Sávio de Sá Leitão Cruz*
Universidade Federal de Rondônia/UNIR, Brasil
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RESUMO                                                                                                              
  Os recursos  hídricos representam fator estratégico para a humanidade e a pesca está  inserida nesse contexto. Desde o período Pré-Histórico a atividade pesqueira  artesanal era desempenhada pelo ser humano, firmando-se como condição essencial  para a sua subsistência. A pesca artesanal é uma das mais antigas, tradicionais  e importantes atividades socioeconômicas praticada pela população mundial. Na  Amazônia, a rede hidrográfica constitui papel determinante na ocupação, fixação  e desenvolvimento da região. Nesse aspecto, a região Amazônica possui laços históricos e profundos com a atividade  pesqueira, que é responsável por uma significativa parcela de geração de  empregos e renda nas cidades. Além disso, a pesca continua sendo fonte de proteína de origem animal para toda a  população ribeirinha, que tem na sua extração, a principal fonte de alimento  (soberania alimentar e nutricional) e sustento familiar. Este artigo  analisa a importância da pesca artesanal, revelando a profunda contribuição do  Território Pesqueiro Artesanal para o desenvolvimento da Amazônia e para a  sobrevivência de suas tradicionais populações. A pesca artesanal faz parte do  modo de vida e serve como base para os pilares construtores da autoafirmação  identitária e das relações sociais e culturais das populações amazônicas. A criação, utilização, apropriação,  reorganização do território e o desenvolvimento das comunidades ribeirinhas  estão atrelados ao desenvolvimento das atividades pesqueiras. Nos últimos anos,  as populações tradicionais da Amazônia vêm enfrentando graves problemas  resultantes da fragmentação das  coerências territoriais endógenas, impostos pelas  lógicas das redes (globais) das grandes corporações e empresas aos lugares. Nesse aspecto, a realização da pesca artesanal é necessária para a  sobrevivência, para a reprodução e o para o desenvolvimento de centenas de  comunidades pesqueiras e populações ribeirinhas presentes em toda a Amazônia,  sendo responsável pela existência e pela manutenção do território pesqueiro. Entender o  modo de vida das populações pesqueiras amazônicas, considerando a produção,  utilização e a interação com o espaço geográfico, é necessário, frente ao  inevitável processo de reorganização econômica, social, ambiental e cultural  que está em curso.
  PALAVRAS-CHAVE: Amazônia.  Pesca artesanal. Território Pesqueiro. Comunidades  Ribeirinhas. 
  RESUMEN
  Los  recursos hídricos representan un factor estratégico para la humanidad y la  pesca está inserta en ese contexto. Desde el período prehistórico la actividad  pesquera artesanal era desempeñada por el ser humano, firmándose como condición  esencial para su subsistencia. La pesca artesanal es una de las más antiguas,  tradicionales e importantes actividades socioeconómicas practicada por la  población mundial. En la Amazonía, la red hidrográfica constituye un papel  determinante en la ocupación, fijación y desarrollo de la región. En ese  aspecto, la región Amazónica posee vínculos históricos y profundos con la  actividad pesquera, que es responsable de una significativa parcela de  generación de empleos y renta en las ciudades. Además, la pesca sigue siendo  fuente de proteína de origen animal para toda la población ribereña, que tiene  en su extracción, la principal fuente de alimento (soberanía alimentaria y  nutricional) y sustento familiar. Este artículo analiza la importancia de la  pesca artesanal, revelando la profunda contribución del Territorio Pesquero  Artesanal para el desarrollo de la Amazonía y para la supervivencia de sus  tradicionales poblaciones. La pesca artesanal forma parte del modo de vida y  sirve como base para los pilares constructores de la autoafirmación identitaria  y de las relaciones sociales y culturales de las poblaciones amazónicas. La  creación, utilización, apropiación, reorganización del territorio y el  desarrollo de las comunidades ribereñas están conectado al desarrollo de las  actividades pesqueras. En los últimos años, las poblaciones tradicionales de la  Amazonía enfretan graves problemas derivados de la fragmentación de las coherencias  territoriales endógenas, impuestos por las lógicas de las redes (globales) de  las grandes corporaciones y empresas a los lugares. En este aspecto, la  realización de la pesca artesanal es necesaria para la supervivencia, para la  reproducción y para el desarrollo de cientos de comunidades pesqueras y  poblaciones ribereñas presentes en toda la Amazonía, siendo responsable de la  existencia y el mantenimiento del territorio pesquero. Entender el modo de vida  de las poblaciones pesqueras amazónicas, considerando la producción,  utilización y la interacción con el espacio geográfico, es necesario, ante al inevitable  proceso de reorganización económica, social, ambiental y cultural que está en  curso.
  PALABRAS  CLAVE: Amazonía. Pesca artesanal. Territorio Pesquero. Comunidades Ribeirinhas.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato: 
Sávio de Sá Leitão Cruz (2019): “Território pesqueiro na Amazônia brasileira: a importância da pesca artesanal”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (mayo 2019). En línea: 
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/05/territorio-pesqueiro-amazonia.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1905territorio-pesqueiro-amazonia
1. PARA INTRODUZIR: A PESCA E A SUA MAGNITUDE
A pesca artesanal  consolida-se como uma das mais antigas, tradicionais e importantes atividades  extrativas praticadas por toda a população mundial. Desde o período  Pré-Histórico a atividade pesqueira artesanal era desempenhada pelo ser humano,  firmando-se como condição essencial para a sua subsistência. Entretanto, a  relevância histórica da pesca não concerne unicamente como fonte vital de  alimento (soberania alimentar e nutricional) à nível mundial, abrangendo  também, dimensões econômicas, sociais, culturais e ambientais. 
O consumo mundial de  pescado per capita aumentou de  9,9 kg em 1960 para 19,2 kg em 2012, o peixe já  representa aproximadamente 20% de toda a proteína consumida no mundo – chegando  aos 70% em alguns países costeiros e insulares. A produção pesqueira  mundial vem crescendo de maneira ascendente, e nos últimos cinquenta anos tem produzido  alimento em uma taxa média anual de 3,2%, superando a taxa de crescimento da  população mundial, que foi de 1,6%. FAO (2014).
Para  a população brasileira, a pesca apresenta enorme magnitude e incontestável  contribuição. Ao estudarmos a história da atividade pesqueira encontramos  subsídios para compreendermos a formação histórica desta grande nação, haja  vista que a pesca está mergulhada no processo de construção do território  brasileiro. Os povos nativos sempre desempenharam a atividade pesqueira no  transcorrer de sua história como elemento fundamental para a sua subsistência  (fonte primordial de alimentação) e a partir da chegada dos colonizadores  europeus houve um grande impulso desta atividade, possibilitando o  desenvolvimento e a consolidação da atividade pesqueira no país e o incremento  nos estudos técnicos e na produção de pesquisas científicas sobre a área  pesqueira em nível nacional. 
            Nesse  sentido, a atividade pesqueira  artesanal no Brasil representa uma imprescindível fonte de proteína de origem  animal (contribuindo com a soberania alimentar e nutricional) para expressiva  parcela das populações litorâneas e comunidades ribeirinhas, que tem na sua extração  a principal fonte de alimento e sustento familiar por meio da venda do  excedente. Além disso, a pesca é responsável por uma significativa contribuição  na oferta de empregos (ocupação de mão-de-obra) e de geração renda direta ou  indireta (referente aos setores de serviços, insumos básicos, matérias-primas,  processamento, distribuição, comercialização de pescado, confecção, fabricação  e industrialização de artigos, mercadorias e produtos necessários ao exercício  da atividade pesqueira) para as famílias brasileiras. 
            Fatores relevantes como a excelente  geografia e as condições naturais existentes em nosso país – o território brasileiro apresenta  abundantes recursos hídricos, concentrando aproximadamente 12% do total da água  doce do planeta Terra, vasta biodiversidade presentes em águas marinhas e  continentais, além da imensa costa marítima com quase 8,5 mil quilômetros de  extensão – sempre favoreceram e  impulsionaram a pesca, além de promover o estreitamento desta atividade com o  modo de vida de nosso povo, fazendo que esteja presente no coração e na alma  dos brasileiros.
A pesca extrativa continental e  marinha brasileira – modalidade de pesca artesanal – representa aproximadamente  60% (por cento) do total da produção nacional de pescado (1.431.974,4 toneladas).  Além disso, houve um significativo crescimento da produção de pescado  brasileiro em 2011, que representou um incremento de aproximadamente 13,5% em  relação ao ano anterior, 2010. MPA (2012). 
A Amazônia é uma região  única e complexa, representando um vasto mosaico sociocultural e ambiental, e  as várias dimensões e escalas (local, regional, nacional e global) presentes  nesta cobiçada região, devem ser levadas em consideração nas pesquisas  desenvolvidas pois há uma forte conexão e interdependência entre elas,  influenciando os atuais cenários e as dinâmicas amazônicas, o que torna ímpar e  de grande responsabilidade o estudo desse patrimônio natural.  
Na Região Amazônica, a  pesca assume imensa relevância socioeconômica visto que constitui fonte vital  de alimentação, cultura, lazer, ocupação de mão-de-obra (trabalho) e geração  renda para população local, ademais, a referida região desponta no cenário  nacional da produção de pescado sendo responsável por grande parcela da  produção brasileira. IBAMA (2004).
            Nesse aspecto, é preciso compreender o território  pesqueiro a partir do uso e da apropriação dos pescadores artesanais sobre o  espaço geográfico. Na Região Amazônica, a prática da atividade pesqueira  artesanal é responsável pela criação destes territórios, que são indispensáveis  para a reprodução social, cultural e econômica destas populações.
2. PESCA  ARTESANAL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A atividade da pesca  artesanal é uma arte milenar, frequentemente realizada com a participação e a  integração de familiares, amigos e companheiros de profissão dos pescadores,  sendo que as ricas trocas de experiências e valiosos ensinamentos são passados  nesta forte interação dando origem à construção de uma identidade coletiva,  culminando no fortalecimento cultural e dependência desta atividade para vida  dos mesmos. 
            A pesca artesanal se constitui em uma das mais importantes e tradicionais  atividades extrativistas e também de subsistência, sendo responsável por uma  significativa parcela na geração de empregos (ocupação de mão-de-obra) nas  cidades amazônicas. Além disso, continua sendo uma importante fonte de proteína  de origem animal para toda a população ribeirinha que tem na sua extração a  principal fonte de alimento e sustento familiar – representando a independência  financeira e a segurança nutricional destas populações, fazendo parte do modo  de vida e constituindo-se como um dos pilares das relações socioculturais das  populações tradicionais amazônicas.
            A chamada pesca artesanal envolve  uma diversidade de modalidades técnicas, modos de apropriação dos recursos  pesqueiros, forma de organização da produção e distribuição dos rendimentos.  Sua definição não deve apenas estar atrelada à questão instrumental tecnológica  empregada nas capturas e sim às formas de organização social das pescarias. CARDOSO  (2001).
A pesca artesanal tem como características o uso de embarcações a motor e  redes confeccionadas em náilon (DIEGUES, 1983). Na pesca artesanal, um fator crucial  para o desenvolvimento desta atividade é o trabalho manual do pescador em todas  as etapas, incluindo a manipulação das artes de pesca. 
A pesca artesanal é  compreendida, em síntese, como uma profissão desenvolvida pelos pescadores  artesanais, que traz consigo características particulares em seu  desenvolvimento, seja na sua relação sociocultural com os pescadores e suas  famílias ou na sua relação com a natureza. Essas características irão  diferenciá-los das demais categorias. RIOS (2012). 
A realização da pesca artesanal está intimamente contígua ao acesso e ao  uso do meio natural, de forma que, esta atividade converte-se num elemento de  organização e produção do espaço geográfico. Ao realizarem a prática da  atividade pesqueira, os pescadores artesanais começam a ocupar e se apropriar  da natureza, transformando e produzindo o espaço, construindo por fim, o  território pesqueiro. 
Pode-se afirmar que a apropriação da natureza, a construção dos  territórios pesqueiros e o progresso das tradicionais comunidades ribeirinhas  estão historicamente atrelados ao desenvolvimento das atividades pesqueiras. Para as  populações pesqueiras, a pesca alcança várias dimensões, sendo que as duas  principais são: no âmbito econômico - uma relevante atividade geradora de  emprego e de renda; e a segunda, no âmbito sociocultural - onde a pesca  constitui um elemento importante na construção das relações socioculturais, no  modo de ser e viver dessas comunidades tradicionais.
3. PESCA  ARTESANAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA 
Na Amazônia, a rede hidrográfica constitui papel determinante na  ocupação, fixação e desenvolvimento da região. A pesca na região Amazônica assume grande importância socioeconômica,  cultural e ambiental, destacando-se em relação às demais regiões brasileiras,  tanto costeiras como de águas interiores, pela riqueza de espécies exploradas,  pela quantidade de pescado capturado e pela dependência da população  tradicional a esta atividade. Segundo o MPA (2012), a região desponta no  cenário nacional da produção de pescado sendo responsável por aproximadamente  30% (por cento) da produção brasileira.
As populações amazônicas possuem raízes históricas e  culturais vinculadas a pesca artesanal, sendo esta atividade, o principal meio  de sobrevivência em várias comunidades ribeirinhas. A localização das  comunidades amazônicas, em muitos casos, não é descrita por avenidas, ruas,  travessas, estradas ou bairros, mas sim pelos afluentes dos rios. 
Na Amazônia brasileira,  a pesca é tradicionalmente destacada por estar ligada ao próprio modo de vida  da região, por possuir rica diversidade biológica e cultural, mas também vale  salientar que a pesca foi significante para a sobrevivência de vários povos,  como os indígenas, ribeirinhos, caboclos, afrodescendentes e outros que viveram  e deixaram seus conhecimentos ao longo da história. É uma atividade muito  importante para o desenvolvimento local. FREITAS(2016). 
A importância social do setor pesqueiro na Amazônia  é demonstrada através de dados que indicam a existência de aproximadamente  300.000 pescadores profissionais – registrados formalmente - na Amazônia, o  qual significa que mais de 700.000 pessoas são envolvidas direta ou  indiretamente nesta atividade. Soma-se a este montante, cerca de 1,5 milhão de  moradores das “várzeas”, os ribeirinhos, que ocupam 30% do território e são os  maiores consumidores de pescado do mundo, dependendo da pesca para sua  segurança alimentar e laboral. CRUZ (2018) apud SEAP/PR (2008).
A pesca artesanal desenvolvida na Amazônia brasileira apresenta como  característica a utilização de embarcações, motorizadas ou não, sendo uma  atividade realizada pelos pescadores com equipamentos ou petrechos próprios e  redes confeccionadas em náilon. Além  disso, é uma atividade praticada principalmente através da mão-de-obra  familiar, com embarcações de pequeno e médio porte, como as canoas, voadeiras,  rabetas, lanchas e chatas. As embarcações de pequeno e médio porte são  definidas principalmente pela capacidade de armazenamento da produção  pesqueira, além deste atributo, o tamanho das embarcações e o seu material  (composição estrutural) também são fatores que as diferenciam.  
As  capturas pesqueiras artesanais (quantidade de pescado ou produção pesqueira)  proporcionadas sob estas condições, estão diretamente relacionadas com a  capacidade de armazenamento das embarcações utilizadas pelos pescadores  amazônicos, portanto envolvem volumes pequenos ou médios de pescado.
A realização da atividade pesqueira artesanal ocorre em rios, lagos,  lagoas, igarapés, cachoeiras e represas presentes na região Amazônica. Os  equipamentos utilizados são os mais variados possíveis em função da espécie a  ser capturada. Os petrechos para a prática pesqueira são rústicos e os  insumos e matérias-primas (como as linhas e anzóis) geralmente são adquiridos  ou comprados no comércio local. Os materiais pesqueiros como as redes,  malhadeiras e tarrafas normalmente são confeccionados pelos próprios pescadores.  Os equipamentos mais utilizados são:  arrasto simples, rede de cerco, rede de emalhe, linha, anzol, arpão, tarrafa,  espinhel, rede caçoeira ou descaída, dentre outros.  
Na pesca artesanal amazônica, destaca-se o trabalho manual do pescador,  em todas as etapas ou processos produtivos, incluindo a manipulação das artes  de pesca (redes e outros petrechos). É o próprio pescador artesanal que  confecciona, realiza a manutenção e reparos nos equipamentos e aparelhos de  pesca, movimenta e conserta a embarcação pesqueira, procura os locais  apropriados para a captura e desembarque do pescado, exerce a atividade da  pesca e vende o produto capturado. Em suma, ele é proprietário dos meios de  produção, trabalhando por contra própria – de forma autônoma – em âmbito  familiar ou em sistema de parcerias com colegas e amigos de profissão.
Na região Amazônica, a  atividade pesqueira artesanal faz parte de um circuito espacial produtivo que  participam os pescadores artesanais profissionais (registrados legalmente), os  pescadores amadores e as populações ribeirinhas com suas frotas de embarcações,  insumos ou fatores de produção (iscas, gelo para conservação do pescado, etc.),  materiais e equipamentos pesqueiros (redes de pesca, manutenção nos aparelhos  de captura) envolvendo também, o armazenamento (geralmente precário e realizado  por curto período temporal devido a perecibilidade do pescado) e a estocagem, a  comercialização (em feiras, barracas, peixarias, bancas, mercados, quiosques, colônias  de pescadores, etc.) podendo ainda ocorrer o beneficiamento e a  industrialização do pescado, até a chegada deste produto final - o peixe - aos  moradores das pequenas, médias e grandes cidades amazônicas. 
Os pescadores artesanais através da sua relação com meio natural (relação  homem e natureza), da prática diária de seu tradicional trabalho (pesca) e do  contato com os mais velhos e experientes obtêm conhecimentos e saberes sobre a  natureza (seus recursos e suas potencialidades), além do aprimoramento dos seus  métodos e técnicas pesqueiras que acabam constituindo a sua visão de mundo e  abrangendo as demais esferas da sua vida social. 
Portanto, para as comunidades ribeirinhas amazônicas, a  pesca artesanal não se resume apenas uma atividade produtiva (econômica)  geradora de emprego, renda (autonomia financeira) e fonte de alimentação  (segurança alimentar e nutricional), mas também, está presente e faz parte  ativamente do modo de ser e de viver, da tradição e das manifestações  culturais, da história e anseios destas populações tradicionais, representando  a expectativa de um futuro próspero para os pescadores e seus familiares.
4. PESCADORES ARTESANAIS AMAZÔNICOS: CARACTERIZAÇÃO
Os  pescadores artesanais se identificam com um grupo possuidor de uma profissão.  Esta é entendida como o domínio de um conjunto de conhecimentos e técnicas que  permitem ao produtor subsistir e se reproduzir enquanto pescador. O que  caracteriza o pescador não é somente o viver da pesca, mas é sobretudo a  apropriação real dos meios de produção; o controle do como pescar e o que  pescar, em suma o controle da arte de pesca. O domínio da arte exige dele uma  série de qualidades físicas e intelectuais que foram conseguidas pelo  aprendizado na experiência, que lhe permitem se apropriar também dos segredos  da profissão. DIEGUES (1983).
Os pescadores artesanais amazônicos são  os atores sociais responsáveis pela realização da atividade pesqueira artesanal.  Para capturar toda classe de espécies aquáticas, exploram ambientes ecológicos  como o rio, o mar, o lago, o igarapé, a lagoa e a  cachoeira. Quando o pescador faz da pesca  seu meio de vida ou quando é da atividade pesqueira que retira rendimentos, ele  é definido como um pescador profissional, tendo a oportunidade de se filiar em  uma Colônia de Pescadores mediante apresentação de documentação comprobatória  da sua profissão de pescador.
A organização dos pescadores artesanais, ocorre em  03 (três) diferentes níveis ou escalas: Municipal, Estadual e Nacional. Na  primeira escala (esfera municipal) encontramos as Colônias de Pescadores, já na  segunda escala (esfera estadual) a representante legal é a Federação de  Pescadores, e por último, na terceira escala (esfera nacional) a Confederação  de Pescadores é a representante de fato e de direito dos anseios e interesses  dos pescadores artesanais. 
Os  pescadores amazônicos desenvolvem suas atividades combinando objetivos  comerciais e também de subsistência. Isto ocorre devido ao fato do pescador  artesanal ter a possibilidade de adquirir uma parcela do pescado capturado para  a sua alimentação e de seus familiares, enquanto o restante da produção pesqueira  será comercializado, convertendo-se em relevante fonte de renda e sustento para  esses profissionais. 
Destaca-se o papel dos pescadores artesanais da  região Amazônica como atores protagonistas que através de seu  trabalho, conhecimentos e saberes tradicionais, métodos e técnicas ocupam e se  apropriam da natureza, e passam assim, a produzir o espaço pesqueiro até a  construção dos Territórios Pesqueiros Artesanais Amazônicos.
Para  as populações tradicionais – em especial na Amazônia – os moradores ao manterem  relações com o meio natural, passam a sentir e vivenciar a natureza em toda sua  essência, percebendo que a mesma é dotada de significados e simbolismos,  tornando-se assim, parte integrante deste meio e assumindo a árdua  responsabilidade por sua proteção e manutenção. 
Portanto,  as populações locais respeitam e valorizam a natureza, pois sabem que o ser  humano ao interferir no meio ambiente, ocasiona alterações nas paisagens  naturais aflorando suas consequências nocivas no ambiente natural e para as  vidas dos homens. É nesse sentido, que na visão geográfica os espaços e posteriormente,  os territórios são dotados de tradições, mitos e representações, pois os grupos  constroem as suas histórias nos lugares e guardam na memória as informações das  localizações e suas respectivas características. 
5. DESCRIÇAÕ DE ALGUNS MÉTÓDOS DE CAPTURA  UTILIZADOS NA AMAZÔNIA:
01 - MÉTODO DE EMALHE:  Este método pesqueiro consiste na utilização de rede-de-emalhe, o mecanismo  proporciona o aprisionamento do pescado nas malhas devido a sua própria  movimentação. As redes de pesca são confeccionadas em forma retangulares, sendo  que o tamanho (dimensão) dos retângulos variam de acordo com as espécies de  pescado a serem capturadas. 
02 - MÉTODO DE CERCO: O método é aplicado com o emprego da rede-de-cerco, no momento em que os pescadores artesanais observam a movimentação (presença) de cardumes. Consiste em uma rede utilizada para realizar o cerco do pescado, sendo que esta rede de pesca é caracterizada pela presença de cabo e argolas dispostas na parte inferior que são fechadas em formato de um “saco” onde ficam retidos parte dos cardumes. Este Método é realizado normalmente com duas embarcações, sendo uma embarcação principal e outra embarcação secundária – geralmente de pequeno porte como canoa – para ajudar durante a captura, quando detectam o cardume, lançam a rede fazendo o conhecido “cerco”.
03 - MÉTODO DE ARRASTO: O método pesqueiro realiza-se com a utilização da rede-de-arrasto simples, efetuado geralmente por duas embarcações, sendo uma embarcação principal que realiza o arrasto em determinada área de captura e a embarcação secundária que auxilia no deslocamento da referida rede. Este método deve ser empregado com bastante técnica e cautela, isto deve-se ao fato da rede-de-arrasto capturar todas as espécies de peixes que estão no seu campo de atuação, independentemente do tamanho e do peso do pescado.
04 - MÉTODO DE TARRAFA: Método que emprega rede de pesca em fibra. Este método pesqueiro é caracterizado por utilizar redes de pequena dimensão, que apresentam o formato circular com pequenos pedaços de chumbos (pesos) nas suas extremidades. É utilizado por apenas uma pessoa e quantidade de pescado capturado é pequena.
05 - MÉTODO DE ESPINHEL: Método que consiste na utilização de uma linha (linhada) grossa e bastante resistente com vários anzóis de tamanhos médios e grandes dispostos ao sabor da correnteza. A prática do método Espinhel é utilizada para a captura de peixes maiores, como os grandes bagres da Amazônia.
06 - MÉTODO DE ARPÃO: Este Método consiste no emprego de arpão (dardo pontiagudo). Método utilizado por comunidades de pescadores isoladas e populações indígenas. Normalmente é realizado por uma – única – pessoa que no momento em que visualiza o pescado efetua o lançamento do arpão com precisão, objetivando acertar a presa e capturar o pescado.
6. CONHECIMENTOS E SABERES DOS PESCADORES AMAZÔNICOS
         Ao  realizar a pesca de forma artesanal, esses pescadores exploram o ambiente  aquático de forma peculiar. Para manter e recriar seu meio de subsistência,  adquirem conhecimentos profundos sobre a natureza e seus ciclos. Em suas  atividades produtivas, estabelecem e mantém grande diversidade de interações  diretas com o ambiente. SOUZA (2004) 
         Os  pescadores artesanais amazônicos durante o desenvolvimento da atividade  pesqueira artesanal estabelecem um íntimo contato com o meio natural,  possibilitando o aprimoramento dos seus  métodos e técnicas pesqueiras no transcorrer do tempo, soma-se a este fato, a  forte interação com os pescadores mais velhos e experientes que repassam os  seus tradicionais conhecimentos e saberes sobre a prática pesqueira e a  natureza (seus recursos e suas potencialidades), sendo dotados de enormes cargas de cultura e  tradição.
         Ser  pescador artesanal é tornar-se portador de um conhecimento e de um patrimônio  sociocultural, que lhe permite conduzir-se ao saber o que vai fazer nos caminhos  e segredos das águas, e amparar seus atos em uma complexa cadeia de  inter-relações ambientais típicas dos recursos naturais aquáticos”. RAMALHO  (2006).
         O  pescador artesanal ao apropriar-se da natureza através de seu trabalho, seus  conhecimentos, métodos e das técnicas, acabam organizando e produzindo o  espaço. É neste espaço que os pescadores construirão os Territórios Pesqueiros  Artesanais e estabelecerão suas relações de poder (domínio e apropriação),  ambientes de produções e conexões sentimentais e simbólicas, onde a cultura, os  laços afetivos (admiração, orgulho e respeito), os costumes e modos de vida  constituem elementos fundamentais na reprodução das relações sociais dessas  comunidades.
         Entender  o modo de vida dos pescadores artesanais amazônicos, considerando a  apropriação, a produção e a interação com o espaço geográfico até a seu último  estágio, a construção dos territórios pesqueiros, torna-se necessário, na busca  da formulação de estratégias que tragam o progresso e o bem-estar social para  estas populações tradicionais.    
  7. A RELEVÂNCIA DO TERRITÓRIO 
         O território é uma importante categoria de  análise geográfica, que possibilitou um grande salto científico, criando novos  rumos para as pesquisas científicas atuais.  Através do território, podemos retratar com  uma maior realidade o modo de ser, viver e produzir da sociedade nos dias de  hoje, além de estudar todas as relações de poder que as envolvem, e assim,  compreender de forma consistente e coesa as complexas tramas e malhas sociais  existentes.
              O território  é um dos conceitos fundamentais da ciência geográfica e, no período atual, se  encontra cada vez mais presente em trabalhos acadêmicos explicando, de  diferentes formas, a maneira como a sociedade se apropria e produz o espaço,  através de determinantes políticos, econômicos e culturais. FUINI (2014). 
         Os estudos em torno do conceito de território  não são novidades, a Ciência Geográfica e diversas outras áreas das Ciências  Sociais e Humanas tem realizado, nas últimas décadas, debates extremamente  profícuos sobre o tema. Particularmente, no âmbito da Geografia, existe uma  tradição dos estudos territoriais que promovem um contínuo processo de  redefinição e aprimoramento do conceito enaltecendo e fortalecendo, assim, uma  pluralidade de aspectos definidores na interpretação e na apreciação dos fenômenos  contemporâneos. 
              Destarte, a abrangência multidimensional (social, econômica,  política, ambiental, cultural, religiosa, etc.) e multiescalar (local, regional,  nacional, global) do território, converte essa categoria de análise geográfica  em uma poderosa ferramenta capaz de realizar uma pesquisa científica de forma  holística ao analisar minuciosamente os eventos constituintes das dinâmicas  espaciais (objeto de estudo geográfico) em sua totalidade.
         O território é fundamental quando nos referimos  ao processo de reprodução da existência das populações tradicionais amazônicas,  como também para a manutenção de sua identidade e cultura.
         Uma das mais importantes categorias de análise  geográfica do período histórico atual, sem dúvida é o território. É nele que  ocorre o acontecer social e é nele que encontramos a materialidade sobreposta  através das temporalidades que marcam a vida em sociedade. RICARTE (2016). 
  8. TERRITÓRIO:  PRESERVAÇÃO  X EXPLORAÇÃO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA
         O  território é uma categoria de análise que oferece a percepção mais clara das  variadas dimensões de uma situação ou conflito, apresentando os grupos de  interesses que exercem influência e delimitam suas esferas de atuação política,  ditando as formas de poder e as relações sociais.  Nessa construção, as relações entre ser  humano e natureza são indissociáveis, visto que o território constitui a base  física dando sua interconexão com o mundo, sendo o grande palco para a  construção cultural e social, mas também pode produzir visões e concepções  próprias e conflitantes. SILVA (2007). 
         Desde as últimas décadas do século XX  comprova-se a ocorrência de profundas mudanças estruturais na Amazônia brasileira.  O Estado Nacional por meio da adoção de políticas públicas de ocupação e  crescimento, a ideologia da modernização, o avanço científico e tecnológico, o  desenvolvimento e ampliação dos meios de comunicação, a globalização, a  expansão da força do capital e o progresso dos grandes empreendimentos e  projetos econômicos regionais, nacionais e internacionais modificam e  reorganizam os espaços e os territórios.
         A  globalização se caracteriza pelo avanço do capital – que sobrepujam e impõem-se sobre as barreiras físicas – e dos processos de produção em escala global, possibilando num mesmo  subespaço, a existência de diversos circuitos espaciais produtivos. Nos últimos anos, as populações tradicionais da Amazônia vêm enfrentando  graves problemas resultantes da fragmentação  das coerências territoriais endógenas,  impostos pelas lógicas das redes (globais) das grandes corporações aos lugares. 
         É assim que o espaço geográfico  pode ser compreendido como uma acumulação  desigual de tempos, conceito estabelecido pelo geógrafo Milton Santos, o  que acaba revelando a coexistência entre diferentes  temporalidades num mesmo lugar, região ou território. Na Amazônia, a  imposição dessa lógica global das grandes corporações resulta na fragmentação  das coerências territoriais endógenas, causando interferências no planejamento,  na organização, na regulação e no uso dos territórios.
         O espaço é hoje um  sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoado por sistemas de ações  igualmente imbuídos de artificialidade e, cada vez mais, tendentes a fins  estranhos ao lugar e a seus habitantes. SANTOS (1997). 
         Assim, é relevante salientar, que os territórios pesqueiros estão  submetidos à ameaças e atuações externas nocivas, tornando-se área de interesse  de diversos grupos (econômicos e políticos) gerando tensões e conflitos que  prejudicam a prática da atividade pesqueira, causando redução da produção de  pescado e afetando diretamente a vida e a manutenção das comunidades  ribeirinhas, criando barreiras à existência e a continuidade desses territórios. 
         Frente a todos esses processos, pescadores defrontam-se com um amplo  campo de embate e a politização de seu movimento alcança as discussões dessas  questões, que envolvem seus espaços de vida, moradia e trabalho, seu espaço  geográfico e seus territórios. CARDOSO (2003). 
         Há uma luta incessante  dos pescadores artesanais para maior liberdade no seu local de trabalho, onde  seu território não seja invadido e seus instrumentos de trabalhos preservados,  pois a arte da pesca e o instrumento de trabalho estão intimamente ligados na  produção artesanal. SILVA (2013). 
         Nesse aspecto, estudar a pesca é importantíssimo não apenas ponto de  vista socioeconômico, mas também ambiental e ecológico, devido a extrema  relevância para toda a humanidade, pois a área de atuação pesqueira artesanal  da Amazônia – é constituída por uma importante e rica  biodiversidade, e a sua preservação passa pela atuação dos povos da floresta  (populações amazônicas tradicionais) como indígenas, pescadores, quilombolas e  extrativistas; que respeitam e sentem-se partes destes territórios, protegendo  os recursos naturais de outras culturas exógenas e da devastadora lógica  capitalista.
         Os pescadores  artesanais se unem cada vez mais, objetivando a organização e o fortalecimento  da classe pesqueira, no combate às interferências externas nocivas. Somente  através do uso e da apropriação do território pesqueiro, os pescadores e as  comunidades pesqueiras poderão desenvolver suas atividades, que garantirão a  sua sobrevivência e reprodução. Portanto, o escasso conhecimento e subestimação  do impacto das tensões e conflitos dentro do contexto pesqueiro podem  dificultar o processo de gestão e tomada de decisão no segmento, levando à  desordem e desajustes no desenvolvimento do setor pesqueiro amazônico.
         Nesse processo de construção, as relações entre  ser humano e natureza são fundamentais e indissociáveis, haja visto que o  território se constitui como a base física dando sua interconexão com o mundo,  mas também pode produzir visões e concepções próprias e conflitantes que devem  ser levadas em consideração. Enfim, encontramos no território uma base  consistente para alavancar os estudos e as discussões sobre a pesca artesanal e  as populações ribeirinhas amazônicas, tema principal deste artigo.
  9. TERRITÓRIO  PESQUEIRO ARTESANAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
         O  território é concebido e determinado a partir do poder e das suas relações, não  existe poder sem uma base territorial, o poder, a dominação e o controle estão  presentes na construção, apropriação e autonomia territorial, sendo  representado em sua forma objetiva e concreta, mas também de maneira subjetiva  e simbólica.
         A atividade pesqueira é uma  atividade humana que representa uma modalidade de uso do espaço. Sua  especificidade reside na articulação entre os meios aquático e terrestre, sendo  que o primeiro comporta os processos de apropriação da natureza e o segundo significa  os espaços de morada do pescador e o da realização do pescado enquanto  mercadoria. CARDOSO (2003).
              A atividade pesqueira artesanal é desenvolvida por  meio do uso e das relações com a natureza, sendo definida como uma relevante  atividade que serve de elemento de produção do espaço, culminando na construção  dos Territórios Pesqueiros Artesanais – onde as comunidades tradicionais  litorâneas e ribeirinhas vivem, estabelecem relações de poder, reproduzem-se  socialmente e desenvolvem suas atividades.
         Assim,  à medida que pescadores artesanais se apropriam da natureza e retiram os  recursos necessários à sua sobrevivência, os mesmos estão produzindo o espaço local.  Cabe destacar que estes possuem formas e lógicas diferenciadas na apropriação  da natureza, que por sua vez serão refletidas na produção do espaço local e na  construção dos territórios pesqueiros. RIOS (2012). 
         Os  pescadores amazônicos são os responsáveis pela transformação e produção  espacial, definidos como os atores sintagmáticos que concreta ou abstratamente  territorializam o espaço através do trabalho, conhecimentos e saberes, métodos  e técnicas pesqueiras. 
         Os métodos e técnicas  pesqueiras empregadas pelos pescadores artesanais são os mais variados possíveis,  isto deve-se ao fato de que atividade pesqueira é sazonal, exigindo  metodologias específicas de acordo com a espécie a ser capturada e o local onde  a atividade pesqueira será desempenhada. Os petrechos ou equipamentos  utilizados na prática atividade pesqueira são rústicos e os insumos e  matérias-primas (como as linhas e anzóis) geralmente são adquiridos/comprados  no comércio local. Os materiais pesqueiros como as redes (cerco, arrasto,  emalhe, tarrafas, etc.) são fabricados/confeccionados pelos próprios pescadores  artesanais, e geralmente, contam com a colaboração de seus familiares, amigos e  colegas de profissão. 
         A cada retorno da  pescaria, os materiais empregados passam por remendos e consertos em sua  estrutura visando a próxima viagem. Os pescadores costumam participar da  fabricação de suas embarcações, geralmente de madeira, utilizando  matérias-primas naturais com propulsão motorizada ou não, bem como nos reparos  e manutenção. 
         Para  as populações tradicionais amazônicas, a natureza (fauna e flora) é sentida e  comtemplada em toda sua essência, percebendo que a mesma possui “alma” e é  dotada de significados e simbolismos, tornando-se assim, parte integrante do  seu cotidiano vivido. É nesse sentido, que os territórios são dotados de tradições,  mitos e representações. 
         Não é unicamente pelo  trabalho que a sociedade modifica, reorganiza e produz o espaço geográfico. A  subjetividade, traduzida pelas representações e simbolismos também são formas  de apropriação e transformação do espaço, provendo-o de enormes valores,  sentimentos e significações. As populações pesqueiras ribeirinhas amazônicas  estabelecem profundas conexões com os territórios pesqueiros artesanais.  
         O  território se traduz na sociedade e na natureza, na economia, na política, na valorização  cultural, nas formas de dominação, no controle, nas representações, nas  manifestações religiosas e nas identidades, de forma objetiva e subjetiva. O  Território Pesqueiro é um local de ações e programas dos atores sociais, onde  se projetou trabalho humano refletindo relações caracterizadas pelo poder  (funcional e simbólico).
         Desta forma, ao analisarmos o trabalho  praticado dos pescadores artesanais amazônicos em todas as suas  particularidades e/ou  dinâmicas, manifestando  seus objetivos, anseios e desejos, seus vastos conhecimentos, as ricas  representações do cotidiano vivido, sua identidade e cultura, habilidades e  saberes, seus métodos e técnicas pesqueiras, os instrumentos desenvolvidos para  a prática pesqueira artesanal e as relações de poder proveniente e intrínseco  destes eventos pesqueiros podemos compreender a dinâmica territorial pesqueira  em toda a sua plenitude (totalidade). 
         Todo território é, ao  mesmo tempo e obrigatoriamente, funcional e simbólico, pois as relações de  poder têm no espaço um componente indissociável tanto na realização de  “funções” quanto na produção de “significados”. Todo território funcional tem  sempre uma carga simbólica, por menos expressiva que seja, e todo território simbólico  tem sempre algum caráter funcional por mais reduzido que pareça. HAESBAERT  (2007). 
         Os pescadores  ribeirinhos amazônicos em suas especificidades constituem territorialidades,  saberes e práticas na relação com o rio como existência e extensão de suas  vidas e dos seus territórios. As relações se estabelecem sob um dado  conhecimento que está além do conhecimento prático formal”. LIMA (2016).
         O  território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de  coisas superpostas; o território tem que ser entendido como o território usado,  não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A  identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é  o fundamento do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e  espirituais e do exercício da vida. O território em si não é uma categoria de  análise em disciplinas históricas, como a geografia. É o território usado que é  uma categoria de análise”. SANTOS (2006).
         Dentro  da perspectiva simbólica, o Território Pesqueiro Artesanal é o resultado do  apreço e da valorização que os pescadores artesanais produzem subjetivamente (simbolicamente  e sentimentalmente) em relação ao seu cotidiano vivido, neste caso, são  constituídas relações abstratas de poder. As relações sociais são construídas e  recebem influências das cargas culturais e experiências de vida, dando origem a  sentimentos (admiração, orgulho e respeito), identidades e simbolismos  atribuídos ao território pelos pescadores artesanais e as comunidades tradicionais  ribeirinhas. 
         Portando,  somente pelas ações humanas e pelo estabelecimento do poder (funcional e  simbólico) que os pescadores artesanais e as populações pesqueiras amazônicas constroem  seus territórios: local de vida, lugar de moradia, trabalho, reprodução social,  manifestações religiosas, relações culturais, valorização da tradição, preservação  da identidade, tensões, disputas e sonhos.
10. CONCLUSÃO
         A pesca artesanal  consolida-se como uma das mais antigas, tradicionais e importantes atividades  extrativas praticadas por toda a população mundial. Desde o período  Pré-Histórico a atividade pesqueira artesanal era desempenhada pelo ser humano,  firmando-se como condição essencial para a sua subsistência. Nesse aspecto, a  pesca apresenta notável importância social e econômica em quase a totalidade  das nações que exploram os recursos pesqueiros, destacando-se pela capacidade  de fornecer alimentação protéica com reduzido teor de gordura (lipídios),  contribuindo efetivamente para a segurança alimentar e nutricional das  populações e comunidades tradicionais, sobretudo em regiões com baixo poder aquisitivo  (vulnerabilidade social).
              Ao  estudarmos a história da atividade pesqueira no Brasil encontramos subsídios  para compreendermos a formação histórica desta grande nação, haja vista que a  pesca está mergulhada no processo de construção do território brasileiro, marcando  presença na vida, no coração e na alma dos brasileiros.
              Na Amazônia, a rede  hidrográfica constitui papel determinante na ocupação, fixação e desenvolvimento  da região. As comunidades ribeirinhas  amazônicas possuem raízes históricas e  culturais vinculadas a pesca artesanal, estabelecendo profundas conexões  com os territórios pesqueiros. Para estas populações,  a pesca assume imensa relevância socioeconômica visto que constitui  fonte vital de alimentação, cultura, lazer, ocupação de mão-de-obra (trabalho)  e geração renda, tornando-se o principal meio de  sobrevivência para significativa parcela dessas tradicionais comunidades. 
         O  acesso ao meio natural, a reorganização e a produção do espaço geográfico, e  por fim, as construções dos territórios pesqueiros artesanais resultam das  ações dos pescadores – definidos como agentes sociais de transformação. É  através do trabalho dos pescadores artesanais, de seus  conhecimentos, das suas habilidades, de seus saberes, dos métodos e das  técnicas pesqueiras, dos instrumentos e apetrechos desenvolvidos para a prática  pesqueira que o espaço pesqueiro artesanal é produzido, antecedendo, servindo  de base e substrato para a construção dos territórios pesqueiros: local  de vida, lugar de moradia, trabalho, reprodução social, manifestações  religiosas, relações culturais, valorização da tradição, preservação da  identidade, tensões, disputas e sonhos. 
         O uso e a emancipação do território pesqueiro são necessários para a  subsistência, reprodução e progresso das comunidades ribeirinhas amazônicas. Desafios como  a degradação do meio ambiente e a disputa pela posse e uso da terra, são  aspectos que contribuem para o aumento das dificuldades para a alcançar a  almejada sustentabilidade socioambiental das comunidades pesqueiras. Por isso, a classe pesqueira artesanal se  une na defesa de seus interesses, buscando sua autonomia territorial, unidade  política (através das colônias, da federação e confederação de Pescadores) e o  fortalecimento de sua identidade.
         As políticas públicas  devem ser elaboradas conjuntamente com as populações pesqueiras ribeirinhas que  residem e utilizam os recursos naturais, estas comunidades locais devem assumir  o transformador papel de protagonistas. 
         A  pesca artesanal deve ser estudada e adotada como uma referência para a construção de um modelo que viabilize a inclusão das  comunidades ribeirinhas e que contribua para a melhoria dos padrões  socioeconômicos, respeitando as tradições e a cultura dessas populações. Isto  fortalecerá as bases necessárias para fomentar avanços efetivos nos indicadores  sociais (saúde, educação, saneamento, lazer, infraestrutura, dentre outros).  Melhora-se a qualidade de vida e preserva-se a identidade dessas populações a  partir de uma importante atividade socioeconômica e cultural. 
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