Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


O ITAPECURU E O TEMPO: RIO E NATUREZA TERRITORIALIZADA

Autores e infomación del artículo

Raíssa Moreira Lima Mendes Musarra*

Universidade Federal do Pará, Brasil

E-mail: raissa@musarra.com.br


Resumo: Este texto tem o objetivo de expor um olhar sobre o rio Itapecuru, segundo maior rio maranhense e o mais importante economicamente para o estado do Maranhão. Priorizou-se o resgate histórico das dinâmicas sociais que tiveram e ainda hoje têm relação com o rio, com base em dados bibliográficos e etnográficos decorrentes de pesquisa socioantropológica que buscou a compreensão do modo de direção do ecossistema relativo ao rio pelas sociedades a ele relacionadas, em termos de governança de um rio entendido enquanto território sujeito a intervenções políticas e econômicas.
Palavras-chave: Rio Itapecuru; Território; Governança; Usos Sociais de Recursos Naturais

ITAPECURU AND TIME: RIVER AND TERRITORIALIZED NATURE

Raíssa Moreira Lima Mendes Musarra

Abstract: This text has the purpose of exposing a view of the river Itapecuru, second largest river of Maranhão State and the most economically important for the state of Maranhão. The priority was given to the historical recovery of the social dynamics that have and still have relation with the river, with base in bibliographic and ethnographic data collected in sócio-anthropological research that demanded to understand the mode of direction of the ecosystem related to the river in terms of governance of a territory that is characterized by political and economic policies.
Keywords: Itapecuru River; Territory; Governance; Social Uses of Natural Resources

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Raíssa Moreira Lima Mendes Musarra (2019): “O itapecuru e o tempo: rio e natureza territorializada”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (diciembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/12/itapecuru-tempo.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1912itapecuru-tempo

INTRODUÇÃO

O estado do Maranhão faz parte da Amazônia Legal, com rios predominantemente perenes e caudalosos (LOPES apud FERREIRA, 2008). E é caracterizado pelo clima semi-árido, dominado pela vegetação de floresta, refletindo uma transição entre o nordeste semi-árido e a Amazônia úmida (IBGE, 1997).
Segundo Vale et al., (2014) todas as bacias maranhenses são fundamentalmente importantes em níveis econômico, natural e social uma vez que a população ribeirinha possui uma ampla relação de dependência da pesca como principal atividade econômica. Ocorre que, como verificado por Leonel, na Amazônia (1998, pág. 23), “o caráter universalizador do modo de ser da sociedade industrial vem introduzindo uma competição desigual com as populações em torno ao aproveitamento da água e do peixe”.
E, no estado do Maranhão, as bacias hidrográficas, bacias lacustres e águas subterrâneas, pela semi-aridez e a desertificação vêm se contrapondo ao discurso da abundância de águas (FERREIRA, 2008).
A Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão – CAEMA é a concessionária estadual responsável pelo abastecimento de água de 64% dos municípios do Estado (ANA, 2010). Segundo a ANA (Agência Nacional de Águas), em 2011, apenas 28 municípios maranhenses apresentavam seus sistemas com condições satisfatórias de abastecimento. Para os demais, foram previstos à época investimentos de R$ 412 milhões  (ANA, 2010).
Desse total, 13% correspondiam aos investimentos necessários para a garantia da oferta de água para São Luís (capital), outros R$ 48,5 milhões, ou 12% do total, deveriam ser investidos em aproveitamentos de novos mananciais e na implantação de sistemas produtores em sedes sem sistemas de abastecimento de água (ANA 2011).
Para a grande maioria das sedes estava previsto atendimento por sistemas isolados, sendo necessários R$297 milhões, referindo-se na maior parte dos casos, às obras de perfuração de poços e à implantação de estações de tratamento de água em cidades sem tratamento (ANA, 2010).
Ocupando uma área que corresponde a 16% das terras do Maranhão, abrange 52.972,1 Km2 (IBGE, 1998). Com uma população de aproximadamente 1.622.875 habitantes em 2011 (IBGE, 2011) e 57 municípios, corresponde a cerca de 16% das terras do Maranhão (MARANHÃO, 2003). Compreende um total de 57 municípios, sendo 20 municípios totalmente inseridos na bacia.

A Terra Indígena Kanela-Buriti Velho, no Município de Barra do Corda, com 125.212 hectares e população indígena estimada em 1.265 (IBGE, 1998), e vinte e duas comunidades quilombolas somente nos municípios de Vargem Grande e Itapecuru-Mirim, quase todas ainda sem reconhecimento, mas com “ações estratégicas territoriais” em andamento (CASTRO, 2002), estão contidas na bacia.

Material e Método

De acordo com Chiapetti & Chiapetti (2011) a análise das águas dos rios permite desconstruir e reconstituir as relações entre as atividades antrópicas e o meio ambiente, “nas águas do rio, as pessoas vão desenhando suas histórias de vida, suas geografias” (2011, pág. 74). Os rios significam muito mais do que simples suportes físicos ou acidentes geográficos traçados nos mapas ou, ainda, recursos da natureza. “Eles são paisagens, são lugares em que as pessoas se abrem aos mistérios da natureza, ao patrimônio simbólico, possibilitando a interpretação da criação cultural, um encontro das pessoas” (CHIAPETTI, 2011).
Leonel (1998) expõe a relevância do estudo do uso social dos rios para a compreensão das correlações socioambientais amazônicas, “as sociedades ali – e em outras partes – se estabelecem com frequência em torno à água, fator decisivo de escolha do espaço de concentração dos seres humanos. Segundo ele, “a abundância da água e do peixe, aliada à facilidade de seu aproveitamento, contribuíram decisivamente para viabilizar milênios de ocupação, orientando os aldeamentos à beira dos rios e locais piscosos” (LEONEL, 1998, pág. 23). Este autor destaca que as primeiras levas de colonização extrativista dos dois últimos séculos na Amazônia contaram prioritariamente com a fartura destes recursos para sobreviver e que a pesca é um recurso renovável fundamental às camadas tradicionais e mais desprovidas da população do interior e das periferias urbanas da região.
Nesta senda, gestão dos recursos hídricos no Brasil tem recebido ampla discussão em razão da degradação qualitativa e quantitativa dos mesmos (JACOBI, 2009, CASTRO, 2002). A degradação está relacionada ao controle de dejetos industriais, hospitalares, domésticos e outros que, via de regra são lançados in natura nos cursos d’água (VALE, 2011). Ressalte-se que em 2011 mais da metade da população brasileira (61,9%) não contava com redes para a coleta de esgoto, tendo como resultado o lançamento direto nos rios sem qualquer tipo de tratamento (VERBINNEN, 2014). O estudo que pautou os resultados aqui expostos usou a metodologia da Sociologia da Ação Pública (LASCOUMES E LE GALÈS, 2012), de investigação de emergência de problemas públicos e sua entrada na agenda política enquanto problemas políticos, com o uso da etnografia e da análise normativa e estudos bibliográficos (MUSARRA, 2016).

RESULTADOS

Como visto, o rio que define a bacia é o Itapecuru, que nasce no sistema orográfico formado pelas serras da Croeira, Itapecuru e Alpercatas, indo desaguar l.450 km depois no Oceano Atlântico, na porção interior da baía de São José, na baía do Arraial a Sudeste da ilha do Maranhão, na forma de 02 braços de rios denominados: Tucha e Mojó. O rio Itapecuru nasce nas fronteiras dos Municípios de Mirador, Grajaú e São Raimundo das Mangabeiras na encosta setentrional da Serra da Croeira com altitudes em torno de 500 m, (NUGEO, 2015; IBGE, 1998; MEDEIROS, 2001).
A origem do nome Itapecuru é indígena e significa água que caminha entre pedras. Do tupi “Ita” significando pedra, “pe”, caminho e “curu” influência (MEDEIROS, 2001). Há registros escritos de que os primeiros franceses a chegarem no local chamavam o Rio Itapecuru pelo nome de “Maranhão” que derivaria de Maragnon (mesmo nome do rio Amazônas no Peru) e que possui diversas conjecturas a seu respeito (MEIRELES, 2001) não deixando dúvidas, entretanto, de que o nome da terra do estado decorre da relação com as águas fluviais.
O rio Itapecuru pode ser caracterizado fisicamente em três regiões distintas: Alto, Médio e Baixo Itapecuru. Fatores tais como as características da rede de drenagem, a compartimentação e as formas de relevo da Bacia e a navegabilidade foram os critérios nos quais a SUDENE se baseou para dividir o curso do rio em 1977 ao descrever seus recursos pesqueiros (BEZERRA apud ALCÂNTARA, 2004).
O Alto curso do Itapecuru vai da nascente até o Município de Colinas, em o médio vai de Colinas até o município de Caxias e o baixo curso vai de Caxias até a baía do Arraial na capital, São Luís.

O controle de toda a rede de drenagem da bacia do Rio Itapecuru é feito através de 14 postos fluviométricos, controlados pelo DNAEE, sendo metade no rio principal e outra metade em seus principais afluentes (IBGE, 1997). Em 1997 o IBGE registrou que na época de depleção as descargas de base dos pequenos riachos atingem os seus mínimos e a maioria deles seca.
Quanto aos recursos pesqueiros, de acordo com Barroso e Sousa (2007) o consumo de pescado no Maranhão tem destaque no litoral, na baixada ocidental maranhense e nas áreas ribeirinhas aos grandes lagos. Na bacia do rio Itapecuru, a freqüência de oferta de produtos advindos da piscicultura regional é afetada pelo fato de que “os rios da bacia não disponibilizam estoques naturais de pescado em quantidade para atender a atual demanda, até pelos problemas ecológicos que se agravam a cada ano, diminuindo a vida nos ambientes naturais.” (BARROSO E SOUSA, 2007, pág.92).
As principais espécies cultivadas na bacia do rio Itapecuru são: o tambaqui (Colossoma macropomum), tilápia (Oreochromis sp.), curimatá (Prochilodus sp.) e carpa-comum (Cyprinus carpio). Sendo a oferta de alevinos muito escassa e irregular, de baixa qualidade genética, principalmente do tambaqui (Colossoma macropomum) que, de acordo com Barroso e Sousa (2007) em 2007, ainda permanecia como reprodutor remanescente de cruzamentos de espécimes selvagens introduzidas no Nordeste em 1976 pelo DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Integração Nacional com atuação no Nordeste).
Segundo os autores (BARROSO e SOUSA, 2007) a referida introdução concretizou sua primeira propagação artificial e distribuição dos alevinos para demais entidades e estações de piscicultura em 1978, perdurando como banco genético, promovendo grande degradação consanguínea. Sendo, segundo constataram os autores em 2007, a oferta de alevinos precária, de alto custo e sem preceito de qualidade, controle sanitário e profilático, deixando toda a bacia susceptível a contaminação por parasitos e bactérias exóticas capazes de causar grandes danos ao meio ambiente da área.
O Itapecuru trata-se do eixo de uma de uma das bacias hidrográficas mais importantes deste estado brasileiro. Registros historiográficos referem este rio, desde o período colonial, no seio de disputas políticas e movimentos de resistência como o levante dos Balaios e massacres vividos por populações indígenas.
Depois, do Império à República, o Itapecuru, um dos caminhos que facilitou a ocupação do interior e à exploração das terras férteis, encontra-se vinculado à produção do açúcar e do algodão, à pecuária extensiva e à exploração de produtos da mata nativa, o que, consequentemente, gerou alterações importantes na composição de uma fauna peculiar ao território no qual se integra esse curso d’água. Nesse processo socioterritorial, os ideais civilizadores, modernizadores e do desenvolvimento, sobretudo durante o período dos governos ditatoriais no Brasil, em muito contribuíram para certa naturalização de uma forma de relação social com o rio, que o transformou em destino do escoamento sanitário e hospitalar, recurso para irrigar latifúndios, insumo industrial e manancial onde se capta água para o abastecimento da capital São Luís.
O rio Itapecuru, desde o período colonial, foi a via mais acessível para o interior da região servindo para circulação de barcos que abasteciam as comunidades ribeirinhas (IBGE, 1998). De modo geral, a ocupação do território maranhense está relacionada à exploração econômica da cana-de-açúcar, algodão e babaçu, desde o período colonial até os primeiros anos da República. Essa exploração sofreu várias transformações derivadas das necessidades da França, de Portugal, Holanda e Inglaterra, que viabilizaram domínio e posse (assentamentos, entradas, engenhos), áreas de produção, escravização indígena e negra africana, exploração de recursos, e ações de políticas territoriais (fortes, missões, vias de acesso), culminando na ampliação do povoamento (FERREIRA, 2008).
Diante da ocupação da ilha de São Luís pelos franceses, a Coroa Portuguesa implementou estratégias para viabilizar e intensificar a ocupação da capitania do Maranhão cujas ações de políticas incluíram a introdução do gado vacum e a instalação de dois engenhos de açúcar, o primeiro à margem do rio Itapecuru, em 1622. À sua margem esquerda, uma légua ao norte de Rosário, o forte Vera Cruz foi utilizado para “repelir os ataques do gentio, que embaraçava as plantações de cana-de-açúcar” e vigiar o acesso ao continente pela foz do Itapecuru. Ao quebrar as resistências dos índios “vencê-los significou ao mesmo tempo, ocupar a terra e obter a mão-de-obra” (CABRAL, 1992, p. 62 apud FERREIRA, 2008).
O Itapecuru apresentava, naquele momento, condições de navegabilidade favoráveis às embarcações da época, vale com terras férteis, e viabilizava o acesso para a região dos sertões, aproximando a capitania do Maranhão das do Piauí, Bahia, Pernambuco e Goiás. Por isso, o rio Itapecuru foi priorizado como via penetração, conquista e exploração econômica (FERREIRA, 2008).
Com a invasão holandesa à Capitania do Maranhão (1641-1644) e dominação da ilha de São Luís, as águas desse rio serviram para que os holandeses seguissem à montante, subjugando o forte Vera Cruz (hoje em Rosário) e se apropriassem de cinco mil arrobas de açúcar de cinco engenhos tomados, construindo outros sete engenhos ao longo de seu curso (MEIRELES, 2001; FERREIRA, 2008).
Após a expulsão dos holandeses, o que sobrou da economia açucareira não a tornou competitiva, o que foi agravado pelo ataque indígena, em 1649, resultando na morte de membros da Companhia de Jesus e na interrupção de atividades no rio Itapecuru e em todo o estado.
Ao assumir a capitania do Maranhão em 1652, Baltazar Pereira incrementou a estratégia de ocupação da frente do norte levada a cabo pela Coroa portuguesa e concedeu “aos jesuítas, [...] todo o auxílio para estabelecimento de outras missões e pregação do evangelho” (MARQUES, 1970, p. 394 apud FERREIRA, 2008), incluindo as recomendações de impedir resgates e de libertar os indígenas do cativeiro. Com a chegada do padre Antônio Vieira (1653) os jesuítas reiniciaram a instalação de missões que adentravam o interior do continente, a exemplo de São Gonçalo, São Miguel e Nova dos Barbados, ao longo da bacia do Itapecuru, de maneira que paralelamente avançava a ocupação e a passagem para o interior do Piauí (FERREIRA, 2008).
Com a “emancipação indígena”, por Decreto real em 1761 e a importação do escravo negro africano por volta do mesmo período, as estruturas ao longo do curso do Itapecuru foram remodeladas. Em notável obra “Ideologia da Decadência: leitura antropológica de uma história da agricultura do Maranhão”, Alfredo Wagner. B. de Almeida (2008) coloca em pauta a subordinação da produção intelectual maranhense no período colonial “posto que tanto no período colonial ela revelava-se subordinada aos ditames da casa real, quanto no presente as coleções tem sido tributárias de desígnios dos que detém e monopolizam o poder político estadual”, a obra revela, através de sua análise, conflitos ocorridos ao longo do rio Itapecuru.
Aquela produção intelectual visou construir a imagem de um “estado decadente da lavoura” para justificar a demanda contínua por novos terrenos “preferencialmente as terras de mata ocupadas pelos grupos indígenas, que se afastaram da área das fazendas situada às margens do rio Itapecuru.”
De acordo com Almeida (2008), as pré-noções afirmadas pelos autores da época a respeito dos índios incluíam as de “última classe dos habitantes da capitania”, dotados de “indolência natural”, “corrompidos em ambos os sexos”, vistos como itinerantes ou como aqueles que “vagam errantes” e que estariam afastados do mercado servil para justificar a expansão das lavouras de algodão e a ação das “bandeiras”. Sendo os índios apontados como usufruidores das melhores terras em detrimento dos chamados “lavradores (g.a)”, que alegavam possuir apenas terras cansadas e de capoeira. Para o autor, “Esta alegação irá funcionar doravante, a cada situação em que a sociedade colonial se apoderar de novos territórios indígenas”.
Ademais disso, a economia maranhense, como diz Meireles (2008, pág. 256) “sobre os ombros do negro escravo” foi essencialmente agrária e escravista, a população africana de origem chegou a superar a dos “senhores brancos”. Esta economia era baseada na produção do algodão, seguido pelo arroz e pelo açúcar, o que afirmaria o eixo econômico nas margens dos rios Pindaré, Mearim e Itapecuru.
Almeida (2008) resgata a construção da ideologia da decadência também na produção intelectual que ressaltava o preço da escravatura, vista à época como “segundo entrave” para os lavradores, fazendo-os contrair dívidas junto aos comerciantes com juros “tidos como elevadíssimos”, o que traria a “ruína dos lavradores diante da perda dos escravos”. 
Mas a resistência ao longo do Itapecuru começa a ser notada no que entende Meireles como o despertar de “um primeiro entusiasmo nos maranhenses que, às margens do Itapecuru, organizaram-se em guerrilhas e entregaram-se a excessos e vinditas, ao grito de Guerra ‘mata marinheiro’”(MEIRELES, 2008. Pág. 208). Derivado da expansão do movimento para a independência do Brasil que chega no interior do Maranhão, com forte resistência da conservadora Junta Provisória e Administrativa que teve amparo no quartel de Caxias, é anunciado o prelúdio da Balaiada (MEIRELES, 2008).
Meireles (2008) associa a emancipação administrativa do Brasil, a partir de 1822, à “chama nativista e exaltação de ânimos existente do movimento das massas rurais contra os potentados cronologicamente deste ciclo” (a exemplo da Revolução Praieira, em Pernambuco; a Sabinada, na Bahia, a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul), e, no Maranhão, a Balaiada, que teve adesão de tropas independentes que “infestaram as margens do Itapecuru” (MEIRELES, 2008) e ao lado dos “sequazes do negro Cosme, chefe dos escravos fugidos e aquilombados (por volta de 1839), dentre outras figuras, configurando uma oposição aos conservadores, aos governistas.
A Balaiada teve como uma de suas consequências o declínio da economia, cuja saída foi o fomento da cana-de-açúcar através da “concessão de 30 contos de réis para premiar aos lavradores que produzissem mais de 1.000 arrobas de açúcar, e que de Caiena (Guiana Francesa) o governo tinha recebido mudas de cana de qualidade superior para distribuição gratuita” (VIVEIROS, 1992, p. 205 apud FERREIRA, 2008). Esta estratégia contribuiu para a expansão do cultivo da cana-de-açúcar por “toda a Baixada, às margens do Itapecuru, do Mearim [...]” (MEIRELES, 2001, p. 259), concentrando-se no vale do Pindaré e por “isso em 1860, o Maranhão contava 410 engenhos, dos quais 284 movidos à maquina a vapor e à força hidráulica e 136 de tração animal” (VIVEIROS, 1992, p. 206 apud FERREIRA, 2008). Segundo Andrade, citado por FERREIRA (2008), isto concorreu para que a produção da cana-de-açúcar da província do Maranhão que sequer era exportada em 1821, devido a uma produção de apenas 417 arrobas, passasse para 100.000 em 1858.
Outra solução para a remoção dos “entraves” à agricultura neste período traduziu-se em ação política expressa por um plano ou projeto de colonização através de companhias de colonização com emigrantes europeus, alegando a oposição da “opulência da natureza e a extrema riqueza dos recursos naturais à uma suposta incapacidade indígena de bem utilizá-lo.” (ALMEIDA, 2008). Surge como justificativa o fato de que: “As planícies e terrenos banhados pelo Itapecuru, Miary ou Mearim, Grajaú e Pindaré, e outros grande rios, são um manancial perene de riquezas, que se tornarão incalculáveis.” (SIQUEIRA, 1826: 44 apud ALMEIDA, 2008).
Assim, no vale do rio Itapecuru dá-se a criação da Colônia Petrópolis, que foi assentada a uma légua distante da vila de Codó, com a chegada de colonos portugueses em 1855, procedentes do Porto, visando o plantio de arroz com o sistema da denominada “parceria”, em que toda e qualquer produção do colono teria sua metade recolhida pelo empresário (ALMEIDA, 2008).
A ideologia da decadência ainda recentemente é refletida no embasamento histórico de documentos oficiais, os subsídios ao Zoneamento Econômico-Ecológico da Bacia do Itapecuru, IBGE (1998), apontam que a proibição inglesa ao tráfico de escravos, em 1850, constituiu-se um forte freio ao desenvolvimento do Maranhão, em decorrência da força de trabalho estar baseada na mão-de-obra escrava, que, somada à assinatura da “Lei Áurea” em 1888 constituiriam-se como causas da decadência do estado. De todo modo, acerta o documento ao afirmar (IBGE 1998, pág. 67) “A história econômica da bacia do Itapecuru é uma síntese da transferência de capital para o exterior e para outras regiões do País”.
Exemplo disso é o parque têxtil maranhense implantado com a Companhia Industrial Caxiense em 1883. Com o advento da República, foi acompanhado da instalação de indústrias têxteis em São Luís, coincidindo com o primeiro surto de industrialização do Brasil. Assim, em 1895 o estado do Maranhão possuía o segundo parque industrial do Brasil com 16 unidades de produção. A capital maranhense, aglomerava 10 fábricas (09 de tecido de algodão e uma de juta e malva), enquanto Caxias possuía quatro e Codó, uma (PAXECO, 1922; VIVEIROS, 1992 apud FERREIRA, 2008), sendo que a produção concentrada ao longo da bacia do Itapecuru era escoada pelo rio Itapecuru, e o escoamento foi posterioremente afetado pelo assoreamento dos rios.
Deste modo, com a produção têxtil em baixa, a exploração da mata nativa ao longo do Rio Itapecuru foi intensificada diante da alta exportação do babaçu, que, Segundo FERREIRA (2008) encontrou contexto favorável para o Maranhão visto que até 1935 a exportação do babaçu, que era direcionada para a Europa (sobretudo Holanda e Alemanha), foi beneficiada com o Acordo Geral do Babaçu (1942 a 1947).
Apesar disso, o estado do Maranhão “não teve por muito tempo soerguida a economia em função do não acompanhamento da demanda no mercado europeu durante a I Guerra Mundial (1914-1918)”. Reerguida em seguida, começou a declinar novamente com o advento da II Guerra Mundial (1939-1945) em função da diminuição e/ ou cancelamento da procura por óleo de babaçu na Europa e nos Estados Unidos, somado à concorrência de indústrias de óleo localizadas no Piauí, Ceará e em São Paulo (FERREIRA, 2008).
Dando seguimento à conformação territorial do Maranhão naquele contexto histórico, foram desenvolvidos, de acordo com Araújo (2008), no Estado Novo (1937-1945), projetos de povoamento e colonização do interior, visando a “integração nacional” (FERREIRA, 2008).
De acordo com IBGE (1997), durante governo de Juscelino Kubitscheck foi criado, ao final de 1956, o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), coordenado por Celso Furtado, cujos resultados foram revelados no início de 1959 através do relatório intitulado “Uma Política de Desenvolvimento Econômico para o Nordeste”, que recomendava a ocupação do Maranhão como alternativa de diminuir as pressões das regiões nordestinas castigadas pela estiagem.
Segundo Ferreira (2008), em nível estadual surge o Projeto Pioneiro de Colonização (PPC) que se originou no projeto político “Maranhão Novo” (1966-1970), concebido na gestão José Sarney, cujo discurso denominado de “Maranhão Libertado” retirou do poder o grupo político sob o comando de Victorino Freire entre 1945 e 1965, que, de acordo com o grupo político do “Maranhão Libertado”, foi “responsável pelas mazelas” no estado. A nova gestão contava com o apoio das “pessoas mais simples e da classe empresarial”, o seu mentor (José Sarney) era considerado letrado e tinha o apoio da administração federal, a ditadura militar.
Para “ocupar racionalmente a Pré-Amazônia”, o projeto articulou a criação da “Reserva Estadual de Terras e seus órgãos, as Delegacias de Terras, no interior do Estado” (Decreto n° 3.831/1968), para “disciplinar a ocupação e [...] titular as áreas de terras devolutas”, o que foi viabilizado por decreto que facultava a venda destas sem licitação. Some-se isso à Lei n° 2.979/69 que “autorizava o Governo a vender as terras devolutas do Estado, em grandes extensões de território, por simples requerimento, criando sociedades anônimas sem número limitado de sócios, podendo requerer cada sócio, três mil hectares” (BRASIL, 1984, p. 25 apud FERREIRA, 2008) com o discurso de regularizar a situação fundiária estadual, “possibilitou o início dos grandes e médios empreendimentos agropecuários no Maranhão” (GONÇALVES, 2000, p. 175 apud FERREIRA, 2008), que foram atraídos pelos incentivos fiscais da Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e da SUDENE (Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste). A SUDAM através da Lei n° 5.174/1966 concedeu Isenções em Geral até o exercício de 1982, incluindo do seguinte modo: “isenção do imposto de renda e quaisquer adicionais a que estivessem sujeitos, em 50% para os empreendimentos que se encontrarem efetivamente instalados à data da publicação da Lei, em 100% para os empreendimentos que se instalassem até 1971, os que ainda não iniciaram a fase de operação, ou os que ampliassem a sua instalação” (SÁDER, 1986, pág.37 apud FERREIRA, 2008). Em nível estadual isto foi efetivado, Segundo Ferreira (2008) pelo Departamento de Desenvolvimento Agrário.
De acordo com IBGE (1997) a COMARCO, criada no início da década de 1970 pelo governo estadual, recebeu terras alienadas do estado objetivando a execução de projetos de colonização, ordenação das ocupações existentes e localização de médios e grandes projetos agropecuários.
De acordo com Ferreira (2008) a política regional denominada “Programa de Desenvolvimento Integrado da Amazônia Oriental” derivou do II PND (Plano Nacional de Denvolvimento) com o intuito de implantar projetos destinados exclusivamente à mineração, metalurgia, agropecuária e reflorestamento. Tal programa foi viabilizado no Maranhão por intermédio do Sistema Norte da CVRD (Companhia Vale do Rio Doce) e do Consórcio ALUMAR que investiram aproximadamente US$ 4,9 bilhões em infra-estrutura, dois portos especializados, linhas de transmissão de energia elétrica, estrada de ferro, etc. Este plano instituiu os distritos industriais de São Luís, Rosário, Santa Inês, Pequiá (Açailândia), Imperatriz, Balsas e Bacabal. Contudo, induziu-se a ampliação de problemas de posse e uso do solo, além dos ambientais, sobretudo nas cidades maiores, incluindo São Luís (FERREIRA, 2008).
Assim, transformações posteriores configuram a passagem de uma economia agro-exportadora para industrial baseada em empreendimentos siderúrgicos (a predominância das exportações se assentava em matéria-prima até 1985 e em 1996 residia em ferro-gusa e ligas de alumínio (FERREIRA, 2008).
A concentração das atividades industriais do Estado em algumas bacias hidrográficas, cidades e microrregiões. “ao longo das bacias formadas pelos rios de São Luís pelo lado maranhense do Rio Tocantins, Rio Itapecuru e pelo Rio Mearim (com o Grajaú e Pindaré), concentram-se cerca de 75% das indústrias do Estado.” (ICMBIO, 2015, p. 41).
A implantação dos diferentes projetos industriais, especialmente os mínero-metalúrgicos e madeireiros, imprimiram graves danos ao ambiente com a devastação das florestas, poluição dos recursos hídricos e do ar, além da desarticulação do modo de vida das populações nativas  (ICMBIO, 2015).
A isto, soma-se  o agravante de que no final de 1990 e a partir da concepção de “Estado mínimo”, o governo estadual na gestão de Roseana Sarney, 1995-2002, desmontou, segundo Ferreira (2008) a estrutura do setor agrícola existente ao extinguir em 1997 a CIMEC (Companhia de Mecanização Agrícola do Maranhão), a EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Maranhão), a EMAPA (Empresa Maranhense de Pesquisa Agropecuária) e a CODAGRO (Companhia de Defesa e Promoção Agropecuária), que haviam sido criadas na década de 1970, eliminando, assim, o apoio à assistência técnica, à extensão rural, ao fomento e à pesquisa agropecuária.

DISCUSSÃO

Para Nascimento (2002) a industrialização periférica no campo maranhense, desde a década de 1970, relaciona-se aos governos estaduais que no Maranhão vêm possibilitando que os recursos naturais sejam apropriados por grupos privados sob a retórica do desenvolvimento, de modo que projetos agropecuários, minero-metalúrgicos e monocultivos agrícolas, contaram com subsídios e apoio dos governos do estado, que não tomaram para si, o compromisso de fomentarem e desenvolverem a agricultura como política estruturante no aspecto econômico e social, deixando de atender às demandas de ocupação e geração de emprego e garantir a segurança e autonomia alimentar. A autora relaciona a realidade maranhense ao “desenvolvimento do subdesenvolvimento” descrito por Leff (2009) que, dentre seus fatores predominantes advem do efeito cumulativo de custos ecológicos e o desaproveitamento de um potencial ambiental (NASCIMENTO, 2002).
O potencial ambiental está relacionado à diversidade biológica, que, no estado do Maranhão está condicionada ao clima e variedade pedológica e à sua condição de estado de transição (bioma amazônia e cerrado).  Na bacia do Itapecuru o complexo vegetacional nas áreas do alto curso do rio é de cerrado espaçado com árvores de pequeno e médio porte, retorcidas e tortuosas, de casca grossa e mata ciliar constituída principalmente por palmeira de buriti (Mauritia flexuosa) especialmente na nascente e por palmeira de babaçu (Orbignya phalerata), (SILVA E CONCEIÇÃO, 2004).
Segundo o IBGE (1998), a tradição econômica da região e a política de incentivos fiscais, que privilegiaram a formação de grandes agropecuárias, “consolidaram uma estrutura fundiária em onde a posse e a propriedade de terra apresentam-se extremamente concentradas”, em 1998 mais de 55% da área útil da bacia estava destinada a propriedades com área superior a 500ha, “configurando uma incrível concentração de terra e um desequilíbrio completo da estrutura fundiária, com graves reflexos sociais”, (IBGE, 1998, pág. 102). O “sistema fundiário dominante é o rendeiro, caracterizando-se o uso e a posse da terra por relações arcaicas e socialmente injustas”. A cultura praticada é itinerante e, muitas vezes, “depois de uma ou duas colheitas, dá lugar a pastos para criação de bovinos” (IBGE, 1998. Pág, 101).
A exploração de calcário em várias localidades do Município de Codó, pela Itapecuru Agroindustrial S. A. para a produção de cimento “originou crateras imensas na região”, concentrando o minério e “jogando seu rejeito no leito do rio Codozinho”, causando o “completo assoreamento do canal do rio, até a sua foz no rio Itapecuru, entupindo poços altamente piscosos e praticamente experminando peixes que garantiam a sobrevivência de centenas de pescadores” (IBGE, 1998).
Cerâmicas e/ou olarias representam um subsetor com relativa atividade na bacia e estão localizadas principalmente no baixo Itapecuru. Na bacia do Itapecuru em 1980 existiam 1.007 estabelecimentos industriais de diversos gêneros, 536 do setor alimentício, 211 de transformaçãoo de produtos minerais não-metálicos e 168 estabelecimentos correspondendo a indústrias de transformaçãoo de madeira. (2% dos estabelecimentos industriais restantes eram de indústrias químicas (inclusive uma com participaçãoo pública), têxtil, de perfumaria, sabões, velas e vestuário. Em 1998, o IBGE relata que a industrializaçãoo teve a decisiva participação estatal através da concessão de incentivos fiscais do FINOR (Fundo de Investimentos do Nordeste). 
Entre 1992 e 1993, o IBGE (1998) destacou os principais ramos industriais da bacia, sendo duas indústrias metalúrgicas, uma de Ferro-gusa, sete olarias e pedreiras em Rosário, uma de laticínios em Itapecuru-Mirim, duas de artefatos de concreto e cimento (uma em Caxias e uma em Codó), uma indústria de cimento, uma de gipsita e uma de calçados em Codó, duas de curtume (uma em Coroatá e uma em Caxias), uma destilaria de álcool em Aldeias Altas (que estava paralisada) e nove indústrias de óleos vegetais (três em Caxias, duas em Codó, duas em Paraibano, uma em Coroatá, uma em Vargem Grande). Destacou ainda que em Caxias existem indústrias com os fundos voltados estrategicamente para o rio para facilitar o despejo dos resíduos (IBGE, 1998).
Segundo o IBGE, em 1998 cerrados e florestas ocupavam vastas áreas da região norte da bacia e foram as primeiras a serem abatidas para processamento pelas serrarias e para instalação das agropecuárias. O documento de subsídio ao zoneamento econômico-ecológico chega a afirmar que “A devastação foi completa e não perdoou nem a vegetação das margens do rio Itapecuru e seus tributários”, que foi “completamente dizimada”, acentuando o assoreamento. Ou ainda “o desmatamento das margens, que já retirou toda a cobertura vegetal do médio e baixo Itapecuru, agora (1998) irradia-se em direção ao Alto Itapecuru e Alpercatas”. A gravidade da situação constatata sugeria que “a suspensão imediata do uso das margens é uma atitude urgente e indispensável à conservação ou mesmo recuperação do Itapecuru” (IBGE, 1998).
De acordo com IBANEZ (apud FEITOSA & ALMEIDA, 2002), os principais danos ambientais da bacia hidrográfica do rio Itapecuru são o desmatamento e o assoreamento, principalmente no médio e baixo curso, resultantes da expansão agropecuária e do extrativismo vegetal e a poluição orgânica industrial. O Alto Itapecuru é a região com menor densidade populacional, entretanto, apresenta as maiores áreas desmatadas, em grande parte devido à cultura da soja. O médio Itapecuru também apresenta grandes áreas descobertas que resultam principalmente da atividade agropastoril e o Baixo Itapecuru recebe grande quantidade de esgotos sanitários devido ao maior adensamento populacional.
De acordo com SILVA E CONCEIÇÃO, 2004, parte considerável de vegetação do cerrado já se encontra bastante comprometida em toda bacia do Itapecuru. Conhecida no Estado como “árvore da providência” por seus usos múltiplos, a economia extrativista em torno do babaçu tem grande importância econômica e social na região. A derrubada da palmeira, hoje, destina-se principalmente à fabricação de carvão para produção de ferro, empregando a árvore inteira (inclusive os côcos, impedindo renovação futura das palmeiras) (SILVA & CONCEIÇÃO, 2011). Em Caxias e Codó, nas duas últimas décadas a produção de carvão passou de 3.800 toneladas/ano para 10.800 toneladas/ano (SILVA et al, 2005). Tal exploração, segundo Silva e Conceição, não tem levado em conta os riscos e os danos associados ao aproveitamento imediatista observado pela atual densidade vegetal na Bacia do Itapecuru e as perdas de espécies vegetais acarretam perdas de recursos animais ou a sua migração, o que já se observa com a escassez de animais às margens do Itapecuru na cidade de Caxias (SILVA & CONCEIÇÃO, 2011). Para estes autores, a pecuária no município também contribui excessivamente para o processo de degradação do ecossistema do Rio Itapecuru por ocupar grandes extensões de terras, tornando-as vulneráveis a erosão.
Além de retratarem o desmatamento intenso de nascentes que antes eram compostas por novo “olhos d’água” (dos quais restam ainda seis em constante ameaça), Silva e Conceição apontam a extração de areia (dragagem) como outro impacto ao retirar a matéria orgânica do leito do rio, fazendo com que a comunidade ictiológica desapareça da área sem consideração dos riscos geomorfológicos que essa atividade econômica causa, além dos esgotos domésticos, hospitalares e industriais e dos resíduos sólidos lançados diretamente no rio, fazendo com que esta carga de resíduos possa superar a capacidade de auto-depuração do rio (SILVA & CONCEIÇÃO, 2011).
No trabalho “A Degradação Ambiental do Rio Itapecuru na Sede do Município de Codó-MA” os autores Feitosa & Almeida (2002) elucidam a importância do rio para a cidade de Codó, inicialmente para o escoamento da produção regional através do transporte fluvial, possibilitando que a cidade assumisse o papel de centro comercial de grande importância regional e, atualmente, seu importante papel na economia regional em razão de sua utilização para abastecimento das cidades e pelos habitantes ribeirinhos para o uso doméstico, transporte, recreação, pesca e agricultura.
Neste trabalho, os autores concluíram que o crescimento do Município de Codó vem contribuindo para o comprometimento da qualidade das águas, as principais causas da degradação estão associadas à ocupação e ao uso do solo urbano pelo homem, desencadeando processos de desmatamento, erosão, assoreamento, disposição inadequada do lixo e lançamento de dejetos diretamente e através de esgotos não tratados (Feitosa & Almeida, 2002).
A urbanização lateral tem sido a principal fonte de poluição do Rio Itapecuru, pois tanto o esgoto “in natura” como o lixo gerado pelas comunidades são lançados diretamente na calha do rio, sem tratamento (SILVA et al, 2005). Gomes et al (apud VERBINNEN, 2014) relataram que na região urbana de Codó não há intervenção sanitária com capacidade de alterar o cenário das margens do rio. Se em 2011, na capital do Maranhão, apenas 17% do esgoto era tratado em estação de tratamento (VERBINNEN, 2014), não é surpresa que nenhuma das outras cidades no curso do rio Itapecuru possua tratamento de seus esgotos. O abastecimento de água e a rede de esgotos destas cidades são de responsabilidade da CAEMA e ou dos próprios Municípios.
Vale et al (2014) no trabalho “RIO ITAPECURU: uma visão geoambiental, em Caxias-MA” expõem que o uso incorreto do solo, a poluição de suas águas e degradação de suas margens ciliares estão deixando o rio cada vez mais assoreado, levando a escassez de peixes e de águas, sendo a última um problema atualmente enfrentado principalmente na ilha de Upaon-Açú (que abriga os Municípios de São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa) e no município de Caxias. As autoras atribuem o surgimento de impactos ambientais ao processo de expansão populacional e os relacionam à carência de conhecimentos acerca das questões ambientais, das dimensões físicas, político-sociais, socioculturais e espaciais por parte da população. Para elas, a “população ribeirinha” é a mais prejudicada por estar vulnerável a doenças e principalmente a enchentes nos períodos de chuvas constantes (VALE et al 2014).
Um outro trabalho que teve como objetivo a caracterização dos impactos ambientais no rio Itapecuru em um trecho da cidade de Caxias-MA foi o de Silva et al, (2005b), que listou, além da extração de arenito para construção civil (atividade que normalmente ocorre nos principais centros urbanos como Colinas, Caxias, Codó, Coroatá, Itapecuru Mirim e Rosário), a extração de argila para cerâmicas e calcário para fabricação de cimento como as maiores promotoras da alteração na configuração do relevo da bacia, constituindo sérios danos e o comprometimento do deslocamento e a velocidade das águas. Em sua área do estudo, Silva et al, (2005b) encontraram sessenta empreendimentos que atualmente fazem lançamentos “in natura” de seus efluentes no rio Itapecuru. Observaram 14 pontos de lançamentos de esgotos, sendo o maior e mais importante para definição de grau de poluição o do córrego “Pouca Vergonha”. Os moradores vizinhos a até 400 metros deste ponto queixam-se do seu odor insuportável que deriva do lixo do mercado de peixe que é liberado através de uma válvula todas as noites no rio. No mesmo trecho constataram a existência de depósitos de lixo a céu aberto, próximos à margem. Além de 13 (treze) vazantes (plantações nas margens), medindo entre 370 m e 570 m cada, de 13 (treze) bombas retirando água diretamente do rio (a maioria para irrigação e 13 (treze) bombas de dragagem de areia lavada para construção civil, além de outras quatro na área urbana. Silva e Conceição (2011) apontam poluição difusa de origem agrícola; eutrofização de lagos, córregos e riachos; desmatamento desordenado e falta de proteção do manancial superficial e subterrâneo.
De modo geral, as “vazantes” são habitualmente encontradas no Médio e Baixo cursos do Itapecuru sendo os primeiros vinte metros das margens utilizados para plantação de culturas de feijão, milho, melancia, maxixe e quiabo. A preparação das terras para esse tipo de plantação envolve não só a remoção da mata ciliar, como seu destino para o leito do rio, o que acaba contribuindo para o entulhamento e assoreamento do canal.
Estudo desenvolvido no período de julho a dezembro de 2010 por Euba Neto et al (2012) das águas do Balneário Veneza, afluente do Rio Itapecuru, constatou, por meio dos parâmetros físicos, químicos e microbiológicos, níveis de fósforo (fosfato e fósforo total) acima dos valores máximos permitidos nas Resoluções do CONAMA, ocasionando baixos níveis de oxigênio dissolvido na água, desencadeando o processo de eutrofização, com desequilíbrio para o metabolismo do ecossistema. Os autores ressaltam que este aspecto se agrava pelos valores de coliformes fecais e totais que se apresentaram muito acima dos valores permitidos. Acreditamos não ser exagero lembrar alguns efeitos da eutrofização: mortalidade em massa de peixes e invertebrados, liberação de gases tóxicos; produção de toxinas por algumas espécies de algas tóxicas; altas concentrações de matéria orgânicas, as quais, se tratadas com cloro, podem produzir substâncias carcinogênicas; e alterações na composição de espécies de peixes. (TUNDISI, 2005). Já em 1998, sugeria-se, em virtude do seu valor histórico e da sua importância para o desenvolvimento do turismo e do lazer, a exigência de medidas imediatas no Balneário Veneza como a implantação de uma Área de Proteção Ambiental – APA, englobando a área original da reserva (IBGE, 1998).
Em 1983, Bacabeira, que até 1994 (quando de sua municipalização) era um povoado pertencente ao município de Rosário, passou a ter grande importância para os habitantes da cidade de São Luís. Naquele ano foi inaugurado o Sitema Produtor de Água denominado Italuís, que teve sua instalação começada no governo de João Castelo (então governador pelo extinto partido ARENA entre 1979 e 1982). Distante cerca de 60 km de São Luís, o Sistema Italuís capta água do rio Itapecuru e a trata em sua estação de tratamento de água (ETA) distante 7,5 km da captação. Garantindo o fornecimento de água potável a grande parte da população de São Luís, 60% em 2005, do total de água disponibilizada ao consumo humano pela Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (CAEMA), concessionária de abastecimento público de água do estado e administradora do Italuis.
No ano de 2005, Silva et al relatam que estava em andamento a obra de ampliação do sistema de bombeamento do Rio Itapecuru que visava a ampliação do abastecimento para São Luís a fim de atender empreendimentos industriais na capital do Maranhão o que teria despertado “na população da ilha a preocupação sobre as condições sanitárias e de vazão desta fonte” (SILVA et al, 2005). Tratava-se do projeto Italuís II. Naquele contexto os autores observaram a percepção ambiental de usuários de seis municípios da bacia hidrográfica do rio Itapecuru (Pirapemas, Cantanhede, Itapecuru-Mirim, Santa Rita, Bacabeira e Rosário) que apresentaram o lixo e o desmatamento como as maiores preocupações, apresentaram ainda a “Companhia de Águas e Esgotos do Maranhão como elemento gerador de conflitos pelo uso da água, já que ela é a maior consumidora de água bruta para fornecer tratada aos consumidores da Ilha (de São Luís).”

CONCLUSÕES

Sobre o projeto Italuís II, Carneiro (2006) registra que caso concluída sua última etapa, a retirada de água no período crítico seria de 30% (sendo que o manancial utilizado – Rio Itapecuru – registrou vazão crítica de 35 m3/s no local de captação), causando enorme desequilíbrio ambiental, visto que aumentaria a produção de água em até 8,45 m3/s, passando para 11 m3/s a retirada total de água do Rio Itapecuru por volta de 2025. Isso traria como consequências, dentre outras, o imediato avanço da cunha salina até o ponto de captação, inviabilizando-o por completo, além de perturbações de na fauna e flora, um desastre somente evitável com a realização de vultosas obras de engenharia para regularização da vazão rio acima, que, se por um lado resolveriam a questão da escassez em São Luís, por outro, criariam problemas.
Ressaltamos que essa obra foi paralisada por determinação do Tribunal de Contas da União – TCU por irregularidades no processo de licitação/contratação em julho de 2000 (Carneiro, 2006) mas seu andamento vem sendo considerado a cada novo governo que se inicia.
Em relação ao abastecimento de água da capital, em 1980, a mesma já não era auto-suficiente, necessitando dos recursos do Rio Itapecuru. Em 1996 eram desperdiçados diariamente 144 milhões de litros de água potável (perdas de 56%) em São Luís, quantidade suficiente para atender até duas vezes a necessidade da cidade,  de acordo com Carneiro (2006). Em 2006, de cada 100 litros de água tratada, produzida e distribuída, a Companhia de Águas e Esgotos do Maranhão – CAEMA conseguia arrecadar apenas o consumo referente a 21 litros, resultando em uma perda de 79% decorrente de desperdícios, uso irracional estimulado pelo baixo índice de medição das ligações prediais que em 2006 era de 20%, além de subfaturamento e vazamentos. Em 2025 esse manancial poderá estar com seu potencial comprometido diante das crescentes necessidades da capital (CARNEIRO, 2006).
Apesar disso, as “Soluções Propostas” pela ANA em 2010 para o abastecimento da capital eram “A ampliação de captação do rio Itapecuru e da estação de tratamento de água, além da duplicação da adutora (Sistema Italuís), que deveria garantir um aumento de produção de água em 2,1m3/s para atendimento de São Luís e os municípios de Bacabeira e São José de Ribamar. Considerando, ainda, a ampliação do abastecimento por poços de Paço do Lumiar e Raposa, com investimentos estimados em R$ 2,6 milhões para atendimento às demandas do ano 2025, o que caminha na contramão da proteção e revitalização necessárias à existência do rio.
Evidenciamos recente estudo (VERBINNEN, 2014) que investigou a atividade estrogênica do rio, que, como visto no início do capítulo, se ultrapassados os limites aceitáveis, configura probabilidade de disrupção endócrina.  Assim, amostras das águas do rio foram coletadas no ponto de captação do sistema que abastece a ilha de São Luís, mais especificamente no município de Bacabeira (Italuís), e o resultado apresentado concluiu (com 95% de confiança) que a água do rio Itapecuru continha substâncias em concentração suficiente para causar alterações endócrinas no sistema sexual reprodutivo de peixes. O que, segundo o autor do estudo, deriva do lançamento “in natura” de esgotos sanitários na bacia hidrográfica do Itapecuru. Sobre isso, relembramos o que afirma Tundisi (2005): o descontrole dos sistemas endócrinos pode ocorrer pela ação de doses muito pequenas (partes por trilhão); a espécie humana pode ser atingida por meio da rede alimentar; e as substâncias podem não ser retiradas nos sistemas de tratamento da água.
Já em 1998, Leonel chamava a atenção para a ocorrência na Amazônia de um modelo que “privilegia a urbanização e a industrialização não planejada, sem as condições mínimas de saneamento básico ou de controle de efluentes, lançados aos cursos d’água sem qualquer tratamento, pondo em risco a saúde, inclusive através do peixe” (LEONEL, 1998, pág. 24). Tal é a atual configuração no Maranhão.
Nesse processo socioterritorial, os ideais civilizadores, modernizadores e do desenvolvimento, sobretudo durante governos ditatoriais,  transformaram-no em destino de escoamento sanitário e hospitalar, recurso para irrigar latifúndios, insumo industrial e manancial para o abastecimento da capital São Luís.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi realizado com os dados obtidos em pesquisa durante o doutorado em Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará – PPGSOC/UFPA, com recursos de bolsa CAPES. Os agradecimentos são dirigidos aos professores/orientadores Maria José Aquino Teisserenc, Horácio Antunes e Denise Machado Cardoso.

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*Doutora em Ciências Sociais - Sociologia pelo programa de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará - PPGCS-UFPA com estágio doutoral na Universidade de Paris, Sorbonne - Paris XIII. Mestre em Ciências Sociais (Sociologia e Antropologia) pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais PPGCSoc- UFMA (2011). Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Gama Filho - RJ (2009). Advogada, graduada em Direito pela Faculdade Santa Terezinha - Cest (2007). É pesquisadora em nível de pós-doutoramento do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM) vinculado ao Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo – IEE – USP. Desenvolve pesquisas sobre Ação Pública e Meio Ambiente, Sociologia da Ação Pública, desenvolvimento na Amazônia brasileira, populações tradicionais, patrimônio cultural, artesanato tradicional, carpintaria naval, trabalho imaterial, Territórios Emergentes, Unidades de Conservação e Direitos Culturais, recursos hídricos e Direito Sanitário, Direito Ambiental e Direito da Energia. Tem como foco de sua pesquisa os usos sociais da natureza; governança de recursos naturais, licenciamento ambiental e estratégias de mitigação de emissão de gases do efeito estufa (GEE).


Publicado: 11/12/2019

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