Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


A PERCEPÇÃO DA POBREZA E DA DESIGUALDADE E SEU IMPACTO NO DESENVOLVIMENTO SOCIAL NOS MUNICÍPIOS

Autores e infomación del artículo

Fabiana Zanardi*

Airton Adelar Mueller **

Romualdo Kohler***

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, Brasil

E-mail: fab.zan@hotmail.com


RESUMO
O presente trabalho tem como escopo a reflexão em torno da percepção da pobreza e da desigualdade social e seu impacto no desenvolvimento social nos Municípios Brasileiros. Para responder ao desafio proposto, o caminho metodológico conta com a abordagem qualitativa, com realização de pesquisa bibliográfica e documental, classificando o estudo como pesquisa exploratória. A escolha do tema está relacionada à necessidade de aprofundar estudos voltados à percepção do fenômeno da pobreza e da desigualdade social nos Municípios e as implicações deste processo no desenvolvimento social do país. Desta análise se conclui ser indispensável à construção e ao fortalecimento de políticas sociais que venham ao encontro dos que realmente delas necessitam, no caso as pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza. Neste sentido, o Estado se configura como o grande responsável por impulsionar este processo e concretizar o desenvolvimento social dos grupos mais fragilizados e vulnerabilizados econômica e socialmente.  

PALAVRAS-CHAVE: Pobreza; Desigualdade Social; Desenvolvimento; Municípios.

PERCEPTION OF POVERTY AND INEQUALITY AND ITS IMPACT ON SOCIAL DEVELOPMENT IN MUNICIPALITIES
ABSTRACT
This paper has as scope the reflection around the perception of poverty and social inequality and its impact on the social development in the Brazilian Municipalities. In order to respond to the proposed challenge, the methodological path relies on a qualitative approach, with bibliographical and documentary research, classifying the study as exploratory. The choice of the subject is related to the need to deepen studies on the perception of the phenomenon of poverty and social inequality in the Municipalities and the implications of this process on the social development of the country. From this analysis, we conclude that it is essential to build and strengthen social policies that meet those who really need it, in means, people living in poverty and extreme poverty. In this sense, we argue, the State is the main responsible for promoting this process and concretizing the social development of the most fragile and economically and socially vulnerable groups.
KEY WORDS: Poverty; Social inequality; Development; Counties.

LA PERCEPCIÓN DE LA POBREZA Y LA DESIGUALDAD Y SU IMPACTO EN EL DESARROLLO SOCIAL EN LOS MUNICIPIOS
RESUMEN
El presente trabajo tiene como objetivo la reflexión en torno a la percepción de la pobreza y de la desigualdad social y su impacto en el desarrollo social en los Municipios Brasileños. Para responder al desafío propuesto, el camino metodológico cuenta con el abordaje cualitativo, con realización de investigación bibliográfica y documental, clasificando el estudio como investigación exploratoria. La elección del tema está relacionada a la necesidad de profundizar estudios orientados a la percepción del fenómeno de la pobreza y de la desigualdad social en los Municipios y las implicaciones de este proceso en el desarrollo social del país. De este análisis se concluye que es indispensable para la construcción y el fortalecimiento de políticas sociales que vengan al encuentro de los que realmente las necesitan, en el caso de las personas en situación de pobreza y extrema pobreza. En este sentido, el Estado se configura como el gran responsable por impulsar este proceso y concretar el desarrollo social de los grupos más débiles y vulnerables económicamente y socialmente.
PALABRAS CLAVE: Pobreza; Desigualdad social; el desarrollo; Municipios.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Fabiana Zanardi, Airton Adelar Mueller y Romualdo Kohler (2019): “A percepção da pobreza e da desigualdade e seu impacto no desenvolvimento social nos municípios”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/10/percepcao-pobreza-desigualdade.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1910percepcao-pobreza-desigualdade


INTRODUÇÃO
O Brasil é um país com desigualdades sociais e econômicas que se mostram de diversas formas, sendo a pobreza um fenômeno que faz parte da vida cotidiana de milhões de brasileiros. Neste sentido, pensar em desenvolvimento social, entendido como aumento da qualidade de vida, constitui-se um grande desafio num país no qual tantas pessoas sobrevivem sem possuir o básico para manutenção de suas vidas. Se as privações dos recursos básicos constituem-se como um atraso ao desenvolvimento social, é difícil pensar em um dia alcançá-lo, uma vez que as divergências e o desenvolvimento de uma parte da sociedade remetem a uma situação de precariedade e privações.
Torna-se relevante considerarmos que a pobreza possui raízes históricas fortes, com base na reprodução dos valores sociais. Ou seja, no entendimento preconceituoso de que a pessoa nasce pobre, vive pobre e morrerá pobre, não buscando esforço para sua emancipação social. Esta ideia vem sendo reproduzida pela sociedade capitalista nos dias atuais e também por alguns atores sociais que consideram a pobreza uma opção e não uma consequência. É do conhecimento geral que o Brasil é um país muito desigual, em que o abismo entre a riqueza e a pobreza é muito grande. Um mundo de luxo convive com outro de miséria total, dentro de uma sociedade considerada como uma das de maior concentração de renda do planeta.
Enquanto milhares de brasileiros possuem renda mensal que não ultrapassa um salário mínimo, outra pequena minoria consegue tirar de cem mil a um milhão de reais ou mais por mês, segundo a Receita Federal. Esses últimos são os brasileiros que correspondem a 0,01% da população considerados como milionários do país. Num contexto mais amplo, falar em desenvolvimento social a partir das implicações da pobreza constitui-se uma necessidade e também uma prioridade, principalmente quando 52,1 milhões de brasileiros, ou um quarto da população, viviam nesta condição no ano de 2016 1.
No Brasil, as famílias em situação de pobreza são aquelas com renda mensal de R$ 89,01 até R$ 178,00 per capta e as consideradas em situação de extrema pobreza possuem renda mensal inferior a R$ 89,00 per capta. Estas famílias dependem basicamente de programas sociais para manter suas necessidades básicas, principalmente o Programa Federal de Transferência de Renda Bolsa Família 2. Torna-se mais preocupante ainda pensar que além da pobreza há a extrema pobreza, onde uma pessoa precisa sobreviver e contemplar suas necessidades de alimentação, moradia, saneamento básico com uma renda inferior a R$ 89,00 mensais. Ao impasse de pensar em qualidade de vida em locais onde o mínimo não é proporcionado, fica difícil promover desenvolvimento social em municípios, regiões ou países pensando no fenômeno da pobreza como algo separado da sociedade em que todos vivem.
Outro fator de relevância a ser destacado se refere aos desafios dos Municípios Brasileiros em cumprir com as atribuições que lhes são conferidas pelo Pacto Federativo, onde a maior parcela dos recursos financeiros permanece na União e a menor nos Municípios, estes últimos responsáveis por implementar as políticas de combate à pobreza à nível local. Trata-se de uma distribuição inversa de recursos, onde o Município considerado maior responsável fica com o menor recurso e a União que detém as menores responsabilidades permanece com a maior parte dos recursos financeiros. 
A partir dessas considerações, o presente trabalho busca refletir sobre as implicações da pobreza e da desigualdade no desenvolvimento social nos Municípios Brasileiros. Para tanto parte de uma reflexão histórica da pobreza e da desigualdade social no país considerando os estudos existentes nesta linha. Em seguida o texto apresenta o papel do Estado no combate à pobreza e à desigualdade social, destacando as principais políticas existentes e as dificuldades dos Municípios na concretização do Pacto Federativo. Além disso, apresenta algumas percepções da sociedade sobre a pobreza. Por fim, realiza uma reflexão sobre o fenômeno da pobreza e da desigualdade social buscando compreender os efeitos deste processo na efetivação das políticas públicas de inclusão social e de promoção do desenvolvimento.

2 MÉTODOS E TÉCNICAS UTILIZADOS

            O presente estudo foi desenvolvido com base em pesquisa bibliográfica e documental com caráter exploratório. Para Pádua (2004), a pesquisa bibliográfica é fundamentada nos conhecimentos de biblioteconomia, documentação e bibliografia; sua finalidade é colocar o pesquisador em contato com o que já se produziu a respeito do estudo. A “pesquisa documental recorre a fontes mais diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico, tais como: tabelas estatísticas, jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais, [...], relatórios de empresas...” 3.           
O método de análise utilizado foi a abordagem qualitativa dos resultados, em que a construção da realidade por meio das ciências sociais ocorre em um nível que não pode ser quantificado, pois trabalha um universo de crenças, valores, significados difíceis de ser reduzidos a operacionalização de variáveis 4.

3          O DEBATE ENTRE POBREZA, DESIGUALDADE SOCIAL E DESENVOLVIMENTO
            Com a finalidade de melhor compreender a realidade social do país onde as desigualdades sociais e econômicas se mostram de diversas formas, destacando-se a pobreza cada vez mais presente na vida do povo brasileiro, propôs-se o presente estudo. Primeiramente realiza-se um resgate dos aspectos histórico-sociais da pobreza e da desigualdade social. Em seguida destacam-se as concepções das políticas sociais no Brasil dialogando-se sobre o papel do Estado na efetivação das mesmas e sobre as dificuldades dos Municípios frente ao Pacto Federativo. Posteriormente realiza-se uma reflexão sobre a percepção da pobreza por parte da sociedade e, por fim, são sintetizadas as principais considerações sobre o impacto e reflexos da pobreza e da desigualdade no desenvolvimento social nos Municípios Brasileiros.

3.1       Aspectos Histórico-Sociais da pobreza e da desigualdade social
Ao longo dos últimos anos têm se ampliado no Brasil importantes estudos sobre desigualdade social e pobreza buscando efetivar políticas públicas capazes de combater ou minimizar seus efeitos. A discussão acerca da amplitude destes conceitos passou a ser debatida nas produções acadêmicas, num contexto em que diversas visões teórico-conceituais sobre tais fenômenos sociais disputam espaço explicativo. Além disso, o combate à pobreza e à desigualdade social se tornou um dos mais relevantes temas de agenda do Estado brasileiro, visto que as alternativas de combate à pobreza e de promoção do desenvolvimento social bem como a implementação efetiva de políticas públicas nesta área assumiram lugar de destaque, sem precedentes históricos reconhecíveis, na agenda política e de políticas públicas do país.
Existe hoje uma literatura vastíssima com uma base absolutamente empírica, na qual a questão social é a pobreza, que aparece caracteristicamente diversificada em amplos relatórios com mapas, índices, gráficos e indicadores diversos e complexos que colocam em dúvida o tipo possível de resposta a ser construída sobre o enfrentamento da pobreza e da desigualdade social 5.
O Brasil é um país que em função de seu histórico de colonização, desenvolvimento tardio e dependência econômica, além dos problemas internos antigos e recentes, possui uma grande quantidade de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Atualmente é considerado um país em desenvolvimento, porém, com elevados patamares de desigualdade social.
A pobreza se traduz em um tema multidimensional bastante difundido no meio acadêmico, porém, é necessário entender a multidimensionalidade deste conceito para compreender a dinâmica interligada nas estratégias de desenvolvimento social. A análise da pobreza seria o estudo da pessoa que vive nesta condição, o “pobre”, que de forma direta, carrega sobre si o peso dos processos de desigualdade e exclusão, desde a privação de recursos básicos até mesmo a processos que os remetem a situações preconceituosas e estigmatizantes. Contudo, o pobre não é somente privado economicamente, pois sofre também outras limitações que perpassam o conceito habitual do termo e remetem a diferentes reflexões da palavra pobreza 6.
A análise do conceito de pobreza multidimensional, introduz parâmetros fundados nos princípios da justiça social juntamente com a criação de um novo conceito de bem-estar, considerando a pobreza um fenômeno não mais restrito a meios e recursos que os indivíduos possuem, mas que abrange sua liberdade de escolha em relação à sua proposição de vida7 .
A percepção dominante considera a pobreza como sendo a privação do bem-estar pela ausência de elementos fundamentais que possibilitem aos indivíduos usufruir de uma vida digna. A questão da localização espacial da pobreza é um dos aspectos a serem considerados quando se estuda o tema, pois conhecer e entender as relações que as múltiplas dimensões da pobreza possuem no espaço é de extrema importância para, entre outros motivos, subsidiar o planejamento de políticas e ações necessárias para superá-la 8 Nesta perspectiva da percepção multidimensional da pobreza, considera-se relevante compreender algumas vertentes teóricas e o pensamento de alguns autores clássicos e contemporâneos que contribuíram fortemente na compreensão das relações sociais e da pobreza e continuam influenciando nas tradições presentes na sociedade atual. 
Foi realizado por estudioso um levantamento sobre algumas vertentes sociológicas acerca da pobreza. Segundo ele, existem quatro formas básicas de entender a pobreza: a visão liberal, a visão estrutural marxista, a visão do capital social e a visão da desafiliação 9.
A visão liberal coloca o pobre como marginal, atribuindo sua condição como responsabilidade individual, ou seja, a sua pouca força de vontade em progredir. Tal perspectiva enxerga o pobre como o único responsável pelo seu fracasso eximindo a responsabilidade do Estado em intervir na realidade da humanidade10 . Em suma, os pobres marginalizados não estão integrados nas relações sociais de trabalho, família, amigos, pois são e se consideram indignos, inúteis para a sociedade11 .
A visão estrutural marxista enxerga o pobre como explorado, comparando a história da humanidade à história de luta de classes, onde as questões relativas à pobreza seriam resolvidas apenas com a classe do proletariado e a burguesia se confrontando pelo fim da pobreza e da desigualdade social. No capitalismo o crescimento da riqueza produz opostamente, o crescimento do pauperismo, o qual atribuiu o nome de “lei geral absoluta da acumulação capitalista”12 .
Na visão do capital social, o pobre é percebido como dependente, sem autonomia, desprovido de capital social. O capital social é entendido como “o grau de confiança existente entre os atores sociais de uma sociedade, as normas de comportamento cívico praticadas e o nível de associatividade que a caracteriza”13. Nesta visão se busca o fortalecimento dos vínculos sociais dos grupos por meio de medidas que possibilitem convivência e cooperação estabelecidas em relações de confiança, correlacionando o fortalecimento do capital social e as melhorias das condições sociais dos grupos e comunidades14 .
A quarta visão está relacionada à desafiliação, em que o pobre é considerado um indivíduo isolado, desvalorizado e desqualificado socialmente. Este processo refere à expulsão do pobre do mercado de trabalho e à suas experiências vividas.
A pobreza e o conceito de exclusão se caracterizam num conjunto de relações sociais que ocasionam aos pobres estatutos societários inferiores e desafiliados15 .
Nesta perspectiva do olhar sociológico sobre a pobreza apresentado nestas quatro dimensões, argumenta que o pobre pode ser marginal, explorado, dependente e desafiliado. O problema é a leitura separada que reduz o pobre a uma única dimensão, não contemplando a totalidade na interpretação de sua condição 16.
Em tempos de globalização dos sistemas econômicos, a pobreza é uma categoria que abrange muito mais pessoas do que aquelas usualmente classificadas como pobres, atendendo unicamente à sua localização numa estrutura social de distribuição de rendimentos. A incapacidade de sustentar as suas necessidades básicas devido ao baixo rendimento, ampliam a falta de condições para viver uma vida mais longa, aliado a fatores como o não acesso à educação e saúde de qualidades, a dificuldade em escapar a uma situação de sub ou desnutrição crônica, o não acesso à água potável, energia eléctrica, a condições de habitabilidade dignas e meio ambiente saudável, o não acesso à cultura e ao lazer, resultam em desvantagens quase inultrapassáveis para competir no mercado de trabalho. Trata-se da reprodução de um círculo vicioso da pobreza: sem trabalho nem rendimento, não existem condições dignas para acesso à educação e à saúde, mães sub ou malnutridas e pouco escolarizadas ou analfabetas colocam no mundo mais filhos com desvantagens à nascença, que irão confrontar-se com os mesmos problemas, muitas vezes agravados, que os seus progenitores enfrentam e que não terão condições de alterá-los a seu favor 17.
Uma reflexão acerca das classes populares no Brasil Contemporâneo afirmando que não existe questão mais importante para a compreensão adequada de todas as ordens sociais do que o pertencimento de classe, o qual esclarece a questão do acesso positiva ou negativamente privilegiado. A sociedade moderna se reconhece na medida em que aparece como justa e igualitária, justificando uma desigualdade efetiva entre as classes que formam o núcleo da aprovação social e política, permitindo que a sociedade moderna possa ser aceita como justa também pelos injustiçados e humilhados por ela 18.
A problemática da pobreza não possui uma causa única, pois resulta da condição do progresso das sociedades humanas. Conforme o autor, na medida em que os homens superam a condição da luta pela sobrevivência e se fixam a terra, passam a acumular o supérfluo que lhes permite satisfazer outras necessidades menos imediatas. Para o pensador francês não há dúvida de que a desigualdade se constitui numa situação normal para o gênero humano na evolução da humanidade. A desigualdade existe porque os homens não são todos iguais e possuem desigualdade de condições: a riqueza, o poder de alguns, a pobreza da maioria, a ignorância e a debilidade de muitos19 .
Defendem a ideia de que todas as pessoas possuem igual inteligência, podendo ser intelectualmente emancipados. Portanto, tem-se a noção de uma emancipação social, onde todos compreenderiam que não existe desigualdade de inteligências. Ao ter esta consciência, os indivíduos compreenderiam que a instrução não seria o único caminho para se alcançar a autonomia e, consequentemente, a ascensão social tão defendida pelos princípios burgueses20 .
Neste sentido, para o autor seria ficção acreditar na realidade da desigualdade e na ideia de que os ditos superiores da sociedade são efetivamente superiores pelo fato de terem tido a oportunidade de estudar mais tendo auxílio de bons professores, embora, tal superioridade de inteligência tenha sido firmada para estabelecer padrões, valores e normas para uma sociedade. Ao hierarquizar, a sociedade institui o sentido de desigualdade. Essa hierarquia é reforçada pelos próprios ditos inferiores ao renunciarem ao seu próprio potencial de aprender, questionar esses mesmos padrões, valores e normas vigentes, em detrimento da sua permanência na impotência de pensar. Ao invés de se acovardar, ao renunciar sua própria potência é necessário que os indivíduos se emancipem e se conscientizem de seu poder intelectual21 .
Buscam mostrar como se dá concretamente a politização do aparato administrativo na sociedade brasileira, o que chamou de “estamento burocrático”. Burocrático porque monopoliza as técnicas da administração da coisa pública, estamento porque consiste em grupo social particular, com suas regras próprias de recrutamento, seus dispositivos específicos de exclusão, sua peculiar concepção de mundo. Nessas circunstâncias, o exercício cru do poder se combina com o particularismo de uma camada social, com o consequente enrijecimento do Estado e a asfixia da sociedade. Isso porque “[...] a elite política do patrimonialismo é o estamento, estrato social com efetivo comando político”22 .
Nesta mesma linha de pensamento Weber define dois importantes conceitos de poder e de dominação, sendo o primeiro definido simplesmente como a imposição da vontade de um ator sobre o outro, mesmo contra a resistência deste, o que pode ser exemplificado na relação do Estado com os indivíduos. O segundo conceito é caracterizado como a superioridade de um senhor que possui teoricamente a obediência de seus subordinados. Assim, a diferença entre poder e dominação está em que no poder o comando não é necessariamente legítimo, nem a obediência forçosamente um dever, enquanto que a dominação se fundamenta no reconhecimento, por aqueles que obedecem, das ordens que lhes são dadas. Para passar do poder e da dominação para a realidade política acrescenta-se a ideia de agrupamento político, sendo o Estado a instância que dispõe do monopólio da coerção física23 .
Ocorre um desmedido emprego de adjetivos fortes em textos que abordam a situação socioeconômica brasileira, em que a desigualdade econômica se mostra em elevados níveis, com diferenças altíssimas na distribuição de renda, contrastes assombrosos entre riqueza e pobreza e outras formulações igualmente expressivas habitualmente empregadas para dar conta de desigualdades que, além de estarem sendo reproduzidas há séculos, se multiplicam em dimensões incomuns. Neste aspecto, as desigualdades são percebidas num primeiro nível, superficial com carências alimentares de um lado, expressivos desperdícios por parte de privilegiados de outro; mansões de altíssimo luxo a poucos metros de favelas miseráveis; milionários e seus animais de estimação dispondo de atendimento e recursos médicos avançados, enquanto milhões de indivíduos carecem de remédios e de cuidados básicos de saúde 24.
Assim, o conhecimento sobre o efetivo abismo social entre as classes, sobre a real distância entre ricos e pobres e sobre as origens de parte do patrimônio dos mais ricos revela-se como um dos maiores desafios para as ciências sociais brasileiras25 .
Depois de ter discorrido sobre os aspectos histórico-sociais da pobreza e da desigualdade social entende-se da importância de compreender o papel do Estado no enfrentamento desta problemática cada vez mais presente nos municípios brasileiros.

3.2       O papel do Estado no combate à pobreza e à desigualdade social
Durante muito tempo os pobres não dispunham de políticas públicas relevantes que tivessem a missão de lhes aliviar ou redimir da condição de pobreza. Diante disso, não possuíam condições de competir por acesso às demais políticas públicas de caráter universal oferecidas à população em geral. Em todos os casos de expansão dos sistemas de provisão de serviços públicos ocorridos no Brasil, os pobres sempre ocuparam o último lugar da fila. No entanto, este processo de dupla exclusão, em que não existem políticas específicas de combate à pobreza, ao mesmo tempo em que os pobres acessam apenas perifericamente os demais serviços públicos, ou simplesmente não acessam, vem tomando contornos bastante distintos nos últimos anos.
As políticas de proteção social estatal vêm sendo executadas no Brasil desde a década de 30 do século passado, no governo Getúlio Vargas, porém, este processo ocorreu de forma descontínua, fragmentada e pontual. Até a década de 80, o Brasil não havia instituído um modelo de Estado de Bem-Estar Social, mesmo com altas taxas de crescimento econômico em grande parte dos anos 70. A articulação e participação da sociedade civil nos anos 80 viabilizou a conquista de direitos sociais básicos, consolidados na Constituição Cidadã de 198826 .
O processo de descentralização político administrativa, posto em prática a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 modificou o cenário de implementação das políticas públicas no Brasil, com a transferência de várias responsabilidades do Governo Federal e Estadual aos Governos Municipais, bem como uma autonomia para os Municípios em várias áreas. Esses cenários de autonomia e descentralização administrativa estabeleceram novas responsabilidades aos municípios, bem como a necessidade de uma nova atitude dos governantes diante das demandas locais, sendo estas políticas ou sociais27 .
O movimento de descentralização político-administrativa é visto como algo positivo, porém pouco refletido em seus aspectos, pois transferir parte das despesas e responsabilidades da União para Estados e Municípios sem a descentralização da receita fiscal disponível mostra parte dos desafios que a gestão municipal destas áreas enfrenta. A autora entende que foi uma conquista fragmentada, bem vista à priori, porém, sem pensar nas consequências deste processo à nível local, no caso os Municípios28 .
O Pacto Federativo Brasileiro, estabelecido na Constituição de 1988, é o conjunto de regras constitucionais que determina as obrigações financeiras, as leis, a arrecadação de recurso e os campos de atuação dos entes federados. Trata-se de um federalismo cooperativo que define um conjunto de competências compartilhadas entre a União, os Estados Federados e os Municípios. Trata-se de responsabilidades conjuntas das três esferas de poder em setores de intervenção como a elaboração e gestão das principais políticas sociais 29.
O sistema político brasileiro é formado por Estados, Distrito Federal e Municípios que possuem sua própria organização goveridntal local, mas ligados a uma estrutura superior, no caso a União, para formar a federação. No Brasil a questão da autonomia é questionada, pois há uma relação de independência dos Municípios ao mesmo tempo em que são também dependentes da União. Isto reflete afirmar os Estados, Distrito Federal e Municípios possuem autonomia política, por exemplo, mas são dependentes da União na questão fiscal. Com a Constituição Federal de 1988, promoveu-se mais uma fase de descentralização política no país, com a criação de novos municípios, com a proposta de gerar uma “autonomia” política local e promover o desenvolvimento. A maioria dos novos municípios ainda não conseguiu estabelecer sua autonomia política e fiscal30 .
Atualmente o Brasil possui 5.568 municípios, os quais dependem basicamente do Fundo de Participação Municipal (FPM), pois não possuem outras formas de arrecadação financeira. O Fundo de Participação dos Municípios é uma transferência constitucional (CF, Art. 159, I, b), da União para os Estados e o Distrito Federal, composto de 22,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A distribuição dos recursos aos Municípios é feita de acordo com o número de habitantes, onde são fixadas faixas populacionais, cabendo a cada uma delas um coeficiente individual 31.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 representou um grande progresso em termos de cidadania no país, pois passa a conceber a proteção social do Estado para com os desprotegidos socialmente. Materializou-se assim, um conjunto articulado de políticas sociais interdependentes contra os riscos de perda ou esgotamento parcial ou total, temporário ou definitivo da força de trabalho ou das condições de exercê-las por velhice, doença, acidente ou existência de condições sociais adversas conjunturais ou sociais32 .
Neste sentido, o conceito de seguridade ampliava o conceito de previdência enquanto seguro individual, atribuindo uma dimensão coletiva na cobertura dos riscos, considerados de natureza social ou estrutural. Portanto, o objetivo máximo desta política social não era o combate à pobreza, mas a construção de uma sociedade mais justa no que se refere à distribuição do conjunto das riquezas produzidas socialmente, com uma dimensão preventiva, onde a pobreza deixaria de ser uma ameaça33 .
Nos anos 90 configuram uma evolução na trajetória e execução da política social estratégica no combate a pobreza, figurando como prioridade nos relatórios e documentos dos organismos multilateriais, podendo ser percebido como fator característico central nas proteções sociais das periferias do Brasil e também da América latina. Nesse sentido, no Brasil passam a ser instituídos programas de transferência de renda mínima executados por municípios, estados e governo federal, culminando no ano de 2003 na criação do Programa Bolsa Família, unificando os programas dispersos nos três níveis goveridntais 34.
O Programa Bolsa Família (PBF) é considerado grande avanço na consolidação de programa de renda mínima na atualidade, pois transfere renda direta a famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza exigindo condicionalidades. Seu impacto nos municípios, principalmente de pequeno porte, interioranos e essencialmente rurais é muito significativo, sendo que os recursos originados do PBF, somados aos benefícios de aposentadorias e Benefícios de Prestação Continuada (BPC) converteram as transferências do Governo Federal numa das principais fontes de recursos para a economia dos municípios e principalmente no combate à pobreza 35.
No entanto, é válido ressaltar que, apesar dos problemas históricos, o Brasil avançou nas últimas décadas na área de combate à pobreza, pois segundo um relatório divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por meio do Relatório do Observatório do Terceiro Setor o número de pessoas que abandonaram a pobreza no Brasil em 2012 ultrapassou os 3,5 milhões. Outro fator de destaque foi o relatório apresentado pela Assembleia das Nações Unidas em 2013 que colocou o Brasil como o 13º país que mais investe no combate à pobreza no mundo, em um ranking composto por 126 países em desenvolvimento. Assim, o país investe mais do que todos os demais membros do BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul), mas ainda está atrás de nações como Argentina e Venezuela 36.
Segundo o Relatório de Atividades 2013-2017 do WWP (2018), o Brasil apresentou um longo processo histórico na implantação das políticas de bem-estar social, porém, a continuidade do enfrentamento a pobreza nas últimas décadas, inspirou vários outros países em desenvolvimento e com contextos institucionais, políticos e culturais semelhantes. Em 10 anos, a parcela de pessoas pobres no país caiu de 39,4 por cento em 2003 para 17,0 por cento em 2013. A redução da pobreza chamou atenção para os programas de proteção social do Brasil, que evoluíram em termos orçamentários, teóricos e técnicos, com um papel chave desempenhado pela entrega de programas sociais, assim como o controle social, ainda que lentamente ganhou mais espaço na participação e deliberação das ações de enfrentamento a pobreza. 
Ocorre, porém, que nos últimos dois anos esta realidade vem modificando-se como mostra a pesquisa da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE (2018), onde em apenas um ano, o Brasil passou a ter quase 2 milhões de pessoas a mais vivendo em situação de pobreza. A pobreza extrema também cresceu em patamar semelhante. De acordo com a pesquisa, em 2016 havia no país 52,8 milhões de pessoas em situação de pobreza no país. Este contingente aumentou para 54,8 milhões em 2017, um crescimento de quase 4%, e representa 26,5% da população total do país, estimada em 207 milhões naquele ano (em 2016, eram 25,7%).
Com relação à população na condição de pobreza extrema aumentou em 13%, saltando de 13,5 milhões para 15,3 milhões no mesmo período. Do total de brasileiros, 7,4% estavam abaixo da linha de extrema pobreza em 2017. Em 2016, quando a população era estimada em cerca de 205,3 milhões, esse percentual era de 6,6%. Segundo o IBGE, é considerada em situação de extrema pobreza quem dispõe de menos de US$ 1,90 por dia, o que equivale a aproximadamente R$ 140 por mês. Já a linha de pobreza é de rendimento inferior a US$ 5,5 por dia, o que corresponde a cerca de R$ 406 por mês. Essas linhas foram definidas pelo Banco Mundial para acompanhar a pobreza global 37.
A mesma pesquisa mostrou ainda o quão desigual permanece a distribuição de renda no Brasil. Na média nacional, os 10% mais ricos chegam a receber 17,6 vezes mais que os mais pobres. Enquanto o rendimento médio mensal dos mais ricos em 2017 foi de R$ 6.629, para os mais pobres foi de R$ 376. Grupo dos 10% mais ricos concentram 43,1% da renda do país 38.
É válido considerar que a pobreza não é uma condição exclusiva de uma região ou outra, como se costuma pensar. Praticamente todos os municípios brasileiros principalmente as periferias dos grandes centros metropolitanos e regiões interioranas contam com pessoas abaixo da linha da pobreza e que dependem basicamente do Poder Público Municipal para suprir suas necessidades prioritárias.
Ao analisar o quadro social brasileiro aponta significativa persistência da pobreza e da desigualdade social, com diminuição nesses índices, nas últimas décadas, porém, questiona o fato de que as políticas sociais estão dando conta apenas de administrar e controlar e não de resolver o problema da pobreza, extrema pobreza e desigualdade social. O desafio é a manutenção de níveis significativos e sustentáveis de crescimento econômico, partindo pelo desenvolvimento de serviços de infraestrutura básica com oferta de serviços básicos de modo ampliado e democrático para toda a população dos municípios brasileiros, a qual demanda por acesso e qualidade. Quanto aos gastos sociais, mesmo se ampliando, precisam chegar melhor aos mais necessitados, e as políticas sociais necessitam de maior articulação entre si e com a política macroeconômica de geração de emprego e de distribuição da renda socialmente produzida39 .
Não é possível incluir socialmente sem planejamento e avaliação das políticas sociais, assim como não é possível reduzir a pobreza e a desigualdade social que acontece nos Municípios sem o devido apoio financeiro da União, pois o papel do Estado para com seus pobres vai muito além da mera transferência de renda, efetivada mediante o Programa Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada. Há necessidade de cumprir o que a legislação preconiza integrando as políticas sociais, articulando, planejando e incluindo socialmente os que dela necessitam e principalmente, dispondo de recursos financeiros suficientes para concretizar tais ações.

3.3 A percepção da pobreza e da desigualdade social pela sociedade
No Brasil os temas pobreza e desigualdade social se constituem em objetos de estudo de vasta produção científica, seja nas ciências sociais como nas ciências econômicas. Ocorre, portanto que os estudos disponíveis apresentam certas insuficiências teóricas com existência de preconceitos e dificuldades materiais que bloqueiam o avanço do conhecimento sobre as questões ardentes da sociabilidade brasileira, sobre os elementos estruturantes que definem as percepções sobre a desigualdade, sobre a legitimidade das situações de poder e sobre as correlações de força que configuram as lutas sociais 40.
Destaca que o Estado, as leis, governos e governantes foram criados especialmente para justificar a riqueza, e consequentemente, proteger os ricos e poderosos. Neste sentido, torna-se perceptível, que o Estado nasceu a partir de um cenário de desigualdade e com a finalidade de justificar a riqueza e o poder. Para o autor, o estado surge para proteger os ricos e poderosos. É perceptível, neste sentido, que o Estado nasceu a partir de um cenário de desigualdade e com a finalidade de justificar a riqueza e o poder, onde ao invés de beneficiar os menos favorecidos, ele serve para proteger os ricos, progredindo na desigualdade entre os poderosos e os fracos. Logo aparecem as leis e os magistrados. Nesse aspecto, a sociedade precisa de uma organização através de poderes, isto é, de governos, mas a existência de governos e de leis só fortalece mais ainda os poderosos e, consequentemente, contribui para o aumento das desigualdades41 .
O conceito de violência simbólica, criado com o objetivo de elucidar as relações de dominação que não pressupõe a coerção física ocorrida entre as pessoas e entre os grupos presentes no mundo social, o eminente sociólogo francês cunha esta noção, a qual corresponde a um tipo de violência que é exercida em parte com o consentimento de quem a sofre. Para ele, a raiz da violência simbólica estaria deste modo presente nos símbolos e signos culturais, especialmente no reconhecimento tácito da autoridade exercida por certas pessoas e grupos de pessoas. Deste modo, a violência simbólica nem é percebida como violência, mas sim como uma espécie de interdição desenvolvida com base em um respeito que "naturalmente" se exerce de um para outro42 .
Um dos principais problemas do Brasil é que a sociedade brasileira ainda reflete o efeito da escravidão, naturalizando a miséria e o sofrimento alheio. Todas as sociedades já foram um dia escravocratas, apenas a Europa, no Ocidente, quebrou com a herança escravista do mundo antigo. Isso significa que embora a pessoa seja socialmente inferior a outra, ela não será tratada como uma coisa, mas como um ser humano. E com as lutas sociais por igualdade, são produzidos processos coletivos de aprendizado na qual a dor e o sofrimento do outro podem ser revividos em cada um. A sociedade brasileira, por outro lado, manteve essa sub-humanidade 43.
As pessoas não se importam com a dor e com o sofrimento dos pobres, as evidências empíricas são claríssimas e inegáveis. A polícia mata os pobres indiscriminadamente – e faz para que a classe média e a elite aplaudam. Percebe-se que os pobres são rejeitados pela sociedade. Isso veio da escravidão, em que havia uma distinção muito clara entre quem é gente e quem não é. Por isso, a sociedade não se importa com o tipo de escola e de hospital que essa classe vai ter, por exemplo, o que é uma enorme burrice porque está criando inimigos, ressentimento 44.
A capacidade de empatia decresce significativamente à medida que nos diferenciamos socialmente do outro. Isso explica, embora não justifique moralmente, por que as tragédias e que abalam a classe média repercutem muito mais na mídia que aquelas que vitimam as classes baixas. Há baixa capacidade de empatia entre setores muito díspares da sociedade. Conforme a autora, não há como não questionar sobre os fundamentos da solidariedade social em sociedades que exibem níveis de desigualdades tão acentuados como a brasileira. Existe a necessidade de reflexão e respostas sobre o que torna possível a sociedade, principalmente nos países em que as experiências de vida de diferentes setores da população são tão discrepantes e imensuráveis45 .
As desigualdades entre ricos e pobres se intensificam quando o homem começa ser escravo de si mesmo e dos objetos. A ânsia de ter sempre mais torna os homens mais gananciosos. Uns cultivam melhor do que os outros e por isso ficam mais ricos. Logo, os ricos exploram os pobres, e estes se submetem, por necessidade, aos ricos 46. Assim se forma o cenário de escravidão:
“Por outro lado, o homem, de livre e independente que antes era, devido a uma multidão de novas necessidades passou a estar sujeito, por assim dizer, a toda natureza e, sobretudo, a seus semelhantes dos quais num certo sentido se torna escravo, mesmo quando se torna senhor: rico tem necessidade de seus serviços; pobre, precisa de seu socorro, e a mediocridade não o coloca em situação de viver sem eles”47 .
A capacidade de empatia decresce significativamente à medida que nos diferenciamos socialmente do outro. Isso explica, embora não justifique moralmente, por que as tragédias que abalam a classe média repercutem muito mais na mídia que aquelas que vitimam as classes baixas. Há baixa capacidade de empatia entre setores muito díspares da sociedade 48.
O progresso da civilização leva também a que a sociedade busque aliviar a necessidade dos que se sentem carentes, porém, numa sociedade menos evoluída ninguém se importa em satisfazer tais carências. Num país onde a maioria está mal vestida, mal alojada, mal alimentada, poucos pensam em dar ao pobre uma roupa limpa, um alimento fresco, uma moradia digna. O autor define a pobreza da Inglaterra da seguinte forma: “a pobreza, essa praga horrenda e imensa, que contaminou um corpo cheio de força e de saúde’’ 49        

CONSIDERAÇÕES

            O desenvolvimento social de um município, região, estado ou país deve estar pautado no aumento da qualidade de vida das pessoas, as quais devem possuir o mínimo para sua sobrevivência com qualidade e dignidade, sendo que as privações destes recursos constituem-se sinônimo de atraso ao desenvolvimento social. Neste sentido, é valido considerar a pobreza enquanto privação de liberdades das pessoas e isto reflete diretamente no progresso de um município, região ou país.
É válido considerar os estudos brasileiros sobre desigualdade social e pobreza no sentido de auxiliar na consolidação de políticas públicas capazes de combater ou minimizar os efeitos do processo de exclusão social. As produções acadêmicas destes fenômenos sociais são temas de discussão, principalmente no atual contexto político e econômico vivenciado no país, constituindo-se como alternativas de combate à pobreza e de promoção do desenvolvimento social.
Nessas perspectivas, ao analisar os aspectos histórico-sociais da pobreza percebe-se que o conceito de pobreza vai muito além da mera ausência de renda, pois se trata de algo multidimensional, caracterizado por uma cultura imposta pela sociedade que está moldada a reproduzir valores, crenças e preconceitos herdados historicamente.
No caso do Brasil, país capitalista onde as pessoas estão preocupadas em acumular capital e bens a qualquer custo, deixando de lado alguns valores morais de ajuda ao ser humano mais necessitado, perdendo ou não praticando sua capacidade de empatia esta situação agrava-se muito, tendo em vista o elevado número de pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza, crescente nos últimos dois anos.
A consolidação das políticas públicas de combate à pobreza e a desigualdade social ainda se constituem um grande desafio no país, principalmente quando analisamos dados e indicadores sociais que apontam milhares de pessoas abaixo da linha da pobreza, sem possuir o mínimo para sua sobrevivência digna. Ao compararmos o Brasil com países desenvolvidos percebe-se um grande abismo social, muitas vezes reproduzido pela própria sociedade que percebe os pobres como pessoas que estão nesta condição por merecimento.
È importante considerar que grandes avanços ocorreram no campo das políticas sociais brasileiras principalmente após a Constituição Federal de 88, porém, as responsabilidades delegadas aos municípios duplicaram no sentido de atender sua demanda local por serviços básicos de saúde, educação, assistência social, habitação, emprego, renda e inclusão social. Nesse sentido, faz-se necessário financiamento para dar conta de cumprir com qualidade estas responsabilidades. Porém, observa-se que nem tudo o que está na legislação é cumprido, principalmente quando se trata de recursos orçamentários, sendo os Municípios penalizados com repasses irregulares e insuficientes para atender sua demanda dos serviços básicos, principalmente àqueles voltados as pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza.
Diante disto, verifica-se a necessidade de aprofundar estudos nestas dimensões capazes de reunir conhecimentos e esforços que colaborem para reflexão e implementação de políticas sociais que venham a interferir positivamente na qualidade de vida e emancipação social dos grupos mais vulnerabilizados economicamente.
A investigação permite concluir ainda que mesmo com avanços no campo teórico, da legitimidade e normatização previstos na Constituição Federal muito precisa ser feito no sentido de efetivar políticas públicas integradas entre as três esferas goveridntais capazes de combater o fenômeno da pobreza e incluir socialmente “o pobre”, atribuindo-lhe condições mínimas de sobrevivência com dignidade. Diga-se que este é o primeiro grande desafio, fazer com que a sociedade perceba os pobres como pessoas possuidoras de direitos e não como excluídos socialmente. Porém, ressalta-se que o segundo desafio é o cumprimento do papel do Estado no combate à pobreza e redução da desigualdade social, fator que parte pelo financiamento adequado principalmente por parte da União aos municípios, considerados os grande responsáveis em proporcionar melhor qualidade de vida das pessoas que ali residem e promover o desenvolvimento social.

REFERÊNCIAS
ABREU, Cesaltina. Desigualdade social e pobreza: ontem, hoje e (que) amanhã.  Revista Angolana de Sociologia, 9 | 2012, 93-111.
ALLEBRANDT, Sérgio L.; M. FILHO, Carlos J.; CERATTI, Larissa L. Políticas Públicas Sociais e de Desenvolvimento Local no Noroeste Gaúcho: Percepções sobre seus impactos e Limitações. In: CANÇADO, Airton C.; TENÓRIO, Fernando G.; SILVA JR, Jeová T (Org). Gestão Social: Aspectos Teóricos e Aplicações. Ijuí: Ed. Unijuí, 2012. p. 193-219.
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Tradução Sergio Bath. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
AVILA, José F; BAGOLIN, Izete P. Pobreza no Rio Grande do Sul: Uma Análise Exploratória da sua Distribuição Espacial a partir de Indicadores Multi e Unidimencionais. Revista Estudo & Debate, Lajeado, v. 21, n. 2, p. 25-47, 2014.
CATTANI, Antonio D. Desigualdades Socioeconômicas: conceitos e problemas de pesquisa. Sociologias, Porto Alegre, ano 9, nº 18, jul./dez. 2007, p. 74-99.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: atualizada até a Emenda Constitucional nº 90, Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/.../CF88_Livro_EC91_2016.pdf
Acesso em 11 de Maio de 2019.

___________Ministério do Desenvolvimento Social. Relatório de Informações Sociais. Disponível em  https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/index.php.  Acesso em 11 de Maio de 2019.

BAJOIT, Guy. Olhares Sociológicos, rostos da pobreza e concepções do trabalho social. In: BALSA, Casimiro; BONETI, Lindomar W.; SOULET, Marc-Henry (Org). Conceitos e dimensões da pobreza e da exclusão social: uma abordagem transnacional. Ijui: Ed. Unijuí, 2006. p. 31-102.
BEDIN, Gilmar Antonio. Estado de Direito e desigualdades sociais: uma leitura da exclusão social a partir da realidade brasileira. In: BALSA, Casimiro; BONETI, Lindomar W.; SOULET, Marc-Henry (Org). Conceitos e dimensões da pobreza e da exclusão social: uma abordagem transnacional. Ijui: Ed. Unijuí, 2006. p. 225-236.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Bertrand Brasil, 1998.
CASTEL, Robert. Classes Sociais, Desigualdades Sociais, exclusão social. In: BALSA, Casimiro; BONETI, Lindomar W.; SOULET, Marc-Henry (Org). Conceitos e dimensões da pobreza e da exclusão social: uma abordagem transnacional. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006. p. 63-77.
FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Rio de Janeiro: Globo, 1989.
FONSECA, J. J. S. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002. Apostila.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores Sociais. Brasil, 2017, 2018.
IVO, Anete B. L.. Georg Simmel e a “sociologia da pobreza”. In: Cad. CRH {online}. 2008, vol. 21, n. 52, p. 171-180.
KLIKSBERG, Bernardo. Falácias e mitos do desenvolvimento social. São Paulo, Cortez; Unesco, 2001.
LAVINAS, Lena e VARSANO, Ricardo. Renda Mínima: integrar e universalizar. In: Novos Estudos Cebrap, n. 49, 1997.
MARTINS, S. B. Municipalização e Desenvolvimento: Uma análise dos municípios Norte Mineiros emancipados na década de 1990. Dissertação de Mestrado. Unimontes, 2010.
MARX, Karl. O capital (livro 1: o processo de produção do capital). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
MAURIEL, Ana Paula O. Fundamentos do Combate à Pobreza na contemporaneidade: Amartya Sen e a perspectiva do desenvolvimento humano. Estado, desenvolvimento e políticas públicas/Org. Seraine, A. B. M. S.; Junior, R. B. S.; Miyamamoto, S., Unijuí, 2008.
MINAYO, M. C. de S. (Org.) Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 22 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.
Observatório do Terceiro Setor. Um quarto da população brasileira vive com menos de R$ 387 por mês. Disponível em: <https://observatorio3setor.org.br/carrossel/um-quarto-da-populacao-brasileira-vive-com-menos-de-r-387-por-mes/>. Acesso em 12 de Maio de 2019.
PÁDUA, E. M. M. de. Metodologia da Pesquisa: Abordagem teórico-prática. 10. ed. Campinhas, SP: Papirus, 2004.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Trad. Lílian do Valle. 3. Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
REIS, Elisa P. Percepções da Elite sobre Pobreza e Desigualdade. Revista Brasileira de Ciências Sociais - v. 15 nº 42, 2000.
RODRIGUES, J.; MOSCARELLI, F. Os desafios do pacto federativo e da gestão territorial compartilhada na condução das políticas públicas brasileiras. Geo Textos, vol. 11, n. 1, julho 2015, p. 139-166.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
SEN, Amartya k. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. Revisão Técnica de Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SILVA, M. O. da S.; YASBEK, M. C.; GIOVANNI, G. di. A política social brasileira no século XXI: a prevalência dos programas de transferência de renda. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2006.
SILVA, M. O da S. Pobreza, desigualdade e políticas públicas: caracterizando e problematizando a realidade brasileira. Rev. Katál. Florianópolis v. 13 n. 2 p. 155-163 jul./dez. 2010.
SOUZA, Jessé. Ralé Brasileira: Quem é e como Vive. Colaboradores André Grilo... [et al.] — Belo Horizonte : Editora UFMG, 2009.
____________ Em Defesa da Sociologia: O Economicismo e a Invisibilidade das classes sociais. Revista Brasileira de Sociologia – v. 01 nº 01, 2013.
____________. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.
SPOSATI, Aldaíza. Modelo Brasileiro de Proteção Social Não Contributiva: concepções fundantes, ENAP: 2008.
TOCQUEVILLE, Alexis de. Oeuvres I. (Org. André Jardim, col. F. Mélonio e L. Queffélec). Paris, Gallimard. Pléiade, 1991.
WWP (World Without Poverty) Mundo sem Pobreza: Iniciativa Brasileira de Apredizagem, MDS, Série Brasil sem Miséria, 2018. Disponível em: <http://socialprotection.org/sites/default/files/publications_files/02.%20BSM%20%20Introducao.pdf>.  Acesso em 15 de Maio de 2019.

*Mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ. Pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Estudos em Gestão e Políticas Públicas, Desenvolvimento, Comunicação e Cidadania GPDeC. Graduada em Serviço Social e pós-graduada em Saúde Coletiva: Ênfase em Sanitarismo.
** Professor / pesquisador no programa de Desenvolvimento Regional na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - Brasil. Doutor em Sociologia pela Freie Universität Berlin, Alemanha (2015).
*** Professor / pesquisador no programa de Desenvolvimento Regional na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - Brasil Doutorado em Administração pela UNaM - Universidad Nacional de Misiones, Posadas, Argentina
1 IBGE (2017).
2 MDS (2019).
3 Fonseca (2002, p. 32).
4 Minayo (2003).
5 Mauriel (2008).
6 Bedin (2006) e Castel (2006).
7 Sen (2000).
8 Avila e Bagolin (2014).
9 Bajoit (2006).
10 Simmel (2008)
11 Souza (2009).
12 Marx (1980, p. 747).
13 Klisksberg (2001, p. 116).
14 Kliksberg (2001).
15 Castel (2006).
16 Castel (2006).
17 Abreu (2012).
18 Souza (2013).
19 Tocqueville (1991).
20 Rancière (2010).
21 Ranciére (2010).
22 Faoro (1989, p. 742).
23 Aron (2002).
24 Cattani (2007).
25 Cattani (2007).
26 Allebrandt, M. Filho e Ceratti (2012).
27 Lavinas e Varsano (1997).
28 Sposati (2008).
29 Rodrigues e Moscarelli (2015).
30 Martins (2010).
31 Constituição Federal (1988).
32 Mauriel (2008).
33 Mauriel (2008).
34 Silva, Yasbek e Giovanni (2006).
35 Allebrandt, M. Filho e Ceratti (2012).
36 Observatório (2018).
37 IBGE (2018).
38 IBGE (2018).
39 Silva (2010).
40 Cattani (2007).
41 Rousseau (1991).
42 Bourdieu (1998).
43 Souza (2017).
44 Souza (2017).
45 Reis (2000).
46 Rousseau (1991).
47 Rousseau (1991, p. 267).
48 Reis (2000).
49 Tocqueville (1991, p. 1.174).

Recibido: 01/07/2019 Aceptado: 17/10/2019 Publicado: 09/10/2019

Nota Importante a Leer:
Los comentarios al artículo son responsabilidad exclusiva del remitente.
Si necesita algún tipo de información referente al articulo póngase en contacto con el email suministrado por el autor del articulo al principio del mismo.
Un comentario no es mas que un simple medio para comunicar su opinion a futuros lectores.
El autor del articulo no esta obligado a responder o leer comentarios referentes al articulo.
Al escribir un comentario, debe tener en cuenta que recibirá notificaciones cada vez que alguien escriba un nuevo comentario en este articulo.
Eumed.net se reserva el derecho de eliminar aquellos comentarios que tengan lenguaje inadecuado o agresivo.
Si usted considera que algún comentario de esta página es inadecuado o agresivo, por favor, escriba a lisette@eumed.net.

URL: https://www.eumed.net/rev/cccss/index.html
Sitio editado y mantenido por Servicios Académicos Intercontinentales S.L. B-93417426.
Dirección de contacto lisette@eumed.net