um processo de interações. Assim, essas comunidades são fortemente atribuídas por essas relações entre os sujeitos e o espaço, e quando planejadas escolarmente esse processo favorece o cruzamento entre as experiências desenvolvidas cotidianamente e o conhecimento cientifico, conduzindo aos processos de afirmação e valorização da identidade.
A partir desse contexto Silva (2009, p. 59), considera que “a identidade, portanto, está fundada na identidade social, em grupos sociais ou populações com algum sentido de uma história e de uma experiência partilhada [...]” socialmente e no contato com o outro. Para Acselrad (2010), o processo identitário está intrinsicamente associado ao território, aos grupos e as relações sociais que os sujeitos estabelecem entre si, desta forma concordando com uma das concepções abordada por Hall (2006), quando se refere ao sujeito sociológico dependente das relações sociais e pessoais, com grande interatividade com a sociedade e o meio.
Dessa forma, as identidades possuem fortes relações com os territórios, com as relações interpessoais, e com os grupos de sujeitos, que passam a ser legitimados a partir dos próprios sujeitos que reescrevem o seu espaço ao seu modo, a partir de suas concepções, revelando seu protagonismo nos diferentes territórios, mesmo que estes assumam uma identidade de acordo com os movimentos a que participam.
Estas relações de conhecimento são concomitantes aos espaços e sujeitos que enfatizamos neste estudo. Logo, “a escola deve ser compreendida como um espaço que reflete o que está a acontecer na sociedade” (LIMA & ANDRADE, 2010, p. 72). Pois, quando direcionamos sob o plano ribeirinho essas reflexões se tornam primordiais, mas ainda, em detrimento as razões pelos quais os sujeitos estão inter-relacionados ao território, as práticas sociais, econômicas, culturais, ambientais, entre outras.
“O ribeirinho é um ser em aprendizagem” (Ibidem, p. 70) como pontuam as autoras, dentre um universo amplo de suas sociabilidades particulares ou coletivas, no entanto, as unidades educativas presente no contexto das comunidades tradicionais ribeirinhas devem enfatizar como via educativa a cotidianidade que lhe são inerentes enquanto sujeitos sociais e históricos, revelando-se como um processo permanente de valorização e compreensão deste contexto como meio potencial de desenvolvimento das comunidades, um ensino que exalte suas singularidades como espaço para a construção do conhecimento, essa concepção não rompe com o conhecimento científico, pelo contrário eles congregam-se enquanto processos de socializações do conhecimento e valorização das identidades que lhe são próprias da vida em comunidade.
Assim, a identidade ribeirinha, atrelada as relações com o meio socioambiental, condiz aos aspectos da manifestação da diferença, enquanto sujeitos sociais, um ser, conduzido pelo próprio dinamismo de suas relações. Silva (2009), considera que identidade e diferença estão inteiramente relacionadas, ao ponto uma não existir sem a outra, estão amplamente articuladas a partir de um sistema de significação, para o autor, a identidade é a referência, sendo o ponto ao qual se estrutura a diferença, ou seja, a afirmação da identidade é a condição da diferença. Tomaz Tadeu da Silva, afirma que esse processo coaduna aos próprios ensejos de diferentes grupos sociais ao se auto afirmarem. Com os ribeirinhos não é diferente, sua identidade e diferenças são estruturadas como meio estratégico político e social em defesa as “lutas” sociais.
Segundo Oliveira (2015), tratar da realidade amazônica em suas especificidades não é uma tarefa simples, mas por sua vez complexa, que requer um olhar mais atento dos espaços escolares como instituições integradoras e mediadora desse conhecimento, envolvendo as formas de vidas, as questões sociais, culturais, políticas, econômicas, ambientais entre outros aspectos que margeiam esse grupo social, propondo atividade integradas as suas realidades, desconstruindo a visão hegemônica do ensino focado na figura urbana, e incorporando ações e atividades que enalteçam tais vivências, (re)configurando o projeto de ensino das escolas do campo, em suas especificidades e demandas, enquanto projeto democrático do ensino.
Pois, ainda de acordo com ao autor;
O homem se faz pela cultura e na cultura, pois o indivíduo enquanto sujeito social possui seu repertório com conhecimentos ligados ao seu modo de vida, socializados de geração em geração pelo grupo do qual faz parte. Nesse entendimento sobre cultura, é perceptível que os ribeirinhos produzem, organizam e socializam conhecimentos próprios diferentes dos institucionalizados pelo discurso científico (OLIVEIRA, 2015, p. 76).
São essas desconstruções que a Educação do Campo busca, ao propor um ensino entrelaçado a realidade das comunidades camponesas e consequentemente dos sujeitos que integram a comunidade escolar, reconhecendo em seu conjunto potenciais ativos para uma educação que valorize suas culturas e identidades, um ensino atento as demandas sociais que adentram os corredores escolares, fundamentada logicamente sob o viés do compromisso social, compreendendo e ajudando a intervir socialmente nos espaços que habitam, já que suas relações sociais estão fortemente atreladas ao território e as suas territorialidades desenvolvidas localmente, mas sempre com vínculo no conhecimento cientifico, a partir de uma relação dialógica, como nos propõem Freire (1996).
3 ESCOLA, COMUNIDADE E EDUCAÇÃO RIBEIRINHA: RELAÇÕES E CONCEPÇÕES SOCIOEDUCATIVAS
Tendo como referência as comunidades ribeirinhas, enfatizamos aqui, a Escola e a Educação, sendo temáticas que se coadunam em qualquer espaço, seja no campo ou na cidade, a escola ribeirinha é priorizada nesse estudo devido as especificidades que envolve as comunidades de várzeas, correspondendo a características socioeducativas que as diferenciam (ou deveriam) de outras estruturas de ensino, condições que estão diretamente articuladas a Educação do Campo.
As escolas não estão isoladas no mundo, elas são parte do mundo, estão inseridas em ambientes e sociedades específicas, no contexto em questão, representam além da função educativa a relação com a comunidade, conecta os sujeitos entre si, constitui as redes de sociabilidades, representa o poder público, é tomada como espaço de referência em um ambiente de tantas ausências institucionais da ação pública de governo.
Young (2007, p. 1288), situa “as escolas como instituições com o propósito específico de promover a aquisição do conhecimento”. Assis e Lima (2011), conceituam a escola como agente de mudanças e fator de desenvolvimento, não se restringindo apenas a escola como meio potencializador de recursos intelectuais, mas como um lugar de solidariedade, justiça, responsabilização mútua, tolerância, respeito, sabedoria e de conhecimento. Para Bueno e Pereira (2013, p. 354), a escola é entendida enquanto espaço de humanização, seu papel é “aproximar o homem a sua humanidade por meio do que foi produzido histórico e culturalmente” ou seja, o conhecimento.
Dentre essas definições, Libâneo, Oliveira e Toschi (2009, p. 994), reúnem esses elementos e definem a escola como “[...] uma organização em que tanto seus objetivos e resultados quanto seus processos e meios são relacionados com a formação humana, ganhando relevância, portanto, o fortalecimento das relações sociais, culturais e afetivas que nela têm lugar”. Como processo integrador da condição humana, pelos os quais os estudantes buscam se relacionar com o conhecimento e a vida em sociedade, nessa concepção apreende-se para além das dimensões técnicas do processo de ensino, mas também a conviver socialmente.
As definições apresentadas convergem em pontos em comuns e congregam para os processos de formação educativa, social e humana. Logo, as escolas se constituem como espaços essenciais para o desenvolvimento dos educandos e de toda a sociedade, seu papel se estende além das fronteiras de formação do conhecimento cientifico, mas atinge e reverbera na prática social, dessa forma, hoje seria impossível pensar uma sociedade sem esses espaços formativos, a escola na sociedade contemporânea assume o pilar do desenvolvimento. Caso contrário, afirma Michael Young (2007, p. 1288), “cada geração teria que começar do zero ou, como as sociedades que existiram antes das escolas, permanecer praticamente inalterada durante séculos”. As escolas são produtos históricos da sociedade hegemônica capitalista passando por inúmeros processos de atualizações institucionais críticas e sociais até o modelo que se tem hoje, pública e gratuita.
Assim, Rui Canário considera que;
A construção histórica da escola moderna supõe, por um lado, a invenção da infância e, por outro lado, a emergência de uma relação social inédita, a relação pedagógica, exercida num lugar e num tempo distintos das outras actividades sociais, submetida a regras de natureza impessoal e que definem a especificidade do modo de socialização escolar (CANÁRIO, 2008, p. 74).
Canário (2008, p. 74), aponta que “o nascimento histórico, a consolidação e o desenvolvimento dos modernos sistemas escolares situam se num contexto que é indissociável da dupla revolução (liberal e industrial) que marcou o final do século XVIII” e contribuiu em suma para uma nova ordem social, política e econômica e ao passo que as escolas democratizam o acesso a todos os sujeitos deixando de ser um aparelho das classes dominantes, assume um caráter ideológico de Estado, assumindo características de um Estado Desenvolvimentista que administra um sistema educativo percebido como uma grande empresa (CANÁRIO, 2005).
Estabelecendo-se uma associação entre o progresso económico e a elevação geral dos níveis de qualificação escolar das populações, as despesas com a educação passam a ser encaradas, na óptica da teoria do capital humano, como um investimento, e esse investimento como uma condição do desenvolvimento, necessariamente impulsionada pelo Estado (CANÁRIO, 2008, p. 75).
Para o autor, o fenômeno da explosão escolar acentuou um processo intenso pela democratização que rompe com os modelos tradicionais de ensino, ao propor a passagem da escola elitista para as escolas de massas e sua entrada em “tempos de promessas”, que correspondem ao desenvolvimento, a mobilidade social e igualdade, como metas buscadas por essas então “recentes” instituições.
Nesse momento, as escolas passam a introduzir novas formas de aprender a partir dessas conflitantes rupturas, que até então haviam sido dominantes e se espelhavam em experiências individuais, concomitantes a educação bancaria proposta por Paulo Freire, assim esse novo modo escolar propusera que as aprendizagens deveriam ser baseadas nos processos de exterioridade relativos aos sujeitos, não em sentido de unificação, mas a partir da heterogeneidade do seu público. A escola passa a assumir um caráter excêntrico de democracia (CANÁRIO, 2005).
Giroux (2003, p. 61), propõe que “a educação é uma prática moral e política, e sempre pressupõe uma introdução e preparação para formas específicas de vida social, uma interpretação particular das noções de comunidade e daquilo que o futuro pode trazer”. Para o autor, a escola deve ser entendida como um local que proporciona aos educandos bases para o envolvimento com os problemas da sociedade, com conhecimento e o vocabulário ético para a participação na vida pública, situada a partir do proposito de uma educação para a cidadania ativa e crítica, dentro de um contexto amplo das “questões relacionadas a responsabilidade social, a política e a dignidade humana” (Ibidem, p. 66). Imprimindo nesse contexto, a dimensão política da educação em relação as condições pedagógicas que buscam construir e ampliar o papel destes, enquanto cidadãos críticos e politizados.
Marques e Castanho (2011, p. 24), analisam que “a escola, nas sociedades letradas como a nossa, ocupa lugar por excelência para que se cumpram as funções da educação e da aprendizagem dos conhecimentos, das artes, das ciências e da tecnologia”. Esses afirmam ainda, que no Brasil somente com a abertura dada pela Constituição Federal que vários grupos de pesquisadores começaram a construir novas bases epistemológicas para o desenvolvimento educacional. Logo, “a leitura social, histórica e cultural do desenvolvimento do pensamento e da consciência introduziu novas possibilidades de compreensão do homem como um ser ativo no próprio desenvolvimento, produtor e produto das relações sociais vividas” (Ibidem). Meios condicionantes para (re)estruturação dos formatos educacionais atrelados ao desenvolvimento humano e social.
Atualmente a educação escolar se constitui com um dos principais direitos sociais da sociedade brasileira, a Constituição Federal de 1988, prever que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Sendo desenvolvida sob seus princípios estabelecidos em lei, outro documento que visa operacionalizar a educação básica e a administração pública educacional sob a responsabilidade da União, Estados, Distritos e municípios brasileiros é a Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional (LDBEN – 9.394/1996), mas conhecida como LDB.
“Para que serve as escolas? ” É um questionamento que atravessa o estudo de Young (2007), em resposta, este propõe, que as escolas capacitam o estudante a aquisição do conhecimento, essencialmente aqueles que não podem ser adquiridos em casa ou em comunidade, trata-se do conhecimento especializado ou curricular, os professores são agentes desse processo, mas frisa que o currículo escolar assim como a prática educativa devem levar em consideração o conhecimento local e cotidiano que os estudantes trazem para a escola. Para o autor, um dos papeis importante da escola é promover a igualdade social.
Para Silva (2002, p. 196), “a escola é o lócus de construção de saberes e de conhecimentos. O seu papel é formar sujeitos críticos, criativos, que domine um instrumental básico de conteúdos e habilidades de forma a possibilitar a sua inserção no mundo do trabalho e no pleno exercício da cidadania ativa”. Essa definição está amplamente articulada as vertentes normativas e instrutivas da LDB - 9.394/1996, ao considerar a educação escolar vinculada ao mundo do trabalho e a prática social. Nesse contexto, Silva e Ferreira (2014, p. 07), propõem que “a escola é uma instituição social de extrema relevância na sociedade, pois além de possuir o papel de fornecer preparação intelectual e moral dos alunos, ocorre também, a inserção social”.
A escola é um espaço socializador por natureza, pois encontra-se totalmente vinculada as múltiplas relações socioculturais inerentes a cada indivíduo que a frequenta, seja alunos, professores, gestão, pais ou responsáveis, é necessário levar em conta também a espacialização onde estas estão inserida, todos esses condicionantes são responsáveis pela formação para a prática social e cidadania como especifica a legislação educacional brasileira, talvez esse seja um dos maiores desafios da educação na atualidade, e tem tempo que esses documentos nos mostram novos direcionamentos.
Moreira e Candau (2003, p. 160), afirmam que “a escola é, sem dúvida, uma instituição cultural”. Para estes, é necessário entender que as relações entre escola e cultura são constantes e indissociáveis a partir de processos articulados, já que as escolas lidam diretamente com o conhecimento, sendo considerada como espaço privilegiado para a transmissão de cultura. Entende-se como cultura todo conhecimento produzido pela humanidade ao longo do tempo, as escolas historicamente privilegiaram apenas o conhecimento cientifico, porém hoje, novas concepções apontam para uma complexidade de interações de saberes, mesmo que ainda limitados, tornando-se “espaço de cruzamento, conflitos e diálogo entre diferentes culturas” nas palavras dos autores.
Essas transformações presentes no âmbito escolar reconfiguram e dão um caráter democrático e social para as práticas educativas que habilita virtudes próprias das experiências dos educandos sem priva-los do conhecimento curricular. Mas é importante frisar que essas experiências educacionais e relações socioeducativas apresentam-se tímidas no cenário educativo, mesmo em unidades com especificidades tão marcantes, como as escolas ribeirinhas.
Desde 1996, a LDB já apresenta esse direcionamento ao propor que a oferta da educação básica a população rural, deveria sofrer adaptações necessárias e adequadas as peculiaridades da vida rural e especialmente conteúdos e metodologias apropriadas as reais necessidade e interesses do alunado, para uma formação ética, humana, autônoma e crítica, visando o desenvolvimento do homem e em relação ao meio em que vivem (BRASIL, 1996).
Nesse contexto, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (2002), propõe que;
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país.
Para Martinazzo, Schmidt e Burg (2014, p. 14), “o meio no qual a criança está inserida é um fator condicionante e, muitas vezes, determinante na formação da criança e influencia na construção de sua identidade pessoal”. Hall (2006), propõe que a identidade é formada ao longo do tempo, está sempre em construção, sempre sendo formada, permanece incompleta. Nesse sentido, Bauman (2005), defini que as identidades são flutuantes, não são sólidas, mas líquidas, depende de fatores, circunstancias e relações entre os sujeitos e meios que ocupam na sociedade. As relações que circundam as sociedades do campo nos termos teóricos e legislativos são encaradas como meios indispensáveis para o (des)envolvimento dos sujeitos para com as questões que lhe são inerentes de seu convívio social.
Assim, Martinazzo, Schmidt e Burg (2014), afirmam ainda que é impossível pensar o homem fora do contexto social em que vive, logo, os educandos trazem muitos informações e marcas de seu mundo cultural para a escola, específicos de suas cotidianidades, pois “cada aluno é um ser único e, ao mesmo tempo múltiplo, e possui uma história no conjunto estrutural biológico, social e cultural em que vive” (Ibidem, p. 14). Logo, o aluno ribeirinho apresenta aspectos intrínsecos que não se desassocia de sua vivência social e pensar a identidade a partir desse cenário apreende-se funções interconectadas as escolas.
Para Bueno e Pereira (2013), a educação se constitui como um fenômeno social, histórico e cultural, podendo acontecer em qualquer lugar ou momento, por pessoas em suas múltiplas relações, independente do sexo, raça ou idade. Nesse sentido, a educação é entendida como um processo indissociável da condição humana, pois, aprendemos a todo tempo e com os outros, não sendo um fenômeno restrito das condições escolares, mas dos seres humanos, se caracterizando um processo latente de transformações das qualidades humanas, estando condicionada principalmente as especificidades de cada cultura como ideal de formação. Hanna Arendt (2007), trata a “condição humana da pluralidade” a partir do movimento que os sujeitos desenvolvem em relação com o mundo, essas relações são condicionantes para a educação, como fator de estar no mundo e participar socialmente.
Nesse contexto, a educação como um ato social inscreve-se potencialmente como um fator indispensável da vivência humana, estando para além de suas vertentes precedidas e relacionadas ao seio escolar, mas para além deste espaço. Por isso, a importância cada vez mais das escolas como espaços de formações atrelada ao seu público, a comunidade, a sociedade.
Assim, situamos as escolas ribeirinhas, as quais permeiam-se por uma complexidade de fenômenos sociais, culturais e ambientais que integram a vivência dos educandos e educadores, pais e responsáveis, comunidade em geral, consideramos essas relações indispensáveis para o processo de formação deste público, que instaura uma compreensão e afirmação de seu vínculo ao território, enquanto componente social, não se trata de uma nova formação ou modelo de ensino, mas sim de um compromisso socioeducativo atento as diferenças, visando um projeto educacional múltiplo e não homogêneo. Pensando o outro a partir de suas singularidades e rompendo os paradigmas da representação educacional instaurada historicamente.
Para Gallo (2008), a educação é um empreendimento coletivo e se estabelece a partir do contato, na alteridade, assim a “educação é um encontro de singularidades”. Mas pontua que um dos grandes problemas da educação é pensar o outro (aluno), e isso consequentemente conduz a redução ao mesmo, ou seja, como sujeitos todos iguais, a partir de uma uniformidade. Quando relacionamos à educação ribeirinha, onde esse outro está vinculado a condições sociais e culturais especificas de seu contexto, é imprescindível pensarmos a partir de suas diferenças em contextos diferentes, sem homogeneidade ou cultura de representação.
Pois, “Pensar e produzir o processo educativo na ordem do acontecimental significa desmontar a lógica da educação representacional moderna” (GALLO, 2008, p. 15), atrelando-se as singularidades inerentes a cada sujeito em suas múltiplas relações. Como propõe Gallo (1996), ao considerar que toda educação se constitui a partir de uma constante concepção de homem e sociedade, visando uma educação libertária e assim possibilitando meios e engajamento para a construção de uma nova sociedade, desse modo, a escola penetra-se em vivências sociais e com isso a função de intervir socialmente.
Corrêa (2012), tratando dos encantos e desencantos da escola ribeirinha, no município de Abaetetuba, analisada sob a ótica de Kolling, Nery e Molina (1999), ao explorarem a expressão “escolas no e do campo”. Sendo que a primeira ocupa um sentindo restrito de localização, da escola situada no meio rural e a segunda apresenta um sentido plural de ideias, estando relacionadas a identidade dos diferentes grupos em suas relações intrínsecas de pertencimento ao lugar, ao território. Segundo Morigi (2003, p. 06), “a escola, através do currículo, não apenas reproduz conhecimentos, mas transmite relações de poder e, no caso da escola rural, a relação sempre é de inferioridade diante da concepção urbana dominante” concepção tão presente sobre a ótica das escolas no campo.
Para Brasil (2010, p. 18), esta primeira situação contribui para a “[...] transposição empobrecida da educação construída nas áreas urbanas” para o campo. Esse processo educacional para Costa (2015), leva a compreensão da educação como um processo de interesses sociais, historicamente, produzido pelo modelo de desenvolvimento brasileiro comandado pelas elites, pois, “acreditava-se que a população rural não precisava aprender a ler e escrever, numa clara negação do direito de acesso e permanência na escola para a população do campo, bem como predominava o entendimento de que rural era tudo o que sobrava do urbano e era sinônimo de atraso” (COSTA, 2015, p. 220).
Saviani (1994, p. 05), discutindo o trabalho como princípio educativo, nos demonstra que, “a cidade é tida como referência ao progresso e ao desenvolvimento, enquanto o campo como algo (...) atrasado, rústico, ou pouco desenvolvido”. O campo nesse contexto, é compreendido historicamente através da dinâmica de atualização pelo modelo dominante de sociedade.
[...], se a ligação da escola é com a vida, entendida como atividade humana criativa, é claro que a vida no campo não é a mesma vida da cidade. Os sujeitos do campo são diferentes dos sujeitos da cidade. [...], o campo tem sua singularidade, sua vida, e a educação no campo, portanto não pode ser a mesma da educação urbana, ainda que os conteúdos escolares venham a ser os mesmos (FREITAS; 2010, p. 159).
Para Corrêa (2012, p. 08), o termo do campo acrescenta “uma concepção pedagógica que esteja vinculada à identidade campesina, à cultura, à história e ao modo como o homem e a mulher campesinos se relacionam com a natureza”. Em sua análise, a escola do campo deve promover uma educação estrategicamente interessada ao desenvolvimento e intervenção social para com a realidade do campo, não se ausentando, mas produzindo conhecimento alicerçado aos interesses e vivência da população.
A escola, para se fazer do campo, deve procurar integrar a participação da comunidade nas decisões, ações e projetos, fundamentando sua ação educativa na gestão democrática, considerando o seu arcabouço cultural. Desse modo, a escola passaria a ser parte integrante da comunidade e vice-versa [...] adequando seus conteúdos, metodologia, currículos e calendários à vida econômico-produtiva e cultural da população ribeirinha, assim como encarnando seus valores socioculturais (CORRÊA, 2012, p. 08).
Sob esse viés que inúmeros estudiosos se dedicam a estudar e propor novas transformações para as escolas no campo, incrementando em suas ações práticas socioeducativas direcionadas a realidade da comunidade e dos sujeitos, dos que compõem o chão da vivência educativa. Uma escola atenta aos fenômenos sociais, ambientais, econômicos, e culturais entre outros aspectos que emergem dessa intensa relação com o campo.
A Lei de Diretrizes de Bases da Educação acrescenta que estas condições são relevantes e necessita-se que as unidades institucionais educativas se adequem as especificidades locais onde as escolas estão inseridas (BRASIL, 1996). Dessa forma não tratamos de uma educação em um plano imaginativo, mas sim, condizente as estruturas legais e sociais que historicamente vem sendo marginalizada e sufocada por ideais deslocado da educação do campo, a partir da aceitação hegemônica descrita por Saviani (1994), correspondendo a um processo educacional que de acordo com Leite (1999), é visto como uma escolarização sem valor social mediatizada como um instrumento ideológico de exclusão sócio-política dos sujeitos do campo, acrescido pela forte influência exógenas urbanas.
Nesse sentido, Pinto e Victoria (2015, p. 24221), apresentam alguns desafios enfrentados pela escola ribeirinha no contexto amazônico, como: “a falta de reflexão sobre os processos culturais vividos no dia-a-dia e pouco ou quase nunca inseridos no contexto do currículo dessas escolas” os autores questionam que as particularidades socioculturais vividas nesse contexto pelos diferentes sujeitos que compõem a comunidade escolar na várzea, não são incluídas ou vistas como “importante a ser refletido pela escola, que por sua vez, muito mais se preocupa em transmitir os conhecimentos produzidos em outros contextos, sem um diálogo com as experiências locais” (Ibidem). Conforme os autores, a escola em meio a esse contexto social é desafiada a ser muito mais do que apenas um espaço de transmissão de conhecimento, mas ser também um espaço de reflexão e problematização dos conhecimentos produzidos cotidianamente.
Pensar a dinâmica da escola no contexto ribeirinha [...] significa interagir com as inúmeras possibilidades que o cotidiano nos revela, no sentido de construir uma educação que “mergulhe” na cultura local e suas múltiplas facetas. Uma escola que se possibilite ser diferente, ser uma escola rural/ribeirinha “encharcada” de seus símbolos e disposta a refletir sobre os desafios que a realidade diária apresenta (PINTO & VICTORIA, 2015, P. 24222).
São essas concepções que buscamos enfatizar demonstrando o potencial educativo das escolas ribeirinhas a partir de sua gama de fenômenos socioculturais que circundam a vivência desse grupo, margeados por todos a influencias que condiz a um estudo de valorização de suas identidades, enquanto sujeitos que sobrevivem mergulhados em uma realidade estritamente ligada a natureza. São concepções que Freire (1996, p. 17), chama atenção das escolas ao questionar: “Porque não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina? [...], porque não estabelecer uma necessária "intimidade" entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? ”.
Cruz (2013, p. 133), ressalta a importância de um ensino ligado ao meio social que a escola e os alunos fazem parte, enfatiza ainda que, “a escola que de fato contribuirá para a construção de outro modelo de desenvolvimento no campo não será a escola urbanocentrada, precária e desconectada do seu meio em envolvente, tão bem representada pela “escola rural” que, tem marcado a história do campo brasileiro”. Em sua análise, a escola que acrescenta nesse processo precisa ser (re)construída a partir de um projeto político pedagógico atento as demandas do campo, dos sujeitos e seus movimentos, porém, romper com esta concepção é um dos principais desafios da Educação do Campo.
4 Considerações Finais
As comunidades ribeirinhas integram um movimento dinâmico e intenso em suas relações sócio naturais, produzem ainda uma gama de significados e intencionalidades a partir das vivências as margens dos rios, logo, os ribeirinhos são envolvidos pelas múltiplas dimensões que se estabelecem socialmente, e através das expressões simbólicas que são construídas no interior dessas comunidades, apresentam suas formas organizacionais, interpessoais, culturais, econômicas e sociais, entre outras, legitimando dessa forma identidades territoriais individuais e coletivas, são dimensões que encontram-se cotidianamente nos diversos espaços de socializações destes, e a escola coloca-se como um lugar desses encontros, atrevemo-nos em dizer, o mais importante.
Nesse sentido, é necessário destacar o potencial das escolas para as comunidades de várzeas, pois, estas estão integradas a uma realidade fundamentadas por um contexto de pluralidades sócio territoriais específicos, compondo concepções para um ensino e aprendizagem quando relacionadas as demandas que integram as vivências dos ribeirinhos como componente para o desenvolvimento de uma matriz socioeducativa que compreenda tais realidades como indispensáveis para o processo educativo, enfatizados através de uma interação de conhecimentos.
Os aspectos que norteiam a relação dos sujeitos ribeirinhos com o território resultam na própria cotidianidade destes, atrelados por uma gama de condicionantes ligados as suas territorialidades particular ou coletivamente, de acordo com suas especificidades e particularidades de vivência as margens dos rios, essas interações que se estabelecem com a comunidade, a partir dessa ótica, são vistas como parte do processo educativo para as comunidades ribeirinhas, engendrando essas interações, como possibilidade importantes para o rompimento com o sistema que prioriza a cultura urbana como fonte e referência de ensino. Oportunizando assim, uma relação mais forte e próxima entre escola e comunidade porque essencialmente a matriz de referência da escola será a própria comunidade.
Portando, entendemos que as comunidades ribeirinhas e as relações que se estabelecem entre os sujeitos e o espaço, devem e podem ser compreendidas como componentes importantes e essenciais para as escolas e o desenvolvimento da educação nas comunidades e dos próprios sujeitos que ali vivem, pois, nesse contexto de ensino e aprendizagem não há como ignorar essa realidade tão plural e marcante como as comunidades de várzeas, os alunos e professores já que são parte deste conjunto educativo, essas relações podem ser percebidas como elementos específicos do trabalho educativo nas escolas, potencializando o papel socioeducativo destas em suas interações para com as comunidades ribeirinhas.
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