Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


IMPACTOS DA BUROCRACIA NA GESTÃO ESCOLAR: RACIONALIDADE ADMINISTRATIVA OU LEGITIMAÇÃO DA DOMINAÇÃO DE CLASSE?

Autores e infomación del artículo

Marinez Gasparin Soligo*

Adrian Alvarez Estrada**

UNIOESTE, Brasil

E-mail: adrianalvarez.estrada@gmail.com


RESUMO: Este artigo visa analisar os impactos da burocracia na gestão escolar no Brasil, partindo do debatem em torna de suas origens enquanto forma de racionalidade administrativa ou de legitimação da dominação de classe. Como fundamentação teórico-metodológica utilizou-se estudo de literatura específica, revisão bibliográfica, sobre a organização do modelo burocrático e seu impacto na gestão escolar a partir de autores como Pereira e Motta (1981), Weber (1999), Althusser (1970), Paro (2000), entre outros, buscando perspectivas diferentes, com o intuito compreender as raízes da burocracia na administração escolar.  Os objetivos consistem em compreender a organização burocrática e suas relações com a gestão escolar. Consideramos que os principais resultados do estudo demonstraram que os diversos autores pensam burocracia de maneiras diversas, mais apontam para a convergência no modus operandi, dos processos administrativos, culminando com o reforço instrumental da exploração de classe, típico do capitalismo, utilizando-se dos preceitos da racionalidade administrativa.

PALAVRAS-CHAVE: Gestão Escolar; Política Educacional; Burocracia; Escola; Educação.

RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo analizar los impactos de la burocracia en la gestión escolar en Brasil, a partir del debate sobre sus orígenes como una forma de racionalidad administrativa o legitimación de la dominación de clase. La base teórica y metodológica fue un estudio de literatura específica, revisión de literatura, sobre la organización del modelo burocrático y su impacto en la gestión escolar de autores como Pereira y Motta (1981), Weber (1999), Althusser (1970), Paro (2000), entre otros, busca diferentes perspectivas para comprender las raíces de la burocracia en la administración escolar. Los objetivos son comprender la organización burocrática y sus relaciones con la administración escolar. Consideramos que los principales resultados del estudio mostraron que los diversos autores piensan que la burocracia es diferente, pero señalan la convergencia en el modus operandi de los procesos administrativos, que culmina en el refuerzo instrumental de la explotación de clase, típica del capitalismo, utilizando los preceptos. de racionalidad administrativa.

PALABRAS CLAVE: Gestión Escolar; Política educativa; Burocracia; Escuela; Educación.

ABSTRACT: This article aims to analyze the impacts of bureaucracy on school management in Brazil, starting from the debate about its origins as a form of administrative rationality or legitimation of class domination. The theoretical and methodological basis was a study of specific literature, literature review, about the organization of the bureaucratic model and its impact on school management from authors such as Pereira and Motta (1981), Weber (1999), Althusser (1970), Paro (2000), among others, seeking different perspectives in order to understand the roots of bureaucracy in school administration. The objectives are to understand the bureaucratic organization and its relations with school management. We consider that the main results of the study showed that the various authors think bureaucracy in different ways, but point to the convergence in the modus operandi of administrative processes, culminating in the instrumental reinforcement of class exploitation, typical of capitalism, using the precepts of administrative rationality.

KEYWORDS: School Management; Educational politics; Bureaucracy; School; Education.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Marinez Gasparin Soligo y Adrian Alvarez Estrada (2019): “Impactos da burocracia na gestão escolar: racionalidade administrativa ou legitimação da dominação de classe?”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (diciembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/12/burocracia-gestao-escolar.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1912burocracia-gestao-escolar

Introdução

O modelo burocrático de gestão se desenvolveu no início do século XX, com a pretensão de combater a corrupção e o clientelismo herdados do modelo patrimonialista, tendo sua origem relacionada à institucionalização do Estado moderno Ocidental.
A gestão burocrática se estende por um longo período da história educacional brasileira como o único modelo de gestão possível, e se desdobra em práticas presentes até os dias atuais. Nestes termos, o estudo aqui apresentado, objetiva analisar o modelo de gestão burocrática e seus impactos na gestão da escola pública brasileira, através de revisão bibliográfica.
Como fundamentação teórico-metodológica utilizamos um rol de autores que pode ser considerado eclético, ainda que correndo os riscos deste ecletismo, buscamos atentar para as possibilidades de leituras, comumente consideradas contraditórias, mas que em se tratando da burocracia, enquanto modelo de gestão, comungam de concepções paritárias ou até complementares.
Para tanto, é imprescindível compreender as origens da organização burocrática como forma de organização humana apresentando-se como estratégia de administração e dominação, o que buscamos fazer ao longo do primeiro subitem onde apresentamos, de maneira sucinta, as raízes da racionalidade administrativa da burocracia e suas implicações para o origem da gestão escolar no Brasil. Ao longo dos anos a burocracia caracterizou-se como uma organização e/ou sistema de dominação ou de poder autoritário e hierárquico, baseando-se na racionalidade e no conhecimento administrativo.
Já no segundo subitem, trazemos as discussões em torno do paradoxo da gestão burocrática enquanto modelo eficiente e a materialização da dominação de classe através da legitimação da escola como aparelho ideológico do Estado.

Origens da burocracia: racionalidade administrativa ou dominação de classe?

O desenvolvimento do capitalismo e a complexidade social da modernidade exigem, cada vez mais, das organizações modelos de gestão com potencial de resolução dos problemas. Entretanto, os caminhos da modernidade originam-se em tempos remotos e a partir de modelos mais tradicionais, que ainda desempenham papel central nos modelos de administração atual.
Algumas características burocráticas estão presentes nas sociedades antigas como Egito, Mesopotâmia e China, mas o seu efetivo estudo aparece na área de ciências sociais, com o sociólogo Max Weber, que apresenta a configuração de um Estado centralizador e burocrático no período em que a Alemanha e a Inglaterra se destacam no plano econômico mundial como economia de mercado capitalista (RAMOS, 1981).
Conforme Ramos (1981), a identificação da burocracia weberiana ocorre no final do século dezenove, quando a Alemanha, regido pela burocracia de Bismarck, se revela importante competidora dos mercados mundiais com a Inglaterra, desencadeando o processo do capitalismo industrial.
Nestes termos, a organização burocrática, vai se tornando, aos pouco, o tipo de sistema social predominante nas sociedades modernas, apresentada como uma estratégia de administração racional, pautada na normatização legal e na segurança da papelada.  
Conforme Motta (1994), a burocracia tem como uma de suas principais funções, a reprodução do conjunto de relações sociais determinadas pelo sistema econômico dominante, ou seja, constituem uma categoria histórica inserida na história dos modos de produção.
Neste sentido “a burocracia é sempre um sistema de dominação ou de poder autoritário, hierárquico, que reivindica para si o monopólio da racionalidade e do conhecimento administrativo” (PEREIRA & MOTTA, 1981, p. 9).
O desenvolvimento do capitalismo como sistema econômico hegemônico, ou acirramento dos modelos de exploração do trabalho, acabam por contribuir para a complexificação do sistema social e “quanto mais um sistema social é organizado, mais se aproxima do modelo ideal da organização burocrática. Um sistema social é ou não uma organização na medida em que é burocraticamente organizado”. (PEREIRA & MOTTA, 1981 p. 20)
Conforme Pereira e Motta (1981), a burocracia se difere dos demais sistemas sociais. Em termos históricos, para explicar burocracia estes autores, tal como Max Weber (1999), apresentam três tipos de dominação: o carismático, o tradicional e o racional-legal.
Para Weber (1999), o carismático é um poder sem base racional, pessoal e intransferível. A dominação tradicional se baseia no tradicionalismo e não tem base racional. Já a organização burocrática é aquela que baseia-se em normas legais racionalmente definidas.
De acordo com Pereira e Motta (1981), as organizações são o sistema social característico da sociedade moderna, marcadas pela eficiência.  “As organizações têm um papel essencial na formação da personalidade do homem moderno; por outro, as organizações e sua boa administração são condições do desenvolvimento de qualquer país” (p.16). Outra característica que a organização tem “no mundo moderno reside no fato de que as mesmas são condições para o desenvolvimento econômico, político e social” (p. 17).
Segundo Cruz (2006):

A burocracia surgiu em função de alguns aspectos, como a necessidade de métodos teóricos que possibilitassem uma abordagem global e integrada dos problemas organizacionais – tentativa que Taylor e Fayol exploraram em suas teorias, porém, com enfoques totalmente divergentes e incompletos, que se caracterizam, na maioria das variáveis, como a organização estrutural e do comportamento humano – da tendência de crescimento das organizações, que necessitariam de modelos bem definidos e aplicados a grandes estruturas, e do descobrimento das obras de Weber, que rapidamente foram aplicadas de forma prática, proporcionando as bases para a Teoria da Burocracia (CRUZ, 2006, p. 04).

Esse ideário weberiano destaca a burocracia moderna como uma possibilidade de sucesso para a administração pública através da racionalidade, na qual, a administração burocrática significa a efetivação da dominação por meio do conhecimento racional.
Segundo Chiavenato (2002, p.6), “A burocracia é uma forma de organização humana que se baseia na racionalidade, isto é, na adequação dos meios aos objetivos (fins) pretendidos, a fim de garantir a máxima eficiência possível no alcance desses objetivos.”
Para Weber (1999), o poder está ligado a burocracia, em que essa é exercida de acordo com a condução da administração. Assim, no estado democrático o poder é assumido por um funcionário civil que representa toda a população.
Nas palavras de Pereira e Motta (1981, p. 33), “O administrador burocrático é um homem imparcial e objetivo, que tem como missão cumprir as obrigações de seu cargo e contribuir para a consecução dos objetivos da organização”. Esse homem burocrático não dá lugar para os sentimentos e favoritismo, ele é escolhido pelo seu conhecimento especializado e eficiente, sendo um administrador profissional. Dessa forma, Pereira e Motta consideram que:

O administrador profissional, antes de mais nada, é um especialista. Esta é uma característica fundamental. As burocracias são sistemas sociais geralmente de grandes dimensões, nos quais o uso do conhecimento especializado é essencial para o funcionamento eficiente. São necessários, pois, especialistas, homens especialmente treinados para exercer as diversas funções criadas através do processo de divisão do trabalho, que geralmente devem ter um diploma e/ ou experiência para ocupar o cargo” (PEREIRA& MOTTA, 1981, p. 34).

E Pereira e Motta (1981), complementa:

Procura-se formar indivíduos para uma sociedade de organizações. A lealdade e a responsabilidade, a alta tolerância à frustação, a capacidade de adiar recompensas e o desejo de ascender socialmente são valores que se traduzem não em mero discurso, mas nos jogos e exercícios da própria escola” (PEREIRA & MOTTA, 1981, p.255).

O Brasil, especificamente na década de 1980 com a redemocratização buscou a descentralização do poder. Como nos apresenta Fernandez (1998, p.32), “o processo veio questionando fortemente o poder centralizador do estado, pressionado pela crise econômica, pelas políticas de ajuste implantadas nos anos 80 e por outros fatores derivados da crise estatal”.
Nesse sentido, as instituições de ensino passam a enfrentar esse processo de descentralização da educação buscando novas projetos pedagógicos que dão enfoque para a gestão escolar com um modelo administrativo mais democrático e participativo.

A burocracia enquanto materialização da dominação de classe na gestão escolar

A administração educacional brasileira está diretamente relacionada aos modelos externos de administração pública e gestão da educação. O período conhecido como república Velha que vai de 1889 à 1930 é marcado pela fase organizacional da administração educacional à semelhança do ocorrido na administração pública, conforme modelo de analise descrito por Sander (2007). Esse período foi de muitos movimentos de reforma na administração do Estado e na gestão escolar, sendo que discussões sobre administração escolar e organização burocrática chega na escola com o Estado Novo com o Movimento da Escola Nova influenciado pelas ideias de William James (1909) e John Dewey (1916). Nesse sentido,

A efervescência política e intelectual que marcou o começo do século XX – desde a I Guerra Mundial até a Revolução de 1930, passando pela Grande Depressão no final da década de 1920 – manifestou-se também no setor público e na educação, dando início a numerosos movimentos reformistas na administração do Estado e na gestão da educação (SANDER, 2007, p. 27-28).

Nesse período a organização escolar tem fortes traços da burocratização na perspectiva da racionalidade, pela qual a escola é organizada e regulamentada por normas legais rígidas.
A gestão está dentro desta ordem burocrática de respeito a hierarquia, a autoridade política, de tal forma que o modelo burocrático de gestão ou administração do Estado passa a influenciar diretamente os processos administrativos das escolas no Brasil.
A escola, no Brasil, tem uma organização burocrática e a ideologia está presente nela.  Assim tanto a escola como o sistema escolar são aparelhos ideológicos. Nessa lógica, Motta e Pereira afirmam que:

A prática educacional impõe aos estudantes sistemas de pensamentos diferenciais, predisposições de ações, segundo certo código de normas e valores, que os caracterizam como pertencentes a um determinado grupo ou classe. Mesmo quando a escola é a mesma para dominantes e dominados, ela impõe a cooptação de membros isolados de outras classes através da ideologia (PEREIRA & MOTTA, 1981, p.252).

Dessa maneira, a racionalidade administrativa está presente na escola através da inteligência concretizada em que Weber (1999), destaca a especialização e treinamentos racionais. Assim, “a inteligência concretizada é também uma máquina animada, a da burocracia, com sua especialização no treinamento de aptidões profissionais, sua divisão de competências, seus regulamentos e relações hierárquicas de autoridade” (WEBER, 1999, p. 49).
Essa definição do autor, faz perceber que a gestão escolar está intimamente ligada a burocracia, em que cada um desenvolve o seu trabalho conforme a sua competência, seja por parte de alunos, professores e direção.
A administração no campo da organização do trabalho escolar parte do conceito de administração geral, na qual Paro (2000), faz a conceituação a partir das determinações sociais e econômicas. Dessa maneira, a atividade administrativa permite a organização social com o objetivo de atender as necessidades humanas em que:

[...] é a utilização racional de recursos para a realização de fins determinados. Assim pensada, ela se configura, inicialmente, como uma atividade exclusivamente humana, já que somente o homem é capaz de estabelecer livremente objetivos a serem cumpridos. O animal também realiza atividade, mas não consegue transcender seu estado natural, agindo apenas no âmbito da necessidade (PARO, 2000, p 18-19).

Nesse sentido, Paro (2000), reforça o pensamento de Karl Marx (1988), que a crítica a economia política em “O Capital”, apresenta o trabalho como o diferenciador do homem em comparação aos outros animais, destacando que é este o principal produto humano e o único a produzir valor real, antes de produzir a mercadoria é capaz de projetar, pensar e desenvolver de antemão na sua imaginação:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente. Ele não apenas efetiva uma transformação de forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, [...] MARX,1988, p. 142-143.

Nesse processo a prática administrativa, pensada, planejada, ou como resultado já existente na imaginação do trabalhador, possibilita que o ser humano produza a sua realidade material, mesmo sobre as influências das contradições presente em nossa sociedade. Na qual, a escola, como uma organização social, através da atividade administrativa, atende as necessidades humanas ao mesmo tempo que sofre contradições de grupos que tem interesses sociais, políticos e econômicos variados.
Desse modo, é preciso perceber em que condições ele está presente na escola, pois conforme Paro (2000, p. 123), a gestão configurar-se como um “instrumento que, como tal, pode articular-se tanto com a conservação do status quo quanto com a transformação social, dependendo dos objetivos aos quais ela é posta a servir”.
Por tanto Paro (2000, p. 123), “a atividade administrativa, enquanto utilização racional de recursos para a realização de fins, é condição necessária da vida humana, estando presente em todos os tipos de organização social”.
Então, a escola como uma organização social deve utilizar a atividade administrativa de forma racional que atenda as condições necessárias para a vida humana.
Para Weber (1999), a burocracia é a forma mais eficiente de administração e a mais racional de dominação:

É a forma mais racional de exercício de dominação, porque nela se alcança tecnicamente o máximo de rendimento em virtude de precisão, continuidade, disciplina, rigor e confiabilidade, intensidade e extensibilidade dos serviços, e aplicabilidade formalmente universal a todas espécies de tarefas (WEBER, 1999, p. 145)

Essa dimensão conceitual de Weber concebe a burocracia como uma forma de dominação racional-legal e que a partir da segunda Guerra mundial serviu de inspiração para as organizações administrativas. Esse modelo de gestão burocrática weberiano apresenta algumas características, que conforme Tragtenberg (1980, p.139), há o “predomínio do formalismo, de existência de normas escritas, estrutura hierárquica, divisão horizontal e vertical do trabalho e impessoalidade no recrutamento dos quadros”.
A impessoalidade é uma característica de destaque na teoria weberiana, na medida em que a hierarquização dos cargos permite não considerar as pessoas para que assim, possa desenvolver e aperfeiçoar a eficiência administrativa. Nessa perspectiva Castro (2007) complementa:

 [...] administradores do modelo burocrático devem ser profissionais e, antes de tudo, especialistas: homens especialmente treinados para exercer diversas funções criadas pela divisão do trabalho, os quais geralmente devem ter um diploma e/ou experiência para poder ocupar um cargo (CASTRO, 2007, p. 120).

Nessa situação o administrador burocrático é um especialista treinado para alcançar a eficiência da administração, constituindo assim em um profissional que age de forma impessoal, respeitando a hierarquia.
Na gestão escolar a administração burocrática está presente na divisão das tarefas em que cada um é responsável por determinada função, e obedecem a hierarquia funcional, bem como fazem uso da papelada como forma de organização e garantia da realização dos processos administrativos, ao mesmo tempo que oferecem proteção aos gestores, através da impessoalidade.
De acordo com Pereira e Motta (1981 p. 48), “a burocracia é um sistema social em que a divisão do trabalho é racionalmente realizada”.
Nestes termos, a burocracia corrobora com o pensamento de Althusser (1970), para o qual, é no sistema capitalista que temos a divisão social de classe, e sua origem está na divisão do trabalho que acaba sendo reforçado pela escola:

Na verdade não existe, exceto na ideologia da classe dominante, divisão técnica do trabalho: toda a divisão técnica... do trabalho é a forma e a máscara de uma divisão de classes. Assim, a reprodução das relações de produção só pode ser um empreendimento de classe. Realiza-se através de uma luta de classe que opõe a classe dominante à classe explorada. (ALTHUSSER, 1970, p. 116).

Dessa maneira para Althusser (1970), essa exigência do sistema capitalista faz com que, estas habilidades sejam desenvolvidas em um lugar fora da produção: pelo sistema educacional e outras instâncias, normalmente através do uso da burocracia enquanto sistema de dominação oficial do Estado.
Nessa condição Althusser (1970), ao tratar dos aparelhos de dominação do Estado, apresenta a escola como um dos principais aparelhos ideológicos que contribuem para a dominação de classes no sistema capitalista. O autor apresenta duas teses sobre ideologia: a imaginária e a material. A primeira ideologia é uma relação imaginária

[...]toda a ideologia representa, na sua deformação necessariamente imaginária, não as relações de produção existentes (e as outras relações que delas derivadas) mas sobretudo a relação (imaginária) dos indivíduos com as relações de produção e demais relações daí derivadas. Então, é representado na ideologia não o sistema das relações reais que governam a existência dos homens, mas a relação imaginária desses indivíduos com as relações reais sob as quais eles vivem (ALTHUSSER, 1970, p. 88).

A segunda tese é a ideologia material. Na qual reforça que a ideologia não está só na relação imaginária, mas ela é também material, se efetiva em práticas sociais, que em termos, na escola pode ser identificada na materialidade das práticas de gestão burocrática.
A escola é constituída como um Aparelho ideológico do Estado que está a serviço da classe burguesa que detém o poder do Estado em seu próprio benefício. Ocupando assim, um lugar de destaque no modo de produção capitalista. Nessa perspectiva Freitag (1980), apresenta a ideia de que a escola é responsável pela inculcação da ideologia dominante no processo de divisão social do trabalho, levando os indivíduos a aceitarem naturalmente a sua condição de explorados.

[...] a escola preenche a função básica de reprodução das relações materiais e sociais de produção. Ela assegura que se reproduza a força de trabalho, transmitindo as qualificações e o savoir faire necessários para o mundo do trabalho: e faz com que ao mesmo tempo os indivíduos se sujeitem à estrutura de classes. Para isso lhes inculca, simultaneamente, as formas de justificação, legitimação e disfarce das diferenças e do conflito de classes. Atua, assim, também ao nível e através da ideologia (FREITAG, 1980, p. 33).

A escola é um aparelho ideológico de reprodução da força de trabalho. Conforme Pereira e Motta:

A ideologia não pode ser vista como uma simples forma de engodo dos dominantes pelos dominados. Em princípio, nem mesmo para os dominantes as relações econômicas são totalmente transparentes. A ideologia, enquanto consciência social, cimenta um determinado modo de produção em uma formação concreta. Ela é necessária para dominar e para ser dominado (PEREIRA & MOTTA, 1981, p. 252).

Nesse aspecto a prática escolar é ideológica pois, de acordo com estes autores,

[...] impõe aos estudantes sistemas de pensamento diferenciais, predisposições de ação, segundo certo código de normas e valores, que os caracterizam como pertencentes a um determinado grupo ou classe. Mesmo quando a escola é a mesma para dominantes e dominados, ela impõe a cooptação de membros isolados de outras classes através da ideologia (& PEREIRA & MOTTA, 1981, p.252).

Nesse sentido a organização escolar e a gestão escolar estão seguindo os mesmos mecanismos da divisão do trabalho das empresas através de um rígido controle dos processos de trabalho e respeito à hierarquia, legitimados por um complexo instrumental burocrático, reforçando a dominação.
Para Bourdieu (2007), isso é o sistema simbólico em que os símbolos são instrumentos de integração social e contribui para a reprodução da ordem social através da disseminação de ideologias em que os interesses particulares de um grupo são vistos como o interesse de todo o grupo. Dessa maneira, Bourdieu explica que:

Este efeito ideológico, produz a cultura dominante dissimulando a função de divisão na função de comunicação: a cultura que une (intermediário de comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante (BOURDIEU, 2007, p. 10).

Nas palavras de Pereira e Motta (1981, 256), “A escola é uma organização que tem na inculcação ideológica um papel especial. Ela concorre com a família na formação da base da constituição dos agentes de produção”. De tal forma que a gestão escolar, pautada no modelo de gestão burocrática, reforça os ideais da classe dominante, produzindo ideologicamente as bases para a materialidade da dominação de classe comum ao capitalismo.

Considerações Finais

O modelo burocrático de gestão escolar se desenvolve a partir do modelo de administração do Estado, que conforme foi se complexificando, passou a exigir métodos e modelos de organização que pudessem garantir a ordem nos processos administrativos, ao tempo que fossem capazes de manter o ordem social dominante, ou seja, a exploração capitalista do trabalho humano.
Nestes termos, os autores utilizados neste estudo, ainda que pertencentes a concepções teóricas e metodológicas diferenciados, ou pelo menos, considerados como tais, apresentam a burocracia, em suas definições com diferentes pontos de vistas ou interpretações, entretanto, convergem na direção de que o modelo de gestão burocrática tende a servir à divisão de classes e a exploração capitalista.
Ainda que Marx, não tenha se dedicado ao estudo da burocracia no Estado ou na economia de sua época, sua obra contribui na perspectiva de analisarmos a complexidade do Estado capitalistas e seu papel enquanto instituição criada para garantir a dominação de classe, que por sua vez, exige, na medida que se complexifica, um sistema racional de administração, que pode ser traduzido como burocracia.
Já Althusser, ao tratar da escola como um aparelho ideológico do Estado a serviço da classe burguesa, corrobora com o debate, trazendo para o cenário a escola, reforçando que o Estado está a serviço da classe dominante na medida que se utiliza de seus aparelhos para garantir a dominação. De tal forma que, a gestão escolar burocrática, contribui com o aparelhamento do Estado no papel de legitimar a exploração do capital sobre o trabalhador.
Ao passo que Bourdieu, ao tratar dos sistemas simbólicos, enquanto instrumentos de integração social que contribuem para a reprodução da ordem social, através da disseminação de ideologias, em que os interesses de alguns, são  reproduzidos como se fossem de todos. Nestes termos a gestão burocrática do Estado ou a escolar contribuem no processo de diferenciação das culturas de elite e popular.
Ainda que a discussão destes autores não seja a burocracia, tal como Weber o faz, ao cotejarmos a leitura de suas bibliográficas com autores especialista da área, como Pereira e Motta, Paro e Sander, podemos perceber a convergência em termos do ideário de que a burocracia contribui para a manutenção do status quo do capitalismo enquanto sistema de exploração do trabalhador.

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*Graduada em Pedagogia pela UNIOESTE; Mestre em Educação pela UNIOESTE.E-mail: marinezgasparin@yahoo.com.br
** Doutor em Educação pela USP; Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIOESTE.E-mail: adrianalvarez.estrada@gmail.com


Publicado: 05/12/2019

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