Sandra Maria Costa dos Passos Colling *
Universidade Feevale, Brasil
Email: sandracolling@gmail.com.
Resumo:
Este estudo tem por objetivo analisar os elementos que compõem algumas das narrativas de uma das mulheres ‘parceiras’ da pesquisa da dissertação de Mestrado em Processos e Manifestações Culturais, sobre a relação entre mulheres em processo de envelhecimento e seus objetos de penteadeira, na região do Vale do Rio dos Sinos-RS. Autores como Maurice Halbwachs (2003), Mary Del Priore (2000), Ecléa Bosi (1994), Michel de Certeau (1996), Stig Hjarvard (2014), Pedro Gomes (2000), José Braga (2012), entre outros, trazem fundamentos teóricos para este caso específico, que se desenvolve dentro da antropologia social, da história e da comunicação. Conceitos como memória, gênero, envelhecimento, cultura e midiatização estão envoltos às narrativas e imagens coletadas durante a etnografia e contém dados importantes para que se promova uma discussão em torno da importância da relação entre memória e midiatização.
Palavras-chave: Cultura, Gênero, Memória, Midiatização, Narrativas.
Resumen:
Este estudio tiene por objetivo analizar los elementos que componen algunas de las narrativas de una de las mujeres 'compañeras' de la investigación de la disertación de Maestría en Procesos y Manifestaciones Culturales, sobre la relación entre mujeres en proceso de envejecimiento y sus objetos de peinado, en la región del Valle del Río de los Sinos-RS. Autores como Maurice Halbwachs (2003), Mary Del Priore (2000), Ecléa Bosi (1994), Michel de Certeau (1996), Stig Hjarvard (2014), Pedro Gomes (2000), José Braga (2012), entre otros, traen fundamentos teóricos para este caso específico, que se desarrolla dentro de la antropología social, de la historia y de la comunicación. Los conceptos como memoria, género, envejecimiento, cultura y mediatización están envueltos en las narraciones e imágenes recogidas durante la etnografía y contienen datos importantes para que se promueva una discusión en torno a la importancia de la relación entre memoria y mediatización.
Palabras clave: Cultura, Género, Memoria, Midiatización, Narrativas.
Abstract:
This study aims to analyze the elements that compose some of the narratives of one of the women 'partners' of the research of the Master dissertation on Processes and Cultural Manifestations, about the relationship between aging women and their vanity objects, in the region of Vale do Rio dos Sinos-RS. Authors like Maurice Halbwachs (2003), Mary Del Priore (2000), Ecléa Bosi (1994), Michel de Certeau (1996), Stig Hjarvard (2014), Pedro Gomes (2000), José Braga (2012), among others theoretical foundations for this specific case, which develops within social anthropology, history and communication. Concepts such as memory, gender, aging, culture and mediatization are involved in the narratives and images collected during ethnography and contain important data to promote a discussion about the importance of the relationship between memory and mediatization.
Keywords: Culture, Gender, Memory, Midiatization, Narratives.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Sandra Maria Costa dos Passos Colling (2019): “Qual é a receita? sabores e saberes: midiatização de uma mulher em processo de envelhecimento”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (mayo 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/05/mulher-processo-envelhecimento.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1905mulher-processo-envelhecimento
Introdução
Este trabalho tem por objetivo discutir sobre questões como a memória e a midiatização. Será aqui abordado um breve estudo sobre o vínculo e a utilização da imagem de Maria Emília de Mendonça em um vídeo no YouTube, pelo canal de nome “Mulheres Finas, Sabores e Saberes”, que possui parceria com a Comlines Tramontina, de Novo Hamburgo/RS.
Primeiramente será feita uma descrição da Comlines Tramontina, do referido canal e, por extensão, de sua página no Facebook. Após, a relação com a midiatização no sentido de refletir sobre a parceria entre a empresa Comlines Tramontina e o canal “Mulheres Finas, Sabores e Saberes”, e a presença de mulheres da sociedade nesses vídeos, com especial atenção à participação de Maria Emília de Mendonça.
1. Reunindo os ingredientes e organizando o modo de preparo
A Tramontina é uma empresa brasileira, com sede em Carlos Barbosa/RS, onde foi fundada em 1911. Possui hoje cerca de 7000 funcionários, 18000 itens produzidos, entre utensílios domésticos e móveis para o jardim, e envia seus produtos para mais de 120 países. A empresa, através de seu site oficial, divulga sua missão que trata da valorização das pessoas, liderança, trabalho, transparência e satisfação do cliente, sendo que seu slogan é “O prazer de fazer bonito”.
Pelo que se percebe ao longo dos anos, o nome da empresa é uma preocupação constante, pois reflete uma questão de patrimônio familiar, visto que tem como base o sobrenome do fundador dessa e automaticamente, de toda família. Pensando assim, teve cuidado ao selecionar suas revendas autorizadas, sendo uma delas a Comlines Tramontina. Essa empresa do ramo comercial, criada em 1998, tem duas lojas em Novo Hamburgo/RS e também tem origem familiar. Como visão deseja ser referência no comércio varejista brasileiro, não esquecendo a missão de realizar sonhos, tendo como valores sustentabilidade, resultado, ética e respeito ao cliente, entre outros.
Pois bem, essa empresa é parceira do canal de YouTube“Mulheres Finas, Saberes e Sabores”, de Novo Hamburgo, que realiza e divulga vídeos de receitas diversas, priorizando em alguns momentos a culinária local e em outros, as datas comemorativas. Os vídeos e o canal em si são divulgados na página do Facebook que possui o mesmo nome.
Ao assistir os primeiros vídeos se observa as receitas sendo elaboradas apenas pela proprietária do canal, com convidados para provar os pratos e sem vínculo com nenhuma empresa. Eles eram gravados em uma residência, tendo como fundo algum painel relacionado à temática que envolvia a receita apresentada.
Conforme Anelise Silva dos Santos, Zizi como é conhecida, a ideia era de ter um canal no YouTube onde pudessem ser ensinadas receitas feitas por mulheres que, de um modo ou de outro, conseguiram tocar a vida em frente, independente da época que nasceram ou dos problemas que tiveram. No começo, ela teve a ajuda de uma amiga, mas essa agora já não consegue mais estar junto devido aos estudos. Ela começou a gravar seus vídeos uma semana antes do Dia das Mães, em 2017, para ter tempo de editar e disponibilizar no YouTube.
A proprietária do canal “Mulheres Finas, Sabores e Saberes” solicitou então uma reunião com a gerência da empresa Comlines Tramontina para apresentar seu trabalho e sugerir uma parceria, que de pronto foi aceita. A Comlines Tramontina não cobra dela para gravar no espaço e ela não cobra pela edição e divulgação. Ela traz os ingredientes e a convidada para a realização da receita e a Comlines Tramontina libera o espaço para as gravações. O esposo de Zizi filma e edita para que ela poste então, no YouTube e divulgue na página do Facebook posteriormente.
Nos últimos três vídeos postados nota-se que o espaço não é mais uma residência, mas já a empresa Comlines Tramontina. E que as convidadas elaboram então suas próprias receitas e ela apresenta o que está sendo gravado, ajudando, em alguns momentos, a pessoa a realizar seu prato.
Em todas as etapas da realização da receita são utilizados os itens produzidos pela Tramontina, e que estão à venda na Comlines, tendo como áudio o som produzido pelos aparelhos domésticos que estão sendo utilizados na receita e os ruídos de dentro da loja, o que denota movimentação de pessoas vendendo e comprando produtos. O cenário é a própria loja e a marca Comlines Tramontina aparece ao final do vídeo postado no YouTube.
2. Um toque especial
Para a Semana da Mulher de 2018 o canal do YouTube “Mulheres Finas, Sabores e Saberes”, resolveu apresentar uma mulher que representasse a força, a saúde e a longevidade. Assim, o convite para gravar um vídeo executando uma receita foi enviado para Maria Emília de Mendonça.
Dona Maria, como é conhecida, é neta de escravos, nasceu em 14 de junho de 1916, na zona rural de Gravataí. Foi empregada doméstica em residências de famílias tradicionais de Porto Alegre e Novo Hamburgo. Atualmente, viúva, mora em Novo Hamburgo. Ela teve sete filhas, nove netos, doze bisnetos e quatro tataranetos.
Sua rotina é cheia de compromissos, sendo muito requisitada para entrevistas a grandes veículos de comunicação do estado do Rio Grande do Sul. Dona Maria é uma das parceiras da pesquisa “Da caixa de música ao perfume, tudo é tesouro! Estudo etnográfico sobre mulheres em processo de envelhecimento e seus objetos de penteadeira, na região do Vale do Rio dos Sinos-RS”, do Programa de Pós-Graduação em Processos e Manifestações Culturais da Universidade Feevale.
Sempre que Dona Maria é convidada a participar de uma reportagem, programa de televisão ou palestra, ela inicia fazendo um breve relato de sua vida, de algumas passagens que a fazem ser a pessoa que é hoje. O que mais encanta as pessoas em relação a sua fala são a vitalidade e a alegria. Dona Maria não usa aparelho auditivo, nem óculos. Come de tudo, mas nada em demasia. Lembra a idade e a data de nascimento de todos os integrantes da família, bem como de todos os amigos mais chegados.
O depoimento de Dona Maria retrata que "[...] a história das mulheres passa pela história de seus corpos. Sexo belo ou sexo frágil, tais denominações vinculam-se às imagens que nossa sociedade fez dele, de sua beleza ou de sua saúde" (PRIORE, 2000, p. 14). Nesse caso, um belo corpo com saúde, capaz de trazer informações, de forma lúcida e generosa, atrai as pessoas. Fica evidente a força que esta mulher tem e o quanto cada mulher pode construir em sua trajetória, afinal Maria Emília passou por inúmeras situações e está sempre disponível, com uma fala mansa, relatando algumas de suas passagens.
Sua memória está em constante atividade, pois as muitas pessoas que a rodeiam estão, de uma forma ou de outra, incentivando-a através dos questioidntos sobre sua vida. Para Halbwachs (2003), as memórias são resultantes de uma construção social.
Se essas duas memórias se interpenetram com freqüência, especialmente se a memória individual, para confirmar algumas de suas lembranças, para torná-las mais exatas, e até mesmo para preencher algumas de suas lacunas, pode se apoiar na memória coletiva, nela se deslocar e se confundir com ela em alguns momentos, nem por isso deixará de seguir seu próprio caminho, e toda essa contribuição de fora é assimilada e progressivamente incorporada à sua substância (HALBWACHS, 2003, p. 71-72).
Sua mente e seu corpo estão de tal forma em sintonia e, com saúde, ela realiza todas as atividades domésticas, passeia muito e adora receber visitas. Ela sempre diz que não gosta muito de assistir televisão, preferindo fazer caminhadas, ir ao salão de beleza uma vez por semana e ler muito. Católica e adepta da Seicho-no-iê há quase trinta anos, é grata pela vida, pela família, pelos amigos e pela alegria de todos os dias.
Como Dona Maria tem uma vida cheia de compromissos, está sempre envolvida com pessoas de grupos distintos. Isso faz diferença no sentido de uma contínua busca por fatos, acontecimentos, fazendo com que ela acesse e reelabore suas memórias constantemente.
Certamente, os limites até onde retrocedemos assim no passado são variáveis segundo os grupos, e é o que explica porque os pensamentos individuais conforme os momentos - ou seja, conforme o grau de sua participação nesse ou naquele pensamento coletivo, atingem lembranças mais ou menos remotas (HALBWACHS, 2003, p. 156).
Dona Maria está bastante entusiasmada com o fato da escrita de um livro sobre sua vida. O livro biográfico está sendo escrito por Fabrício Vijales1 . Para Bosi (1994, p. 68) “a narração da própria vida é o testemunho mais eloquente dos modos que a pessoa tem de lembrar. É a sua memória” (Grifo da autora). Ela está muito feliz por ter a oportunidade de deixar registrada sua trajetória de vida. Mas também deixa bem claro que há muito que ver e fazer ainda. E não há dúvida alguma sobre isso.
3. Preparando a receita
A disponibilidade e interação social fazem da trajetória de vida de Maria Emília de Mendonça motivo de reconhecimento e sua companhia é sempre um prazer devido a sua contagiante alegria. E assim, com muita animação, ela aceitou o convite do canal do YouTube Sabores e Saberes, apresentando e realizando sua receita de cuca de uva.
Como ela gosta muito de preparar pratos diversos, o entorno do fogão é um local que lhe transmite segurança. Dona Maria aprecia preparar os pratos preferidos de suas visitas, tendo o cuidado de lembrar, inclusive, daqueles que têm alergia a algum ingrediente. Assim, como a receita preparada por ela no vídeo é uma de suas preferidas, foi realizada com tranquilidade. Michel de Certeau (1996, p.250) atesta que “comer não serve só para manter a máquina biológica do nosso corpo, mas também para concretizar um dos modos de relação entre as pessoas e o mundo, desenhando assim uma de suas referências fundamentais no espaço-tempo".
Ao final do vídeo podemos assistir imagens de uma funcionária da Comlines Tramontina apresentando os produtos da loja à Dona Maria. Segundo ela, a funcionária fez uma rápida exposição de alguns itens. O vídeo foi gravado no final de fevereiro e, após edição, postado na primeira semana de março no canal do YouTube, sendo divulgado após, na página do Facebook.
O vídeo que apresenta a receita de Dona Maria foi o mais visualizado entre os vídeos postados no YouTube pelo canal “Mulheres Finas, Sabores e Saberes”, bem como a publicação no Facebook, na página da mesma proprietária, a que recebeu maior número de curtidas e compartilhamentos. A utilização da imagem de Maria Emília de Mendonça pode ser um dos fatores dessa repercussão, mas talvez não seja o fator exclusivo. Seria necessária uma observação mais criteriosa e com um tempo maior para realizar afirmações mais contundentes.
O fato é que o vídeo com a imagem de Dona Maria gerou um efeito muito positivo nos espaços midiáticos onde está inserido, isso em relação aos demais vídeos desse canal. A partir disso, pode-se pensar em muitas áreas relacionadas à comunicação: ao circuito da cultura, à midiatização e também ao contrato de comunicação. Vamos nos deter a falar sobre midiatização.
Para Hjarvard (2014), além da formação de opinião pública, a midiatização perpassa as instituições que necessitam cada vez mais de seus recursos, pois pela teoria da estruturação e perspectiva institucional é permitida a ação humana reflexiva. Seus recursos possuem habilidade para representar informações, construir relações sociais e ganhar atenção com ações comunicativas. Braga observa que “Com a midiatização crescente dos processos sociais em geral, o que ocorre agora é a constatação de uma aceleração e diversificação de modos pelos quais a sociedade interage com a sociedade.” (BRAGA, 2012, p. 35).
Nossa interpretação do mundo social influencia nossos relacioidntos e ações. Nós, humanos, agimos conforme nossas percepções do mundo. E essas percepções formam as representações que, por sua vez, motivam nossas práticas cotidianas e essas se retroalimentam.
Assim sendo, é razoável afirmar que, os vídeos publicados no YouTube trazem elementos de uma determinada cultura, referente a um contexto, de um tempo e lugar. Por vezes, os elementos apresentados trazem variadas origens, sendo organizados de forma híbrida, pois é resultado das mudanças de acesso às instituições (família, trabalho, política, religião) e do controle desses recursos vitais. “As mídias estão sendo incorporadas a outros domínios porque elas representam um recurso importante para a comunicação e a interação”. (HJARVARD, 2014, p. 36)
É possível afirmar que as relações de poder permeiam todas as representações e nossas práticas cotidianas. De forma geral, o que se apresenta na mídia é reflexo de nossa cultura e sociedade, e que por isso deve ser flexível. Pois
As instituições oferecem estabilidade e previsibilidade ao longo do tempo e do espaço, também são estruturas dinâmicas que proporcionam às organizações e indivíduos recursos materiais e simbólicos para agir reflexiva e criativamente em circunstâncias variadas e, assim, possivelmente renovando as próprias instituições (HJARVARD, 2014, p. 25).
As mudanças de comportamentos e valores passam também pela presença de uma instituição dentro do espaço da outra, induzindo formas de mudança, como determina Hjarvard (2014). O que significa dizer que, as mulheres, como no caso de Dona Maria, tanto podem influenciar quanto serem influenciadas nesta ação de participação ativa na mídia. As empresas envolvidas possuem seus interesses com base em suas visões e missões, e as mulheres que atuam nos vídeos influenciam neste espaço de divulgação e, inclusive, muitas delas demonstram depender da midiatização.
Podemos elucidar justificando que, Dona Maria necessita da midiatização para se constituir enquanto ser social e que não se vê mais sem a mídia. Ela já deu inúmeras entrevistas, dentre as quais cito os seguintes veículos de comunicação: Jornal NH, Diário Gaúcho, Jornal Zero Hora, TV Record. Dificilmente passa um mês em que ela não apareça em um destes meios de comunicação, estando já comprometida com o Jornal Zero Hora para as eleições de 2018, pois pretende participar ativamente deste processo eleitoral e está lendo muito sobre o que vem ocorrendo na política ultimamente.
A necessidade de se sentir parte do processo que define uma disputa eleitoral, embora não seja obrigatoriedade para ela, demonstra elementos da identidade de Dona Maria. Neste meio entre simpatias e antipatias, ordem e equilíbrio, similitudes e experiências, assuntos que aparecem nas narrativas e que são tratados com excelência por Foucault (2007), está o indivíduo que quer se manifestar e, de alguma forma, participar desta disputa, pois é a maneira como existem as disputas que faz com que as coisas do mundo permaneçam o que são.
Outro fato concreto sobre a importância da mídia no cotidiano de Dona Maria é o modo como guarda os jornais onde já esteve presente em muitas matérias e, além de mostrá-los às pessoas que frequentam seus espaços, inclusive os distribui como presente. Este movimento demonstra o desejo de afirmação enquanto parte de uma sociedade midiatizada. Algumas das matérias ela colocou moldura e estão a mostra nas paredes de sua residência. Para Dona Maria é muito importante olhar vez por outra estes recortes de jornal, afinal
[...] o fluxo dos sentidos e imagens que os objetos veiculam através dos canais de comunicação é capaz de despertar aspectos singulares nas reminiscências dos indivíduos, pelas recordações de vivências passadas que alternam tensões entre esquecimentos e saudosismos, nos sentidos e sensações reavivados pela lembrança material (DOHMANN, 2013, p. 33).
Apesar dela não participar diretamente da rede social Facebook, sua filha, Marli de Oliveira, utiliza a rede para divulgar os eventos e atividades em que Dona Maria se faz presente. E isso retorna à Dona Maria através dos comentários de suas amigas que são lidos cuidadosamente por sua filha e também pelas falas diretas e telefonemas que ela recebe, além de novos convites para palestra e participação. “Ao mesmo tempo em que a questão comunicacional se torna presente e fundante para a sociedade, os processos sociais se midiatizam – no sentido de que tomam diretamente iniciativas midiatizadoras” (BRAGA, 2012, p. 34).
Segundo a proprietária do canal “Mulheres Finas, Sabores e Saberes” sua intenção é dar visibilidade a mulheres batalhadoras. Porém, o objetivo de quem cria esse espaço é ganhar seguidores e, automaticamente receber por esse serviço. Além disso, a proprietária se utiliza de figuras midiatizadas para promover seu canal, suprindo assim seu próprio desejo de estar midiatizada.
Assim sendo, qual é a receita? Aqui temos um exemplo de receita onde os ingredientes são as pessoas, as empresas e a midiatização. O modo de fazer até aqui tem dado bons resultados, mas poderia apresentar um produto ainda mais elaborado caso houvesse talvez, uma temperatura mais adequada, ao mesmo tempo em que é preciso cuidar para não ultrapassar o “ponto”.
De forma metafórica, o que se pretende exprimir é que o canal “Mulheres Finas: Sabores e Saberes” poderia qualificar a formatação e a edição, o que faria a marca da Comlines Tramontina ter mais visualizações, visto que os vídeos estão postados dentro de uma plataforma de grande acesso. A página do Facebook que divulga os vídeos, também receberia maior alcance. Essa visualização poderia se expandir e isso traria alguns benefícios, inclusive para Dona Maria que aprecia tanto a divulgação de seus feitos e tem mesmo, muito a manifestar, assim como outras tantas mulheres, finas ou não, mas com muitos saberes a propagar.
Considerações finais
A propaganda, por meio de vídeos em canal no YouTube, onde mulheres elaboram receitas, juntamente com a divulgação de produtos de uma empresa como a Comlines Tramontina, pode explorar as ferramentas indispensáveis para a interação social. Essa interação se dá dentro das instituições envolvidas, entre as instituições e na sociedade como um todo.
Sabendo-se que a midiatização perpassa as relações sociais, a participação ativa de um determinado grupo de mulheres traz referenciais simbólicos, aspectos significativos que contêm vínculo com o modo de vida das pessoas e da sociedade, que evidenciam aspectos econômicos, culturais, sociais e/ou históricos, podendo refletir no presente parte do passado, através da memória. E também deixar marcas para o futuro.
Por outro lado, pode-se pensar em quem vai consumir este produto que é oferecido: a mulher da sociedade contemporânea está interessada nesta mercadoria? Um indicativo é a criação de inúmeros sites do gênero, pois existem grupos que buscam esse tipo de conteúdo. Relacionado a isso está o desejo de consumo de informação da vida alheia. “Existe um desejo social mais amplo que dá cobertura a que o privado se torne público e como tal seja consumido” (GOMES, 2000, p. 23).
De que modo este produto poderia ser oferecido de forma a ter a tão falada visibilidade de fato? Este canal do YouTube teria interesse em uma ampla divulgação e na alteração de seu formato? Como se estruturam os vínculos e as imagens dessas mulheres, como Dona Maria, por exemplo, com essa exposição?
São questões a serem pensadas, pois se apresenta “por um lado, a onipotência dos meios; de outro, uma insegurança por parte da população e uma sensação vaga, imprecisa, mas real, de desproteção” (GOMES, 2000, p. 23). É preciso continuar a reinventar a receita, trazendo outros sabores e, consequentemente, novos saberes.
Referências
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. - 3 ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
BRAGA, José. Mediação & midiatização: conexões epistemológicas Circuitos versus campos sociais. . In: MATTOS, M., JANOTTI JUNIOR, J., and JACKS, N., orgs.
Mediação & midiatização [online]. Salvador: EDUFBA, 2012, pp. 31-52.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 2. morar, cozinhar / Michel de Certeau, Luce Giard, Pierre Mayol; tradução de Ephraim F. Alves e Lúcia Endlich Orth. - Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
DOHMANN, Marcus. et al. A experiência material: a cultura do objeto / Marcus Dohmann (Org.). Rio de Janeiro: Rio Books, 2013.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas / Michel Foucault; tradução Salma Tannus Muchail. - 9ª. ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2007.
GOMES, Pedro. G. Comunicação e Ética - A publicização do espaço privado e o consumo privado do espaço público. Revista do Núcleo de Estudos em Comunicação, Rastros, 2(2), 2000.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. /Maurice Halbwachs; tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2003.
HJARVARD, Stig. Midiatização: conceituando a mudança social e cultural. São Paulo: MATRIZes. v. 8 - nº 1. jan./jun. 2014.
PRIORE, Mary Del. Corpo a corpo com a mulher: pequena história das transformações do corpo feminino no Brasil. São Paulo: Editora SENAC, 2000.
SANTOS, Anelise Silva dos. Mulheres Finas: Sabores e Saberes. Canal de receitas publicado no YouTube. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=QVMqx3lZ-KE&feature=youtu.be Acesso em 28/04/2018.
SANTOS, Anelise Silva dos. Mulheres Finas - Sabores & Saberes. Página do Facebook. Disponível em https://www.facebook.com/Mulheres-Finas-Sabores-Saberes-2287358871489880/ Acesso em 28/04/2018.
*Mestre em Processos e Manifestações Culturais pela Universidade Feevale. Participante do Grupo de Pesquisa Metropolização e Desenvolvimento Regional (CNPq), pelo PACF. Assessora em Educação. Endereço eletrônico: sandracolling@gmail.com