Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


O PAPEL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA ALTERIDADE: O RECONHECIMENTO E ENTENDIMENTO DO OUTRO EM UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO NA FRONTEIRA

Autores e infomación del artículo

Andréa Marcia Legnani*

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

Email: andrea.legnani@hotmail.com


RESUMO

 Este trabalho apresenta um estudo a respeito do papel da escola na construção da alteridade, tendo como campo de pesquisa o Instituto Federal do Paraná Campus Foz do Iguaçu, o qual oferta vagas, em seus cursos subsequentes, para alunos da Argentina e do Paraguai. Envolve desenvolver fundamentação teórica a respeito das categorias alteridade, educação profissional, fronteira, território e transfronteiriço. A pesquisa é de abordagem qualitativa e tem como estratégia metodológica o estudo de caso com consulta bibliográfica e documental. Tem como objetivo compreender e analisar como se efetiva as questões relacionadas à construção da alteridade no que tange as relações no âmbito escolar envolvendo alunos estrangeiros. Foi possível verificar que à questão do reconhecimento e entendimento do Outro envolvendo a construção da alteridade nas relações entre alunos brasileiros, argentinos e paraguaios, bem como professores e demais servidores do Campus precisa ser mais estudada, para proposição de trabalhos que visem com que a instituição, enquanto escola, desempenhe efetivamente seu papel na construção da alteridade.

Palavras chave: Alteridade. Educação Profissional. Fronteira. Território. Transfronteiriço.

ABSTRACT

 This work presents a study about the role of the school in the construction of alterity, having as field of research the Federal Institute of Paraná Campus Foz do Iguaçu, which offers vacancies for students from Argentina and Paraguay in its subsequent courses. It develops theoretical foundations regarding the categories of alterity, professional education, border, territory and cross-border. The research is a qualitative approach and has as methodological strategy the case study with bibliographical and documentary consultation. It aims to analyze and understand the effectiveness of the issues related to the construction of alterity in terms of relations in the school environment involving foreign students. It was possible to verify that the question of recognition and understanding of the Other involving the construction of alterity in the relations between Brazilian, Argentine and Paraguayan students, as well as teachers and other servers of the Campus, needs to be further studied, in order to propose works that intend to make the institution, as a school, plays its role effectively in the construction of alterity.

Keywords: Alterity. Professional Education. Border. Territory. Cross-border.

RESUMEN

Este trabajo presenta un estudio sobre el papel de la escuela en la construcción de la alteridad, teniendo como campo de investigación el Instituto Federal del Paraná Campus Foz do Iguaçu, el cual ofrece vacantes, en sus cursos subsiguientes, para alumnos de Argentina y Paraguay. Implica desarrollar una fundamentación teórica sobre las categorías de alteridad, educación profesional, frontera, territorio y transfronterizo. La investigación es de abordaje cualitativo y tiene como estrategia metodológica el estudio de caso con consulta bibliográfica y documental. Tiene como objetivo comprender y analizar cómo se efectúan las cuestiones relacionadas con la construcción de la alteridad en lo que se refiere a las relaciones en el ámbito escolar involucrando alumnos extranjeros. En el caso de que se produzca un cambio en las relaciones entre alumnos brasileños, argentinos y paraguayos, así como profesores y demás servidores del Campus, se debe estudiar más, para la proposición de trabajos que visen con la institución , en cuanto escuela, desempeña efectivamente su papel en la construcción de la alteridad.

Palabras clave: Alteridad. Educación Profisional. Frontera. Territorio. Transfronteirizo.
       

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Andréa Marcia Legnani (2019): “O papel da escola na construção da alteridade: o reconhecimento e entendimento do outro em uma instituição de ensino na fronteira”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (septiembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/09/escola-construcao-alteridade.html

//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1909escola-construcao-alteridade

Introdução

A abordagem conceitual sobre as relações de fronteira, território e transfronteiriço, bem como as questões ligadas a alteridade e relacioná-las a educação profissional no sentido de analisar o papel da escola na construção da alteridade, ou seja, do reconhecimento e do entendimento do outro como sujeito integral no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Foz do Iguaçu  é o tema e objetivo deste artigo.
Como objetivos específicos: fazer um aporte histórico da implantação do IFPR Campus Foz do Iguaçu e sua experiência na oferta de vagas para alunos estrangeiros; trazer uma base teórica fundamentada sobre a conceituação da categoria alteridade e refletir sobre a importância do papel da instituição de ensino na construção da alteridade no que tange o reconhecimento e a convivência entre alunos brasileiros e paraguaios.  A proposta de pesquisa se justifica na medida em que aborda uma experiência no âmbito da educação profissional em região de fronteira, numa instituição a qual inicia as primeiras discussões para se tornar um Instituto de Fronteira.
Para o desenvolvimento da pesquisa optou-se pela abordagem qualitativa, porque conforme Flick (2009, p. 24, 25), tal tipologia “[...] dirige-se à análise de casos concretos em suas peculiaridades locais e temporais, partindo das expressões e atividades das pessoas em seus contextos locais”. O autor complementa ainda, que os métodos qualitativos levem em consideração a comunicação do pesquisador como parte da produção do conhecimento e que a subjetividade tanto de quem realiza a pesquisa como dos participantes que estão sendo estudados, tornam-se parte do processo da mesma.
Como estratégia metodológica para coleta e análise de dados foi desenvolvido um estudo de caso, utilizando-se de observação direta, pesquisa bibliográfica e documental. Para YIN (2001, p. 19) “os estudos de caso representam a estratégia preferida quando se colocam questões do tipo "como" e "por que", quando o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real”. O referido estudioso destaca ainda que, “como esforço de pesquisa, o estudo de caso contribui, de forma inigualável, para a compreensão que temos dos fenômenos individuais, organizacionais, sociais e políticos (id. Ibd. P. 21”.
A estrutura deste trabalho está disposta da seguinte forma: no primeiro item, um breve histórico do Instituto Federal do Paraná campus Foz do Iguaçu; no segundo item, a contextualização do objeto de estudo por meio da fundamentação teórica com a abordagem das categorias: alteridade, fronteira, território, transfronteiriço procurando fazer uma articulação entre estas categorias. A seguir descreve a experiência  no campo da educação profissional em região de fronteira, IFPR – Campus Foz do Iguaçu, correlacionando com as questões da construção da alteridade e aborda algumas indicações do que foi possível compreender até o momento e para finalizar, as considerações finais.

1. O Instituto Federal do Paraná Campus Foz do Iguaçu

A Lei nº 11.892 de 29 de dezembro de 2008 instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Os quais possuem finalidades e características especificas conforme é possível observar nos incisos destacados do Art. 6º:

I - ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional;
II - desenvolver a educação profissional e tecnológica como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais;
IV - orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do Instituto Federal; (BRASIL, 2008).

Com tais premissas de ofertar educação profissional e tecnológica, fomentando o desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional, bem como procurando consolidar e fortalecer os arranjos produtivos locais, os Institutos Federais podem contribuir para o desenvolvimento regional diminuição das desigualdades sociais e econômicas.
Em um processo de interiorização, entre os anos de 2003 e 2016, foram construídas mais de 500 novas unidades referentes ao plano de expansão da educação profissional, totalizando 644 campi em funcionamento. São 38 Institutos Federais, em todos os estados brasileiros, ofertando cursos de qualificação, ensino médio integrado, cursos superiores de tecnologia e licenciaturas (MEC, 2016).
O histórico de implantação do Instituto Federal do Paraná (IFPR) inicia em 19 de março de 2008, quando o Conselho Universitário da Universidade Federal do Paraná (UFPR) autoriza a implantação do IFPR a partir da estrutura da Escola Técnica (PDI, 2014-2018).
O Instituto Federal do Paraná é uma instituição pública de educação superior, básica e profissional, de natureza jurídica de autarquia, detentora de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar, vinculado ao Ministério da Educação (Id. Ibid.).

 Em 01 de setembro de 2008, antes mesmo da Lei de criação dos Institutos Federais ser sancionada, o Campus Foz do Iguaçu inicia suas atividades, com a oferta do curso de Técnico em Aquicultura (PPP, 2017).
Para poder atender às necessidades de infraestrutura local, a parceria do Campus com a Itaipu Binacional foi importante, pois foi dessa interação que partiu o convite para que as aulas acontecessem nas dependências do Parque Tecnológico de Itaipu (PTI) o que se deu no período entre setembro de 2008 a novembro de 2009.  Em diálogos entre direção geral do Campus Foz do Iguaçu na época, e direção da Itaipu Binacional cogitou-se a doação do Clube Floresta, que se encontrava desativado, para instalação do IFPR (Id. Ibid.).
O uso do novo espaço se deu a partir de novembro de 2009, quando o Campus passou a funcionar no novo endereço. A doação oficial ocorreu com a presença do então Ministro da Educação Fernando Haddad, que recebeu a escritura do terreno das mãos da Itaipu Binacional e passou para o IFPR Campus Foz do Iguaçu, no dia 29 de abril de 2010 (Id. Ibid.).
Através de diversas parcerias com instituições de ensino da região, como a Unioeste Campus Foz do Iguaçu, UTFPR Campus Toledo e Faculdade Uniamérica, foi possível suprir algumas das demandas de laboratórios e professores (Id. Ibid.).
Com sede própria, a instituição busca atender as demandas do mundo do trabalho da região da Tríplice Fronteira, sendo que o primeiro curso a ser oferecido no Campus foi o curso Técnico em Aquicultura - subsequente (2008) e PROEJA (2009). A ampliação de oferta de vagas aconteceu com a criação do Curso de Técnico em Informática – Integrado (início em 2010), Técnico em Edificações – Integrado (início em 2011), Técnico em Cozinha – subsequente e Técnico em Hidrologia (início em 2011).
Continuando a verticalização dos cursos, foram ofertados dois novos cursos, inaugurando a fase de oferta de cursos superiores pelo Campus: Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas e Licenciatura em Física (início em 2014). No ano de 2017 foram ofertados dois novos cursos a comunidade: Técnico Integrado em Meio Ambiente e Engenharia de Aquicultura. E em 2018 o Curso Técnico Integrado em Aquicultura e o curso de especialização técnica de nível médio em Gestão Gastronômica.
Além dos cursos presenciais o Campus atuou em programas de qualificação profissional com os programas governamentais Pronatec e Mulheres Mil. Também é um Polo Presencial da Educação à Distância (EaD), nas modalidades subsequente, superior e pós-graduação.
Localizado na Tríplice Fronteira (Brasil - Paraguai- Argentina), o Campus Foz do Iguaçu, também oferta vagas para alunos do Paraguai e Argentina.

2. Território, Fronteira, Transfronteiriço, Educação Profissional e Alteridade

O território tem sua origem a partir do espaço, constituindo-se como resultado das ações de atores, que para construí-lo projeta no espaço um trabalho que envolve energia e informação, adaptado as condições e necessidades de uma comunidade ou sociedade. Os atores, neste caso, apropriam-se concretamente ou abstratamente de um espaço e assim o “territorializam”. (RAFFESTIN, 2008). A territorialidade reflete assim, a multidimensionalidade do “vivido” territorial pela coletividade por meio de relações existenciais ou produtivas. Essas relações são de poder, pois acontece na interação entre os atores que buscam modificar, tanto relações com a natureza, como as relações sociais (RAFFESTIN, 1993).
Aprofundando um pouco mais o conceito de território, Saquet (2008 p. 81) argumenta que,

 O território é produto de ações históricas que se concretizam em momentos distintos e sobrepostos, gerando diferentes paisagens. O espaço corresponde ao ambiente natural e ao ambiente organizado socialmente, com destaque para as formas/edificações e para as formas da natureza. Há unidade entre natureza e sociedade (SAQUET,2008 p. 81).

 

Pode-se se observar pelas ideias dos dois autores acima referenciados que o conceito de território abrange além do aspecto geográfico, os aspectos relacionados a questões históricas, políticas, sociais e culturais resultado das ações de atores que transformam o espaço no qual estão inseridos e assim territorializam tal espaço.
Quando o tema é território, no contexto deste estudo, é importante fazer um apontamento em relação ao conceito de fronteira.  Conforme Nogueira (2007, p. 29), “as origens políticas do conceito estão associadas à própria formação dos Estados-nacionais, que no seu processo de consolidação tiveram, e ainda tem que demarcar claramente as linhas divisórias [...]”. O conceito de fronteira resulta de uma construção histórica, um divisor de soberanias, estando relacionado a disputas de poder, defesa de territórios e limites (CURCIO, 2014).
No entanto, a ideia de fronteira orientadora neste estudo, excede as suas definições ancoradas na territorialidade e no desdobramento político (PESAVENTO, 2002), numa perspectiva mais abrangente, nos traz uma visão crítica e plural alcançando também às representações culturais, pois ”[...] as fronteiras não podem ser apenas encaradas como marcos divisórios construídos, que representam limites e estabelecem divisões” (PESAVENTO, 2002, p.36). Assim, para além das linhas demarcatórias e divisórias, as fronteiras nos levam a pensar em um lugar de passagem, de comunicação, de dialogo e intercâmbios. Figurando um fluxo de situações e épocas, de população apontando para uma nova reflexão de que a fronteira é híbrida e mestiça (Id. Ibid).
Quanto a legislação em relação à fronteira, a Lei nº 6.634, de 1979 que trata da delimitação da área fronteira, determina que é considerada área de Segurança Nacional a faixa interna de 150 Km (cento e cinquenta quilômetros) de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional, sendo  denominada como Faixa de Fronteira.
O Estado é o responsável pelas políticas de ordenamento territorial e social comandado pelas relações capitalistas de produção. O Estado detém o poder de legislar sobre o ordenamento e a regulação do uso social do território, tornando-se então, o maior criador e controlador de normativas (LUCHETTI, 2014).
As políticas públicas são uma forma de ordenar o território, devido a necessidade de elaboração de planejamentos para o desenvolvimento local e da convivência em sociedade. Mas, no que diz respeito às políticas públicas implantadas na fronteira, muitas vezes não são efetivadas pelas barreiras legais e diplomáticas, falta de articulação do território com o centro político-decisório do país, e, em sua maioria, dos próprios estados a que pertencem, falta de informações sobre a região e o elevado grau de informalidade de diversas ações executadas em área de fronteira (Id. Ibid.).
Tendo em vista a complexidade que envolve regiões de fronteira, o contexto macro político precisa ser considerado, bem como a diversidade cultural, econômica, social e natural envolvida, que em muitos casos têm sido exploradas e/ou negligenciadas (Id. Ibid.).
Os fluxos transfronteiriços que dizem respeito à educação variam de acordo com o nível de desenvolvimento das cidades fronteiriças. A diversidade de idiomas, culturas, elevados custos, aliados a burocracia para reconhecimento de diplomas inibem o trânsito de estudantes e profissionais estrangeiros entre as cidades vizinhas, principalmente no ensino superior (BRASIL, 2005).
Tal situação constitui-se em um desafio para instituições de ensino em faixa de fronteira, no que se refere a criação de cursos que possam atender as comunidades  dessas áreas, e que traz para o debate educacional a questão da implantação dos Institutos de Fronteira para o centro das discussões.
As políticas federais para a faixa de fronteira envolvem muitos órgãos governamentais, cada um com suas diretrizes e múltiplas atribuições em diversas linhas de ação, as quais precisam ser realizadas de forma conjunta e coesa, com infraestrutura adequada, controles apropriados e propósitos complementares, para que suas atuações sejam produtivas, sem lacunas ou esforços contraproducentes, de modo a possibilitar que os objetivos comuns sejam atingidos (TCU, 2014).
As regiões de fronteira, por sua localização geográfica, transformam-se, de um lugar de conflitos e divisão, para um local de cooperação, diálogo e coesão entre os países fronteiriços. Desta forma, com o fortalecimento do poder nestas localidades, a educação pode ser um agente de integração e uma importante meio de transformação social e desenvolvimento humano (FURTADO, 2013).
A educação profissional em cidades localizadas em faixa de fronteira pode ser uma possibilidade para fomentar maior integração entre os países vizinhos, contribuindo para o desenvolvimento regional e transformação social das condições da comunidade, promovendo parcerias entre instituições locais que por vezes não são possíveis de serem realizadas por órgãos governamentais devido a entraves burocráticos.
Fazendo um adendo em relação à educação como fator de transformação social, é interessante trazer para a reflexão as palavras de Vitor Paro relacionadas a tal tema, nas quais destaca: “a educação poderá contribuir para a transformação social, na medida em que for capaz de servir de instrumento em poder dos grupos sociais dominados em seu esforço de superação da atual sociedade de classes (2000, p. 103)”. Complementando ainda que, “a questão da educação enquanto fator de transformação social inscreve-se no contexto mais amplo do problema das relações entre educação e política (2000, p. 103)”.
Diante da contextualização apresentada é importante refletir sobre o papel da escola na construção da alteridade. Para tanto, primeiramente considera-se buscar um conceito de alteridade para elucidar a articulação entre as categorias discutidas até o momento.
Para tal reflexão, a discussão tecida neste estudo busca fundamentação teórica nos escritos de Emmanuel Levinas (1906-1995), estudioso profundo sobre as questões da alteridade.
Conforme Levinas (1980) o conceito de alteridade parte da premissa do reconhecimento do Outro enquanto constituindo-se para Outro, procurando desenvolver a sensibilidade da “responsabilidade com o Outro”, não importando em qual contexto as relações socioculturais acontecem.
O referido autor traz em seus estudos a percepção da necessidade de revalorização do humano no sentido ético, respeito às diferenças, acolhimento, reconhecimento e entendimento do Outro.
Para compreender o pensamento de Levinas sobre o conceito de alteridade é preciso refletir sobre a noção de Rosto, que pode ser considerado como a expressão de todas as manifestações do ser, pois o “Rosto Fala (LEVINAS, 2009, p. 51)”.
Partindo-se de tal premissa de Levinas, pode-se observar que toda manifestação e percepção do ser se dão por meio do Rosto, o qual pode expressar a significação do ser perante o Outro.
Fazendo uma correlação entre o conceito de fronteira e alteridade, cabe trazer mais uma vez as ideias expressas nos escritos de Sandra Jatahy Pesavento,

Nesta medida, o conceito de fronteira trabalha, necessariamente, com princípios de reconhecimento que envolvem analogias, oposições e correspondências de igualdade, em um jogo permanente de interpenetração e conexões variadas.
É por esse viés de compreensão da fronteira que se confrontam as percepções de alteridade e da identidade, ou que se contrapõem as construções imaginárias de referencia, definindo-se os “outros” com relação a “nós” e vice-versa. (PESAVENTO, 2002, p. 36).

Portanto, as categorias analisadas no texto são necessárias para o entendimento da complexa relação do desenvolvimento de políticas de implantação de instituições de educação profissional em regiões de fronteira, bem como para tentar compreender a questão do reconhecimento e entendimento do Outro, quando se tem em uma instituição de ensino alunos estrangeiros e como a questão da construção da alteridade nestes contextos pode ser realizada.

3. A experiência do IFPR – Campus Foz do Iguaçu: uma reflexão sobre o reconhecimento e o entendimento do outro na construção da alteridade no caso dos alunos paraguaios

Na tríplice fronteira Brasil (Foz do Iguaçu) – Paraguai (Cuidad del Leste) – Argentina (Puerto Iguaçu), o Instituto Federal do Paraná, ainda não se constitui um Instituto de Fronteira, mas um Instituto na Fronteira.
Comparando as experiências de instituições de ensino em região de fronteira é importante enfatizar a diferença conceitual entre Instituto Federal de Fronteira e Instituto Federal na Fronteira.
O caráter conceitual das escolas de fronteira não se dá apenas pela localização, mas sim ao grau de interação da instituição com o país vizinho. Existem Campi que se localizam na região de fronteira e não tem qualquer interação com outro lado da fronteira. Existem outros que interagem com a população dos países vizinhos, mas não de forma institucionalizada, em ações isoladas. Um campus binacional, porém tem a preocupação na integração em todas as suas ações, assim como em todas as suas decisões e em todas as suas ofertas (SILVA e LIMA, 2015, p. 19).
Importante fazer um aparte em relação à especificidade da Tríplice Fronteira, A especificidade das “Territorialidades Transfronteiriças do Iguassu” está no fato de ser um território transfronteiriço (CURY, 2010, p.52).
A ideia dessa confirmação é evidenciada pela experiência no espaço que une culturas e povos, sociedades que apresentam os princípios sociais de forma integrada na sua diversidade, sem que se dispense o fato de que os brasileiros são brasileiros, paraguaios são paraguaios e argentinos são argentinos. Mas a convivência num espaço de complexidade e multiterritorialidade com intimidades impostas pela realidade do mundo vivido os força a viver em constante contato, trocas e interconexões – estas se dão em todos os campos do mundo social (Id. Ibid.).
As especificidades das territorialidades transfronteiriças presente nos fluxos fronteiriços proporcionam experiências que integram culturas, da mesma forma que possibilita as trocas e interconexões em vários campos sociais, incluindo a questão educacional.
Desde a implantação do Campus Foz do Iguaçu, são ofertadas vagas para alunos paraguaios. Baseado no Programa Executivo Educacional entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Paraguai, de 12 de abril de 2007, o qual aprofunda a cooperação bilateral no campo da educação entre os dois países. (IFPR, 2013).
Atualmente o total das vagas ofertadas para alunos transfronteiriços é destinado a candidatos oriundos da República do Paraguai e da República da Argentina, totalizando quatro vagas para curso subsequente. Estas vagas são disponibilizadas apenas para o curso técnico Cozinha.
Alguns trâmites relativos à documentação devem ser seguidos para que alunos dos referidos países para que possam se matricular nos cursos, para isso é necessário a apresentação do Registro Nacional de Estrangeiros (RNE). O estudante, no prazo máximo de 60 (sessenta dias) deve apresentar-se no Departamento de Polícia Federal, para requerer o RNE, e, posteriormente, à Receita Federal, para emissão do Cadastro de Pessoa Física (CPF). O aluno deve, imediatamente após o prazo citado acima, apresentar cópia do Protocolo e Certidão emitida pela Polícia Federal na Secretaria Acadêmica do Campus (Id. Ibid.).
O Campus Foz do Iguaçu, por meio da Seção Pedagógica, acompanha e orienta os alunos quando aos procedimentos legais para obtenção da RNE. Todos os custos pertinentes aos documentos necessários para emissão do RNE são de inteira responsabilidade do estudante.
Até o momento apenas alunos paraguaios ingressam nos cursos técnicos do IFPR Campus Foz do Iguaçu. Não há ainda uma política de cooperação entre os países para validação no Paraguai, na Argentina ou Uruguai, dos diplomas dos alunos transfronteiriços que concluem os cursos.
Conforme Cury (2010, p.62) “As relações transfronteiriças acontecem e dependem das comunidades de fronteira e principalmente da vontade política de ambas as partes”.
No Campus Foz do Iguaçu não há ainda nenhuma aproximação com instituições de ensino da Argentina e do Paraguai, possivelmente devido às questões de forças políticas que envolvem acordos de cooperação entre os países e por falta de iniciativa por parte da comunidade de fronteira em buscar as instituições locais dos países vizinhos para estabelecer parcerias e acordos no sentido de implantação de cursos binacionais.
Mas para além dessas questões burocráticas o que se pretende neste estudo é trazer para a discussão a questão destes alunos transfronteiriços que ingressam no Instituto Federal do Paraná Campus Foz do Iguaçu e o papel da escola em relação à construção da alteridade no que tange aos respectivos alunos. Para tanto são levantadas algumas questões como: - Qual a visibilidade por parte da instituição, dos professores e demais alunos na convivência com alunos transfronteiriços? - As questões culturais são consideradas? - Tem sido realizado algum trabalho reconhecimento e o acolhimento destes alunos perante a comunidade acadêmica? As relações de alteridade são levadas em consideração? Há um trabalho de construção da alteridade na formação destes alunos em relação ao Outro?
Pode-se tentar responder estas questões trazendo para reflexão as seguintes premissas de Emmanuel Levinas:

- A alteridade só é possível a partir de mim (1980, p. 27).
- O absolutamente Outro é Outrem; não faz número comigo. A coletividade em que digo “tu” ou “nós” não é um plural do “eu”. Eu, tu, não são indivíduos de um conceito comum. Nem a posse, nem a unidade do número, nem a unidade do conceito me ligam a outrem. A ausência de pátria comum que faz do Outro – o Estrangeiro; o Estrangeiro que perturba o “em sua casa”. Mas o Estrangeiro quer dizer também o livre. Sobre ele não posso poder, porquanto escapa ao meu domínio num aspecto essencial, mesmo que eu disponha dele: é que ele não está inteiramente no meu lugar. Mas eu, não tenho conceito comum com o Estrangeiro, sou, tal como ele, sem gênero. Somos o Mesmo e o Outro (1980, p. 26,27).

 

            Partindo das vivências da pesquisadora, que acompanha a trajetória da instituição, pois é servidora da mesma desde 2010. Percebe-se que o reconhecimento e acolhimento do Outro e do Outrem nas relações que envolvem alteridade precisa ser estudada mais profundamente. Pois em uma instituição de ensino pode-se encontrar inúmeras significações culturais dependo do contexto e da realidade da qual os alunos são provenientes e isso interfere na forma de ver e compreender o mundo bem como na consciência do ser e do outro na construção da alteridade. Em se tratando de culturas de alunos de países tão distintos como é o caso do Brasil e do Paraguai tal situação parece ser ainda mais complexa.
Não há nenhum trabalho de reconhecimento e compressão em relação aos alunos paraguaios, de suas vivências, de sua cultura, de suas necessidades. Estes alunos são selecionados, ingressam na instituição, concluem seus cursos, mas, ainda não são realizadas ações  de acompanhamento dos mesmos. As aulas são em português, não se levando em consideração que os alunos paraguaios têm como línguas o Guarani e o Espanhol e precisam se adaptar ao contexto escolar brasileiro.
Os currículos dos cursos não foram elaborados para um atendimento multicultural e não fazem menção ao atendimento de alunos estrangeiros, mais especificamente os paraguaios em questão.
Aqui cabe trazer para reflexão a questão da educação multicultural,

Distinguir a integração de minorias sociais, étnicas e culturais ao processo de escolarização constitui uma manifestação muito concreta de um objetivo mais geral: o da educação multicultural. Por outro lado, a busca de um currículo multicultural para o ensino é outra manifestação particular de um problema mais amplo: a capacidade da educação para acolher a diversidade (SACRISTÁN, p. 25, 2000).

            Acolher a diversidade, proporcionar uma educação multicultural, contribuir para construção da alteridade, são alguns dos desafios da educação, principalmente em instituições localizadas em faixa de fronteira, mais especificamente Foz do Iguaçu, que além de sua singularidade de Tríplice Fronteira, abriga aproximadamente 80 etnias.
Com uma oferta de vagas incipiente, os alunos paraguaios são minoria dentro de uma ampla esfera de diversidades, singularidades e culturas. Tal situação aparenta uma quase invisibilidade desses alunos, mas que, de acordo com Levinas (1980, p. 22) “A invisibilidade não indica uma ausência de relações; implica relações com que não é dado e do qual não temos ideia”. E podem-se levantar algumas questões aqui: - Que relações são estas? Como se desenvolvem estas relações levando-se em consideração a compreensão e o reconhecimento do outro?
Entender e reconhecer o Outro como um ser integral, com características próprias e culturais da realidade da qual é proveniente pode contribuir para a formação de uma sociedade mais justa e igualitária, na qual todos tenham garantida a participação efetiva.
Mas como a escola pode contribuir para a construção da alteridade nos indivíduos? Como é possível garantir que as relações sejam alicerçadas num contexto de valorização, reconhecimento e acolhimento do Outro respeitando sua individualidade e cultura em suas singularidades?
De acordo com José Luiz Adair Prado, professor em comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo a alteridade se constrói:

No contato com a cultura do outro são produzidas representações que ora nos aproximam, ora nos afastam do Outro. [...] A escola pode apresentar aos alunos a força da cultura e dos imaginários, explicitando o movimento desses contatos interculturais, transculturais, que produzem sem cessar mudanças em cada uma das partes. A escola pode exercitar um olhar compreensivo da cultura do outro, produzindo, ao mesmo tempo, reflexão sobre a necessidade de diálogo com o Outro, ou seja, a compreensão da diferença entre culturas, mas da busca de algo que ultrapasse o meramente relativista, de algo que possa nos unir a partir das (e não contra as) diferenças (PRADO, 2014).

            O estudioso destaca ainda que o aprendizado da alteridade deveria fazer parte do cotidiano escolar, no desenvolvimento das disciplinas, na vivência dos alunos, da leitura de mídia, da compreensão da literatura e da política. Também destaca que os temas escolares devem ser condizentes com os da vida cotidiana dos vários grupos sociais que vivenciam realidades culturais e sociais diferentes.
Compreender a educação por meio da alteridade significa o ser humano assumir uma postura frente ao mundo e em relação a si mesmo de conhecimento e reconhecimento do outro nas relações sociais estabelecidas no cotidiano quer seja em âmbito pessoal, escolar, profissional ou social.
Desta forma pensar a educação, e neste caso especifico, a educação profissional em uma instituição localizada em uma área de fronteira, é pensar a educação, conforme expressa Molar (2011), baseada numa perspectiva de que a alteridade deve passar a ser concebida como um processo construído pela relação particular e intensa entre diferentes sujeitos, com opções e projetos diferenciados. Destacando que,

Em suma, pensar e construir a noção de alteridade pressupõe uma pluralidade de caminhos, mas, também, de desafios. O respeito a paridade de direitos configura-se como fator essencial nesse processo impessoal proposto pelo capitalismo. Assim, o reconhecimento do “outro” como constituinte, parte integrante de si, deve ultrapassar os muros da teoria, para que a alteridade chegue aos alunos na forma de práxis e, principalmente, seja reconhecida nas situações e acontecimentos cotidianos como um valor social e educacional dos mais relevantes (MOLAR, 2011, p.70).

            Diante do exposto, o pode-se observar até o momento, é que o papel da escola na construção da alteridade é uma tarefa complexa, principalmente em contextos de escolas de fronteira. Sendo necessário que a instituição de ensino passe a ter outro olhar em relação aos alunos estrangeiros, reconhecendo e procurando compreender quem é este “Outro”, que escolhe fazer um curso em outro país enfrentando vários desafios a começar pela questão da Língua, passando pelas questões culturais e de relacionamento com professores, servidores e outros estudantes em um contexto completamente diferente do seu país de origem.

4. Considerações Finais

No que possível observar com o desenvolvimento da pesquisa é que o IFPR Campus Foz do Iguaçu apenas dá seus primeiros passos para se tornar um Instituto de Fronteira, com oferta de poucas vagas para alunos transfronteiriços sem nenhum acordo ou política implantada com os países com quais ofertas as vagas para validação dos diplomas em seus países de origem.
As questões relacionadas à questão do reconhecimento e entendimento do Outro envolvendo a construção da alteridade nas relações entre alunos brasileiros e paraguaios, bem como professores e demais servidores do Campus precisa ser mais estudada, para proposição de trabalhos que visem com que a instituição, enquanto escola desempenhe seu papel na construção da alteridade.
Sendo possível assim que tanto os alunos paraguaios como os demais, ingressem, permaneçam e concluam seus cursos tendo como uma das premissas da instituição a garantia de terem uma convivência escolar na qual sua cultura, sua singularidade, suas diferenças possam ser respeitadas, reconhecidas e compreendidas contribuindo assim para uma formação integral de todos.
A proposta dos Institutos Federais (IF’s) contempla a educação profissional e tecnológica, e, em se tratando de institutos localizados na faixa de fronteira, o olhar sobre os dois lados, ou três, no caso da Tríplice Fronteira, considerando as relações de alteridade e o estudante transfronteiriço, torna-se imprescindível.
Os IF’s de Fronteira tem a possibilidade de ser um meio para o desenvolvimento fronteiriço, tanto no aspecto social como no econômico, além de contribuir para a promoção do intercâmbio de conhecimentos e experiências entre todos os envolvidos, além de desenvolver a consciência do acolhimento, respeito às diferenças, reconhecimento e compreensão do ser enquanto “Outro”.

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*Mestre em Sociedade Cultura e Fronteiras; Doutoranda da Pós-Graduação Stricto Sensu – Sociedade, Cultura e Fronteiras - UNIOESTE; Foz do Iguaçu, Paraná e Brasil; Pedagoga do Instituto Federal do Paraná Campus Foz do Iguaçu. andrea.legnani@hotmail.com

Recibido: 01/04/2019 Aceptado: 10/09/2019 Publicado: Septiembre de 2019

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