Marina Klein Telles*
Anelise Rublescki**
Universidade Feevale , Brasil
marina_kaikun@outlook.com
RESUMO
O artigo discute sobre as inclinações da mídia para adolescentes na construção da mulher contemporânea através de um discurso influenciador. Constitui-se em uma pesquisa teórico-empírica, com um estudo de caso da revista Atrevida, que permiti verificar intenções e influências discursivas na formação do modo de agir, ser e pensar das leitoras e o qual a direção que tomam essas intenções. Utiliza a metodologia da Análise do Discurso, descrita por Orlandi (2015). Trabalha com as três categorias temáticas desenvolvidas durante a análise: Questões de Relacioidntos, Questões de Carreira e Questões de Estilo de Vida. Evidencia que a revista insere em seu discurso direcioidntos para influenciar adolescentes a serem autossuficientes, baseando-se no estilo de mulheres famosas ou empreendedoras.
Palavras-chave: 1.Análise do Discurso; 2. Jornalismo de Revista; 3.Girl Power; 4. Atrevida.
ABSTRACT
The article discusses about teenager’s media inclinations when it comes to the construction of contemporary woman through an speech influencer. Consists of a theoretical-empirical research, with a case study of the magazine Atrevida, which allows to verify discursive intentions and influences in the construction of the ways to perform, be and think of the readers and the directions that take those intentions. Uses as methodology Discourse Analyses, described by Orlandi (2015). It works with three thematic categories developed during the analyses: Relationships Questions, Carrier Questions and Life Style Questions. It shows that the magazine insert in it’s own discourse directions that influences teenagers to be self-sufficient, based on the life style of famous or entrepreneurs women.
Key Words: 1. Discourse Analyses; 2. Magazine Journalism; 3. Girl Power; 4. Atrevida.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Marina Klein Telles y Anelise Rublescki (2019): “Girl power: a análise do discurso da revista atrevida”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/10/discurso-revista-atrevida.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1910discurso-revista-atrevida
INTRODUÇÃO
Os meios de comunicação de massa podem ser vistos como forma de influenciar e, eventualmente, de manipular o público. Através desse processo, afirmam Silva e Santos (2009) a mídia se torna capaz de construir o sujeito, sua forma de agir e de pensar.
Nesse processo de manipulação pode ser evidenciada, principalmente nos dias atuais, a mídia. Ela surge como um novo fenômeno que invade a todos, que arquiteta, numa sociedade midiada, uma cultura midiática. A cultura da mídia vigente na sociedade se aspira dominante, estabelecendo formas e normas sociais, fazendo um grande número de pessoas enxergar o mundo por suas lentes, seus vieses. Utilizada como instrumento de manipulação a serviço de interesses particulares, reordena percepções, faz brotar novos modos de subjetividade, o que trás vantagens e/ou desvantagens, tanto no aspecto individual como no aspecto social. A mídia, com todas as suas ferramentas, hoje detêm o poder de fazer crer e ver, gerando mudanças de atitudes e comportamentos, substituindo valores, modificando e influenciando contextos sociais, grupos, constituindo os arquétipos do imaginário, criando novos sentidos simbólicos como árbitros de valores e verdades (SILVA E SANTOS, 2009, p. 2).
A partir do pressuposto de que a mídia tem papel encorajador na formação psicossocial das adolescentes é que se constrói este estudo. Através da Análise do Discurso proposta por Orlandi (2015) é que se fez uso para criação de um dispositivo de interpretação que busca compreender se o discurso da revista Atrevida ocorre uma estimulação às adolescentes para que se tornem mulheres independentes, fortes e únicas 1ou dependentes (de um membro do sexo masculino e de ideais paternalistas), frágeis e superficiais. Em outras palavras, busca-se verificar se o discurso apresentado no texto possui intenção de influenciar as leitoras a seguir preceitos tradicionais da sociedade incentivando a ideia da mulher como filha, esposa e mãe, respectivamente, ou se essas influências são favorecidas pela ideia do Girl Power 2, de estímulo à carreira e ao sucesso.
O artigo não pretende tratar do feminismo, apenas da relação dos veículos midiáticos na construção social de adolescentes. Com apontamentos teóricos no entorno das questões da mídia enquanto parte da construção da subjetividade humana, aqui colocada como as diversas formas de o ser escolher o que e como pensar e agir. Através da manipulação das formas de ser pensar e agir e do homem, busca-se compreender como se formam as relações entre as pessoas, sobretudo no viés do público juvenil feminino, apoiando-se na construção dos discursos relacionais afetivo e profissional.
O ADOLESCENTE COMO PRODUTO DA MÍDIA
Com a criação da imprensa surge a disseminação da informação para as massas de forma rápida e precisa. Segundo Moreira (2010) esse alastramento permite que as pessoas adquiram conhecimento sobre assuntos até então inacessíveis e possam construir sua própria reflexão sobre uma determinada temática, ao mesmo tempo em que ela serve como um dos maiores, senão o maior, instrumentos de manipulação da sociedade. Isso se torna ainda mais aparente quando percebemos que o diálogo oferecido pela mídia é “quase unilateral” (MOREIRA, 2010), porque não existe harmonia entre as vozes dos meios de comunicação e a do sujeito, receptor de toda a informação. “A palavra quase revela que existe uma dependência da mídia em relação ao sujeito, porque se não sensibilizar, se não influenciar o sujeito, o veículo se torna ineficaz” (MOREIRA, 2010).
É nesse contexto que a mídia surge como um dos instrumentos que concebem a subjetividade humana. Enquanto objeto do homem que comunica e sendo, portanto, produto da sociedade tal qual a conhecemos, a mídia também cria a sociedade em si, através da manipulação dos indivíduos. A sociedade criou a mídia e a mídia recria a sociedade todos os dias. Segundo Silvia e Santos (2009), a mídia é um instrumento de manipulação de massa.
A mídia é [...] a maior fonte de informação e entretenimento que a população possui. O poder de manipulação da mídia pode atuar como uma espécie de controle social, que contribui para o processo de massificação da sociedade, resultando num contingente de pessoas que caminham sem opinião própria. Subliminarmente, através da televisão, das novelas, jornais e internet, é transmitido um discurso ideológico, criando modelos a serem seguidos e homogeneizando estilos de vida. Diante disso surgem questões a se pensar: onde está o sujeito e sua subjetividade? Será que em prateleiras midiáticas estão sendo ofertados modos de ser, de pensar e agir? (SILVA E SANTOS, 2009, p. 2)
Partindo de estudos da psicologia, sobretudo da análise descrita por Vigotsky (1991), percebe-se a construção tanto do indivíduo quanto da sua subjetividade é resultado da manipulação que o homem faz de um meio ou “instrumento”, segundo denominação do autor, com o objetivo de influenciar alguém e através da internalização, um processo contínuo, que consiste na construção e desconstrução do sujeito a partir da captação de estímulos e agentes externos que ao serem internalizados transformam o ser. Tomando aqui a mídia como um desses “instrumentos” que, ao ser manipulada, construída e desconstruída pelo homem que faz uso dela para transmitir mensagens, acaba por influenciar indivíduos.
A função do instrumento é servir como um condutor da influência humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado exteridnte; deve necessariamente levar a mudanças nos objetos. Constitui um meio pelo qual a atividade humana externa é dirigida para o controle e domínio da natureza. O signo, por outro lado, não modifica em nada objeto da operação psicológica. Constitui um meio da atividade interna dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é orientado interidnte. Essas atividades são tâo diferentes uma da outra, que a natureza dos meios por elas utilizados não pode ser a mesma (VIGOTSKY, 1991, p.40).
A construção do homem na era midiática é produzida a partir de um processo de manipulação, que aliado a internalização, faz com que os indivíduos sejam estimulados a aceitar conteúdos e consumi-los. Isso, segundo afirmam Silva, Braz e Silva (2011), se deve ao fato de as pessoas, não possuírem um dispositivo psicológico que filtre o que é transmitido, mesmo quando esses acreditam que o fazem; que o quê leem, assistem e ouvem são suas preferências e que, como indivíduos, selecionam aquilo que lhes convêm, quando na verdade estão sendo submetidos a uma “violência simbólica” (SILVA, BRAZ e SILVA, 2011, p. 9).
Talvez o homem nunca tenha tido uma formação social da mente que neutralizasse tanto a sua subjetividade. A mídia se tornou o canal por onde toda a aldeia da raça humana pode ser submetida a novas ideologias sem sair de casa (SILVA, BRAZ e SILVA, 2011, p. 9).
Em se tratando do público adolescente o processo de internalização é mais intenso e quase inteiramente nocivo. Oliveira e Paulo (2008) afirmam que, fora o auxílio no desenvolvimento da linguístico e pedagógico fornecido pelos meios de comunicação, há estímulos quanto ao modo de agir, de se vestir, de se relacionar que são transmitidos no intuito de auxiliar no processo de construção do adolescente: ‘Que jovem devo ser hoje? Para alcançar meus objetivos quando for adulto?’ ou ainda pensa-se isso em relação a uma figura, geralmente, de alguém famoso. O que não é colocado na mídia de forma saudável: “Hoje, o jovem não precisa mais ler, pensar ou refletir, basta ver e comprar, tornando-os seres apenas espectadores, em que o PARECER é mais importante do que o SER” (MAIA, SILVA, MARQUES e FERREIRA, 2006, p. 110).
[...] os aspectos negativos dos meios de comunicação são nocivos ao desenvolvimento do adolescente, pois não estimula a capacidade de pensar, de estabelecer relações e fazer deduções; apenas vende produtos, ideias e atitudes, criando uma dependência baseada no consumo e na violência (OLIVEIRA E PAULO, 2008, p. 3).
Nesse contexto temos as revistas destinadas ao público teen. Em 2008 foi publicado um estudo da Magazine Publishers of America 3 em associação com a eMarketer4 afirmou que as revistas eram o meio mais utilizado pelos jovens para obter informações. Contudo esses dados foram rebatidos pela própria eMarketer, que afirmou em estudo no ano anterior que a adolescentes passam mais tempo navegando na internet do que folheando páginas de revista. Isso é o que acontece no cenário americano, quanto à situação representativa do mercado editorial adolescente no Brasil, não foram localizados estudos que apontem sobre a utilização do material como fonte de informação ou entretenimento, já que o material é escasso e de modo geral.
METODOLOGIA: Análise do Discurso
De cunho teórico-empírico, o estudo de caso parte da proposta metodológica descrita por Orlandi (2015) para criar um dispositivo de interpretação capaz de compreender como a revista Atrevida imprimi em seus textos questões sobre a subjetividade, ou seja, se o discurso tem características que indicariam uma tentativa da revista de influenciar as leitoras. Para tal são analisadas três edições da revista mensal, 270, 274 e 276 a partir da seção de comportamento da revista, voltando-se especificamente para o discurso em torno das ideias de futuro, relacioidntos, satisfação, felicidade, carreira, profissionalismo, conquista (no sentido ambíguo, tanto em relações amorosas como na vida de modo geral) e namoro.
Segundo Orlandi (2015, p.13):
A Análise do Discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua, não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando.
A autora discorre ainda que a utilização da Análise do Discurso parte do pressuposto de aliar o que está sendo dito com sua historicidade, circunscrevendo o que se quer dizer e o que foi omitido do texto em análise. Para conseguir compreender esse processo é que se torna necessária à criação de um dispositivo de interpretação, através do qual se encontram os reais significados do discurso, através da história inscrita nele, “Em outras palavras, na perspectiva discursiva, a linguagem é linguagem porque faz sentido. E a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história” (ORLANDI, 2015, p.23).
Voltando à construção de um dispositivo de interpretação, não se trata de meramente interpretar um texto buscando compreender o que ele quer dizer, ou ver através dele a “verdade oculta” que o objeto discursivo quer transmitir. Orlandi (2015) afirma faz parte da análise dos processos de construção de significado ver além dos seus limites e mecanismos e, de modo geral, todo o resultado se resume a ao “dispositivo teórico” concebido pelo analista que, ao ser empregado no discurso estudado, deve gerar uma espécie de compreensão aprofundada do que se está sendo dito.
O dispositivo aqui empregado se constitui da busca pelos sentidos atribuídos na construção dos termos escolhidos para análise, neste caso das colunas selecionadas na revista para tratar dos diferentes aspectos e estímulos ofertados na seção de Comportamento na revista Atrevida. Verificando o que ela quer transmitir às leitoras no que concerne a relacioidntos (amorosos) e a construção da carreira (vida profissional) para compreender que adulta irá se tornar a jovem que lê a revista. E se há no discurso quaisquer ideologias que influenciem as leitoras a agir em conformidade com formas de pensar tradicionalistas e patriarcais.
ANÁLISE DO DISCURSO DA REVISTA ATREVIDA
Foi feito um recorte para análise das questões de relacioidntos como é o caso matérias “Montanha Russa: Seu namoro está nas alturas ou em queda?” (Revista Atrevida, edição 270) e “Plano de Conquista #modeon” (Revista Atrevida, edição 276). E sobre escolha profissional e direcioidnto para o futuro nas colunas fixas Ser ou não ser e Você é única, matérias especificamente relacionadas aos termos escolhidos como nas matérias “Vou ser feliz e já volto!” (Revista Atrevida, edição 270) referente à felicidade, “Seu futuro é melhor do que você imagina” (Revista Atrevida, edição 270) referente a futuro e matérias especiais sobre Girl Power e Girl Boss 5.
Em “Montanha Russa: Seu namoro está nas alturas ou em queda?” (Revista Atrevida, edição 270) como nas demais matérias relacionadas com a temática namoro da revista, oferece conselhos às leitoras com uma pintada de senso de humor. O uso do sarcasmo também se faz presente ao longo do tempo, o discurso é direto e, normalmente, se repete. O que é dito não excluí uma omissão, porque essa é colocada em seguida no texto. Como acontece, por exemplo, na passagem:
“Nenhum namoro anda em linha reta. Como tudo nesta vida, ele tem seus altos e baixos” (Revista Atrevida, edição 270, p.98).
“No início, tudo parece filme que promete final feliz e nada, nem ninguém, consegue tirar aquele sorriso bobo e congelado do rosto de vocês. Mas o tempo passa e o namoro vai se transformando delicadamente” (Revista Atrevida, edição 270, p.98).
O enunciado do texto se dá através de diversas perguntas. Essas seriam uma série de questioidntos nos quais as leitoras podem se encaixar. São colocadas situações com a finalidade de atrair o leitor, supondo-se que a leitoras esteja passando por aquele acontecimento, ou se fazendo as perguntas, ou uma das perguntas propostas. A matéria é toda escrita em tom de conversa, dando a impressão de se estar falando com uma “melhor amiga”, e a própria revista se coloca nessa posição quando se diz “A Atrevida é igual a sua BFF 6: Está sempre com Você!” (Revista Atrevida, edição 270, p.5).
Ao longo do discurso se faz presente o senso de humor e o sarcasmo, como é o caso da passagem:
“A vida é assim: um dia a gente vê corações por todos os lados, no outro, sente até dor de barriga (de nervoso, tá? A comida da sogra não tem nada a ver com isso)” (Revista Atrevida, edição 270, p.99).
No trecho “A comida da sogra não tem nada a ver com isso!” já demonstra uma intenção de “desculpa esfarrapada”, já que no contexto anterior do texto é mencionada a visita para conhecer os sogros. Além disso, a ideia de uma dor de barriga causada pela comida da sogra não teria surgido, não fosse o fato de o discurso colocar essa hipótese. Não há menção no texto de que momento conhecer os pais do namorado, ou da namorada, envolveria um jantar. O texto sugere essa forma de pensar e, mesmo que isso nem tenha passado pela cabeça da leitora, a ideia fica internalizada conforme as afirmações de Orlandi (2015).
Ainda na temática “questões de relacioidntos” tem-se a matéria “Plano de Conquista #modeon” (Revista Atrevida, edição 276), que aborda a “conquista” no sentido de paquera ou flerte. A ideia trazida pelo texto é de que, indiferente de quão tímida seja a leitora há formas de se paquerar que não demandam tomar grandes atitudes, então segue uma lista de 30 diferentes maneiras de “chegar no crush7 ”. O discurso é deveras imperativo, no enunciado cria duas situações com as quais a leitora pode se identificar, mesmo não acontecendo essa identificação há uma oração que expressa a intenção de convencer a leitora a ler o texto.
“Quem nunca ficou tão apaixonada pelo crush que fez até um shipper com o seu nome e o dele?” (Revista Atrevida, edição 276, p. 91).
“Mas a gente também entende que talvez chamar alguém de ‘mozão’ e dividir o Netflix pode não estar nos seus planos agora” (Revista Atrevida, edição 276, p. 91).
“O fato é: mesmo que não ache que seja a sua hora de namorar, paquerar não faz mal a ninguém” (Revista Atrevida, edição 276, p. 91).
Na primeira sentença é imposta uma situação de forma interrogativa, ela demonstra a intenção de fazer a leitora se identificar com o contexto da matéria. Na segunda sentença é colocada uma nova situação, essa em desacordo com o tópico da matéria, mas ainda com função de chamar a atenção da leitora para com o texto que ali se insere. E a terceira sentença é o convencimento final, que se utiliza para atrair a leitura em ambas as situações, seja a leitora alguém que está apaixonada, ou alguém está desprendida do contexto de “busca por um relacioidnto”. Quanto aos tópicos, as dicas de fato, são colocados como conselhos amigáveis, alguns preenchidos com senso de humor, e voltados para o primeiro contato entre a leitora e o crush.
Entrando na temática “questões de carreira” a serem analisadas através do uso de termos tais como: profissional, carreira, futuro, felicidade, etc... temos inicialmente duas colunas fixas se traçam possibilidades de profissionalização e escolha de um estilo de vida. A primeira coluna é Ser ou não ser, de modo geral, ela traz informações a cerca do mercado de trabalho em determinada área, uma ou mais formas de se profissionalizar para atuar nela e questões sugestivas que buscam permitir à leitora se identificar ou não com aquela carreira. Em outras palavras, é um texto direto e objetivo auxilia no processo de direcioidnto das jovens leitoras para a hora de definir o que estudar e qual caminho seguir no mercado de trabalho.
Nas três edições analisadas foram sugeridas três carreiras: Enfermeira (Revista Atrevida, edição 270), Confeiteira (Revista Atrevida, edição 274) e Comissária de Bordo (Revista Atrevida, edição 276). Em todas há uma explicação geral sobre as funções e o trabalho realizado por essa profissional, seguido da seção “Será que é a minha?”, na qual se tem diversos questioidntos no entorno das atividades sugeridas e para colocar à disposição da leitora uma ideia real de quais características emocionais e quais conhecimentos são necessários para o desempenho daquelas funções. Segue para a seção “Mercado de Trabalho”, que oferece uma ideia de salários iniciais e até quanto se pode chegar a ganhar, além dos caminhos e oportunidades trazidos ao optar por aquela profissão. A última seção na matéria, diz respeito à educação, quais cursos se deve fazer para seguir naquela carreira.
Quanto ao discurso, constatou-se que não possuí traços de manipulação de escolha profissional das leitoras. O texto tem por objetivo que as leitoras se posicionem no mercado de trabalho, utilizando seus talentos, habilidades e conhecimentos da melhor maneira possível.
A coluna Você é única trouxe nas edições 274 e 276 matérias fortemente relacionadas com independência, autossuficiência e empreendedorismo, através da temática do empoderamento feminino.
Quero ser uma Girl Boss (Revista Atrevida, edição 274) reúne a história de várias garotas que se tornaram donas de seus próprios negócios ainda em uma tenra idade. A matéria traz também o passo a passo de como montar um negócio, utilizando estratégias de projeção de mercado. O texto é de uma linguagem muito simples, inteligível às adolescentes e contendo certo senso de humor. A fala de especialistas faz parte de boa parte da construção textual, além de reforçar importantes observações, como é o caso das notas na escola, o investimento necessário e os “6 mandamentos de uma girl boss” (Revista Atrevida, edição 274, p. 32), que citando Orlandi (2015), trazem uma certa “historicidade” ao discurso que remete aos 10 mandamentos bíblicos. Esse jogo de palavras é utilizado de modo a enunciar a disciplina e as obrigações da leitora que almeja se tornar uma girl boss no futuro, em outras palavras, a inserção do termo “mandamentos” institui a leitora a seriedade com que o tema deve ser tratado, prevendo ações necessárias que auxiliem no processo.
Ainda em Quero ser uma Girl Boss (Revista Atrevida, edição 274), encontra-se referências a Girl Power.
“Girl Power: sim ou com certeza?” (Revista Atrevida, edição 274, p. 33).
Através dessa frase, surgem duas interpretações: Não ser uma Girl Power, não é uma opção e toda garota deve querer ser uma Girl Power. Na edição 276 da revista, uma matéria especifica sobre essa temática foi pauta da coluna Você é única.
Em Geração Girl Power (Revista Atrevida, edição 276) é feito um leve discorrer sobre a história por trás da criação do termo, que atualmente é considerado um estilo de vida a ser seguido por garotas que buscam seus sonhos, lutam por seus ideais, são independentes e ajudam outras garotas a se tornarem “donas de suas próprias vidas”. Segue uma ideia de viver sem medo de julgamentos. A revista traça todo esse perfil como sendo totalmente positivo, inspira as leitoras a aderirem ao estilo Girl Power.
“Olha aí você sendo girl power e colocando a ideologia em prática sem perceber!” (Revista Atrevida, edição 276, p. 30).
Nesse trecho, a palavra que mais chama a atenção é “ideologia”, ela remete ao imaginário, a um sistema de poder já legitimado que movimenta as escolhas e percepções sensoriais de um grupo, em outras palavras, esse estilo de vida como algo veementemente poderoso e capaz de mudar a sociedade, no entender da revista, sempre de maneira totalmente positiva. Além de a revista propor que as leitoras se tornarem girl power, ela coloca as leitoras numa posição de disseminadoras desse estilo de vida.
As principais conexões feitas ao longo do texto são a ideia de poder, de engrandecimento, de que, aderir a esse estilo de vida, quase como em uma receita de bolo que auxilia a chegar ao resultado desejado, conduz ao sucesso esperado. É como se a revista afirmasse que, para se posicionar de forma bem sucedida em termos profissionais e pessoais, existe a necessidade de ser uma girl power. E a partir disso e das conexões com outras mulheres, é que se constrói o caminho para o sucesso. O elo entre as mulheres é o objeto “empoderador” nessa saga. São trechos que comprovam as afirmações acima:
“Para continuar nos inspirando a sermos cada dia mais poderosas, [...]” (Revista Atrevida, edição 274, p.30).
“[...] guarde estas páginas para reler sempre que precisar de uma dose extra de coragem!” (Revista Atrevida, edição 274, p.30).
Na temática de análise Questões de Estilo de Vida, analisando a abordagem de pautas relacionadas ao termo felicidade através da matéria “Vou ser feliz e já volto!”, nela é feito um apanhado de situações que acontecem ao longo da vida e algumas, mais exclusivamente, na transição da adolescência para a vida adulta. A partir disso a redatora discorre sobre soluções para esses problemas, para deixar de lado aquilo que torna as leitoras infelizes e, num processo de encontrar a si mesmas, conduzindo ao encontro da felicidade, no sentido mais abrangente da autossatisfação.
“Até as mudanças mais radicais podem ser feitas. Neste caso, que tal conversar e pedir ajuda dos seus pais? Para tudo se dá um jeito. Só depende de você.” (Revista Atrevida, edição 270, p.104).
O trecho acima se refere a mudanças na aparência. Afirma que, em caso de a leitora não estar satisfeita com sua aparência, “superinfeliz” nas palavras da revista, até as mudanças mais radicais poderiam ser feitas, referindo-se subliminarmente a cirurgia plástica, para a qual adolescentes necessitam do auxílio dos pais tanto em termos financeiros como de sua autorização.
“Você só precisa de uma pessoa para ser feliz: você mesma, [...]” (Revista Atrevida, edição 270, p.105).
O trecho se insere no contexto dos relacioidntos, o qual afirma que caso a leitora não esteja satisfeita, traduzindo novamente a ideia de felicidade como sinônimo de satisfação, com sua relação ou o namorado, deve focar em si mesma. A felicidade depende dela e apenas dela.
E quanto ao futuro? A revista traz esse assunto dando enfoque à ansiedade, às escolhas, às mudanças e retoma a transição da adolescência para a vida adulta. Em “Seu futuro é melhor do que você imagina”(Revista Atrevida, edição 270) é colocado que a leitora da Atrevida é assegurada de um futuro maravilhoso.
“Mas calma, girl, a gente promete que seu futuro vai ser bem melhor do que você imagina” (Revista Atrevida, edição 270, p.22).
“Sua grama é verde também” (Revista Atrevida, edição 270, p.24).
No trecho acima, retomando o conceito de ideologia difundida através da memória descrito por Orlandi (2015), temos um contraponto ao dizer popular “A grama do vizinho sempre parece mais verde” (autor desconhecido). Busca enfatizar através da memória que não há necessidade de comparar-se com outros, mas buscar ver os próprios pontos positivos.
Todo o discurso é voltado para engrandecer a leitora, concedendo a ela confiança para decidir sua vida e o caminho que deseja seguir. Segue um quase padrão dos livros de auto-ajuda, uma leitura motivacional que traz, como exemplo, celebridades que passaram por momentos de ansiedade e superaram suas crises, alcançando a vida dos sonhos.
Mas nem sempre a situação proposta pela revista se equivale ao que ocorre realmente, é apresentada uma espécie de ilusão no que tange a vida dos famosos. Para ilustrar o fato é necessário apenas lembrar dos diversos casos em que ídolos, principalmente astros da música mundial, morreram de overdose ou se suicidaram, como o DJ Avicci8 , os atores do seriado americano Glee9 , Cory Monteith10 e Mark Salling11 . O caso mais recente foi da cantora Demi Lovato12 , citada em diversas matérias da revista Atrevida, que a anos tem problemas com álcool, teve uma recaída a alguns meses e foi até internada.
Com base na análise produzida constatou-se que a revista influencia as leitoras a não pensar tanto em questões como casamento, ou ser donas de casa, que ela ao busca, ao contrário auxiliar as jovens a serem autossuficientes, baseando-se no estilo de mulheres famosas ou empreendedoras. A revista, em outras palavras, almeja que suas leitoras se tornem mulheres modernas e bem sucedidas. Em termos de paternalismo, a revista é totalmente desvinculada desses ideais, e pode-se quase afirmar que a mesma segue correntes feministas; “quase” porquê não há fatores que realmente o afirmem e que possam creditar esse valores à revista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há um certo consenso de que a mídia influencia na formação psicossocial dos seus leitores, e, sobretudo, no caso das crianças e dos jovens, ainda em formação e com menos filtros críticos sobre o que consomem.
Revistas, que atuam como “melhores amigas das leitoras”, costumam influenciar os valores, os modos de agir, vestir, consumir e até mesmo no padrão de beleza vigente.
Por isso mesmo, no mercado de revistas teen, torna-se particularmente relevante o desenvolvimento de mais estudos que ampliem a compreensão de como as adolescentes reagem ao que lêem e constroem suas representações socioculturais.
REFERÊNCIAS
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VIGOTSKY, L.S. A Formação Social da Mente. Livraria Martins Fontes Editora Ltda. 4. ed. São Paulo – SP, 1991.
*Graduanda em Jornalismo – Universidade Feevale – Bolsista Feevale – marina_kaikun@outlook.com