Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


A MUTAÇÃO INCONSTITUCIONAL NO ENTENDIMENTO DO STF SOBRE A IMPRESCRITIBILIDADE DAS AÇÕES DE RESSARCIMENTO

Autores e infomación del artículo

Fabrício Cavalcante D'Ambrosio*

Levi Hülse**

Universidade Regional de Blumenau FURB, Brasil

E-mail: fabricio.dambrosio@gmail.com


RESUMO

Este artigo teve como finalidade o exame da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 669.069/MG, sobre a extensão da imprescritibilidade das ações de ressarcimento previstas no artigo 37, §5º, da Constituição Federal de 1988. Foi usado o método dedutivo de abordagem, e a análise bibliográfica e legal, como método procedimental. Primeiramente, fez uma análise das principais características da ação regressiva e dos institutos da prescrição e decadência. Em seguida, resumiu os votos proferidos no Recurso Extraordinário nº 669.069/MG pelos ministros do STF. Após, tratou do tema da mutação constitucional decorrente da interpretação jurisdicional, perquiriu sobre os seus limites, tendo por guia o julgamento em comento. Este trabalho concluiu que a mudança de sentido atribuída ao texto do referido artigo é inconstitucional, porquanto transgrediu os limites semânticos aceitáveis de interpretação.

Palavras-chave: Ação regressiva. Interpretação constitucional. Mutação constitucional. Imprescritibilidade.

ABSTRACT

This article has as its objective the exam of the decision taken by the Brazilian Supreme Court over the Recurso Extraordinário nº 669.069/MG, which disposed about the extension of the imprescreptibility of the regressive lawsuit predicted by the art. 37, §5º of the Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. It used the deductive method of approach, with a bibliographic and legal analysis, as the procedural method. First of all, it analyzed the meaning characteristics of the regressive lawsuit and the prescription and decadence. After, it briefed the votes of the appeal mentioned above. Than, it handled with theme of the constitutional mutations due to legal interpretation, observed its limits. It concluded that the change of the meaning of a that article is unconstitutional, while it transgressed the acceptable limits if interpretation.
Keywords: Regressive lawsuit. Legal interpretation. Constitutional changes. Imprescriptibility.

RESUMEN
El propósito de este artículo fue examinar la decisión de la Corte Suprema Federal en la Apelación Extraordinaria No. 669,069 / MG, con respecto a la extensión de la imprescriptibilidad de las acciones de reembolso previstas en el Artículo 37, Párrafo 5 de la Constitución Federal de 1988. Se utilizó el método deductivo. enfoque, y el análisis bibliográfico y jurídico, como método de procedimiento. Primero, analizó las características principales de la acción regresiva y los institutos de prescripción y descomposición. Luego resumió los votos emitidos en la Apelación Extraordinaria No. 669,069 / MG por los ministros del STF. Posteriormente, trató el tema del cambio constitucional resultante de la interpretación judicial, preguntó acerca de sus límites, guiado por la sentencia en cuestión. Este artículo concluye que el cambio de significado atribuido al texto del artículo mencionado es inconstitucional ya que ha transgredido los límites semánticos aceptables de interpretación.
Palabras clave: acción regresiva. Interpretación constitucional. Cambio constitucional. Imprescriptibilidad.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Fabrício Cavalcante D'Ambrosio y Levi Hülse (2020): “A mutação inconstitucional no entendimento do STF sobre a imprescritibilidade das ações de ressarcimento”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero 2020). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2020/01/acoes-ressarcimento.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss2001acoes-ressarcimento


INTRODUÇÃO

Esta pesquisa trata da interpretação jurídica e de como as cortes podem extrair sentidos das normas jurídicas completamente opostos ao texto constitucional. No caso, examinar-se-á o julgamento promovido pelo Supremo Tribunal Federal sobre o Recurso Extraordinário nº 669.069/MG, por meio do qual restringiu substancialmente a amplitude do texto do artigo 37, §5º da Constituição Federal.
Ao fazê-lo, a suprema corte possibilitou a decretação da prescrição de diversas pretensões de ressarcimento por parte da Administração Pública contra os agentes públicos que eventualmente, por culpa ou dolo, causaram prejuízos a terceiros, e oportunizaram a propositura de processos visando a indenização decorrente da responsabilidade civil do Estado, desfalcando-se o erário.
Este artigo, destarte, pretende examinar a (in)constitucionalidade do entendimento fixado pelo STF, a partir do estudo da interpretação constitucional e dos limites que se impõe às mudanças de concepção sobre o conteúdo das normas jurídicas, as chamadas mutações constitucionais e inconstitucionais.
Para tanto, primeiramente traz os pontos principais da ação regressiva, aquela utilizada pela Administração para cobrar do agente público os prejuízos pecuniários que teve, e também da prescrição e decadência, tendo em vista que o artigo objeto do Recurso Extraordinário acima mencionado trata justamente da imprescritibilidade.
Logo após, faz um resumo dos principais argumentos levantados no julgamento daquele caso, a favor e contra a imprescritibilidade. Em seguida, analisa a conceituação doutrinária da interpretação constitucional e das mutações constitucionais e inconstitucionais, confrontando-a com os argumentos que conduziram a tese vencedora, que definiu a prescritibilidade das ações regressivas referentes a atos ilícitos civis praticados por agentes públicos.
A metodologia (métodos e técnicas) utilizada nas fases estratégicas da pesquisa, foi:- na fase de investigação o Método Indutivo e a técnica da pesquisa bibliográfica; na fase de tratamento de dados o Método histórico fundamentando a utilização do Método Analítico; e, também o Método Indutivo na fase do relatório dos resultados apresentados no presente artigo. Em todas as fases foram utilizadas as técnicas do referente, das categorias e dos conceitos operacionais (PASOLD, 2015).

2 CONCEITUANDO A AÇÃO REGRESSIVA E A PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

2.1 A ação regressiva

A responsabilidade civil do Estado vem prevista no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) nos seguintes termos:

As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Ela se configura quando um agente público pratica ou permite um ato ilícito, por comissão ou omissão, e dele decorre o dever de indenizar por parte do Estado (MELLO, 2013, p. 1009).
Pode ser proposta inclusive contra agentes políticos, tais como juízes, promotores, parlamentares, presidentes dos Poderes, etc., respeitadas imunidades de cada cargo (NETO, 2000, p. 153-157).
Tem natureza civil, ou seja, excetua os atos da esfera penal e administrativa, e é unilateral, porquanto a responsabilidade bilateral, ou contratual, tem regramento específico, como na Lei de Licitações e Contratos (8.666/1993) (BARCHET, 2011, p. 547-549).
Para que a Administração recupere os valores pagos a título de indenização por atos de responsabilidade civil do Estado, ela dispõe da chamada ação regressiva (espécie do gênero ações de ressarcimento), ou ação de ressarcimento, por meio da qual se volta contra o agente público causador do dano (BARCHET, 2011, p. 566).
A maioria da doutrina entende que é necessário o trânsito em julgado da ação de indenização para o ajuizamento da ação regressiva, rejeitando, outrossim, a denunciação à lide do agente público na primeira (BARCHET, 2011, p. 566).
Em sentido oposto vem o escólio de Celso Bandeira de Mello (2013, p. 1050), para quem a impossibilidade de denunciação da lide ao agente público é uma indevida restrição ao direito de ação do terceiro lesado.
Além disso, seria uma limitação ao direito de defesa próprio agente público, que simplesmente não poderia influir no convencimento do juiz da ação de indenização sobre seu dolo ou culpa e participação no ilícito questionado (MELLO, 2013, p. 1052-1053).
No mesmo sentido, é a lição de Cahali (2014, p. 212-213), que ainda defende como requisito essencial para a propositura da ação regressiva o efetivo pagamento ao terceiro lesado pelo Estado, sob pena de enriquecimento indevido.
Por fim, cabe dizer que a ação regressiva se constitui em um dever-poder da Administração, ou seja, configurada a condenação ao pagamento em ação indenizatória, é dever dos procuradores ajuizarem a ressarcitória para recuperação dos valores dispendidos pelo Erário (JUSTEN FILHO, 2014, p. 1365).
Tal incumbência, aliás, vem prescrita em lei, no que tange aos procuradores federais, conforme o artigo 1º da Lei nº 4.619 de 1965:

Art. 1º Os Procuradores da República são obrigados a propor as competentes ações regressivas contra os funcionários de qualquer categoria declarados culpados por haverem causado a terceiros lesões de direito que a Fazenda Nacional, seja condenada judicialmente a reparar. Parágrafo único. Considera-se funcionário para os efeitos desta lei, qualquer pessoa investida em função pública, na esfera Administrativa, seja qual fôr a forma de investidura ou a natureza da função.

2.2 A prescrição e a decadência

A prescrição e a decadência têm sua razão de ser como formas de garantir a segurança das relações jurídicas e cessação de estados de incerteza delas decorrentes, de modo a evitar que o exercício de direitos que possam trazer consequências a outrem perdurem por tempo indeterminado.
Ao mesmo tempo, sanciona aquele que se deixa levar pela desídia e negligência, dificultando os meios de defesa do sujeito passivo, perecíveis com o tempo (CAHALI, 2009, p. 18-19).
A despeito da controvérsia em torno do conceito do instituto da prescrição, sabe-se que o Código Civil de 2002 adotou a teoria formulada por Agnelo Amorim Filho, a qual entende que o que prescreve é a pretensão de agir, não o direito de ação em si (NERY JR.; NERY. 2009, p. 397).
Daí a impropriedade de se falar em prescrição da ação. O correto tecnicamente é a prescrição da pretensão.
Conforme o artigo 189 daquele código “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.” (BRASIL, Lei nº 10.406, 2002).
Agnelo Amorim Filho se baseou na classificação ternária das sentenças para distinguir a prescrição da decadência: enquanto a primeira atinge os direitos de prestação, protegidos por sentenças condenatórias, a segunda fulmina os direitos potestativos, relacionados a sentenças constitutivas (AMORIM FILHO, 1961, p. 42).
Os direitos potestativos são aqueles exercíveis independentemente da vontade do terceiro por ele afetado, ao passo que os direitos de prestação dependem da vontade do devedor em pagar, fazer ou não fazer (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2009, p. 465).
O traço comum dos direitos à prestação, portanto, é o fato de ser patrimonial (TARTUCE, 2010, p. 456).
Há aqueles direitos potestativos, contudo, que não se sujeitam a prazo decadencial algum, por escolha do legislador, como às ações de estado, de divisão, demarcação, e quase todas as de nulidade (AMORIM FILHO, 1961, p. 41).
Acrescentando-se a estes casos os direitos potestativos insuscetíveis à decadência, chega-se ao grupo dos direitos imprescritíveis (AMORIM FILHO, 1961, p. 41).
É interessante notar, todavia, que a tese de Amorim Filho, escrita em 1961, rechaçava a ideia da existência de pretensões imprescritíveis, e embora adotada pelo Código Civil de 2002, foi contrariada pela Constituição Federal de 1988, que expressamente consagrou a imprescritibilidade, como se verá.
Para ele, somente seriam imprescritíveis as ações declaratórias e algumas ações constitutivas:

O problema da identificação das denominadas “ações imprescritíveis” tem sua solução grandemente facilitada com a fixação daquelas duas regras, já deduzidas acima, destinadas a identificar as ações ligadas à prescrição ou à decadência. Sendo a imprescritibilidade um conceito negativo, pode ser definido por exclusão, estabelecendo-se como regra que: são perpétuas (imprescritíveis) todas aquelas ações que não estão sujeitas nem prescrição nem a decadência. Por aí se verifica, facilmente, que são perpétuas (imprescritíveis): a) todas as ações meramente declaratórias; e b) algumas ações constitutivas (aquelas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei).Quanto às ações condenatórias, não há, entre elas, ações perpétuas (imprescritíveis)p ois todas são atingidas, ou por um dos prazos especiais do art. 206 ou pelo prazo geral do art. 205 (AMORIM FILHO, 1961, p. 40-41).

3 O JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 669.069/MG E A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

3.1 O julgamento do Recurso Extraordinário nº 669.069/MG

No Recurso Extraordinário 669.069, de Minas Gerais, de relatoria do ministro Teori Zavascki, o STF se debruçou sobre o alcance da imprescritibilidade das ações regressivas mencionadas no art. 37, §5º da Constituição Federal, assim transcrito: “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.” (BRASIL, 1988).
O voto do relator defendeu que a interpretação do parágrafo 5º do art. 37 da CF não deve ser feita de maneira literal no que toca à expressão “ilícitos”, mas restritivamente (BRASIL, 2016, p. 8).
Ele refutou a aplicação de um conceito tido como amplíssimo de ilícito, definido como tudo aquilo praticado contra lei ou por ela proibido, ou em confronto ao direito, bons costumes, moral social, ordem pública, e passível de sanção (BRASIL, 2016, p. 4- 8).
Para Zavascki, se utilizada essa conceituação, todas as ações ressarcitórias ajuizadas pelo Estado, independentemente de dolo ou culpa, seriam imprescritíveis, incluída aí a Execução Fiscal. “Essa visão tão extremada certamente não se mostra compatível com uma interpretação sistemática do ordenamento constitucional.” (BRASIL, 2016, p. 5).
Prosseguindo a argumentação, ele teceu comentários sobre a absoluta excepcionalidade das pretensões imprescritíveis. Reforçando, reportou-se ao julgamento do Resp. 764.278, de 25/5/2008, da primeira turma do STJ, no qual se definiu que a interpretação do §5º do art. 37 deve ser feita em consonância com a do §4º do mesmo dispositivo, de modo que a imprescritibilidade somente poderia se referir aos atos de improbidade administrativa (BRASIL, 2016, p. 5-6).

Nessa linha de entendimento, merece interpretação restritiva a excepcional hipótese de imprescritibilidade prevista no citado § 5º do art. 37 da Constituição Federal. O alcance desse dispositivo deve ser buscado mediante a sua associação com o do parágrafo anterior, que trata das sanções por ato de improbidade administrativa. Ambos estão se referindo a um mesmo conjunto de bens e valores jurídicos, que são os da preservação da idoneidade da gestão pública e da penalização dos agentes administrativos ímprobos. Assim, ao ressalvar da prescritibilidade ‘as respectivas ações de ressarcimento’, o dispositivo constitucional certamente está se referindo, não a qualquer ação, mas apenas às que busquem ressarcir danos decorrentes de atos de improbidade administrativa de que trata o § 4º do mesmo art. 37. Interpretação que não seja a estrita levaria a resultados incompatíveis com o sistema, como seria o de considerar imprescritíveis ações de ressarcimento fundadas em danos causados por seus agentes por simples atos culposos (REsp 764.278, 1ª Turma, DJe de 25.5.2008). (BRASIL, 2016, p. 5-6).

Em concessão, defendeu que juntamente dos atos de improbidade, poder-se-ia abarcar os atos ilícitos penais como abrangidos pela imprescritibilidade (BRASIL, 2016, p. 8).
Foi acompanhado integralmente pelos Ministros Luis Fux, Rosa Weber. (BRASIL, 2016, p. 42-43).
O voto vencedor, contudo, foi o do ministro Luis Roberto Barroso, que concordou em boa parte com o relator, mas defendeu que o exame do recurso deveria se limitar às ações de ilícitos civis, deixando de lado a discussão sobre a imprescritibilidade das pretensões fundadas em atos de improbidade administrativa (BRASIL, 2016, p. 17-21).
A tese por ele proposta e aceita pela maioria ficou assim definida: “é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil” (BRASIL, 2016, p. 92).
Acompanharam-no os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, (BRASIL, 2016, p. 77-88). e Cármen Lúcia, que apontou:

[...] essa tese de imprescritibilidade esbarraria no direito de defesa, que é muitíssimo caro ao sistema constitucional. Primeiro, porque não é do homem médio guardar, além de um prazo razoável, e hoje, até por lei, não se exige isso, a documentação necessária para uma eventual defesa. (BRASIL, 2016, p. 74-75).

Já o ministro Edson Fachin foi a única voz dissonante do plenário. Em suas palavras:

No meu modo de ver, o § 5º do artigo 37 contém as três condições que estão presentes para o exame do tema submetido à repercussão geral. Primeiro, a prática de um ato ilícito. E, aqui, não se exclui nenhum tipo de ato ilícito. Portanto, aonde a Constituição não excluiu, não me parece  legítimo ao intérprete excluir. Segundo, trata-se de prejuízo ao erário e, portanto, está-se diante de uma circunstância, independentemente do ato ilícito, que traz esse prejuízo.[...] A interpretação que faço, levando em conta o conjunto de valores ligados à proteção do erário público, é da extensão da imprescritibilidade constitucional para as ações de ressarcimento decorrentes de atos ilícitos que gerem prejuízo ao erário. E, em meu ver, está incluído, nesse horizonte de cognição, não apenas o ato ilícito em pauta, mas todos aqueles que sustentam a razão de ser do tema formulado (BRASIL, 2016, p. 62-63).

Para Fachin, embora a prescritibilidade seja a regra, a própria Constituição prevê em diversos momentos a imprescritibilidade de determinadas pretensões, como nos casos de punição ao crime de racismo, de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado de Direito. Igualmente com o parágrafo 5º do art. 37. (BRASIL, 2016, p. 66).
De mesmo modo, da intelecção do referido dispositivo, percebe-se que a regra é a prescrição das ações de apuração da responsabilidade dos agentes. A imprescritibilidade somente ocorre para a recuperação dos valores gastos pelo Erário, contra os agentes causadores, como forma de prestígio à supremacia do interesse público (BRASIL, 2016, p. 68-69).

3.2 Primeiras Considerações

O primeiro ponto a se questionar do acórdão proferido pelo STF diz respeito a sua extensão, já que se definiu que todos os atos ilícitos civis são prescritíveis, à exceção dos atos de improbidade administrativa.
A um, porque o ato de improbidade pode não ocasionar dano ao patrimônio econômico da Administração, requisito básico da ação regressiva:

Em outras palavras, deve-se entender que é dispensável a ocorrência de dano ao patrimônio econômico da Administração, pois é possível que não decorra tal consequência da conduta do agente e, ainda assim, constituir a mesma um ato de improbidade administrativa. Pode-se observar tal situação quando a improbidade é caracterizada pelo enriquecimento ilícito do agente, sem que com isso fique diminuído o patrimônio público econômico, como ocorre, por exemplo, quando o agente aufere uma vantagem indevida para praticar na forma prescrita um ato que efetivamente se insere na sua competência funcional. (BARCHET, 2011, p. 649-651).

A dois, porque a ação de improbidade administrativa dispõe de meios eficazes para a preservação do erário já durante o curso do processo, a exemplo do sequestro e indisponibilidade de bens e ativos financeiros do acusado, nos termos do art. 16 da Lei 8.429/1992 (BRASIL, 1992).
Aliás, a própria Lei de Improbidade, diante dos diversos mecanismos que traz, define como complementar a ação de ressarcimento, ao dispor que “a Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público.” (BRASIL, artigo 17, §2º, Lei 8.429/1992).
Isso por si só revela que a ação regressiva seria mais logicamente merecedora do manto da imprescritibilidade que a ação de improbidade, tendo em vista não possuir as mesmas ferramentas assecuratórias que esta última.
Por fim, é de fundamental importância rememorar que a desigualdade de tratamento tem uma razão de ser, e ela reside na supremacia do interesse público. Aqui não se trata de justificar a prescrição em razão da segurança jurídica entre os particulares, posto que está em jogo o erário, financiado por toda a sociedade.
O princípio da supremacia do interesse público é tido para a maioria da doutrina como um axioma que justifica a implementação de privilégios para a Administração Pública em razão de sua posição de tuteladora do interesse de toda a sociedade. (ÁVILA, 2001, p. 1-2).

É também a partir desse “princípio” que se procura descrever e explicar a indisponibilidade do interesse público e a exigibilidade dos atos administrativos, assim também a posição de supremacia da administração e os seus privilégios frente aos particulares, especialmente os prazos maiores para intervenção ao longo de processo judicial e a presunção de validade dos atos administrativos. (ÁVILA, 2001, p. 2).

Outro argumento a ser refutado é o de que o parágrafo 5º deveria ser interpretado de acordo com o parágrafo 4º do artigo 37 da CF.
Ora, a técnica legislativa determina que os parágrafos têm relação somente com o caput do artigo, e não se subordinam entre si. Para esclarecer ou delimitar o teor dos parágrafos, a lei se utiliza de incisos. Isso é o que dispõe a Lei Complementar nº 95/1998, cujo objeto é justamente a elaboração e redação das leis. Note-se:

Art. 10. Os textos legais serão articulados com observância dos seguintes princípios: […] II - os artigos desdobrar-se-ão em parágrafos ou em incisos; os parágrafos em incisos, os incisos em alíneas e as alíneas em itens; Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas: […] c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida; d) promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens. (BRASIL, 1998, sem grifo no original).

 

3.3 A interpretação constitucional

A grande controvérsia, no entanto, do julgamento promovido pelo STF reside no exame dos limites de sua atuação e se ele poderia criar por si só restrições à imprescritibilidade prevista no art. 37, §6º da Constituição Federal.
Pois bem. Sabe-se que estabilidade e mudança formam um binômio sempre presente nas constituições rígidas. Ao mesmo tempo que são cartas que expressam uma necessidade por solidez e previsibilidade, demandam de instrumentos que permitam uma adaptação à evolução da sociedade. (FERRAZ, 1986, p. 6).

A Constituição de um Estado, por consubstanciar sua estrutura fundamental, presume-se estável. Estabilidade, todavia, não significa imutabilidade. Bem ao contrário. A eficácia das Constituições repousa, justamente, na sua capacidade de enquadrar ou fixar, na ordem constitucional, as vontades e instituições menores que a sustentam. (FERRAZ, 1986 , p. 5.).

Aliás, a questão da (i)mutabilidade das normas jurídicas não é matéria recente e foi alvo do estudo de figuras históricas como Licurgo e Hamurábi, passando pelos Iluministas, numa tentativa vã de congelar a sociedade via Direito. (COELHO; PETER DA SILVA, 2011, p. 76)
O fato é que as mudanças são necessárias, e podem se dar de maneira formal, por meio da chamada reforma constitucional, com requisitos e limites expressos na própria Lei Fundamental (FERRAZ, 1986, p. 6-7).
Por outro lado, há alterações informais da Constituição, que importam a ressignificação de seu texto, através não de emendas, mas de interpretação judicial por exemplo (FERRAZ, 1986, p. 6-7).
A interpretação consiste no ato de “atribuir significado a coisas, sinais, fatos ou acontecimentos;[…] explicar ou aclarar o sentido de coisas, fatos, sinais, acontecimentos;” fazendo um gesto, vocábulo ou ato ser inteligível (FERRAZ, 1986, p. 19).
Aplicando esse conceito à interpretação jurídica, percebe-se que essa tem por escopo a determinação do sentido e o alcance das expressões do Direito (FERRAZ, 1986, p. 20).
Aliás, interpretar, tido como o ato de atribuir sentido à norma, elucidando-a e restituindo-lhe sentido, permeia todos os textos jurídicos, claros ou obscuros, “pois não há de confundir interpretação com dificuldade de interpretação” (CARVALHO, 2011, p. 294).
Quando essa interpretação se dá para atender a evolução da sociedade e de suas relações o ocorre a chamada mutação constitucional tido como o fenômeno pelo qual o texto normativo é ressignificado, de modo que seu alcance é elastecido ou estreitado, ou seu significado é extraído de acordo com novos parâmetros (FERRAZ, 1986, p. 56-57).
Porém, é de se ressaltar que o intérprete não tem liberdade absoluta no manejo do texto constitucional: “inadmite-se que ele, ao mudar o sentido da norma constitucional, possa vir a mudar o texto.” (CARVALHO, 2011, p.317).
Uma coisa são as interpretações que se localizam dentro de um leque admissível de significações; outras são as que invertem o sentido da norma e extraem o oposto do que suas linhas semânticas entregam, como se legislador o juiz fosse, usurpando sua competência (MENDES, COELHO; BRANCO, 2008, p. 132)

Por isso é que todos os juristas, e não apenas os intérpretes/aplicadores da Constituição, quando analisam os processos informais de criação do direito por via interpretativa, advertem, à partida, que uma coisa são as leituras que, mesmo novas, ainda se mantenham no espectro dos significados aceitáveis de um texto jurídico, e outra, bem distinta, são as criações sub-reptícias de novos preceitos, mediante interpretações que ultrapassam o sentido literal possível dos enunciados jurídicos e acabam por transformar os seus intérpretes em legisladores sem mandato. Externando essa preocupação, Gomes Canotilho afirma que muito embora não se deva entender a Constituição como um texto estático e rígido, completamente indiferente às alterações da realidade constitucional, isso não significa entregar o seu texto à discrição dos intérpretes/aplicadores, liberando-os para leituras que, realizadas à margem ou além da fala constitucional, acarretem alterações não permitidas pela Constituição. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 132)

No entanto, o respeito ao texto muitas vezes acaba sendo observado somente quado ele atende ao ponto de vista do julgador, o que traz à tona um subjetivismo que pode se tornar incontrolável.
Nesse sentido, é oportuna a questão proposta por Streck: até que ponto a literalidade é relevante no Estado Democrático de Direito? (STRECK, 2011, p. 126).
Esse ponto é relevante, posto que o Brasil se situa dentre aqueles estados filiados ao sistema da civil law (CARVALHO, 2011, p. 29).
Nesse sistema, vale lembrar que o texto da lei é a principal baliza a guiar a produção do Direito, através de uma legislação notadamente codificada, dentre a qual cabe ao juiz encontrar a que melhor se adéqua ao caso concreto (DAVID, 1993, p. 17-18).
A questão é que o texto da lei tem sido cada vez mais relativizado, utilizado quando coincidente com as ideias do julgador, e desprezado quando confrontante:

Na verdade, os juristas em geral costumam se apegar à literalidade quando esta lhes é ‘útil’. Logo, a discussão é meramente retórica. Ora, é irrelevante discutirmos a  ‘literalidade’, até porque esbarraríamos na seguinte questão: devemos sempre buscar o conteúdo ‘literal’? Ou somente quando nos interessa? E o que é isto – a literalidade? O que é isto – o texto jurídico? Em face da vagueza e da ambiguidade que cerca a linguagem, de que modo é possível sustentar o discurso jurídico numa pretensa literalidade? Somente podemos discutir ‘literalidades’ se estivermos conscientes da situação hermenêutica que ocupamos: o constitucionalismo do Estado Democrático de Direito (STRECK, 2011, P. 126).

Repisa-se: mutações constitucionais são parte fundamental da vida de uma constituição rígida.
Ocorre que as mutações constitucionais podem não apenas ampliar ou delimitar o sentido de uma norma, mas também violar a própria Constituição, são as chamadas mutações inconstitucionais (CARVALHO, 2011, p. 289).
A inconstitucionalidade pode se dar de variados modos, ao ferir um ou mais dos diferentes requisitos que se examinam ao se enquadrar uma lei ou ato normativo nos valores de uma constituição (BULOS, 2015, p. 140-141).
Uma dessas modalidades de interpretação inconstitucional é justamente aquela que cria exceções não previstas constitucionalmente. (BULOS, 2015, p. 442).
Quando os juízes assim agem, o que ocorre é uma invasão do Poder Judiciário na competência típica do Poder Legislativo de criar a lei, o que impossibilita o controle dos atos jurisdicionais e acaba por liberar uma profusão de decisões subjetivas, sem fundamentação legal. É o chamado ativismo judicial:

Por meio do ativismo judicial, o Poder Judiciário passa a ser um órgão incontrolável, cujos membros podem até invocar a “doutrina das questões políticas”, para, de modo descomensurado, desbordarem as raias da função jurisdicional, proferindo sentenças estapafúrdias, baseadas em interpretações desarrazoadas, construções e manipulações contrárias ao dever ser das normas constitucionais. (BULOS, 2015, p. 442).

Também são chamadas “decisões manipuladoras”, pois a corte acaba atuando como legislador positivo, manipulando a redação da regra sob o pretexto de conformá-la às demais normas constitucionais. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 124-125).
O STF, último guardião da Constituição, não está a salvo desse problema, e por vezes profere decisões contrárias ao transbordar os limites semânticos do texto, barreira supostamente intransponível (GUIMARÃES, 2014, p. 71)
Essa característica pode ser notada ao longo do acórdão do RE 669.069 em diversas passagens. Traz-se como exemplo as palavras do ministro Teori Zavascki:

Essa visão tão estremada certamente não se mostra compatível com uma interpretação sistemática do ordenamento constitucional. Mesmo o domínio jurídico específico do art. 37 da Constituição, que trata dos princípios da administração pública, conduz a uma interpretação mais restrita (BRASIL, 2016, p. 5).

E também do ministro Marco Aurélio

O Professor Celso Antônio lembra que o prazo prescricional haverá de respeitar necessariamente o que é possível para um homem médio se defender. E bastaria este argumento para se ver que não se teria, em qualquer ato, a possibilidade de pleno exercício do direito de defesa. A Constituição se interpreta sistematicamente, garantindo os princípios fundamentais, um dos quais é exatamente este (BRASIL, 2016, p. 75).

Esse tipo de argumentação geralmente ocorre em decorrência de uma pretensa aplicação do princípio da igualdade: a norma confere um determinado privilégio a um sujeito de direito, e o tribunal entende por bem estendê-lo aos demais.  (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 125).
Perceba-se que a fundamentação do STF é lastreada justamente no princípio da igualdade, ainda que de forma indireta. Ela se construiu no sentido de refutar que a Administração possua o privilégio da imprescritibilidade, não estendido usualmente às pessoas comuns seja em suas relações jurídicas privadas ou com o Estado.

Sobre o objeto recursal, não parece haver dúvida de que a última parte do § 5º do art. 37 da Constituição Federal há de ser interpretada restritivamente. Também devo destacar que a prescritibilidade das pretensões consiste em regra universal e foi adotada, no sistema jurídico brasileiro, como corolário dos princípios da segurança jurídica e da paz social, os quais estão entalhados na Carta da República (BRASIL, 2016, p. 48).

Além disso, é perceptível a carga de subjetividade presente no voto vencedor do ministro Barroso:

Eu devo dizer que, em linha de princípio, não tenho simpatia pela tese da imprescritibilidade, tal como aqui enunciou o Ministro Marco Aurélio. E acho, o Ministro Teori observou isso, que a regra geral no Direito brasileiro é a prescritibilidade, salvo as exceções inequívocas, que estão na Constituição, que são: o crime de racismo e as ações de grupos armados contra o Estado democrático e contra a Constituição. Portanto, nesses dois casos, eu não tenho dúvida (BRASIL, 2016, p. 17-18).

Esse tipo de julgamento não é inédito, e já foi alvo de críticas doutrinárias.
Um exemplo significativo é o do impeachment da presidente Dilma Rouseff, conduzido pelo então presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Naquele caso, o ministro manipulou o texto do parágrafo único do artigo 52 da Constituição Federal para dele extrair que a inabilitação para o exercício da função pública não seria consequência necessária da perda da função pública. (OLIVEIRA ÁVILA, 2016).
Ora, o referido dispositivo preceitua que quando cometido crime de responsabilidade pelo Presidente da República

[…] funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis. (BRASIL, CF, 1988).

A despeito da literalidade aparentemente evidente, em que o texto constitucional se vale do conectivo aditivo “com”, o ministro interpretou-o como uma mera possibilidade. Dessa forma, a deliberação sobre a perda do cargo e a dos direitos políticos foi desmembrada, o que possibilitou que a ex-presidente fosse destituída, mas mantivesse os referidos direitos, contrariamente ao que dispõe a Constituição Federal:

A norma constitucional é claríssima ao estabelecer que a condenação  no processo de impeachment consiste na perda do cargo com inabilitação para o exercício de função pública. Lewandowski, ao determinar que a votação dos senadores sobre a condenação fosse desmembrada de modo a admitir o afastamento do cargo sem a consequência que a Constituição determinava –a inabilitação para função pública– foi muito além de uma atualização necessária ao texto, para modificar de forma antidemocrática, inconstitucionalissimamente, a norma constitucional. Passou de “guardião” a “dono” da Constituição, sem qualquer norma ou justificativa válida a amparar-lhe tal atitude. (AVILA, 2016).

Esse tipo de conduta parece expressar uma tendência que vem tomando força nos últimos anos: a dos juízes ativistas.
O ativismo judicial se caracteriza como um modo de julgar que na verdade ultrapassa as fronteiras “do dizer o direito” e alcança o “criar o direito”. Através dele, os juízes se valem de seu poder para, por meio de interpretações subreptícias, desvirtuar as normas, funcionando como verdadeiro legislador. (BULOS, 2015, p. 442).
É notável que a partir dos anos 90, sob a bandeira do “neoconstitucionalismo”, muitos se arvoraram na sua pretensão de constitucionalizar o ordenamento e efetivar os valores e princípios constitucionais, para decidir livres de quaisquer parâmetros (STRECK, 2011, p. 124).
Com isso, deu-se uma profusão de princípios que acabam servindo para justificar toda e qualquer decisão, apelidado por Lenio Streck de “panprincipiologismo”. Vale a transcrição:

[…] qual é o sentido normativo, por exemplo, do “princípio” (sic) da confiança no juiz da causa? Ou do princípio “da cooperação processual”? Ou “da afetividade”? E o que dizer dos “princípios” da “proibição do atalhamento constitucional”, da “pacificação e reconciliação nacional”, da “rotatividade”, do “deduzido e do dedutível”, da “proibição do desvio de poder constituinte”, da “parcelaridade”, da “verticalização das coligações partidárias”, da “possibilidade de anulamento” e o “subprincípio da promoção pessoal”? Já não basta a bolha especulativa dos princípios, espécie de subprime do direito, agora começa a fábrica de derivados e derivativos. Tem também o famoso “princípio da felicidade” (desse falarei mais adiante!). No livro Verdade e Consenso (Saraiva, 2011), faço uma listagem de mais de quarenta desses standards jurídicos, construídos de forma voluntarista por juristas descomprometidos, em sua maioria, com a deontologia do direito (lembremos: princípios são deontológicos e não teleológicos!). (STRECK, 2012).

Importante ressaltar, continuando com o pensamento do professor Streck (2013), que ativismo e judicialização da política não são a mesma coisa.
A judicialização ocorre quando o legislador falha, omite-se. É contingencial que o sujeito de direito se socorra ao Judiciário para receber, ou ao menos pretender receber, o bem da vida em risco (STRECK, 2013).
O ativismo é um desvirtuamento da judicialização, quando o Judiciário altera ou se nega a aplicar a lei que já existe, por motivos carentes de controle (STRECK, 2013).
É preciso se indagar se esse não é o caso do julgamento da imprescritibilidade das ações de ressarcimento.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa procurou examinar a constitucionalidade da mutação perpetrada pelo Supremo Tribunal Federal quanto à extensão da imprescritibilidade das ações regressivas previstas no artigo 37, §5º, da Constituição Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 669.069, em fevereiro de 2016
A importância do tema decorre do fato de que as ações de ressarcimento visam justamente a recuperar os valores subtraídos do erário para o pagamento de indenizações a terceiros em decorrência de atos ilícitos civis.
Sobressai, dessarte, a relação com o interesse público, porquanto é notório que o erário é composto por valores financiados diretamente pela sociedade. Reconhecida a prescritibilidade das referidas pretensões, é a própria sociedade que arca com os prejuízos.
Iniciou-se compilando-se as principais características da ação regressiva e com a conceituação técnica dos institutos da prescrição e decadência, elementares do artigo constitucional questionado pelo STF.
A ação regressiva, dessa forma, é o dever-poder da Administração de exercer sua pretensão contra o agente público causador de dano indenizado a terceiro, em razão da responsabilidade civil do Estado.
Já a prescrição, tida como a pretensão de recebimento de prestação economicamente aferível, e a decadência, definida como a extinção de um direito potestativo, têm por finalidade evitar a prolongamento eterno das relações jurídicas que causam insegurança na sociedade.
Consequentemente, a imprescritibilidade é a impossibilidade de ocorrência desses dois eventos.
Foi justamente a hipótese de imprescritibilidade das pretensões às ações regressivas que o STF refutou no recurso em comento, ao entender que se consubstancia em um privilégio à Administração Pública incompatível com o ordenamento constitucional percebido como um todo.
Ocorre que tal entendimento restringiu substancial e inconstitucionalmente o sentido literal do parágrafo 5º do artigo 37 da Constituição Federal, que ressalvou expressamente as ações de ressarcimento da prescrição.
A orientação da suprema corte legislou sem competência para tanto ao criar uma exceção não prevista na constituição para a hipótese de imprescritibilidade. Pior, tal exceção equivale a parcela significativa dos casos de ação regressiva.
Com isso, sobraram imprescritíveis, por ora, apenas as hipóteses derivadas de atos ilícitos criminosos ou de improbidade administrativa. E diz-se por ora, porque não definiu a imprescritibilidade de tais casos, abrindo margem para a sua abolição no futuro, o que desnutriria por completo a norma constitucional.
Reconhece-se que a interpretação constitucional demanda a atualização permanente do texto da constituição para adaptá-lo à evolução de seu significado em conformidade às mudanças da sociedade.
Tal fato é de crucial relevância nas constituições rígidas, como a nossa.
O que não se admite é que os órgãos julgadores assumam o papel do Poder Legislativo, e criem ou restrinjam normas, sobremaneira constitucionais, sem a devida legitimidade.
Nesse compasso, a mutação que torna praticamente inócuo o dispositivo constitucional, tal como a do julgamento exposto, deve ser rechaçada, porquanto se torna uma afronta à própria Constituição.
A pretexto de uma interpretação unitária e igualitária, dá-se margem para o fenômeno do ativismo judicial, caracterizado por uma atividade incontrolável dos julgadores, lastreados por parâmetros unicamente subjetivos, de maneira antidemocrática.
É preciso, portanto, separar o ativismo judicial da judicialização, esta última, verdadeira instância para que os sujeitos de direito se socorram quando violados valores constitucionais, depois que não reconhecidos pelas demais ramificações do Estado.

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BRASIL, Supremo Tribunal Federal. CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento. Recurso Extraordinário nº 669.069/MG. Reclamante União e reclamados a Viação Três Corações Ltda., e Luiz Cláudio Salles da Luz. Relator Teori Zavascki. 3 de fevereiro de 2016. Disponível em <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=309316367&ext=.pdf >. Acesso em: 10 de março de 2019.

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*Mestrando em Ciência Jurídica pela UNIVALI. Graduado Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau FURB (2012). Email: fabricio.dambrosio@gmail.com
** Doutor e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí- UNIVALI - SC, na área de concentração em Constitucionalismo, Transnacionalidade e Produção do Direito. Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau FURB (2010) e graduado em História pela Fundação Universidade Regional de Blumenau FURB (2006). Advogado com a OAB/SC 31.986. Docente e pesquisador dos Programas de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Sociedade e Profissional em Educação da Universidade Alto Vale do Rio do Peixe – UNIARP. E-mail: levi@uniarp.edu.br

Publicado: 31/01/2020

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