Thayliny Zardo *
Arlinda Cantero Dorsa**
Universidade Católica Dom Bosco, Brasil
Email: thay_zardo@hotmail.com;
Resumo
O presente artigo apresenta aspectos relacionados à Alienação Parental enquanto fator de influência ao desenvolvimento local e social. Para tanto, a metodologia do estudo baseou-se em uma revisão bibliográfica, a fim de estabelecer conceitos e ampliar conhecimentos sobre a Alienação Parental, além de referencial teórico pertinente ao desenvolvimento local e ao desenvolvimento em escala humana. Observa-se que a dimensão humana é um pressuposto básico para o desenvolvimento social e, por conseguinte, o desenvolvimento local de uma comunidade. Nesse sentido, a Alienação Parental afeta diretamente a pessoa humana - na figura dos filhos, vítimas que são responsáveis pela construção da própria história, do ambiente e da comunidade em que vivem. Por fim, concluiu-se que a Alienação Parental obsta a formação das comunidades, pois dificulta a formação social sadia de crianças e adolescentes, com danos psicológicos que podem ser irreversíveis, cujos reflexos negativos recairão nas relações interpessoais e, consequentemente, na relação vítimas-comunidade.
Palavras-chave: Alienação parental, desenvolvimento local, desenvolvimento em escala humana, dimensão humana, comunidade.
LA INFLUENCIA DE LA ALIENACIÓN PARENTAL SOBRE LA IDENTIDAD SOCIAL DEL INDIVIDUO Y EL DESARROLLO LOCAL
RESUMEN
El presente artículo presenta aspectos relacionados a la alienación parental como factor de influencia al desarrollo local y social. Para ello, la metodología del estudio se basó en una revisión bibliográfica, a fin de establecer conceptos y ampliar conocimientos sobre la alienación parental, además de referencial teórico pertinente al desarrollo local y al desarrollo a escala humana. Se observa que la dimensión humana es un presupuesto básico para el desarrollo social y, por consiguiente, el desarrollo local de una comunidad. En ese sentido, la alienación parental afecta directamente a la persona humana - en la figura de los hijos, víctimas que son responsables de la construcción de la propia historia, del ambiente y de la comunidad en que viven. Por último, se concluyó que la alienación parental obstaculiza la formación de las comunidades, pues dificulta la formación social sana de niños y adolescentes, con daños psicológicos que pueden ser irreversibles, cuyos reflejos negativos recaen en las relaciones interpersonal y, consecuentemente, en la relación víctimas- comunidad.
Palabras clave: Alienación parental, desarrollo local, desarrollo a escala humana, dimensión humana, comunidad.
THE INFLUENCE OF PARENTAL ALIENATION ON THE SOCIAL IDENTITY OF THE INDIVIDUAL AND LOCAL DEVELOPMENT
ABSTRACT
This article presents aspects related to Parental Alienation as a factor influencing local and social development. Therefore, the methodology of the study was based on a bibliographical review, in order to establish concepts and expand knowledge on Parental Alienation, in addition to theoretical reference pertinent to local development and development on a human scale. It is observed that the human dimension is a basic presupposition for the social development and, therefore, the local development of a community. In this sense, Parental Alienation directly affects the human person - in the figure of the children, victims who are responsible for building their own history, the environment and the community in which they live. Finally, it was concluded that Parental Alienation obstructs the formation of communities, as it hinders the healthy social formation of children and adolescents, with psychological damages that may be irreversible, whose negative repercussions will be on interpersonal relationships and, consequently, on the victims- community.
Keywords: Parental alienation, local development, development on a human scale, human dimension, community.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Thayliny Zardo y Arlinda Cantero Dorsa (2019): “A influência da alienação parental sobre a identidade social do indivíduo e o desenvolvimento loca”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (mayo 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/05/alienacao-parental-identidade.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1905alienacao-parental-identidade
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O núcleo familiar é responsável por conceder forma e identidade a seus membros, bem como é incumbido da formação da primeira identidade social e da constituição da subjetividade do ser, compreendida por meio da análise das práticas históricas, culturais e socioeconômicas características do contexto familiar em que se insere o indivíduo. Ocorre que a família sofreu inúmeras influências políticas, econômicas, sociais e culturais com o passar dos anos. Graças a sua grande capacidade de adequação às exigências do meio social, consegue perdurar no espaço e no tempo até chegar às feições atuais, todas marcadas pelo afeto - identificador do núcleo familiar -, responsável por unir pessoas com os mesmos projetos e ideais de vida, gerando um comprometimento mútuo.
Assim, tudo aquilo que, de alguma forma, trouxer prejuízos à essência familiar, qual seja a afetividade, tal como faz a Alienação Parental, deverá ser objeto de estudo e análise minuciosa da sociedade como um todo, impedindo-se o desenvolvimento e proliferação sociais de todas essas práticas danosas, cujos reflexos, em geral, recairão sobre as relações comunitárias.
Nessa linha, a proposta objetiva demonstrar a relevância da Alienação Parental na formação da identidade e personalidade dos indivíduos, de modo que ela representa um prejuízo à formação social dos sujeitos, capaz de corromper a memória individual e coletiva dos filhos, bem como todos os valores imateriais que lhes foram ensinados, fundamentais à construção social da prole e aos inúmeros grupos sociais com os quais se relacionarão.
A pesquisa é fruto de um estudo bibliográfico aprofundado sobre os aspectos que envolvem o tema, desde as mais clássicas doutrinas até textos científicos, artigos e periódicos, além de sites especializados no assunto, todos devidamente apontados nas referências bibliográficas. Para tanto, o estudo foi baseado em teóricos que escrevem sobre a memória individual e coletiva do indivíduo, com posteriores elucidações sobre a Alienação Parental e os reflexos do problema ao Desenvolvimento Local e Social, para dar consistência ao trabalho em tela.
Desse modo, o estudo se propõe a desenvolver reflexões acerca da formação e construção social sadia dos sujeitos, em que a Alienação Parental atua como um fator de influência não somente para a vítima alienada, como também para as relações comunitárias, dificultando o processo de desenvolvimento individual e coletivo, razão pela qual evidenciar o tema em comento, faz-se importante.
Falar em Desenvolvimento Local significa discorrer acerca das habilidades, potencialidades e do sentimento de pertença da comunidade, que é parte intrínseca no processo em comento. Assim, são necessárias características essenciais preexistentes para tornar possível o desenvolvimento local, dentre eles o espaço, território, fatores endógenos e exógenos, entre outros, os quais, somados, resultarão em um desenvolvimento local ideal.
O espaço, termo derivado do latim spacium, além de representar a ideia de distância, extensão, pode representar, ainda, uma concepção social, que associa materialidade e ação humana, em que o agente atuante interage com tudo aquilo ao seu redor (objetos, serviços, tecnologia), em um dado momento histórico, sofrendo alteração conforme a evolução do tempo e o consequente aparecimento de fatores transformadores (SANTOS,1994).
Todas essas transformações no espaço ocupado, amoldando-se o local às experiências e aspirações vividas de cada agente social, acabam por compor o território. Território, portanto, liga-se à ideia de relação de poder, em que “não é substrato, o espaço social em si, mas sim um campo de forças, as relações de poder especialmente delimitadas e operando, destarte, sobre um substrato referencial” (RAFFESTIN, 1993: 144). Isso significa dizer que o ser humano ao dominar e/ou apropiar-se de uma determinada área, ali exercendo suas ações e trabalhos, constitui um território.
Os fatores endógenos também são componentes do desenvolvimento local, responsáveis por representar a força interna de uma comunidade determinada. Trata-se da capacidade de organização dos agentes sociais de uma dada comunidade em busca do autodesenvolvimento, ou seja, os próprios atores sociais ativam as potencialidades da comunidade em que estão inseridos (ÁVILA, 2000). A endogenia significa, então, um desenvolvimento “de dentro para fora”, como muitos conhecem.
Inversamente à endogenia, tem-se a exogenia. Esse processo ocorre “de fora para dentro”, em que se tem uma força externa à comunidade exercendo influência sobre essa, citando-se como exemplo o governo, as políticas públicas, as empresas, globalização, etc (MARQUES, 2013). Os fatores exógenos são responsáveis pela instigação externa da comunidade, seja ela positiva ou negativa, de modo a estimular mudanças e novas visões sobre diversos aspectos exteriores à dada comunidade.
Nesse sentido, cabe aos agentes sociais a articulação e manuseio conjunto desses fatores, de modo que a comunidade possa usufruir tanto de suas forças internas, quanto das forças externas que sobre ela agem, na promoção do desenvolvimento local. Sobre o assunto, assim afirma Ávila (2000: 70):
[...] há que se somarem e necessariamente interagirem estratégias de dinâmicas exógenas e endógenas, visto que a primeira sem a segunda se afiguraria a mera ‘caiação desenvolvimentista’ [...] e a segunda sem a primeira funcionaria como mecanismo de puro isolamento societário.
Da mesma forma, também devem progredir as relações primárias e secundárias na comunidade na promoção do desenvolvimento local. “As relações primárias baseiam-se em laços de afeto e lealdade pessoal, envolvem numerosos aspectos da vida da pessoa e duram longos períodos de tempo” (JOHNSON, 1997: 194), sendo marcadas por interações face-a-face. Já as relações secundárias demonstram pouco envolvimento emocional entre as pessoas. Elas sugerem mais objetividade nas interações pessoais, de modo a organizar-se para a realização de uma tarefa ou para atingir um fim específico, por exemplo, cujas características consistem na estreiteza, limitação e finitude dos laços pessoais. De todo modo, o que se pretende aduzir é que não basta apenas a existência de vínculos espontâneos e informais entre pessoas na vivência do cotidiano (relações primárias), mas é necessário também que existam regras e normas formais para organizar e controlar os grupos sociais (relações secundárias) dentro da comunidade (ÁVILA, 2000).
Há que se ressaltar ainda, que todo esse desenvolvimento deve ser voltado para a sustentabilidade. Os agentes sociais devem promover estratégias de convivência e de tolerância, utilizando-se de seus conhecimentos e criatividade, de modo a evitar o caos e conflitos sociais.
A sustentabilidade consiste, então, em um processamento de energias voltadas para a conservação das relações sociais, em que o conhecimento produzido volta-se para futuras preocupações e incertezas da humanidade. Isso ocorre porque o ambiente e seus recursos são finitos, razão pela qual devem-se preservar, explorar, conservar e recuperar os recursos naturais de maneira sustentável (BOURLEGAT, 2001 apud MARQUES, 2013). Desse modo, resta aos agentes sociais a utilização sustentável dos recursos naturais, para que a sobrevivência recíproca não seja prejudicada e, por conseguinte, não prejudique também à sobrevivência dos futuros atores sociais.
Assim, reflete-se que não há como se falar em desenvolvimento local isoladamente. Trata-se de um fenômeno que somente ocorre se um conjunto de processos existir, de tal forma que haja um entrelaçamento entre eles, ou seja, decorre da união de aspectos necessários ao estabelecimento de uma comunidade, de modo que a interligação de todos esses processos é feita pelos próprios agentes sociais, visando o progresso e crescimento coletivos.
Observa-se que, em todos os pressupostos basilares do desenvolvimento local mencionados alhures, os agentes sociais são protagonistas das ações desenvolvidas. A pessoa humana, portanto, é tida como o centro de todos os aspectos que envolve o local e esse fato culmina no objetivo principal de análise da construção do ambiente social, o qual é naturalmente humano (PORTO, 2012).
Cada ser humano constrói o seu “eu” por meio das interações relacionais e também por meio das experiências vividas e dos seus modelos. A identidade é formada em uma continuidade que une as diferentes transformações num processo cumulativo de desenvolvimento. Assim, a identidade dos indivíduos é formada de acordo com a cultura e o ambiente em que se inserem, envolvendo as estruturas sociais e o histórico das relações. Sobre o assunto, o Prof. José Carpio Martín (1999) apud Ávila (2000, p.68) assevera:
[...]conjunto de procesos, comunidad definida, el territorio, ‘lo local’ como espacio pluridimensional, con una identidad social e histórica, un espácio para la convivencia y el empleo, un espacio con una comunidad de interés para potenciar el desarrollo.
Nesse sentido, cada comunidade se faz única no universo, tal como ocorre com as culturas, devendo-se ter várias formas de ver o bem-estar, as necessidades humanas e o despertar para a vida (CARPIO et. al. 1999 apud MARQUES, 2013) conforme os atores sociais que habitam cada espaço.
Importante salientar que a cultura preserva a identidade, pois visa interagir com o ambiente, adaptando-se a ele. Essa personalidade tende a ser proativa, pois atende às necessidades de mudanças, que se tornam cada vez mais presentes nos ambientes. Surge, então, o sentimento de pertença, em que o indivíduo se sente como parte integrante da comunidade. O sujeito vê-se inserido e imerso no ambiente em que vive, transferindo suas vivências, experiências, memórias e expectativas de vida futuras, todas para o determinado espaço geográfico em que se encontra.
Dessa forma, o Desenvolvimento Local é um processo que aborda uma combinação de questões sociais, econômicas e ambientais relativas a um território ou espaço todas envolvendo a ativa participação do cidadão, o efetivo controle social sobre a gestão pública, por meio do fortalecimento da sociedade civil e o empoderamento de grupos sociais que antes eram marginalizados. Discorre nesse sentido o Prof. José Carpio Martín (1995), apud Ávila (2000, p.68):
El desarrollo local es el proceso reactivador de la economía y dinamizador de la sociedad local, mediante el aprovechamiento eficiente de los recursos endógenos existentes en una determinada zona, capaz de estimular y diversificar su crecimiento económico, crear empleo y mejorar la calidad de vida de la comunidad local, siendo el resultado de un compromiso por el que se entiende el espacio como lugar de solidaridad activa, lo que implica cambios de actitudes y comportamientos de grupos e individuos.
Nota-se, então, que se trata de um fenômeno de ativação de vários elementos, os quais todos dependem da ação humana. Isso significa dizer que é preciso a presença de uma comunidade (entendida como a presença de vínculos espontâneos entre as pessoas, com expectativas e experiências comuns, capazes de mantê-las unidas na vivência do cotidiano), situada em determinado território, com sua identidade social e histórica bem definidas, de modo que seus próprios agentes atuam na solução de problemas, satisfação de necessidades, absorção de investimentos externos e busca pela qualidade de vida de todo o conjunto.
Nessa perspectiva, reflete-se que a dimensão humana dá origem ao desenvolvimento, assim como permite sua progressão e determina seu fim - momento em que o desenvolvimento atende às necessidades humanas.
O desenvolvimento local contempla aspectos que se situam muito além da simples dimensão econômica, pois busca atingir o conjunto do desenvolvimento social, ambiental, cultural e político, ou seja, o desenvolvimento em escala humana. Por isso, o processo deve dedicar especial atenção para o homem, o ator social, de modo que as atividades desenvolvidas se voltem para o sujeito do local. Trata-se da valorização do social, do coletivo, com vistas a atingir o bem-estar-social e a plenitude da cidadania. Nas palavras de Arendt (1983: 66):
A cidadania é o direito a ter direitos, pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos não é um dado. É um construído da convivência coletiva, que requer o acesso ao espaço público. É este acesso ao espaço público que permite a construção de um mundo comum por meio do processo de asserção dos direitos humanos.
Assim, não se pode compreender o desenvolvimento local sem considerar o desenvolvimento social. Ainda que o processo de desenvolvimento represente uma manipulação de diversos fatores, todos eles partem do indivíduo e para o indivíduo, cujo objetivo último do desenvolvimento local será sempre o bem-estar social, com a garantia do respeito e proteção da dignidade humana. Significa dizer, por fim, que o desenvolvimento em escala humana é alicerce essencial que sustenta o desenvolvimento local, é o combustível que impulsiona e mantém o processo desenvolvimentista.
Tanto a proteção, quanto o respeito aos direitos humanos são considerados alicerces fundamentais para a promoção do desenvolvimento social e construção de uma sociedade saudável, em que seus próprios agentes atuam na solução de problemas, satisfação de necessidades e busca pela qualidade de vida de todo o conjunto. Estas são condições imprescindíveis para a preservação da dignidade humana e da própria sociedade.
Lembra-se, ainda, que a dignidade integra a autovalorização da pessoa, por meio do respeito mútuo. Assim, surgem os direitos fundamentais, os quais são assegurados pela Constituição Federal de 1988 e caracterizam-se pela proteção da pessoa humana. Desta forma, a violação de um direito fundamental está diretamente ligada a ofensa à dignidade, cujo reflexo negativo se dará nas relações sociais.
Nos tempos atuais, a possibilidade de desenvolvimento de políticas voltadas ao homem e ao desenvolvimento social reporta à necessidade de respeito aos direitos individuais e sociais da pessoa humana, sendo todos eles proclamados pela ONU. Nesse sentido é possível refletir, consoante leciona Porto (2012), que o desenvolvimento é um processo não estático, mas dinâmico. Falar em desenvolvimento sugere um local ou lugar ocupado e apropriado pelo homem, o qual, à medida que o constrói, simultaneamente, constrói a si mesmo, tornando-o seu espaço de vida. Consiste, ainda, em territorialização, pois o ambiente de vida assume as características próprias dos atores que o ocupam em certo momento, de maneira que cada território se faça exclusivo no espaço e no tempo. Nos ensinamentos de Ávila (2000: 69), assim ocorre o desenvolvimento local:
[...]a comunidade mesma desabrocha suas capacidades, competências e habilidades de agencia-mento e gestão das próprias condições e qualidade de vida, “metabolizando” comu-nitariamente as participações efetivamente contributivas de quaisquer agentes externos (sic).
O indivíduo, com sua subjetividade, integra o social ao mesmo tempo em que é reconhecido por este, devido à sua capacidade de atuação e transformação do meio em que se insere, ao passo que a sociedade se constitui por diferentes formas de socialização motivadas pela diversidade humana que a compõe. Tem-se, portanto, uma reciprocidade desenvolvimentista, em que o ser humano ao fazer parte do grupo social transfere suas experiências para as outras pessoas e incorpora novas vivências advindas dessa interação a si mesmo.
Por tais motivos, reflete-se que o Desenvolvimento Local está intimamente ligado ao desenvolvimento humano, de modo que ele deve partir do homem para o homem. Assim, desenvolvimento não é modelo pronto, mas é processo moldado, construído, delineado pelo ator social de acordo com a cultura e o ambiente em que se insere, envolvendo as estruturas sociais e o histórico das relações humanas. Em suma, o fenômeno do desenvolvimento local está sujeito à ação humana, à mobilização social, à participação dos atores sociais em que se tem um envolvimento coletivo e participativo voltado para a melhoria das condições de qualidade de vida. É o desenvolvimento em escala humana em prol do desenvolvimento local, de modo que as potencialidades e habilidades dos agentes sociais locais são utilizadas para se alcançar o próprio bem-estar e condições dignas e satisfatórias de vida, com o apoio de políticas públicas locais.
A família é apontada pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, § 1º, como sendo a verdadeira base da sociedade, razão pela qual merece proteção especial. Assim, tudo aquilo que, de alguma forma, trouxer prejuízos à essência familiar, qual seja o afeto, tal como faz a Alienação Parental, deverá ser objeto de estudo e análise minuciosa da sociedade como um todo, impedindo-se o desenvolvimento e proliferação sociais de todas essas práticas danosas, cujos reflexos, em geral, recairão sobre as relações comunitárias, prejudicando o desabrochamento de suas capacidades, habilidades e potencialidades (ÁVILA, 2000).
A Alienação Parental, conhecida também como “Implantação de Falsas Memórias” (DIAS, 2011, p. 462), foi delineada pelo norte-americano Richard Gardner (1985) ao constatar nas ações de guarda de filhos das Cortes dos Estados Unidos que um dos pais da criança, seja a mãe ou o pai, induzia-a ao repúdio do outro genitor, tendo-se como consequência o rompimento dos laços afetivos da criança para com este último. Amplia o termo Alienação Parental Duarte (2010: 40):
[...] expressão genérica utilizada atualmente para designar patologia psicológica/comportamental com fortes implicações jurídicas caracterizada pelo exercício abusivo do direito de guarda com o impedimento da convivência parental no rompimento da conjugalidade ou separação causada pelo divórcio ou dissolução da união estável.
Diante dessa situação, pode ocorrer o aparecimento da Síndrome da Alienação Parental (SAP), em complemento à alienação promovida pelo alienador, tendo-se, portanto, institutos diferentes um do outro, mas interligados entre si.
Enquanto a Alienação Parental representa um processo, a prática do descrédito do cônjuge pelo alienador e a narrativa maliciosa de fatos inverídicos ao filho acerca de seu genitor com o intuito de privá-los do convívio familiar, a síndrome, por sua vez, representa a recusa injustificada do filho em ter contato com seu genitor; são as “sequelas emocionais e comportamentais de que vem a padecer a criança vítima daquele alijamento” (FONSECA, 2006, s/p).
A Alienação Parental caracteriza-se pelo objetivo do alienante em incutir ideias e atitudes contrárias àquelas vividas pela criança em sua relação familiar com o ente-alvo. Internalizadas essas informações, a própria criança pode criar cenários para promover a recusa do ente alienado e, até mesmo, chegar ao ponto de não se recordar mais das experiências felizes e amorosas por que passou com o não-guardião, momento em que se verifica então a Síndrome da Alienação Parental. Em outras palavras, a SAP atua como uma forma de abuso emocional das crianças e/ou adolescentes praticado pelo alienador, cujos efeitos psicológicos podem perdurar por longos anos.
De toda forma, o fenômeno como um todo – Alienação Parental e Síndrome da Alienação Parental – funciona como uma “lavagem cerebral” (DIAS, 2011: 463) feita pelo guardião ao alienado, de maneira a ser induzido a desenvolver um juízo negativo em relação ao outro genitor.
As manipulações são de tal monta que a criança e/ou adolescente passam a ter a sensação de que se lembram das falsas realidades narradas pelo alienador. Implantadas essas falsas lembranças, o vínculo entre progenitor e filho começa a se romper até chegar ao ponto em que o alienado atinge a condição de “órfão de pai vivo” (GONÇALVES, 2012: 305).
O alienador faz uso das mais variadas assertivas para convencer o alienado da existência dos fatos que lhe conta e, principalmente, a acreditar que realmente aconteceram, utilizando todo tipo de narrativas inverídicas, inclusive a prática de abuso sexual, como arma de manipulação do infante.
Com o decurso do tempo e a reiteração das falsas afirmações, nem mesmo o alienador consegue distinguir as mentiras das verdades. O estado psicológico do alienador se altera tanto que “a sua verdade passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência, implantando-se, assim, as falsas memórias” (DIAS, 2011: 463). Dessa forma, o alienador faz uso de seu direito de guarda para ferir a integridade moral, física e, principalmente, mental do alienado, fazendo-o crer em um falso desprezo do outro genitor. Esse abuso emocional, contudo, pode ser de difícil constatação, sendo necessário o monitoramento infantil, seja por psicólogo, assistente social ou psiquiatra, para a identificação dos sintomas, o que, por si só, já causa alterações na vida do infante, face às entrevistas, teste e laudos, por exemplo, a que é submetido.
Com vistas a coibir o instituto da Alienação Parental e atender ao melhor interesse do menor, em 26 de agosto de 2010, foi aprovada a Lei de Alienação Parental – Lei nº 12.318/2010, que dispõe sobre a conceituação do fenômeno, algumas formas exemplificativas, bem como procedimentos e condutas adotadas pelo Poder Judiciário, com possíveis sanções ao agente alienador.
Isso posto, ensejando caso de Alienação Parental no seio familiar, a notícia deve ser levada ao conhecimento do Poder Judiciário para que medidas provisórias sejam tomadas o mais rápido possível, na defesa da integridade psicológica da criança ou do adolescente, de modo a reverter a situação e evitar maiores problemas familiares, consoante determina o Art. 4º da Lei nº 12.318/2010:
Art.4º Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.
Parágrafo único. Assegurar-se-á à criança ou adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas.
Em virtude desses indícios, aliados à enorme dificuldade de constatação da alienação promovida, o Art. 5º da referida Lei autoriza o juiz, se necessário, a determinar a realização de perícia por equipe multidisciplinar, a exemplo de psicólogos e assistentes sociais, na tentativa de se evitar sequelas aos alienados.
Amor, cuidado, zelo e educação são algumas soluções encontradas para impedir a ocorrência da Alienação, visto que são imprescindíveis ao desenvolvimento psíquico da criança e do adolescente, devendo ser repassados a estes por seus familiares em sua totalidade, sejam pais, tios, avós, etc. Sem o tratamento familiar adequado, sequelas podem perdurar o resto da vida, criando imagens distorcidas das relações amorosas de afeto, bem como afetar a relação indivíduo-sociedade e, consequentemente, sociedade-desenvolvimento.
Dessa forma, caracterizada a efetiva prática da Alienação Parental, medidas devem ser tomadas, com o objetivo de se preservar os direitos fundamentais da criança e adolescente, a fim de resguardar o desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual em condições de liberdade e dignidade. Trata-se de um meio de resgate, reparo e, principalmente, coibição de tal conduta, para que essa situação seja rejeitada, anulada ou minimizada, alertando toda a sociedade para a conscientização da responsabilidade de pais, mães e demais guardiões que estejam a causar males às crianças e adolescentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo indivíduo, ao nascer, necessita de cuidados, os quais lhes são dados pela família. O núcleo familiar representa, portanto, o marco inicial da formação dos indivíduos. Os valores imateriais, a identidade, cultura e educação, utilizados no processo de formação social dos filhos, desenvolvem-se, primeiramente, no seio familiar, na relação pais e filhos, para, posteriormente, serem compartilhados na relação filhos e sociedade. Nota-se, portanto, que dada a proximidade dos institutos, em caso de esfacelamento da família ou quaisquer graves problemas familiares, tanto a identidade quanto a cultura restarão prejudicadas, assim como em um plano macro – em nível de comunidade, fissuras também existirão, devidos às interações sociais.
Nos ensinamentos de Muniz apud Venosa (2008: 16), “a família à margem do casamento é uma formação social merecedora de tutela constitucional porque apresenta as condições de sentimento da personalidade de seus membros e a execução da tarefa de educação dos filhos”. Daí decorre a função social familiar, cuja responsabilidade principal da família é formar futuros cidadãos, protagonistas da sociedade e propulsores do desenvolvimento da comunidade a que pertencem.
Pode-se afirmar, então, que família, identidade, comunidade e desenvolvimento estão intimamente ligados. Apenas um núcleo familiar saudável dá origem a identidades bem sedimentadas e construídas, formando sujeitos únicos no universo, os quais se relacionarão entre si, compondo, portanto, a chamada comunidade, que transformará o ambiente de vida à sua volta, mobilizando-se para atingir o desenvolvimento local.
A Alienação Parental funciona como um instrumento impeditivo da formação das comunidades, pois ela interfere no processo de formação social do indivíduo, capaz de gerar danos psicológicos irreversíveis à criança e/ou adolescente, tais como a perda da autodeterminação, autoconfiança e insegurança nas relações afetivas futuras.
A partir do instante em que o sujeito não sente segurança em suas interações sociais, a comunidade apresentará fragmentos, pois seu agente formador não desenvolverá, completamente e de forma sadia, as habilidades e potencialidades necessárias à constituição social. O enfraquecimento das relações comunitárias se dá devido a tamanha complexidade e poder de influência que a alienação pode exercer sobre os indivíduos. Assim sendo, tem-se o fenômeno como um prejuízo à formação social dos indivíduos, pois afeta diretamente o núcleo familiar, o qual é o provedor de valores imateriais necessários à construção social dos filhos. Todos esses recursos abstratos são fundamentais para o sujeito e para os inúmeros grupos sociais com os quais se relacionará.
Dessa forma, não se pode permitir que a Alienação Parental represente uma ameaça ao direito dos filhos a uma convivência familiar saudável e, principalmente, à dignidade da pessoa humana em viver bem em seu meio social.
A Alienação Parental afeta diretamente o indivíduo, que é o responsável direto por construir a sua história, a de seu ambiente e de sua comunidade. Os prejuízos causados na formação social do indivíduo impedem e/ou dificultam sua relação com o meio social. Desse modo, tem-se um sistema linear da vida humana, em que uma etapa bem-sucedida leva à outra e, caso rompida a etapa primária, qual seja a família, as demais etapas restarão prejudicadas, quais sejam, a identidade do sujeito, as relações comunitárias e, por fim, o desenvolvimento local.
Note-se, então, que o tema é de suma importância para a comunidade, pois se discute uma problemática social complexa, uma vez que atinge o indivíduo, responsável pela formação da comunidade. Trata-se de uma temática que envolve a dignidade da pessoa humana e uma interdisciplinaridade no âmbito do desenvolvimento local, abarcando aspectos da cultura e identidade dos agentes sociais, refletindo seus danos na sociedade como um todo.
Ademais, para se conceber uma sociedade com justiça, a dignidade da pessoa humana é uma pretensão constitucional a fim de assegurar os direitos fundamentais do homem, sendo um princípio supremo. A honra e a vida digna fazem parte da essência do ser humano, sendo direito inerente à personalidade humana. Tal princípio é o núcleo essencial dos direitos fundamentais. Os direitos humanos, antes mesmo de serem tutelados pelo Direito, são tutelados pela Constituição Federal de 1988, premissa para uma vida digna.
Nessa perspectiva, o que se pretende demonstrar é a relação existente entre a Alienação Parental, o desenvolvimento humano e o Desenvolvimento Local, de modo que este último decorra da união de aspectos necessários ao estabelecimento de uma comunidade, cuja interligação de todos esses processos é feita pelo próprio ser humano, visando o progresso e crescimento coletivos, sempre atentando-se para a dignidade da pessoa humana, posto que sem ela, dificilmente se chegará a uma sociedade saudável.
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*Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, MS. E-mail: thay_zardo@hotmail.com.