Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


AS POSTURAS EM PARINTINS NO INÍCIO DO SÉCULO XX: TENSÕES SOCIAIS SOBRE O CONTROLE DOS ANIMAIS NO PERÍMETRO URBANO

Autores e infomación del artículo

Paulo Cesar Vieira Archanjo*

Elaine Cristina Oliveira F. Archanjo*

UFAM, Brasil

Email:pcanjo@hotmail.com


Resumo
O artigo versa sobre normas que buscavam organizar o cotidiano de moradores criadores de animais na cidade Parintins, no estado do Amazonas. Trata-se de uma pesquisa de cunho histórico e documental, com o objetivo principal de identificar e analisar as políticas públicas voltadas para o embelezamento e higienização da cidade de Parintins, nas primeiras décadas do século XX, especificamente em relação a displinarização dos animais nas vias da urbe.  O aformoseamento urbano é tratado como sinônimo de cidade bonita, higienizada e organizada, elementos considerados básicos da modernidade. Em Parintins constatou-se a existência de normatizações que objetivavam aformoseá-la, higienizando espaços públicos e privados, refinando hábitos dos moradores condizentes com a pretensão de modernização urbana de sua elite política e econômica. Conclui-se, por meio de documentações, a relações diretas entre o desejo de aformoseamento e o controle sobre os animais em via pública, que revelavam o desejo de mudanças dos hábitos dos moradores, mas que, no entanto, resultaram em atos de resistência diante das normas impostas.
                 Palavras Chaves: Modernidade, Biopolítica,Normatização,Parintins .

Resumen
El artículo versa sobre normas que buscaban organizar el cotidiano de moradores criadores de animales en la ciudad Parintins, en el estado de Amazonas. Se trata de una investigación de cuño histórico y documental, con el objetivo principal de identificar y analizar las políticas públicas dirigidas al embellecimiento e higienización de la ciudad de Parintins, en las primeras décadas del siglo XX, específicamente en relación a la displinarización de los animales en las vías de la urbe. El aformamiento urbano es tratado como sinónimo de ciudad bonita, higienizada y organizada, elementos considerados básicos de la modernidad. En Parintins se constató la existencia de normatizaciones que objetivaban aformosearla, higienizando espacios públicos y privados, refinando hábitos de los moradores concordantes con la pretensión de modernización urbana de su elite política y económica. Se concluye, por medio de documentaciones, a las relaciones directas entre el deseo de aforestación y el control sobre los animales en vía pública, que revelaban el deseo de cambios de los hábitos de los moradores, pero que, sin embargo, resultaron en actos de resistencia delante de las normas impuestas.
  Palabras Claves: Modernidad, Biopolítica, Normatización, Parintins.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Paulo Cesar Vieira Archanjo y Elaine Cristina Oliveira F. Archanjo (2019): “As posturas em Parintins no início do século XX: tensões sociais sobre o controle dos animais no perímetro urbano”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (abril 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/04/controle-animais-urbano.html

//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1904controle-animais-urbano

1INTRODUÇÃO

Na primeira metade do século XX a cidade de Parintins, situado no interior do estado do Amazonas, aos poucos recebe algumas transformações urbanísticas que visavam embeleza-la que impactaram nos costumes e tradições de seus habitantes. Neste sentido antigas práticas sanitárias, influenciadas por hábitos de higiene local, foram alvo de normas prescritas por autoridades municipais. As normas de controle incidiam não somente sobre os corpos, mas também sobre as habitações e locais públicos como mercados e praças. 
A moral urbana em Parintins era regulada por Códigos de Condutas que buscavam refinar condutas que estivessem em sintonia com o projeto civilizador, como esse estilo de vida importado pudesse potencializar de fato uma nova era marcada por novos costumes adequados aos “novos” tempos.
Códigos de Condutas são potentes instrumentos de controle social, seja no espaço privado ou coletivo, estando presente no cotidiano de moradores em muitas cidades. Tal fenômeno ainda não foi suficientemente estudado, principalmente em cidade do interior como Parintins por exemplo, onde havia o desejo de converte-la em um lugar em sintonia com a mudanças em curso proporcionada pela remodelação urbanísticas das grandes cidades como Manaus. Todas as mudanças trazidos pelo desejo de modernizar o lugar, tiveram impactos nos antigos hábitos dos moradores.
Entre as medidas tomadas pelo poder público parintintinense estão as normas que objetivavam disciplinar o transito de animais nas vias públicas na cidade de Parintins. Retirar das ruas animais que antes circulavam livremente passa a ser uma obrigação que agora além de legal era também estética e moral.
O presente estudo tem como objetivo identificar e analisar as normas de salubridade urbana que buscavam regulamentar a presença de animais nas ruas da cidade de Parintins na primeira metade do século XX, mas que reverberavam nos costumes locais. Tais normas são fruto do desejo das autoridades locais em embelezar e higienizar a cidade de Parintins, para que esta se convertesse em um local modernizado.
A investigação foi realizada na cidade de Parintins, localizada no baixo Amazonas, distante de Manaus 450 km em linha reta. O município de Parintins faz fronteira com o Estado do Pará, podendo ser considerada, segundo os padrões amazônicos, uma cidade de médio porte.

A pesquisa é de cunho documental, e foi executada nos arquivos da Câmara Municipal de Parintins e no Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas (IGHA). Foram pesquisados livros de Leis, de Atas das sessões, portarias da Câmara municipal, relatórios da Superintendência de Parintins e do governo do Estado do amazonas, dos primeiros 60 anos do século XX. Além dos documentos citados, foram feitas pesquisas também em um periódico Parintins, que circulava na cidade Parintins na década de 10 , e em jornais de Manaus, jornal Comercio do Amazonas e jornal a Capital.

Higienização e Civilidade
A moderna noção de higienização no mundo ocidental foi estruturada historicamente a partir do século XVIII, de forma lenta e heterogênea. Da convivência com as “imundices” da Idade Média, ao processo de assepsia burguesa vai se criando paulatinamente um sentido de repulsa ao sujo, percebido agora como algo ameaçador das frágeis vidas humanas (CORBIN,1987).
Elias (1994), considera que muitos julgariam a higiene na Idade Média dentro de seus padrões atuais de civilização como algo repugnante, o que não necessariamente era repugnante à época. Essas mudanças nos padrões são longas e contínuas. O autor, por exemplo, diz que na Idade Média já haviam códigos de condutas criados por cavaleiros para se diferenciar dos demais, sendo suas regras de conduta uma espécie de identidade do homem cortês. A partir do sec. XVI houve gradualmente a mudança da cortesia para a civilidade. É neste século que as condutas vão se tornando mais firmes, e as pessoas passam a se observar e controlar.
O exame do comportamento humano no século XVI e de seu código de conduta lança o observador de um lado para outro entre impressões do tipo "Isto ainda e inteiramente medieval" e " é exatamente assim que nos sentimos hoje" (ELIAS,1994, p.94).
O processo desencadeado há séculos de higienização trouxe consigo políticas públicas de desodorização e desinfecção das cidades e de seus habitantes, e com elas veio a obsessão pela limpeza corporal (Douglas, 2012.Corbin, 1987). A cidade asséptica passa a ser signo de modernidade e “civilidade”. Uma pedagogização dos sentidos foi posta em ação por intermédio de dispositivos sutis de poder, que introjetam nas pessoas a noção do belo e do feio, do sujo e do limpo, em fim do tolerável e do intolerável (FOUCAULT,1979).
As políticas sanitárias imposta à sociedade, com o passar do tempo, mudou os comportamentos das pessoas, criando hábitos novos enquadrados nos emergentes padrões de civilidade Vigarello ;(1996).
A limpeza se transformou ao longo do tempo em uma prática obsessiva nas sociedades modernas, sendo um ideal a ser perseguido, pois representa a beleza e a ordem (DOUGLAS, 2012). Sigmund Freud em sua obra O Mal-Estar na Civilização, também se refere a ordem e a limpeza como compulsão humana. Sujeira, desordem devem ser afastadas, repelidas.
[...] não nos surpreende a ideia de estabelecer o emprego do sabão como um padrão real de civilização. Isso é igualmente verdadeiro quanto à ordem. Assim como a limpeza, ela só se aplica às obras do homem. “[...] A ordem é uma espécie de compulsão a ser repetida, compulsão que, ao se estabelecer um regulamento de uma vez por todas, decide quando, onde e como uma coisa será efetuada” (FREUD, 1996, p. 113).
Tal compulsão pelo limpo é um fenômeno resultante do processo de higienização da sociedade, desencadeado na Europa a partir do século XVIII. Hábitos foram medicalizados e internalizados por mecanismo de dispositivo de poder que punham novas normas sobre o cuidado de si. A higiene passar se constituir como elemento de cidadania, havendo uma aproximação entre autoresponsabilidade e moral.
Medicalização foi um termo usado por Michel Foucault (1979, 2005) para enfatizar a influência da medicina em quase todos os aspectos da vida. A medicina produz efeitos de controle na cotidianidade das pessoas, por via de seus estatutos científicos sobre doença e saúde, normalidade e patologia. A medicina social surge como reguladora da higiene pública com vistas à salubridade da cidade, mas seu alcance é bem maior que o preventivo/curativo. Foucault conceituou medicalização da seguinte forma:
La medicalización, es decir, el hecho de que la existencia, la conducta, el comportamiento, el cuerpo humano, se incorporaran apartir del siglo XVIII en una red de medicalización cada vez más densa y amplia, que cuanto más funciona menos se escapa a la medicina (FOUCAULT, 1977, p. 3).
Medicalizar, assim, possui uma função política de intervenção sem limites em multiplas esferas da sociedade. A cidade, os bairros, as famílias são instâncias que, a partir do século XVIII, estavam sujeitas ao autoridade da medicina social, mecanismo este de assujeitamento por excelência, processos que recaíam sobre multiplicidades de corpos.
A medicina social, neste sentido, pode ser compreendida como técnica de poder que age sobre a população normatizando condutas. Tais normatizações tiveram efeito de produzir uma cartilha do bem viver, encarregada de promover não somente a saúde, mas também a moral. Nesta produção do aceitável e do inaceitável, é possível incluir o redimensionamento dos conceitos de sujo, limpo e de posturas consideradas toleráveis e intoleráveis, útil e inútil.
Medicalização é uma tática biopolítica, poder que é desempenhado sobre o coletivo e atuando sobre a constituição do sujeito. Não é o corpo somente que deve ser disciplinado, mas o controle deve recair também sobre a “[...] vida dos homens, [...], ela se dirige não ao homem-corpo, mas ao homem vivo, ao homem ser vivo; no limite, ao homem-espécie” (FOUCAULT, 2005, p. 289).
A estratégia biopolítica materializa-se por meio de mecanismos sutis, para fazer com que os indivíduos percebam as normas não como uma imposição, um interesse alienígena que desqualifica seus hábitos, mas pelo contrário, reconhecer que tais normas existem em função de um bem comum, prolongamento da vida por via da higienização do corpo e da cidade. Lei tem efeito repressivo, intimidador, a norma trabalha na produção de verdades constituídas a partir de um saber/poder (FOUCAULT, 1979, 2005).
Baseado em evidências documentais, supõe-se que estratégias biopolíticas já estavam em Parintins, pelo menos desde o início do século XX, produzindo influxos nos modos de subjetivação dos moradores, em hábitos sanitários, e em seu fazer cotidiano.
Despachar animais para higienizar. Higienizar para Aformosear
Na virada do século XX, prevalecia o juízo da imprescindibilidade de investir em embelezamento e saneamento das cidades, para que estas se convertessem em exemplos de modernidade. A higiene urbana era por sua vez, um componente essencial na avaliação do grau de “civilidade” de uma cidade. Em 1917 o médico Galdino Ramos escreveu no jornal amazonense A Capital sua opinião sobre quão era importante investimentos em salubridade pública.

Ninguem ignora o papel importantíssimo da hygiene nas sociedade modernas, a tal ponto de quase pode disser que o grau de civilisação de um povo deve ser aferido pelo progresso de sua higyene, que vale mesmo pelas verbas despendidas em seu orçamento na saúde pública (Jornal A Capital.Edição N° 05 . 20/07/1917).

A população de Parintins no início do Século XX, era formada na sua maioria por índios, negros e caboclos. Eram principalmente esses grupos, que deveriam ser submetidos ás novas regras de uma elite que buscava polir comportamentos, balizados pelos princípios de “civilidade” urbana. Tais transformações devem ter gerado algumas tensões entre as autoridades municipais e a população em geral em função de seu caráter compulsório (ARCHANJO;HIGUCHI;ARCHANJO2016).
Cidades consideradas modernas, segundo os padrões europeus, eram iluminadas, com amplas avenidas, praças e calçamentos, com coleta de esgoto, com abastecimento de água nas residências, com casas construídas sob a égide da mais moderna arquitetura, sem animais vadios nas vias, possuidoras de uma eficiente coleta e tratamento de seus resíduos sólidos, enfim, uma urbe organizada, segura e asséptica (MESQUITA, 2009; DIAS, 2007).
Manaus por exemplo, desde o século XIX, traz em seus Códigos de Posturas restrições à animais na área central da cidade (SÁ, 2012). Em Parintins transitando pela cidade haviam cavalos, porcos, bois, cabras, cães, galinhas entre outros, que certamente contribuíam consideravelmente com a emanação de mau odor no perímetro urbano.
Documentos revelam que na cidade de Parintins já no início do século XX, eram tomadas pelo poder público certas medidas profiláticas com vistas a sanidade do meio urbano. Tais medidas reverberavam diretamente nos hábitos e costumes da população local que se submetiam ás imposições das novas regras sobre assepsia urbana.
Em Parintins transitando pela cidade haviam cavalos, porcos, bois, cabras, cães, galinhas entre outros animais. Para que pudessem executar o projeto de reforma urbana, todos os animais foram objeto de normatização pela Superintendência municipal. Era esse livre transitar de animais, fruto de hábitos dos moradores locais, que passaram a ser regulamentados
Animais deveriam estar em locais confinados ou distantes da aérea urbana, evitando assim o lançamento excrementício em locais público, ameaçando a salubridade do lugar bem como a integridade física dos moradores. Retirar das ruas animais que antes circulavam livremente passa a ser uma obrigação legal como também estética dos moradores.
Em 1907 a Superintendência estabelece prazo de uma ano para que animais fossem retirados da cidade. O jornal Parintins, com intuito de justificar tais medidas, afirma que “Desta prohibição advirá a facilidade de aborizarem-se as ruas e ajardinarem-se as praças que se tornará mais bella e hygienica”a cidade de Parintins (JORNAL PRINTINS,1907,N° 3). Nota-se o argumento do embelezamento e assepsia urbana para convencer as pessoas da necessidade de retirar seus animais de circulação.
Na edição n° 16 de 15 de dezembro de 1907, do supracitado jornal, a Intendência municipal publica aviso alertando que

A contar de 1° de Janeiro em diante os animaes encontrados nas ruas, praças, travessas e litoral da cidade, serão apprehendidos  e o seus donos imposta a multa respectiva.
A lei apenas exeptua vaccas com cria e permite que os bois de carro e cavalos pastem nos subúrbios da cidade, logares estes já desegnados pelo edital.
Assim poes , cabras, bodes, porcos e outros animais; galinhas e outras aves serão aprehendidas, procesendo se na forma da lei.

Talvez uns dos documento que mais incorpore explicitamente o desejo de modernidade, foi encontrado na edição N° 19 do Jornal Parintins de 1908. Tal periódico pertencia ao antigo Superintendente Coronel Furtado Belém. A matéria jornalística tinha intenção de se posicionar em relação as reclamações dos moradores da cidade, em função da repercussão negativa entre parte da população, a respeito de animais da via pública pelo poder público, Lei esta supracitada. O jornal critica aqueles que reclamam.

Tendo sido dirigidas ao sr. Coronel Furtado Belem algumas reclamações verbaes sobre a retirada de cabras e galinhas, etc., das ruas e praças da cidade a todos o dito ex-superintendente deu explicações satisfactorias do acto prohibitivo da Intendencia, as quaes consistem em pretender a Intendencia ,por todo mez próximo começar o ajardinamento da praça São Benedito.
Ora sem essa medida, precisaria a Intendencia de cercar ou murar a praça, despeza esta que a Intendencia não pode fazer : portanto teria ella de optar ou por este importante melhoramento ou pela continuação, pouco edificante, de continuar a rotular-se com o nome de cidade uma povoação rustica (IBID.1908,N° 19).

A lenta e irregular reforma urbana da cidade de Parintins, exigia transformações que impactaram nos costumes dos moradores. E isto já pode-se perceber através das reclamações citadas nos parágrafos anteriores.  Pode-se perceber a tentativa de incorporar novos modos de viver através mecanismo de base jurídica.
Em 1908 a municipalidade adverte que “As galinhas e outras aves encontradas nas ruas, serão apprehendidas e vendidas em hasta pública, se os respectivos donos não reclamarem e pagarem a multa respectiva” (JORNAL PARINTINS,1908, N°19).
A presença de cães “vadios” na cidade de Parintins era também um problema que desafiava o desejo de aformoseamento urbano, pois como não tinham proprietários outras medidas deveriam ser tomadas para conte-los. A repressão do governo se processava por intermédio de pagamentos de multas, banimento ou execução dos animais. Em nota publicada no Jornal Parintins avisa que

Os cães encontrados nas ruas, depois das 9 horas da noite, serão mortos por estrychnina , embora tenham pago impostos; encontrados de dia e longe dos respectivos donos, serão agarrados e mortos pelo processo acima (IBDID. 1908, N°19).

Em Parintins, os cães chamados de “vadios”, eram aqueles que viviam na divagação, podendo ser capturados e levados para a margem direita do Paraná do Ramos, (local distante da cidade), e ali abandonados, conforme consta na Portaria Nº 103 de 1912, ou ainda pior, poderiam ser mortos a tiros, de acordo com a Portaria Nº 20 de 1914 (Livro das Portarias.1909-1918).
Para que cães pudessem transitar em via pública, deveriam estar acompanhados de seus donos. Seu proprietários deveriam obter licença mediante pagamento de uma taxa. Os cães deveriam portar uma coleira com seu número de identificação, caso contrário os mesmos poderiam ser capturados e mortos pela administração pública (JORNAL PARINTINS, 1908.Livro das Atas,1915).
Pela resolução N° 20 de janeiro de 1908 cães cujo os donos paga imposto estipulado pela Superintendência não podem permite que seus animais circulem sozinhos, pois caso sejam apreendidos pela fiscalização os proprietários podem reclamar “[...] justificando o motivo de andarem soltos, lhe serão entregues os ditos cães mediante o pagamento das despesas de apprehenzão” (JORNAL PARINTINS. 1908.N°20).
Em 4 de Maio de 1929 a Intendência municipal submete a votação o Projeto Nº 7 que visava controlar a procriação de cães e manter a higiene nas vias públicas. Parte do Projeto foi transcrito da seguinte forma:

Considerando que é avultadissimo na cidade o numero de cães vadios que, não somente perturbam o sucego publico com o seu ladrar e granidos diários; Considerando, que o animal castrado, é mais manso e menos importuno, por não ter mais de procurar a femea, causa principal de seus alaridos, resolve apresentar o seguinte:
Art. 1º Fica obrigatorio a castração de cães, cujos proprietarios os deixem soltos nas ruas da cidade; Art. 2º Aquelles que forem encontrados nas ruas sem as condições do Art. 1º, serão aprehendidos e deportados para lugares de onde não possam voltar para nossa urb [...] (LIVROS DE ACTAS: 1928 – 1935.p. 42.verso).

Porcos também sujavam a cidade. Para coibir a presença deles pelas ruas centrais fiscais da municipalidade, por meio da Lei Nº 138 de 13 de outubro de 1925, capturariam e matariam os porcos soltos no perímetro urbano, vendendo-os no mercado público. Depois de vendido e deduzido os custos das despesas, o valor seria repassado ao proprietário do animal abatido (Livro das Atas.1928-1927).
Em nome na moral e bons costumes dos moradores e da necessidade de controlar a quantidade de animais nas ruas de Parintins, a Intendência em 1919, por meio do Código de Posturas do município proíbe

A pastação nas ruas da cidade de  novilhos e garrotes , assim como animais femeas de raça cavalar, baseando-se no facto de se encontrar a cidade transformada em um vasto campo de criação, onde os animais em estado de viço ofendem diariamente a moral da sociedade [...]” (LIVRO DE ACTAS.1917-1919.p.74 verso).

Em 1917 o Superintendente do município Leopoldo de Mirandella Byron publica o decreto N° 34. Sua intenção é proibir a presença de animais nas ruas que tem causado prejuízos a arborização pública. Alguns projetos elaborados pelos Intendentes para cidade de Parintins, procuravam incentivar a arborização como fator de embelezamento urbano. A Portaria N° 165 de 1913 determinava o plantio de mangueiras na rua Caetano Prestes (Livro das Portarias.1909-1918). Dando prosseguimento ao desejo de arborização, a Intendência no ano de 1917 adquire mudas para arborizar outras ruas da cidade (Ibid.).
Para assegurar que as mudas de arvores não seriam danificadas, e ao mesmo tempo aumentar a arrecadação municipal a Superintendência decreta que

Art. 1° - Fica permitido pastarem na cidade, vaccas com cria, cavalos e carneiros
Art.2°  -Fica observado para a cobrança do imposto do que trata a permissão do artigo antecedente, a seguinte estipulação:
a)Vaccas com cria – cada uma – dez mil réis durante o exercício
b)Cavallos – cada um – quinzemil réis durante o exercício
c)Carneiros – cada um – três mil réis durante o exercício
Art. 3° - Os donos de vaccas com cria ficam sujeitos a mandar pastoral-as pelas ruas da cidade, afim de evitar que causem damnos á arborização pública
Art. 4° -  Os donos de cavallos são obrigados a trazel-os peiados para pastarem na cidade
Art. 5° -  As vaccas ou grupo de vaccas que forem encontradas na cidade sem serem pastoradas, ficam seus donos sujeitos a multa de trinta mil réis
Art. 6° -  Os cavallos que forem encontrados sem peias, serão apprehendidos e os seus proprietários incorrerão em multas
Art. 7° - As vaccas e cavallos que forem encontrados depois das dezoito horas, serão apprehendidos e os seus donos sujeitos as despesas de apprehensão e multa de trinta mil réis
Art. 8° - - O gado lanígero e caprino que forem encontrados divagando na cidade depois das dezoito horas, serão apprehendidos e os seus donos sujeitos as despesas de apprehensão e multa de trinta mil réis (SUPERINTENDENCIA DE PARINTINS,1908, p.21.)

O cemitério público municipal também era invadido por manadas de gados, que aproveitando a ausência de cercas de proteção, adentravam ao campo santo “permanecendo pastando, derrubando cruzes, estragando tudo em fim” (Ibid, p.14).
A proibição de circulação de animais como gados pela cidade, era dificultado pela quantidade de mato nas vias públicas. Sem calçamento nas ruas durante boa parte da primeira metade do século XX, boa parte da cidade era coberta pelo mato, que servia de pastagem natural.
Para que se possa ter uma noção do estado das vias públicas da cidade de Parintins nos anos 20, o relatório do Superintendente Manoel Antônio de Carvalho, destaca que uma de suas grandes obras foi a de facilitar a locomoção das pessoas pelas ruas, ele afirma que “tenho mandado fazer nas ruas e praças principaes, um caminho limpo a enchada e com largura suficiente”. Tal medida era exaltada pela a autoridade pois antes de tal ação as pessoas andava pelo meio do capim “por onde todos eram obrigados a andar, um atraz do outro” (SUPERINTENDENCIA DE PARINTINS,1923/1924, p.48).
A moral urbana em Parintins era regulada por Códigos que buscavam refinar condutas que estivessem em sintonia com o projeto civilizador, como esse estilo de vida importado pudesse potencializar de fato uma nova era marcada por novos costumes adequados aos “novos” tempos.
Na opinião de Vigarello as políticas sanitárias imposta à sociedade, com o passar do tempo, mudou os comportamentos das pessoas, criando hábitos novos enquadrados nos emergentes padrões de civilidade (Vigarello,1996). Porem ao se examinar alguns relatórios das autoridades de Parintins, constata-se que era significativamente alto o possibilidade que leis e decretos se tornassem letras mortas.
Formar cidadãos por intermédio de decretos era uma tarefa complexa, entre outros fatores pelo caráter alienígena dos novos padrões que se chocavam com suas tradições e modo de viver milenares na Amazônia. Por exemplo, era comum, como ainda é em muitas cidades interioranas na Amazônia, a criação de porcos nos quintais das residências e a pastagem de animais no perímetro urbano, porém obviamente, tais posturas estariam em descompasso com a ideologia higienista. Animais nas ruas eram um desses símbolos de passado colonial atrasado o seu lugar, definitivamente, não poderia ser mais as ruas da cidade.
No entanto, depois de mais um século, alguns hábitos insistem em permanecer, entre eles o de soltar cavalos e bois pelas ruas da cidade de Parintins, como pode-se observar na figura 2. Mesmo sendo proibido pela legislação, mas como sempre tratado como letra morta por parte da população, os animais continua pastando livremente.  O atual  Código de Postura diz o seguinte em relação animais nas ruas da cidade:
Art. 7º. É vedado:
IX – criar bovinos, eqüinos, suínos, ovinos, bubalinos e animais de grande porte
na zona urbana municipal;
X – Transitar com cães da raça Pitt Bull e Rottwaeiler sem focinheira capaz de
impedir ataques a seres humanos e outros animais;
XI – Transitar com cães das raças mencionadas no Inciso anterior nos horários
das 06:00 às 21:30 horas.

Pode-se inferir, todavia,  que já havia obviamente, entre os moradores, seus próprios costumes sanitários, seus modos de perceber agir e sobre o que consideravam toleráveis e intoleráveis, e que a não observância das normas de condutas prescrita pelos Códigos de Posturas no que tange a disciplinarização dos animais, é um indicativo que todo o processo sofreu oposição por parte da população, que não aceitavam a imposição de condutas, resultado das tensões e resistências diante das investidas normatizadoras que buscam sujeitar os indivíduos.
Considerações Finais

Para os Intendentes municipais de Parintins uma cidade que desejava ser  um lugar civilizado, não poderia permitir que suas ruas, travessas e praças se convertessem em campos de pastagem. Pois cidade civilizada era símbolo de limpeza, segurança, organização e beleza. Era pois necessário erradicar o costume rudimentar de seus moradores de soltar animais para a pastagem no meio urbano. 
Havia, como foi discutido, relações entre o desejo de aformoseamento e a disciplinarização sobre os animais. E ao externarem o desejo de aformosear a cidade, está implícito também a vontade de torna-la uma lugar habitável, o que nos remete imediatamente a necessidade de higienização do meio.
As formosear ou embelezar uma cidade, são termos que estão intimamente relacionados ao ato de higienizar. Animais soltos nas ruas denotam também falta de organização, ou algo que está fora de seu lugar, pois não era mais aceitável tal convívio que ameaçava a vontade de modernizar a cidade.
No entanto, apesar dos desejos de autoridades públicas parintinense em mudar os costumes dos moradores de Parintins, via mecanismos normatizadores, buscando adequá-los a preceitos da modernidade, percebe-se que tais ensejos não se completaram ou se completaram parcialmente, é só observar atualmente ainda transitando pelas ruas centrais da cidade, cavalos e bois sem que seus proprietários seja interpelados pelo poder público.  O resultado é a incompletude da modernidade e com ela seus desejos de erigir uma urbe dentro do conceito de civilidade.

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SUPERINTENDENCIA DO MUNICIPIO DE PARINTINS. Relatórios apresentados ao Conselho Municipal em suas sessões de abril e novembro de 1923 e abril de 1924 pelo Superintendente Ten. Coronel Manoel Antônio de Carvalho. Manaós: Typographia dos Armazens Palais Royal,1924.
SUPERINTENDENCIA DO MUNICIPIO DE PARINTINS. Relatório do Prefeito Municipal de Parintins Herbert Lessa de Azevedo apresentado na 1° sessão ordinária do Conselho Municipal, a 2 de julho de 1926.Manaós: Typographia dos Armazens Palais Royal,1926.
SUPERINTENDENCIA DO MUNICIPIO DE PARINTINS. Livro de Portarias: 1909 – 1918.
SUPERINTENDENCIA DO MUNICIPIO DE PARINTINS. Livro de Actas: 1915.
SUPERINTENDENCIA DO MUNICIPIO DE PARINTINS. Livro de Actas: 1917 – 1919.
SUPERINTENDENCIA DO MUNICIPIO DE PARINTINS. Livros de Actas: 1919 – 1927.
SUPERINTENDENCIA DO MUNICIPIO DE PARINTINS. Livros de Actas: 1928 – 1935.
SUPERINTENDENCIA DO MUNICIPIO DE PARINTINS. Livro de Transcrições de Leis da Câmara Municipal: 1927-1930.
SUPERINTENDENCIA DO MUNICIPIO DE PARINTINS. Livro das Leis: 1935-1937.
VIGARELLO, Georges. O limpo e o sujo: uma história da higiene corporal. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

*Doutor em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia – PPG/CASA-UFAM. Mestre em Gestão e Auditória Ambiental. Especialista em Docência do Ensino Superior( UFRJ). Bacharel em Ciências Sociais (UFAM). Licenciado em História-Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Email:pcanjo@hotmail.com
** Doutoranda pelo Programa Sociedade e Cultura da Amazônia. Mestre em História Social pela Universidade Federal do Amazonas-UFAM, Especialista em Metodologia do Ensino de história do Brasil pelo Instituto Superior de Teologia-INTA e Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Amazonas-UEA/Parintins. Email: elaine_archanjo@hotmail.com

Recibido: 05/11/2018 Aceptado: 02/04/2019 Publicado: Abril de 2019

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