Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


A REFORMA TRABALHISTA E O CONTRATO INTERMITENTE: “A LIBERDADE DOS PÁSSAROS PARA DELEITE DOS CAÇADORES”

Autores e infomación del artículo

Isabella Farias De Albuquerque Góes*

Isabele Bandeira De Moraes D’angelo**

Universidade de Pernambuco, Brasil

Email: isabellaffarias@hotmail.com


RESUMO

A lei n.º 13.467/2017, a Reforma Trabalhista, propôs alterações substanciais na legislação trabalhista brasileira, no tocante às relações contratuais entre patrões e empregados. Dentre as diversas alterações, o objetivo da presente pesquisa é analisar o fenômeno da flexibilização da legislação laboral pátria, o Trabalho intermitente e as repercussões deste tipo de contrato para a precarização do trabalhador. Além disso, faz-se um comparativo entre contratos semelhantes em diferentes ordeidntos jurídicos e discorre-se sobre a violação de garantias constitucionais. Neste trabalho, utilizou-se o método dedutivo, a metodologia de revisão bibliográfica, abordando a problemática de forma qualitativa. Concluiu-se que o contrato intermitente é uma realidade precarizante para o trabalhador, visto que não há o mínimo de segurança acerca da jornada de trabalho, que flexibilização no Direito do Trabalho se consubstancia na violação de diversos Direitos Fundamentais do trabalhador e que a relativização da Proteção conferida ao trabalhador não se traduz na diminuição do desemprego ou como método eficaz para superação da crise econômica.

Palavras-chave: Reforma trabalhista. Contrato intermitente. Flexibilização. Direitos Fundamentais.

ABSTRACT

The Law nº 13.467/2017, the Labor Reform, proposed substantial changes in Brazilian labor legislation, regarding contractual relations between employers and employees. Among the several changes, the objective of this research is to analyze the phenomenon of flexibilization of labor legislation, intermittent work and the repercussions of this type of contract for the precariousness of the worker. In addition, a comparison is made between similar contracts in different legal systems and the violation of constitutional guarantees is discussed. In this work, the deductive method was used, the methodology of bibliographic revision, approaching the problem in a qualitative way. It was concluded that the intermittent contract is a precarious situation for the worker, since there is not a minimum of security about the working day, that flexibilization in the Labor Law is consubstantiated in the violation of several Fundamental Rights of the worker and that the relativization of the Protection granted to the worker does not translate into the reduction of unemployment or as an effective method to overcome the economic crisis.

Key words: Labor reform. Intermittent contract. Flexibilization. Fundamental rights.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Isabella Farias De Albuquerque Góes e Isabele Bandeira De Moraes D’angelo (2019): “A reforma trabalhista e o contrato intermitente: “A liberdade dos pássaros para deleite dos caçadores””, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (agosto 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/08/reforma-trabalhista.html

//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1908reforma-trabalhista

1. INTRODUÇÃO

A lei n.º 13.467/2017, também chamada de “Mini Reforma Trabalhista”, entrou em vigor em novembro de 2017. Apesar de esta norma ter sido assim chamada pelos legisladores, propôs alterações substanciais na legislação trabalhista brasileira, no tocante às relações contratuais entre patrões e empregados.
As mudanças apresentadas foram defendidas pelo Governo Federal, bem como por grandes empresários, sob o fundamento de que elas valorizam a negociação direta entre os empregados e os patrões, além de dinamizarem a economia. O movimento sindical, no entanto, mostrou-se contrário às transformações, asseverando que a reforma usurpa dos trabalhadores os seus direitos garantidos constitucionalmente.
Dentre as diversas alterações, é importante destacar a novidade introduzida pelo art. 452-A e seguintes da CLT, o contrato intermitente.
Por meio dessa nova modalidade de contratação, o empregador passa a poder requisitar, através de qualquer meio de comunicação, a presença do empregado, a qualquer momento, conforme sua conveniência, sendo necessário apenas informar como será a jornada, num prazo de 3 (três) dias corridos de antecedência. Por sua vez, o empregado pode ou não aceitar a oferta, entretanto, seu prazo é de apenas 1 (um) dia, findo o mesmo sem resposta, presume-se a recusa.
Como o próprio nome sugere, há intermitência na prestação de serviços. Significa dizer que há subordinação do empregado ao empregador, assim como os demais requisitos da relação de emprego, contudo, relativiza-se o requisito da habitualidade, havendo alternância entre períodos de prestação de serviço e inatividade, podendo tal período ser de horas, dias, meses ou até mesmo ano. Há também a possibilidade de o empregado estar subordinado a diversos empregadores, haja vista não ter certeza acerca da prestação dos serviços, e, por conseguinte, do seu salário, necessitando de vários tomadores para poder ter o mínimo de segurança. Por esse motivo, o objetivo deste trabalho é entender em que medida a reforma trabalhista, em especial o contrato intermitente, representam a precarização para o trabalhador brasileiro.
Além disso, é possível que essas novas regras estejam violando princípios basilares do Direito do Trabalho, que são essenciais para garantia da proteção do trabalhador, podendo a sua inobservância ferir inclusive a garantia aos direitos fundamentais constitucionais.1
É importante frisar, ainda, que as alterações no art. 452-A e seguintes da CLT estavam inseridas no projeto original da lei nº 13.467/17, a qual foi modificada com a Medida Provisória 808/17. No entanto, a referida medida provisória não foi apreciada pelo Congresso Nacional, vindo a caducar em abril de 2018. Por este motivo, esse tipo de contrato de trabalho, entre outros pontos que haviam sido modificados pela MP 808/17 passaram a ser regulamentados pela portaria de número 349/18, do agora extinto Ministério do Trabalho e Emprego, entre maio de 2018 e janeiro de 2019. Assim, voltamos ao texto original do projeto da Reforma.
Nessa linha, mesmo a reforma trabalhista estando em pauta no Congresso Nacional desde 2016, tendo sido sancionada em meados de 2017, ainda são tímidos os estudos acerca do trabalho intermitente e as consequências práticas na vida laboral do trabalhador contratado sob esse regime. Em razão do curto tempo de vigência dessa norma, e das diversas modificações ocorridas, uma forma eficaz para analisar os efeitos dessas modificações na legislação laboral pátria é fazer um comparativo com outros ordeidntos jurídicos que possuem contratos de regime semelhante.
Com base nas observações feitas, a problemática de pesquisa que orienta o presente estudo é sobre quais os prejuízos que poderá sofrer a classe trabalhadora com a inserção do Trabalho intermitente no ordeidnto jurídico brasileiro. Isto é, analisar as repercussões da flexibilização das leis trabalhistas para a precarização do trabalhador, descrever de que forma o trabalho intermitente viola os Princípios basilares do Direito do trabalho e os Direitos Fundamentais positivados nos arts. 5º, 6º e 7º da Constituição Federal de 1988, além de fazer um comparativo entre os principais aspectos de legislações estrangeiras que dispõem sobre tal modalidade contratual.
Para tanto, optou-se por desenvolver este estudo por meio de uma análise bibliográfica, além de consulta a textos de lei e outros atos normativos, procurando analisar de forma pormenorizada as questões supramencionadas, bem como buscar soluções e/ou uma tutela jurídica mais adequada e garantista à realidade do trabalhador brasileiro. Assim, na presente pesquisa, o método de estudo aplicado foi o dedutivo, uma vez que sob um viés de generalização, a partir da análise de um tema específico, qual seja o contrato intermitente, buscou-se prever alguns dos prejuízos que a flexibilização das leis trabalhistas, a partir do advento da lei 13.467/17, pode causar ao trabalhador.
Por fim, os dados apresentados foram coletados através de documentos extraídos de artigos científicos, livros, revistas, periódicos e jornais. Pretendeu-se, portanto, apresentar novas perspectivas acerca do tema e descrever de que formas será possível atenuar a violação de preceitos constitucionais.
Para tanto, optou-se por desenvolver o estudo dividindo-o em tópicos. No primeiro, pretendeu-se fazer um comparativo entre as modalidades de contrato intermitente em diferentes ordeidntos jurídicos, demonstrando suas semelhanças e analisando se foram uma medida eficaz para atenuar o fenômeno da crise econômica que assolou diversos países.
No segundo título, buscou-se abordar de que maneira o trabalho intermitente viola preceitos constitucionais e princípios basilares do Direito do trabalho, trazendo o entendimento da doutrina constitucionalista e jus-laboralista acerca desse ponto, bem como a vertente da Teoria Social Crítica, desenvolvida por Everaldo Gaspar de Andrade.
No último tópico, procurou-se elucidar se a flexibilização da legislação trabalhista, especialmente na ótica do Trabalho intermitente, se traduz na precarização do trabalhador brasileiro. Foram analisados os principais pontos alterados com a Reforma trabalhista, contrapondo as justificativas apresentadas pelo legislador Brasileiro para o abrandamento de garantias constitucionais como forma de superação da recessão econômica com estudos e relatórios oficiais publicados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Assim, o propósito da presente pesquisa, é, a partir de seus resultados, a publicação de artigo científico em revista indexada.

2. Trabalho Intermitente: Superação da crise ou falácia do legislador brasileiro?

A nova modalidade de contrato, o trabalho intermitente, inserido com a lei nº 13.467/17 no ordeidnto jurídico brasileiro, possui características semelhantes a outros contratos existentes em países como a Itália, Inglaterra e Portugal.
Correia e Miessa (2018, p.353) aduzem que a jurisprudência trabalhista pátria já discutia questões sobre jornada de trabalho variável ou móvel, modalidade de jornada de trabalho idealizada para o segmento de restaurantes e buffets, em que há variação na demanda de trabalho, podendo ser maior ou menor em determinados períodos. Dessa forma, dependendo da necessidade do empregador, o empregado poderia ser chamado para trabalhar com jornada de durações diferentes a cada dia ou semana.
O modelo que mais se assemelha ao contrato de trabalho intermitente brasileiro, é o chamado zero-hour contract, também chamado de “contrato a zero hora”, encontrado na legislação britânica. Como seu próprio nome sugere, nesse tipo de contrato, não se tem garantia de um número mínimo de horas a ser trabalhado. Assim como no Brasil, os empregados são convocados conforme a demanda e a conveniência do empregador.
Esse tipo de trabalho é muito comum em outros países, principalmente nos grandes centros urbanos ou cidades em que predomina o turismo. A rede de fast-food Mc Donald’s, mundialmente conhecida, mantém em seus quadros mais de dois milhões de funcionários. Com uma marca expressiva de contratações a zero hora na Grã-Bretanha, passou a receber críticas pelas condições de trabalho oferecidas aos seus empregados, bem como pelo valor do salário pago por hora. 2
D’amorim (2018, p.53) aduz que para os que defendem esse tipo de trabalho, essa contratação seria mais benéfica ao mercado de trabalho, visto que reduziria o índice de desemprego, por meio da geração de vagas para aqueles que não desejam, ou que não podem ter um contrato de trabalho regular, a exemplo de estudantes. Em relação às empresas, esta modalidade reduziria os custos e ajudaria a manter os trabalhadores empregados em tempos econômicos de crise. Para os empregados, proporcionaria uma maior flexibilidade, gerando mais oportunidades de trabalho.
Entretanto, como mencionado acima, assim como no Brasil, essa modalidade de contratação inglesa também sofre críticas, fundamentadas no fato de que nos moldes dessa contratação permite-se que os patrões explorem os trabalhadores, os quais diante da insegurança financeira, não estariam em posição de negociar aumentos salariais e melhores condições de trabalho. Os críticos argumentam também que os referidos contratos seriam uma forma de evitar obrigações trabalhistas (D’AMORIM, 2018, p.53).
Ademais, diferentemente do que prevê a legislação brasileira, a legislação inglesa não garante que os trabalhadores sob esta modalidade contratual devam receber valor equivalente aos que desempenham a mesma função em contratos regulares, sendo menos favorável que a brasileira, para o trabalhador, apenas neste aspecto. Por esse motivo, críticos e doutrinadores ingleses definem o “zero-hour contract” como apenas um rótulo para mascarar o crescimento da precarização (ADAMS; FREEDLAND; PRASSL, 2015, p.2).
Observando a tendência mundial de contratos de trabalho em jornadas reduzidas, principalmente frente a momentos de crise econômica, afirma Antunes (2018, p. 37), que nas empresas modernas o que os capitais exigem é o trabalho mais flexível possível, ou seja, sem jornadas pré-determinadas, sem local de trabalho específico, sem remuneração fixa, sem direitos e até mesmo sem organização sindical. Aponta também que seguindo essa ideia, até sistemas de metas são flexíveis: as metas do dia seguinte devem ser sempre maiores que as alcançadas em dias anteriores.
A despeito disso, ao passo em que as legislações brasileira e britânica praticamente não determinam restrições, nem ressalvas para o contrato de trabalho intermitente, em outros países, como os países ibéricos, a Itália e a Alemanha, que possuem ordeidntos com caráter garantista, os trabalhadores contratados sob essa modalidade possuem mais direitos e proteção.
Nessa linha, sob a ótica de uma política alternativa, Portugal é um exemplo de país que vem conseguindo vencer um longo período de crise econômica sem que houvesse o abrandamento de sua legislação no tocante à proteção nas relações de trabalho. Segundo reportagem do “The economist”, o país adotou medidas como aumento de salários e aposentadorias, medidas essas que vão de encontro à política de austeridade presente em grande parte da Europa como forma de vencer a recessão econômica. Contudo, tais medidas foram de extrema relevância para o crescimento econômico do país, que conseguiu reduzir seu déficit orçamentário pela metade, no ano de 2016. 3
Além disso, a figura do contrato intermitente também se faz presente em seu ordeidnto jurídico desde 2009, com disposição expressa nos arts. 157 a 160 do Código do Trabalho Português (Lei 7/2009). Entretanto, sua regulamentação confere ao empregado o mínimo de segurança acerca da forma de prestação de serviço. Isso porque, lá, o contrato de trabalho deve indicar o número anual das horas de trabalho, ou o número anual dos dias de trabalho a tempo completo; deve determinar o período de prestação de trabalho, que não pode ser inferior a seis meses a tempo completo, por ano, dos quais ao menos quatro meses devem ser consecutivos; impõe ao empregador o mínimo de 20 dias de antecedência para informar ao trabalhador sobre sua jornada, além de prever um percentual de valor a ser pago pelo empregador como uma compensação retributiva no período de inatividade, não deixando o trabalhador à mingua.
Dessa forma, nota-se que o legislador brasileiro não se espelhou nos aspectos positivos de outros contratos semelhantes, apenas observou o que fosse mais conveniente para a expansão do lucro para a classe empresária. D’Angelo e Finelli (2017, p. 14) apontam que, apesar das semelhanças apresentadas entre os contratos supramencionados,

difícil se torna a tarefa de reconhecer inspiração internacional ao contrato inserido pela Reforma e pela MP. O que se indica, em realidade, é uma fraude à legislação já existente, pois, para preencher períodos de alta demanda, já bastam os contratos temporários e os terceirizados, mais que precarizantes, mas, ainda assim, melhores que o emaranhado intermitente.  E dizemos “melhores” porque garantem salário fixo mensal, condições de saúde e segurança do trabalho e não pagam verbas a menor, embora, agora, tudo seja possível, com os institutos do acordo individual extrajudicial (Artigo 484-A) e da quitação plena e irrestrita anual perante o sindicato (Artigo 507-B).
O que vem ocorrendo, [...], é a transubstanciação do ilícito trabalhista.

Com isso, não é compreensível o argumento relacionado às vantagens para o cenário econômico do país, uma vez que temos exemplos concretos de superação da recessão econômica com a manutenção de garantias e direitos trabalhistas. Entretanto, o que se vê no Brasil é a extirpação dos direitos trabalhistas arduamente conquistados em lutas seculares, a relativização da previdência social, além de, em longo prazo, adoecimento precoce de uma população que precisa trabalhar muito mais horas, até mesmo em duplas ou triplas jornadas, para lograr uma remuneração que lhe possibilite uma “vida digna”.

3. O Trabalho Intermitente e a violação aos Princípios basilares do Direito do Trabalho e os Direitos Fundamentais positivados nos arts. 5º, 6º e 7º da Constituição Federal de 1988

A principal finalidade do Direito do Trabalho é regulamentação das relações jurídicas entre empregadores e trabalhadores, visando a dignidade humana do trabalhador e suas condições de trabalho. O contrato de trabalho é uma relação ou um negócio jurídico inter partes que deve seguir normas específicas e diferentes da regulamentação contratual Civil. Segundo Delgado (2017, p. 574),

[...] define-se o contrato de trabalho como o negócio jurídico expresso ou tácito mediante o qual uma pessoa natural obriga-se perante pessoa natural, jurídica ou ente despersonificado a uma prestação pessoal, não eventual, subordinada e onerosa de serviços. Também pode ser definido o contrato empregatício como o acordo de vontades, tácito ou expresso, pelo qual uma pessoa física coloca seus serviços à disposição de outrem, a serem prestados com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação ao tomador. A definição, portanto, constrói-se a partir dos elementos fático-jurídicos componentes da relação empregatícia, deflagrada pelo ajuste tácito ou expresso entre as partes.

A especificidade da legislação trabalhista advém de um contexto de lutas seculares de empregados, buscando condições mínimas de trabalho. Cassar (2014, p.59) afirma que o Direito do trabalho surge como uma reação às Revoluções sociais ocorridas nos séculos XVIII e XIX, senão vejamos:

O Direito do Trabalho nasce como reação às Revoluções Francesa e Industrial e à crescente exploração desumana do trabalho. É um produto da reação ocorrida no século XIX contra a utilização sem limites do trabalho humano. A partir daí encontramos legislações e constituições preocupadas em proteger o hipossuficiente.

Com isso, nota-se o caráter protecionista do Direito do Trabalho em relação ao empregado, o que se ratifica com o processo de Constitucionalização desse ramo. Delgado (2017, p.64) discorre:

[...] O Texto Magno de 1998 [...] constitucionalizou vários Princípios próprios do Direito Individual do Trabalho, tais como o da proteção; o da norma mais favorável; o da imperatividade das normas trabalhistas; o da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, o da intangibilidade e irredutibilidade salariais; o da primazia da realidade sobre a forma; o da continuidade da relação de emprego, o da irretroação das nulidades.

Além dos princípios próprios do Direito do Trabalho, constitucionalizados em 1988, existem diversos outros princípios, direitos e garantias fundamentais e sociais dispostos no Texto constitucional que estão intrinsecamente ligados ao trabalho e à dignidade do trabalhador.
Cumpre salientar que essas “bases”, as quais nomeamos de princípios, devem nortear a criação, a interpretação e a aplicação das normas, bem como a integração para a supressão das lacunas existentes. Por esse motivo, as normas que neles devem se basear, também devem estar em conformidade com o Texto Constitucional em vigor. Novelino (2016, p.159) explica que a Constituição possui supremacia de conteúdo em relação às leis e outras espécies normativas:

No plano dogmático, esta (supremacia) se traduz na superioridade hierárquica de suas normas em relação a todas as demais espécies normativas, as quais só serão válidas quando produzidas em consonância com a forma e/ou conteúdo constitucionalmente determinados. A Supremacia da Constituição impõe a compatibilidade vertical das normas do ordeidnto jurídico, fiscalizadas por órgãos encarregados de impedir a criação ou manutenção de atos normativos em desacordo com o seu fundamento de validade.

            Reforçando a ideia acima, Canotilho (1998, p. 811 e 812) discorre:

Todos os actos normativos devem estar em conformidade com a Constituição [...]. significa isso que os actos legislativos e restantes actos normativos devem estar subordinados, formal, procedimental e substancialmente, ao parâmetro constitucional. Mas qual é o escalão normativo de acordo com o qual se deve controlar a conformidade dos actos normativos? As respostas a este problema oscilam fundamentalmente entre duas posições: (1) o parâmetro equivale à constituição escrita ou leis com valor constitucional formal, e daí que a conformidade dos actos só possa ser aferida, sob o ponto de vista da sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade, segundo as normas e princípios escritos na constituição (ou entre as leis formalmente constitucionais); (2) o parâmetro constitucional é a ordem constitucional global, e, por isso, o juízo de legitimidade constitucional dos actos normativos deve-se fazer não apenas segundo as normas e princípios escritos das leis constitucionais, mas também tendo em conta princípios não escritos integrantes da ordem constitucional global.

Sob a ótica do segundo posicioidnto, a normativa trabalhista não pode estar aquém daquilo que propõe a Carta Magna. Frisa-se, entretanto, que estando compatível, poderá ir além e conferir maiores garantias ao trabalhador.
Ocorre que, com o advento da lei 13.467/17 (reforma trabalhista), com a Medida Provisória 808/17 (a qual caducou em abril de 2018), e a Portaria nº 349/2018, diversos pontos da CLT promulgada nos anos 40 foram modificados.
Nessa linha, concorda-se que a atualização da norma se faz necessária, uma vez que esta deve se adequar ao contexto social em que será aplicada. Entretanto, ao passo em que se espera uma modificação que ao menos mantenha ou amplie a proteção e as garantias trabalhistas em uma época de tamanha insegurança jurídica, entra em vigor uma lei que usurpa do trabalhador direitos histórico e arduamente conquistados.
Os arts 5º, 6º e 7º da Constituição trazem um amplo rol de direitos que foram atingidos pela inserção do Trabalho Intermitente no ordeidnto jurídico brasileiro. Princípios como o da Proteção (desdobrando-se também nos princípios da aplicação da norma mais favorável e o da condição mais benéfica), da Intangibilidade Salarial, da Dignidade Humana foram diretamente assestados para satisfazer os interesses econômicos de grandes empresários e empregadores.
A Lei nº 13.467/17 atribuiu uma nova redação ao do art. 443 da Consolidação, modificando o caput e inserindo novo § 3º. Além disso, inseriu, também, novo art. 452-A. Na portaria 349/18 do Ministério do Trabalho e Emprego, as disposições eram simétricas, de forma que o contrato de trabalho seria considerado intermitente quando a prestação de serviços, com subordinação, não fosse contínua e ocorresse com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, com exceção dos aeronautas, que são regidos por legislação própria, conforme art. 443, §3º, da CLT.
Ademais, os atos normativos acima mencionados também expõem que essa modalidade de contrato deve ser celebrada por escrito e registrada na Carteira de Trabalho e Previdência Social, ainda que haja previsão em acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva. O contrato deve conter a identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes, além do valor da hora ou do dia de trabalho, que não poderá ser inferior ao valor correspondente em horas ou dias do salário mínimo, nem mesmo inferior àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função, sendo assegurada a remuneração do trabalho noturno superior ao diurno e, por fim, o local e o prazo para o pagamento da remuneração, conforme dispõe o art. 2º da referida portaria.
Contudo, é importante salientar, que o período de inatividade supramencionado não será considerado tempo à disposição do empregador e não será remunerado, para que não se descaracterize tal modalidade contratual, de forma que se relativiza o requisito da habitualidade do trabalhador.
Com isso, o caráter econômico da nova lei é indiscutível: o empregador convocará o empregado, que estará a sua disposição, somente quando for conveniente e lhe pagará apenas o valor correspondente às horas efetivamente trabalhadas. Por esse motivo, observa-se a transgressão de vários princípios que visam à proteção do trabalhador.
Delgado (2017, p. 213) explica o Princípio da Proteção (no Direito do Trabalho) como uma espécie de teia de proteção à parte hipossuficiente da relação empregatícia, ou seja, o trabalhador.
Essa proteção tem como fito a atenuação do desequilíbrio inerente ao contrato de trabalho no plano jurídico:
o motivo da proteção é a inferioridade do contratante amparado em face do outro, cuja superioridade que lhe permite, ou a um organismo que o represente, impor unilateralmente as cláusulas do contrato, que o primeiro não tem a possibilidade de discutir, cabendo-lhe aceitá-las ou recusá-las em bloco. (SILVA, 1996, p.19)

Todavia, apesar de ser considerado uma base para todos os outros princípios trabalhistas, na visão da Teoria crítica do Direito do Trabalho, esse conceito ainda se mostra limitado:

A teoria clássica refere-se ao “Princípio Protetor”, vinculando-o, exclusivamente, às relações individuais do trabalho. Por isso, aparece ele sempre relacionado a regras de concretização introduzidas pela doutrina através de certas denominações, como: “aplicação da norma jurídica mais favorável”, “condição mais benéfica”, “in dúbio pro operário”, “proteção contra as mudanças tecnológicas”, “desemprego estrutural”, “flexibilização”, etc. (ANDRADE, 2009, p. 244).

 Para a Teoria crítica, tem-se que tal proteção deve abranger todas as formas de trabalho presentes na sociedade atual, sejam elas formais ou não, passando de uma proteção individual para uma proteção social. Pode-se dizer, também, que configuraria uma ampliação da proteção jurídica conferida às relações de trabalho. Andrade (2009, p. 244) aduz que

Um verdadeiro Princípio de Proteção Social deve surgir da força das organizações coletivas e de uma proposta econômica adaptada à sociedade pós-industrial, a fim de atender indistintamente a todos os cidadãos que vivem ou pretendem viver de uma renda ou de um trabalho dignos, sobretudo do trabalho livre.

Lamentavelmente, não se enxerga tal proteção quando basicamente todas as disposições acerca da forma de prestação do trabalho são faculdades do empregador, cabendo ao empregado apenas a recusa quando não tiver disponibilidade para tal.
Ademais, da forma como como dispõe a legislação, ainda que com ressalvas de horas com valor inferior ao salário mínimo, é impossível que o empregado perceba tal remuneração, pois não estará trabalhando todos os dias, com jornada específica e com direito às horas in intinere.
O que, infelizmente, se observa desde antes da entrada em vigor da Lei 13.467/17 são jornadas de trabalho que beiram a escravidão. Percebendo as vantagens que a nova legislação trabalhista conferiria ao empregador, em meados de 2017, já eram diversos os anúncios de vagas de trabalho intermitente em redes de fast-food, aos sábados e domingos, com jornada diária de 5 horas, sendo R$ 4,45 (quatro reais e quarenta e cinco centavos) o valor da hora trabalhada. 4 5
Dessa forma, não é difícil perceber o altíssimo lucro que teriam os empregadores, visto que não teriam que pagar horas-extras aos seus empregados, sua contraprestação pelos serviços tomados seria de pouco mais de R$ 20,00 (vinte reais) para os trabalhadores intermitentes, e estes estariam recebendo valor inferior ao valor de um lanche. Isso sem considerar o fato de desse montante ainda é descontada a contribuição social previdenciária, o que reduz ainda mais o valor líquido percebido pelo trabalhador.
Assim, não restam dúvidas de que está sendo violado, também, o Princípio da Intangibilidade salarial, com disposição Constitucional expressa no art. 7º, VII.
Para Delgado, a intangibilidade salarial é uma das condições mínimas para assegurar a dignidade do trabalhador e não se configura somente nas garantias do Direito do trabalho, senão vejamos:

A força desse princípio não está, contudo, somente estribada no Direito do Trabalho, porém nas relações que mantém com o plano externo (e mais alto) do universo jurídico. De fato, o presente princípio laborativo especial ata-se até mesmo a um princípio jurídico geral de grande relevo, com sede na Constituição: o princípio da dignidade da pessoa humana. (DELGADO, 2017, P.222)

            Nessa toada, percebe-se a ligação direta entre os princípios supracitados e a Dignidade humana. Explana Sarlet (2001, p. 60) que a dignidade (da pessoa) humana é

a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Isto é, regra de natureza e valor universal e direito fundamental, desrespeitada nos moldes em que fora previsto o trabalho intermitente no nosso ordeidnto, uma vez que a exiguidade dos valores pagos pelos tomadores, além da insegurança acerca das jornadas por parte dos empregados se traduzem em jornadas cada vez mais extenuantes para garantir o sustento destes:

A contratação intermitente, sem garantias mínimas de chamada e nem de ganho, compromete a subsistência, aprofunda a pobreza, põe em vulnerabilidade o sustento, o planejamento financeiro e a organização familiar, cristaliza o determinismo social atingindo o âmago de proteção laboral da dignidade da pessoa humana. (KONRATH, 2017, p. 80).

Ainda, ratificando o que foi exposto acima, Andrade (2009) ensina que os princípios abordados são essenciais à preservação da vida, assim como da sua dignidade, não sendo razoável pautar o desenvolvimento econômico do país, dando enfoque aos interesses pessoais de uma minoria, em detrimento às garantias e direitos trabalhistas de milhares:
Como entendemos que esses princípios não passam de particularismos do Direito Individual do Trabalho, o particularismo concernente ao razoável – para interpretação, aplicação e construção da sua dogmática – abarcará o gênero humano, para protegê-lo e dignificá-lo, qualquer que seja a forma ou alternativa de trabalho e renda. A interpretação, aplicação e elaboração de regras jurídicas, nesse contexto, terão outro objeto: a existência da vida humana através de um trabalho, qualquer que seja ele, desde que preserve a sua dignidade. Não é razoável falar-se em desenvolvimento que não tenha como objetivo o desenvolvimento produtivo com equidade em que a vida humana, com ou sem trabalho formal, não seja preservada em detrimento dos lucros; não é razoável que uma minoria detenha o controle dos mercados, da lucratividade, e a maioria viva em condições subumanas.”

É possível, portanto, concluir que essa nova modalidade de contratação oportunizada pela reforma trabalhista não tem sua regulamentação em consonância com a ideia de um contrato laboral justo e coerente com a realidade social do trabalhador.
Ainda que breve a análise, tal ponto incluído na legislação celetista, indubitavelmente, apresenta diversas transgressões aos princípios abordados, o que ocasiona diversos prejuízos ao empregado, agora ainda mais vulnerável e hipossuficiente na relação empregatícia.

4. As repercussões da Flexibilização das leis trabalhistas para a precarização do trabalhador brasileiro

Em julho de 2017, o então Presidente da República, Michel Temer, sancionou a Lei 13.467/2017, que ficou conhecida como a “Lei da Reforma Trabalhista”. A reforma, que passou por algumas alterações, entrou em vigor no mês de novembro, e permanece vigendo até o momento.
Com flagrante caráter econômico, foi aprovada às pressas no Congresso Nacional, com vistas à satisfação de interesses da classe de empresários. Apesar de a norma continuar vigendo, seu texto apresenta diversas incompatibilidades com o texto Constitucional de 1988, bem como com vários princípios próprios do Direito do Trabalho.
Dentre as inúmeras críticas apresentadas à alteração na legislação trabalhista, estão a mitigação dos princípios da Proteção, Intangibilidade Salarial, ferindo diretamente a Dignidade humana, evidenciando uma precarização da figura do trabalhador jamais pensada desde a promulgação da Constituição Cidadã.
A classe favorável à reforma apresenta como argumentos a possibilidade de criação de novos postos de trabalho no cenário de crise econômica e resseção em que o país se encontra, bem como a possibilidade de acordos entre patrões e empregados, dinamizando a relação contratual, com influência direta na economia, na tributação e nos regimes previdenciários do Brasil.
A flexibilização da regulamentação do trabalho e a supressão de garantias e direitos do trabalhador é tendência mundial em momentos de crise. Impende aduzir, portanto, o que seria a flexibilização. Martins (2002, p.25) descreve a flexibilização das condições de trabalho como “o conjunto de regras que têm por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica, política ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho”.
Com isso, os empregadores detêm maior liberdade para fazer as alterações que acreditarem ser conveniente na contratação, funções, forma e local de prestação de serviços, remuneração e convocação de seus empregados.
Há de se concordar que momentos de crise, criação de novas tecnologias, modificação das relações pessoais e o surgimento de novos costumes demandam, também, alterações legislativas que possam acompanhar o cenário social de uma nação e a ele se adequar. Compreensível, neste ponto, as razões da necessidade da flexibilização das regras concernentes ao Direito do Trabalho.
Cabe salientar, entretanto, que, apesar do cenário de crise, a existência de alterações legislativas não pode configurar ampla supressão de direitos. Como se sabe, a regra para o Direito do Trabalho é que os contratos sejam firmados por tempo indeterminado, modalidade esta que garante ao empregado direitos como décimo terceiro salário, férias + 1/3, horas-extras, FGTS, entre outros, que repercutem diretamente nas verbas devidas ao trabalhador, quando da suspensão, interrupção ou rescisão do contrato de trabalho.
Contudo, distante das preocupações com a classe trabalhadora, a lei 13.467/2017, para flexibilizar tais garantias e conferir maiores faculdades ao empregador, foi sancionada e trouxe novidades, dentre as quais o trabalho intermitente. Decerto, ao passo em que tais alterações se mostram extremamente vantajosas para os grandes empresários, são inúmeros os prejuízos a serem suportados pela classe trabalhadora.
Dessa forma, precarização do trabalhador na modalidade intermitente é axiomática: o trabalhador somente receberá pelas horas que trabalhar, não receberá nenhuma contraprestação pelo período que estiver à disposição do empregador, com possibilidade, ainda, de incorrer em multa no caso de não cumprir com o aceite da oferta.
Isso significa que, ainda que garantido que o valor da hora de trabalho não será aquém do valor da hora do salário mínimo, o trabalhador deverá trabalhar além do normal, estando subordinado a diversos tomadores, para conseguir alcançar remuneração no patamar ou acima do valor do salário mínimo. Além disso, é praticamente uma previsão de existência de contrato/relação laboral sem que haja prestação pecuniária por parte do empregador. Nessa linha, infere-se que

essa modalidade de contrato rompe com umas das teorias de jornada de trabalho, qual seja a de tempo à disposição do empregador, não permitindo um planejamento financeiro ao empregado, além de retirar a oportunidade de um segundo emprego, estabelecendo a redutibilidade salarial, sem falar na violação ao bem-estar, que, em última análise, leva ao dano existencial, ao empobrecimento e ao adoecimento (MEDEIROS, 2017, p. 22).

Ou seja, como discorrem Delgado e Delgado (2017, p.156), este novo modelo de contratação poderá ter um efeito devastador no que pertine à depreciação do valor do trabalho, visto que poderá levar empregadores que somente visam ao lucro a dispensarem seus empregados contratados por tempo indeterminado, para recontratá-los após 18 meses ou contratar novos empregados por um custo reduzido.
Destarte, Gomes (2007, p.47) aponta, ainda que, quanto maior a flexibilização nas condições de trabalho, menor será a maleabilidade para a gestão outros aspectos da vida do trabalhador, um exemplo disso é que flexibilidade de horários de trabalho ocasionaria uma redução de flexibilidade para o empregado administrar sua vida familiar e pessoal.
Diante disso, sabendo da remota possibilidade de revogação da reforma, o que se busca é o meio termo entre a flexibilização x regulamentação de garantias x precarização do trabalhador. D’Angelo e Costa (2014) apontam que
“diante da crise e das metamorfoses que atingem o mundo do trabalho, várias propostas têm sido apresentadas pela teoria jurídico-trabalhista clássica, em que se pode constatar a supremacia das alternativas dirigidas à parassubordinação e a flexissegurança”.

A flexissegurança, nas palavras de Maia (2015), funcionaria como meio que “pretende equilibrar a maleabilidade da norma com a garantia dos direitos mínimos aos trabalhadores, operando um contrabalanço entre excessiva rigidez da norma e a precarização das relações laborais”, sendo, portanto, uma forma de atenuar possíveis prejuízos a serem suportados pelos trabalhadores.
Coadunando com o exposto, e diferentemente do que defendem os legisladores brasileiros e a classe empresária, relatório publicado pela OIT em 2015 aponta que a redução da proteção ao trabalhador não é uma maneira eficaz para redução dos índices de desemprego e melhora no quadro econômico do país:

A análise do relatório da relação entre a regulamentação do trabalho e os indicadores-chave do mercado de trabalho, como o desemprego, sugere, no entanto, que a redução da proteção dos trabalhadores não se traduziu na diminuição do desemprego. Na verdade, as conclusões deste relatório sugerem que as mudanças mal concebidas que enfraquecem a legislação de proteção do emprego muito provavelmente serão contraproducentes para o emprego e a participação no mercado de trabalho, tanto a curto como a longo prazo (OIT, 2015, p. 7).

Isso se ratifica com o resultado da pesquisa divulgada pelo IBGE (2019), apontando aumento de 0,4% nos índices de desemprego desde a vigência da reforma, além da maior população subocupada desde 2012. 6
Dessa forma, pode-se concluir que já sabíamos formas de atenuar ou até mesmo solucionar alguns dos problemas causados pela recessão econômica, entretanto, o legislador brasileiro, ao optar por flexibilizar a legislação laboral e incluir o Contrato Intermitente no nosso ordeidnto jurídico, demonstrou ignorância aos modelos e métodos comprovadamente eficientes. Dessa forma, destoando de decisões jurídicas, justas, que visam ao bem-estar social, como de costume, priorizou-se algo de caráter político e econômico que beneficia apenas as classes mais abastadas do nosso país.

5. CONCLUSÃO

Por meio desta pesquisa, foi possível a análise do fenômeno da flexibilização no Direito do Trabalho com as recentes alterações legislativas ocorridas no Brasil. De fato, as condições laborais e a situação econômica do país não são as mesmas que deram origem à Consolidação das Leis do Trabalho, na década de 1940. Também não são as mesmas quando da promulgação da Constituição cidadã, que assegurou diversos direitos como fundamentais, em 1988. Além disso, sabe-se que a as normas vigentes em um país, além de deverem estar compatíveis com o texto constitucional, também devem refletir a realidade dos costumes, das condições sociais e econômicas daquele local. Com isso, mudanças e adaptações na legislação são mais que esperadas. Não obstante, a expectativa é sempre de uma melhora no contexto social, ou ao menos da manutenção do mínimo de bem-estar para a população.
Ao analisar as mudanças trazidas pela Reforma Trabalhista (Lei n.º 13.467/2017), em especial a inserção do Trabalho intermitente no nosso ordeidnto jurídico, observou-se que elas foram totalmente de encontro aos anseios da classe trabalhadora, trazendo nada mais que uma mistura das características de contratos precarizantes anteriores, de modo que não se explica sua aplicação prática. Cabe salientar que apesar de ainda existirem contratos “intermitentes” em outros países, muitos deles vêm modificando sua legislação, aumentando a proteção ao trabalhador. Questionou-se, por esse motivo, as razões adotadas pelos legisladores para nos trazerem essa “novidade”, haja vista as diversas garantias constitucionais que estavam sendo transgredidas.
Sob o viés do trinômio “necessidade de trabalho x interesse político x geração de lucro para grandes empresários”, concluímos que o caráter protecionista do Direito do Trabalho vem sendo extirpado com tais modificações, bem como que a insegurança acerca da prestação do trabalho intermitente se traduz na precarização do trabalhador, que tem violada a sua dignidade humana.
Ademais, longe de esgotar o tema, não só os aspectos trazidos neste artigo devem ser considerados para entender a violação dessa dignidade e a precarização do trabalhador, mas diversos outros questioidntos podem ser feitos: além de diversas outras situações previstas e não previstas em lei, como distinguir o trabalho intermitente do trabalho a tempo parcial? qual o meio oficial de convocação desse trabalhador? Vale qualquer meio de comunicação? Como se dará o gozo das férias desse trabalhador? Como será feita a contagem de tempo de contribuição previdenciária? E em caso de acidente de trabalho? Quem será responsável pelo auxílio-doença acidentário, já que o trabalhador pode estar vinculado a diversos tomadores? O trabalhador acidentado terá direito à estabilidade provisória?
Nessa linha, o que se pretende não é somente trazer à baila perguntas que ainda não têm resposta, mas deixar evidenciado é que o abrandamento da proteção ao trabalhador não deve ser opção de medida contra a crise. Como visto, as modificações legislativas ocorridas com o advento da Reforma Trabalhista são um retrocesso às lutas dos trabalhadores para conquista de direitos. Em âmbito internacional, estudos realizados pela OIT em 2015 já indicavam que o enfraquecimento da proteção ao trabalhador não teria resultados positivos para a economia nem a curto nem a longo prazo. Eis, então, a razão da comparação feita no título deste trabalho: no Brasil, a flexibilização da legislação laboral nada mais foi que uma decisão política que serviu apenas para mascarar os interesses dos grandes empresários (caçadores), dando ao trabalhador (pássaro) apenas a promessa de uma melhora social.

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*Graduanda em Direito pela Universidade de Pernambuco. E-mail: isabellaffarias@hotmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6861138244010402
** Doutora e Mestra em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Pós-Doutoranda pela Universidade do Porto/PT. Professora Adjunta da Universidade de Pernambuco – UPE e Professora permanente do PPGDH/UFPE. Coordenadora Setorial de Extensão e Cultura da FCAP-UPE. Membro da Academia Pernambucana de Direito do Trabalho. Membro da Associação Luso Brasileira de Juristas do Trabalho – JUTRA. Líder do Grupo de Pesquisa Direito do trabalho e os dilemas da sociedade contemporânea. Membro do GPTEC – Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo. E-mail: belebm@hotmail.com. Orcid id: http://orcid.org/0000-0001-9592-6049. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3491163418088431
1 Na alegoria utilizada no título deste trabalho, buscou-se comparar trabalhadores aos pássaros e empregadores aos caçadores. Na conhecida frase de Saint-Simon, precursor do Socialismo utópico, “a liberdade dos pássaros para deleite dos caçadores”, há uma crítica ao liberalismo. A não intervenção estatal, nessa ótica, ocorria porque proteger a classe trabalhadora significava interferir no direito de propriedade da classe mais rica. Apesar das jornadas exaustivas a que se submetiam os trabalhadores, havia a crença do respeito ao ideal de liberdade.
2 Disponível em: https://www.theguardian.com/business/2018/may/01/mcstrike-mcdonalds-workers-walk-out-over-zero-hours-contracts. Acesso em: 30 mar. 2019
3 Disponível em https://www.economist.com/europe/2017/04/01/portugal-cuts-its-fiscal-deficit-while-raising-pensions-and-wages. Acesso em 22 abr. 2019
4 Em 2017, o valor salário mínimo por hora equivalia a R$ 4,26 (quatro reais e vinte e seis centavos).
5 Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/10/31/empresas-ja-anuncia-vagas-de-trabalho-intermitente-novidade-da-reforma.htm Acesso em 20 abr. 2019.
6 Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/24110-desemprego-sobe-para-12-4-e-populacao-subutilizada-e-a-maior-desde-2012 Acesso em 21 abr. 2019.

Recibido: 31/05/2019 Aceptado: 31/08/2019 Publicado: Agosto de 2019

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