Arley da Silva Oliveira*
Victor André Pinheiro Cantuário**
UNIFAP, Brasil
Email: arleydasilva@yahoo.com.br
RESUMO
Este artigo teve como objetivo analisar as contribuições dos estudos acerca da Teoria Crítica de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer para a educação, no tocante às compreensões curriculares as quais começam pelo entendimento do currículo como poder, ideologia e reprodução. Esses filósofos possuem uma escrita de fundamental importância para a crítica ao método científico de investigação refletida nos estudos sociais sobre as circunstâncias históricas e concretas da estrutura econômica dos indivíduos diluídos no tecido social que ao meu ver não estavam isolados da sociologia renovada frankfutiana nem dos fatos econômicos, psicológicos da sociedade. Desta maneira, Adorno aborda a sociedade de cultura de massa manipulada pela Indústria Cultural para atender às necessidades do mercado capitalista. Seguindo essa linha de pensamento, a concepção do pensador neomarxista Michael Apple sobre a crítica aos Aparelhos Ideológicos do Estado, expressão cunhada por Louis Althusser, e o criticismo de Bourdieu da educação, segundo Apple conserva o status quo da classe dominante sobre os subordinados. Portanto, os resultados desta investigação consistiram na herança reconhecida por Michael Apple da hegemonia de uma classe e a necessidade de resistência na cena política contemporânea pela defesa da democracia porque o professor, de acordo com Apple, é uma figura muito importante neste conflito social enfrentando uma luta profunda contra o reinado da hegemonia nas políticas educacionais.
Palavras-chave: Educação. Teoria crítica. Currículo. Marxismo. Reprodução.
ABSTRACT
This article has by aim to analyze the contributions of the studies concerning the Critical theory from Theodor W. Adorno and Max Horkheimer for the education, towards curricular comprehension which begin in the understanding of curriculum as power, ideology and reproduction. Those philosophers have made a fundamental contribuition in the critics of the scientific method of investigation reflected in social studies on historical and real circumstances of the economic structure of individual subjects diffused in social issue that I see could not stay apart the new sociology from Frankfurt nor from the economical, psychological matters of society. Following this perspective, Adorno thinks a culture of mass society manipulated by Cultural Industry to attend to the needs of the capitalist market. Put in this line of thought the conception of the neo-marxist thinker Michael Apple about the criticism to the Ideological State Apparatuses coined by Louis Althusser and the Bourdieu criticism of education according to him conserves the status quo of the major classes above the subordinate ones. Therefore, the results of this investigation consisted in the recognized inheritance by Michael Apple of the hegemony of a class and the necessity of resistance into the contemporary political scene for the defense of democracy because the teacher according Apple is a major personality in this social conflict facing a deep struggle against the rules of hegemony in educational policies.
Keywords: Education. Critical theory. Curriculum. Marxism. Reproduction.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Arley da Silva Oliveira y Victor André Pinheiro Cantuário (2019): “O pensamento crítico da escola de Frankfurt para a educação: currículo, ideologia e poder”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (marzo 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/03/pensamento-escola-frankfurt.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1903pensamento-escola-frankfurt
1 Introdução
Este trabalho busca compreender os elementos fundamentais da teoria crítica no que tange às suas reflexões a respeito da educação a partir de aspectos específicos como a dialética do esclarecimento, a razão instrumental, a formação cultural, os sentidos da educação emancipatória, as funções e formas do poder e controle ideológico sobre a sociedade, pois os estudos dos filósofos alemães Max Horkheimer e Theodor Adorno, da Escola de Frankfurt, em especial este último em suas exposições em torno da cultura de massa e sua reprodutividade como fenômeno de padronização do pensamento, contribuiriam para a investigação dos estudos acerca da construção do currículo na educação.
As teorias críticas tratam da emancipação e do esclarecimento do ser, isto é, da busca de sua autonomia, por outro lado nas teorias científicas o interesse incide sobre a manipulação sofrida pelo objeto, o uso positivado da matemática e de métodos positivistas que veem o contexto social separado do observador. Essa perspectiva irá influenciar as teorias crítico-reprodutivas que compreendem, por outro lado, o contexto social e as escolas como reprodutoras de desigualdades sociais, perpetuando o status quo, objeto de reflexão dos sociólogos franceses Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron.
A “Escola” de Frankfurt, como local de concentração de pesquisas sociais, é constantemente lembrada pela Teoria Crítica em seu quadro institucional vinculada a uma crítica social analisada no campo educacional tanto na França como na Inglaterra, diretamente com contornos de uma sociologia crítica (Bourdieu) e filosofia marxista (Althusser) esboçadas nas concepções contidas nos conceitos de “ideologia” e “capitalismo sobre a educação e o currículo” como fortalecedores das desigualdades sociais entre as classes.
Ressaltem-se ainda críticas ao cientificismo, o qual se articula em um sistema fechado, verificando-se que este é definido pelo seu caráter negativo por Max Horkheimer, em sua leitura da teoria tradicional, pela influência exercida nas ciências sociais como modelo científico de manipulação válida nas investigações deste campo do saber, algo que para ele seria uma violência visto haver domínio do conhecimento pelo seu distanciamento.
Tencionou-se desenvolver e mostrar o saber desenvolvido na Teoria Crítica por Horkheimer, visto se tratar de um resgate do pensamento de Karl Marx, mas com uma leitura atualizada ao momento histórico, que pretendia racionalizar o comportamento dos membros da sociedade.
Ao seu turno, Adorno apresenta e critica as diversas formas de manipulação de massa pelo conceito de “indústria cultural”, denunciando que as novas tecnologias comunicativas exercem o domínio nas consciências desprovidas de esclarecimento, fenômeno este característico do capitalismo e responsável pela homogeneização do pensamento, ambos analisados no livro Dialética do Esclarecimento de 1937.
Esse artigo visou também destacar as teorias críticas no ambiente escolar, local onde se observa o currículo operando na manutenção do poder de determinadas classes que emanam matrizes as quais determinam o tipo de conhecimento a ser exposto e absorvido pela consciência comum. Ademais, as teorias críticas questionam a finalidade e o papel desempenhado pela escola, centrando especialmente sua atenção na cultura, pois nas leituras sociológicas, como a do pensador norte-americano Michael Apple, a escola tem a função de reforçar o sistema capitalista neoliberal, produzindo cada vez mais desigualdades e a manutenção da ideia de que o currículo reflete interesses de grupos dominantes, praticando a exclusão de uma parcela considerável de estudantes.
2 BREVE HISTÓRICO DA ESCOLA DE FRANKFURT E A TEORIA CRÍTICA
A criação do Instituto de Pesquisas Sociais na Alemanha teve forte impacto sobre a intelectualidade da época nos anos que antecederam à Segunda Guerra Mundial. Os intelectuais alemães gravitavam em discussões, debates e seminários intermitentes acerca da autocrítica ao marxismo-científico, o qual se encontrava em uma estufa de laboratório tendo em vista sua estrutura conceitual e bases teóricas, no período da recém-criada República de Weimar. Enquanto regiões da Rússia estavam sobre forte influência do marxismo revolucionário com a esperança de colocar em prática as ideias filosóficas “originais” de Marx quanto à realidade material e histórica dos homens que constroem a sua própria história dialeticamente.
Uma das questões levantadas foi a ruptura total com o marxismo vulgar e também a relação existente entre a teoria e a prática, “ou, mais precisamente, com o que se tornou um termo conhecido do léxico marxista: a práxis. Em uma definição frouxa, a práxis foi usada para designar uma espécie de ação autocriadora” (JAY, 2008, p. 39, itálicos do autor). Rosa Luxemburgo, liderança socialista da República de Weimar, almejava juntamente com seu partido um governo socialista, a mesma teve aproximações constantes com Horkheimer no início de sua carreira acadêmica, mas não exercendo influência maior no que veio a seguir da criação da Escola de Frankfurt e suas investigações das problemáticas sociais e teóricas.
O Marxismo não intervém na problemática frankfurtiana como uma doutrina exterior: é a principal referência teórica que legitima a Teoria crítica, o que quer dizer ao mesmo tempo que a Crítica encontra necessariamente o materialismo histórico para conseguir a sua passagem à história e que o marxismo não é um “sistema” que rebentaria com a crítica, mas unicamente a ferramenta-piloto da crítica. É com esta reserva que se pode associar a Escola de Frankfurt ao marxismo – o que explica que ela tenha aí naturalmente o seu lugar, mas com uma postura teórica tão particular que se presta mal a uma etiqueta tão sumária (ASSOUN, 1991, p. 56).
Pelo contexto histórico os pensadores que compuseram o movimento para que surgisse a Escola de Frankfurt encontravam dentro da história colocada pelo marxismo a prática em primeiro plano. O marxismo influenciou a Revolução Bolchevique e em seguida abraçou a história dos movimentos sindicais de libertação europeus; a inclinação das massas aos sindicatos estava no significado da igualdade entre os homens numa sociedade comunista que se tinha por realizar seguindo os argumentos propostos por Marx, para o qual o motor da história é a luta de classes, por isso, as lutas do proletariado constituíam-se no sentido da revolução e da transformação da sociedade sem opressão ou diferenças sociais na superestrutura.
O afastamento de atitudes irracionais tomadas por ideólogos marxistas, exigiu a necessidade de autonomia dos teóricos do Instituto que não demonstravam inclinações ortodoxas e totalitárias, pois os militantes ansiavam pela unificação definitiva da teoria e da práxis, que até a década de 1920 era filiada ao marxismo-leninismo; mas é importante citar que “durante o período de exílio que se seguiu, [dos membros do Instituto], que a Escola de Frankfurt viria a se tornar uma força importante na revitalização do marxismo da Europa Ocidental nos anos do pós-guerra”. (JAY, 2008, p. 41).
Na sua fundação, a independência cognitiva veio com a colaboração financeira de Felix J. Weil, filho de um rico comerciante de cereais nascido na Alemanha que fez fortuna na Argentina com a exportação do produto para a Europa. Weil, de educação europeia, havia frequentado o Goethe Gymnasium, em Frankfurt envolveu-se com a esquerda marxista na universidade, apoiando com generosos recursos a EMA, Primeira Semana Marxista do trabalho em 1923 na Turíngia, em que participaram além do próprio Weil, pensadores filiados ao marxismo como Georg Lukács, por exemplo.
Na década seguinte, Max Horkheimer, com 35 anos, assumiu o Instituto incumbindo-se da tarefa de dar novos rumos às pesquisa e debates que eram alvo dos estudos desenvolvidos neste; foi nessa fase que o Instituto obteve seus maiores resultados e contribuição de métodos não reducionistas quanto à orientação dos estudos para uma sociologia crítica.
Em sua gestão Horkheimer estabeleceu metas objetivas quanto à investigação das anomalias do próprio capitalismo burguês que havia gerado distorções na vida social, desigualdade entre as classes sociais e opressão aos que eram desprovidos de condições materiais e culturais. Respaldando a importância do movimento socialista, Horkheimer aceitou a tarefa de conhecer a fundo as circunstâncias históricas e concretas da estrutura econômica sobre os indivíduos diluídos no tecido social que da perspectiva da sociologia renovada frankfutiana não estavam isoladas dos fatos econômicos, psicológicos da sociedade, com isso veio a importância de publicar as pesquisas científicas do Instituto, analisando não apenas as crises do capitalismo, mas apontando soluções não idealistas quanto à problemática da relação trabalhadores-donos do capital.
A contribuição de intelectuais com artigos, ensaios, publicados na Revista de Pesquisa Social, destacando a sua autonomia, independência, é orientada pela retomada dos pensamentos hegeliano, marxista e freudiano. Adorno e Horkheimer irão promover uma crítica à racionalidade-objetiva, marcada pela analogia, que o desenvolvimento do capitalismo aplicava na perpetuação do domínio tecnológico na ação prática, na existência humana, tornando-se marco de reflexões da ilusória harmonia de desenvolvimento, do romantismo, da igualdade entre os seres humanos e, por conseguinte, no nível do sistema em oprimir a classe trabalhadora desprovida de meios culturais para superar sua alienação social, administrada por grandes corporações monopolistas do capitalismo-administrativo somando-se com o poder Estatal.
3 FUNDAMENTOS E BASES CONCEITUAIS DA TEORIA CRÍTICA
Após breve contextualização da história do Instituto, segue-se para a Teoria Crítica, por meio da retomada do pensamento da esquerda-hegeliana, via Karl Marx, em contraponto com o Espírito Absoluto como consciência do mundo, que propõe compreender os fenômenos do mundo social, histórico e lógico numa abordagem dialética.
Marx, em suas raízes, herda a oposição da dialética hegeliana e do método que levou este nome, legando aos frankfurtianos a possibilidade de orientar o método dialético “em direção ao materialismo. E, finalmente, tal como muitos hegelianos da esquerda, interessaram-se particularmente em explorar a possibilidade de a práxis humana transformar a ordem social”. (JAY, 2008, p. 85).
Os membros do Instituto assumiram as posições críticas de Marx nas análises sociais, políticas, econômicas, aperfeiçoando as metodologias de estudo da sociedade e dos mecanismos de opressão das leis de mercado, afastando-se do dogmatismo marxista, assumidas por sindicalistas marxistas no início do século XX na Europa.
Os pensadores do Instituto de Frankfurt logo perceberam as mudanças provocadas pelo rápido crescimento econômico, o surgimento de poderes políticos como Fascismo e Nazismo, o controle das massas e das organizações de proletários representados por sindicados, para os quais homens são objetos administrativos, uma extensão neurótica da produção industrial. O materialismo histórico de Marx buscou compreender numa tentativa de denunciar a diluição da moral na família pelo capitalismo burguês, o trabalho intermitente em fábricas que alienam os homens, junto a isso os homens desenvolvem ideias que dão origem ao mundo, ideias essas de dominação sobre a natureza humana.
Até aqui foi apresentada, uma análise da “Teoria Crítica” segundo o Marxismo clássico. Agora se irá desenvolver o conhecimento crítico formulado por Horkheimer no seu texto Teoria Tradicional e Teoria Crítica, o qual abre a discussão sobre o modelo científico que as pesquisas sociológicas devem adotar como pensamento e metodologia de investigação. O paradigma de ciência à época que o artigo foi publicado em 1937 é de uma divergência fundamental: dialética versus positivismo.
Horkheimer, entende assim, que as transformações sociais não se desvinculam da produção do conhecimento científico positivado, o objeto de estudo, o cientista explica com princípios abstratos, lei gerais, segundo relações de causa e efeito. Podemos sintetizar que a teoria crítica tenta unicamente iluminar o determinismo histórico, que tais conceitos universais agem sobre a existência concreta humana no contexto das relações sociais.
O domínio das ciências da natureza é evidenciado pelo pensamento lógico do cientista, o pensamento lógico é análogo ao objeto, idêntico, não ocorre contradição do próprio agente que não se identifica como agente social. Horkheimer (HORKHEIMER & ADORNO, 1991, p. 33), observa “as ciências do homem e da sociedade têm procurando seguir o modelo (vorbild) das bem-sucedidas ciências naturais”. Em outro momento Horkheimer critica a objetividade adotada nas ciências sociais, estabelecendo uma lei segura, universal válida para todos os fenômenos e fatos sociais com determinadas classificações e cálculos matemáticos determinada por formulações abstratas, ausentes de reflexão na ação, seja ela política, econômica, psicológica e social, já que as condições de ação são condicionadas historicamente no sentido tradicional.
Com isso, Horkheimer demostra, a estrutura da produção industrial é na verdade correspondente às ideologias progressistas da classe dominante (burguesa), na formação de determinadas instituições dentro da sociedade que definem os papéis sociais na divisão do trabalho intelectual e atividade manual. A consciência isolada, da atividade do cientista, não se limita em sua consciência concreta, na própria linguagem matemática. Para Horkheimer, é necessária a teoria estar vinculada a práxis existencial da sociedade. Mas na teoria tradicional a “essência”, que é apresentada aos olhos do cientista, está condicionada por processos de dedução e indução, vistos, bem diz o pensador, como “logos eterno”.
Barbara Freitag (1990, p. 39), comenta a relação de conceitos que Horkheimer evidencia na analogia que o cientista adere e assimila a casos particulares e concretos da natureza externa humana; para o filósofo de Frankfurt a “teoria crítica procura integrar um dado novo no corpo teórico já elaborado, relacionando-o sempre com o conhecimento que já se tem do homem e da natureza naquele momento histórico” (HORKHEIMER, 1947, p. 173-174).
Não é longe que se pode encontrar em Horkheimer a ilusão que é encenada pela sociedade capitalista moderna na função de determinar o gozo, a felicidade ao alcance de todos perante a liberdade, na superação das contradições sociais nas condições de trocas de materiais no mercado econômico. Na sua constatação com o ensaio em 1970, Horkheimer identifica o progresso histórico marxista rumo à libertação dos homens como sendo uma armadinha, assim como o totalitarismo demostrado pelo Nazismo na Alemanha que privilegiou a razão instrumental; há, depreende-se, a necessidade do capitalismo de se alimentar das contradições e crises provocadas por mecanismos próprios de consumo e crises administradas via intervenção estatal e a homogeneização generalizada das consciências adquirida às custas da liberdade traduzida na justiça.
A regularização generalizada da vida, a redução da liberdade, a deturpação das consciências e a atrofia da capacidade crítica são correlatos inevitáveis de uma justiça social e material ampliada. A homogeneização generalizada é o preço que se paga para assegurar o bem-estar generalizado (FREITAG, 1990, p. 41).
A Teoria Crítica volta-se para a emancipação, comportando-se e criticando as condições do capitalismo em relação à igualdade entre os homens que não se concretizou pelo ideal iluminista. Para Marcos Nobre (2014, p. 40-41), “à Teoria Crítica trata-se em dar consciência a Teoria Tradicional da sua limitação concreta. [...] a atitude crítica não se volta apenas para o conhecimento, mas para a própria realidade das condições sociais capitalistas”. A atitude crítica, portanto, significa libertar a humanidade do julgo da dominação da razão instrumental, não podendo ser ignoradas as ferramentas de dominação que a razão instrumental utiliza para paralisar, cegar os homens da relação que existe de luta para a realização da autonomia e liberdade universal.
No segundo momento da Teoria Critica se insere o frankfurtiano Theodor Adorno, que se destaca na publicação de um livro com Horkheimer em 1947, chamado Dialética do Esclarecimento, durante o exílio nos Estado Unidos. O iluminismo para Adorno está no sentido de progresso, libertação dos homens e tirada dos mesmos da miséria. No livro, há, pelos dois filósofos, um abandono do tipo de “materialismo interdisciplinar da década de 1930, o que significa, sob muitos aspectos, abandonar também alguns elementos apresentados em 1937 da teoria crítica por Horkheimer (NOBRE, 2014, p. 49).
Adorno com seu ceticismo pela razão objetiva na elaboração do conceito de razão instrumental, propõe sua concepção como derivada das mudanças ocorridas durantes os períodos de crise do próprio capitalismo e do surgimento de líderes totalitários que se favoreceram das ferramentas da razão instrumental, com o líder soviético Stalin e o nazismo de Hitler. O que fez o pensador frankfurtiano diagnosticar a época com a elaboração da Dialética do Esclarecimento. Assim como Horkheimer, Adorno não contemplava como os mesmos olhos do homem comum as promessas do iluminismo, pelo contrário, compreendia que a modernidade, a racionalidade, o progresso, acobertavam a outra face da razão na sociedade moderna, que é a barbárie. Algo já esquecido, no inconsciente da civilização moderna.
As forças instintivas humanas são racionalizadas de acordo com o nível cognitivo de conhecimento e experiência que o sujeito tem do objeto para manipulá-lo no seu espaço limitado; a classificação, o talento pertence agora à Indústria que administra o tempo dos trabalhadores. Adorno e Horkheimer expõem na Dialética do Esclarecimento os métodos de reprodução da indústria cultural para o consumo em massa; a mesma racionalidade, matematizada, empregada na indústria é sincronizada para consumo.
Os padrões teriam resultado originariamente das necessidades dos consumidores: eis por que são aceitos sem resistência. De fato, o que o explica é o círculo da manipulação e da necessidade retroativa, no qual a unidade do sistema se torna cada vez mais coesa. O que não se diz é que o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesmo. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 100).
Os mecanismos de controle da indústria sobre as massas implicam num planejamento técnico das corporações que padronizam toda a cultura numa só identidade para a massa. Ela determina e elabora a ação dos indivíduos sociais nas escolhas “criativas dos artistas”, para Gatti (2007, p. 27-28):
O significado do termo “cultura” pode ser esclarecido por uma comparação entre os produtos da indústria cultural e as obras de arte, desenvolvida por Adorno por meio de duas questões: a autonomia da arte e o estilo artístico. A ideia de autonomia da arte deve ser compreendida sob um duplo aspecto: o primeiro refere-se à relação entre o artista e a obra de arte, de um lado, e a sociedade, de outro; o segundo diz respeito à lógica de elaboração da obra de arte. De acordo com o primeiro aspecto, Adorno afirma que a autonomia da arte não existiu deste sempre, mas é um produto da sociedade burguesa, que libertou o artista da sua histórica dependência em relação à igreja, à nobreza, ao mecenato.
A argumentação de Adorno ocorre pelo momento histórico que a cultura se torna objeto do capitalismo, buscando resultados, lucratividade, pois esta é a finalidade da produção artística imposta pela indústria cultural, a arte não como reflexão da realidade existente, mas uma mordaça à criticidade dela própria sobre a realidade dos homens, agora engajada nos interesses mercantilistas do sistema capitalista, ou a finalidades políticas do ponto de vista ideológico, como a campanha do Nazismo na Alemanha, com forte aparato dos aparelhos de comunicação, dos artistas, da música como discurso da política antissemita.
4 ORIGEM DO TERMO “TEORIA CRÍTICA” E SUA INSERÇÃO NOS ESTUDOS SOBRE CURRÍCULO
A Filosofia tem como objetivo formar os indivíduos de maneira autônoma, propiciando o desenvolvimento da consciência crítica, a busca do conhecimento que esclareça questões e problemáticas que incomodam a história do próprio ser humano em sociedade.
Na educação pedagógica desde as primeiras escolas da antiguidade como a Academia de Platão, passando pelas escolas do medievo, todas mantiveram estreitas relações com as ideologias de seu tempo, que inserem no homem ignorante maneiras de manipulação da consciência e do agir através da moral hierárquica.
A construção do conhecimento com certos padrões estabelecidos por linhas de pensamento derivadas dos interesses de grupos dominantes, religiosos, econômicos, políticos, divergentes dos interesses da classe dominada, a qual a educação é planejada para condicioná-la nas relações sociais, pré-estabelecidas pelo grupo dominante da superestrutura.
O fator econômico é fundamental na estrutura social e para sua possível mudança. Isso é uns dos enfoques do pensamento marxista que pode ser entendido como paradigma, como resposta à Revolução Industrial e resposta a intelectuais burgueses, defensores do capitalismo mecanizado, empregando métodos de subsistência a trabalhadores nas fábricas para produzir ganhos para os donos do capital.
A cultura e a sociedade são analisadas pelo marxismo radical, revolucionário proposto por Karl Marx, para tomada do poder das classes opressoras. A crítica parte pela ideologia, reprodução, questões estas que serão aperfeiçoadas pelos neomarxistas no sentido da educação na segunda metade do século XX, devido a movimentos culturais como o Maio de 68, na França, contra o pensamento tradicional nas estruturas educacionais, para a renovação da teorização curricular, tomando forma uma proposta de pedagogia histórico-crítica a qual deu força ao surgimento de teorias como a dos aparelhos ideológicos do Estado, de Louis Althusser, e a teoria da violência simbólica e reprodução de Bourdieu e Passeron.
Com o movimento de revolução cultural na França, tornam-se fundamentais as análises que Althusser, Bourdieu e Passeron pela renovação das teorias educacionais, em oposição à teoria educacional tradicional, a exemplo dos modelos de Tylor que “não estavam preocupados em fazer qualquer tipo de questionamento mais radical relativamente aos arranjos educacionais existentes, às formas dominantes de conhecimento ou, de modo mais geral, à forma social dominante” (SILVA, 2015, p. 29).
A teorização crítica de base marxista com conexões acerca da elaboração curricular na escola é exposta por Bourdieu e Passeron, com a existência de hábitos assimilados sem uma reflexão crítica dos valores transmitidos aos indivíduos por uma classe dominante, que auxilia na incorporação de saberes acríticos de sua realidade, satisfazendo-se com sua realidade sem questioná-la. Silva (2015, p. 30), alimenta o comentário dos sociólogos franceses, pensando as teorias críticas em torno do currículo, que “começam por colocar em questão precisamente os pressupostos dos presentes arranjos sociais e educacionais. As teorias críticas desconfiam do status quo, responsabilizando-o pelas desigualdades e injustiças sociais.”
Podemos conceitualizar algumas teorias críticas repensadas para uma educação crítica, esclarecendo que devido à vasta produção literária e discussão da teoria educacional neomarxista, com a interpretações de Marx sobre os modelos de superestrutura e infraestrutura, mecanismos de funcionamento de nossa sociedade, do funcionamento das relações sociais, a despeito da realidade e das atividades econômicas internacionais, apresentaremos um breve resumo da teoria crítica para a educação.
Para introdução cronológica enfatizamos uma breve análise das obras sobre o currículo: Louis Althusser, A ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado (1970), Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, A reprodução (1970), A escola capitalista na América, de Samuel Bowles e Herbert Gintis(1976), Michael Apple, Ideologia e Currículo (1979). A obra de Bowles e Gintis enfatiza que a escola é um meio do sistema capitalista na sua produção, um princípio de correspondência com a escola e suas relações segundo as interpretações marxistas. Bowles e Gintis assim como os neomarxistas buscavam respostas para indagações em torno da cultura, ideologia, hegemonia e autonomia vinculadas à educação.
A formulação de Bowles e Gintis, segundo Apple e Au (apud APPLE, AU & GANDIN, 2011, p. 101), era feita com análises mecanicistas deterministas na economia e funcionalistas na relação da base econômica e superestrutura, pois os “os neomarxistas argumentaram que o princípio da correspondência ignorava o papel dos professores, da cultura e da ideologia na escola” além do mais este mesmo princípio “era demasiadamente mecânico e exageradamente econômico, e negligenciava a resistência de estudantes e de outras pessoas às relações sociais dominantes”.
No decorrer da crítica dos neomarxistas, estabeleceu-se logo a seguir a necessidade de compreender as estruturas das relações ideológicas quanto à legitimação do controle relativo à instituição escola. Essa abertura é investigada por Louis Althusser que “permitiu uma concepção não funcionalista, não economicamente determinista da relação econômica base-superestrutura” (idem, p. 102). Em seu ensaio, A ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado, Althusser proporcionou base para os estudos marxistas quanto à crítica da educação conectada com as ideologias, políticas conteudistas de governos centrais para práticas educativas dos estudantes, uma educação ideológica, consequentemente emprega nos currículos das escolas, padronizando, sendo as escolas reprodutoras dos mecanismos econômicos dos componentes ideológicos para a sobrevivência do sistema econômico capitalista.
O próprio pensador evidencia a repressão dos dois aparelhos da superestrutura – de um lado os aparelhos repressivos como a polícia, e do outro os aparelhos ideológicos, entre os quais está a escola –, o que seria uma forma de controle de determinada classe hegemônica sobre a outra classe dominada, discutindo as relações de produção, que são as relações de exploração sendo inculcadas inconscientemente, educação acrítica, não se perturbando das reais condições de existência, compreendidas como naturais as políticas que atendam aos interesses das classes burguesas quanto ao status quo e o material disponibilizado para o conhecimento pelas classes sociais dominadas.
As observações em torno dos conteúdos intencionalmente definidos e transmitidos ideologicamente por mecanismos de reprodução social enfatizam o aprendizado mecanizado e repetitivo nas vivências sociais na escola, com o objetivo de qualificar o estudante para o mercado de trabalho, aprendendo este a ser subordinado e dirigido pelas “hierarquias superiores”, detentoras dos meios de produção com capacidades investidas pelas ideologias do Estado de controlar, e tornar habitual o regime de exploração dos trabalhadores. Contribuindo, assim, a escola para a reprodução ideológica, para os interesses econômicos de mercado, aliados do Estado liberal e democrático que possibilita a manutenção do status quo a uma pequena elite dominante.
Nesse sentido, a escola reproduz os hábitos desejados pelas classes dominantes, excitando para consumo, pois o próprio capitalismo irá se impor como gerador de desejos e necessidades, ainda que não reais, “criadas” visando unicamente o consumo em massa; as análises marxistas dos sociólogos Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron irão realizar críticas contra o sistema de ensino, quanto a processos de hierarquização, mantenedores do status quo, que é caracterizada pela sua sutileza e perversidade nas escolas materializadas pelas manutenção das desigualdades sociais, elucidando nas práticas escolares, na figura do professor, na construção de ideologias que favorecem o sucesso de alguns privilegiados culturalmente e a exclusão de grande parte do corpo de estudantes da classe menos favorecida ideologicamente e de segurança material.
A escola quando reprodutora atende aos interesses da burguesia que necessita ampliar seus aparelhos ideológicos de controle nos quais é construída uma seleção dos mais qualificados, no entanto, em períodos de crises econômicas o que as teorias neomarxistas defendem é a ideia de resistência contra a dominação, a perpetuação econômica e manutenção do status quo. Significa que a inculcação divulgada pelas ideologias hegemônicas entra em conflito com os manifestos de resistência das classes dominadas prejudicadas pela crise econômica, pois isso gera conflito, tensão, lutas. O próprio conceito de resistência é trabalhado no contexto escolar por Leite & André (1986, p. 8) como “um aspecto central numa análise crítica e radical da prática pedagógica.”
A divulgação ideológica em massa via informações planejadas e organizadas, empregando valores, crenças, os gostos estéticos dos tipos de classes dominantes, legitimando as mesmas como culturas hegemônicas sobre a diversidade cultural de determinada localidade, podendo a escola ser transmissora desses valores, especialmente, como árbitro para validar e difundir novos valores dentro dos limites, das trocas simbólicas, transmitidas para as classes subordinadas. A hegemonia é estabelecida por sujeitos conscientes que por vivências sociais se relacionam por uma identidade ou identidades que todos compartilham, inconscientemente, mas intencionalmente para atender estritamente o sistema hierárquico, reproduzindo os papéis sociais pré-estabelecidos nas práticas escolares. Segundo Giroux (1983, p. 61), “o conceito de ideologia não diz respeito simplesmente a um conjunto específico de doutrinas e significados” porque supera o aspecto meramente doutrinário estabelecendo-se como um “meio através do qual os atores humanos aprendem o significado de suas próprias experiências e do mundo em que se encontram.”
Confirma-se, por isso, que as relações sociais na escola são responsáveis por desenvolver desigualdades através da competição, determinar papéis sociais de acordo com as conveniências de certas classes sociais. Silva (2015) realiza uma breve referência ao filósofo francês Althusser ao dizer que sem práticas econômicas que alimentem a reprodução de determinadas práticas sociais, a sociedade capitalista não teria base de sustentação ideológica, que a escola é um instrumento utilizado pelo capitalismo para manter sua ideologia por um longo tempo na sociedade e perpetuar o estado de alienação e ausência de crítica.
Com os neomarxistas avançou-se para as teorias críticas do currículo, configurando-se a participação de vários estudiosos como os já citados, além do campo sociológico; essas teorias organizadas abordavam e selecionavam as problemáticas dos conflitos de classes, estrutura social, sistema de poder. Na França, é Bourdieu (2002, 2007) com o conceito de habitus de classe quem trata do problema referido. O habitus é um sistema incorporado pelo indivíduo de uma maneira determinada pela estrutura e classe social, além de sua qualidade cognitiva e biológica serem formadas pela interação social de forma sutil.
A contribuição específica de Bourdieu é na abordagem dos sistemas educativos de ensino que moldam o pensamento dos alunos, com valores e atitudes cuja função é formar determinados modos de pensar e agir. A escola segundo expressão de Pierre Bourdieu (2007, p. 211), surge, por isso mesmo como uma impetuosa “força formadora de hábitos”.
A aproximação do capital cultural disseminado pela promessa de independência econômica e autonomia é transmitida pela escola precisamente pela cultura dominante (classe hegemônica), no dizer de Silva (2015, p. 34), em “Bourdieu e Passeron, a dinâmica da reprodução social está centrada no processo de reprodução cultural. É através da reprodução da cultura dominante que a reprodução mais ampla da sociedade fica garantida”. Com a sistematização do comportamento dos grupos sociais, é possível, disfarçadamente, reproduzir preferências estéticas, esportivas, ídolos midiáticos na música, literatura, típicos das classes dominantes.
A dominação do habitus cultural ocorre pelo condicionamento pré-estabelecido como regra universal na estrutura social assimilada pelos indivíduos, para os estudantes isto se dá neles desde crianças, familiarizados com os códigos impostos pela cultura dominante, caracterizado pelo capital cultural que existe em diversos estados, seja através das diversas manifestações artísticas, das formalizações do “saber” expressas na aquisição de títulos como os diplomas e certificados ou pela própria arquitetura social na qual determinado indivíduo está inserido, pensando e agindo em acordo com sua matriz de pertencimento (SILVA, 2015).
O currículo escolar pode muito bem familiarizar os estudantes ratificando os habitus de classe, cristalizando o funcionamento da cultura como uma economia. Entretanto, os valores, assimilados pelas classes subalternas, através da linguagem dominante, é totalmente diferente de compreender os códigos das vivências sociais das famílias abastadas, das crianças e jovens habituados, confortáveis com a facilidade de decifrarem os códigos construídos para excluir, que no mundo competitivo deixa os jovens das classes dominadas na desvantagem. “O resultado é que as crianças e jovens das classes dominantes são bem-sucedidas na escola, o que lhes permite o acesso aos graus superiores do sistema educacional [...]” (SILVA, 2015, p. 35).
As análises de Bourdieu e Passeron irão fazer oposição ao currículo baseado numa cultura dominante, que contribui em excluir as crianças e os jovens das classes subalternas em assumir postos avanços na estrutura social, determinados por uma série de incorporações cuja consequências são responsáveis pelas desigualdades escolares, com a má-formação e com fins de manutenção do status quo da classe hegemônica.
5 A CONTRIBUIÇÃO DE MICHAEL APPLE PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA TEORIA CRÍTICA DO CURRÍCULO
O pensamento neomarxista de Michael Apple é analisado nas seguintes categorias conceituais: a “ideologia” que está acompanhada de significados “hegemônicos”, pois umas das principais críticas de Apple é que a educação está ligada à perspectiva de oferta para o mercado, dependendo da força suficiente de alguns qualificados para assumirem posições estratégicas na produção econômica e cultural; a ideia de “poder” nas relações educacionais, sempre discutidas pelo seu aspecto político, curricular e econômico porque existe uma determinado grupo social dominante desempenhando influência nas relações econômicas, exercendo seu poder sobre as classes subordinadas e por fim, a escola tem a função de reforço do sistema capitalista, produzindo cada vez mais desigualdades e a manutenção da ideia de que o currículo reflete interesses de grupos dominantes, praticando a exclusão de uma parcela determinada de estudantes por começar pelos “conteúdos escolares”, selecionados e desenvolvidos pelos professores em sala de aula, reproduzindo a lógica mercadológica.
A habilidade que Michael Apple tem para questionar a funcionalidade da escola, suas relações de conflitos, relações de interesse concernentes aos sistemas econômicos e de poderes políticos é debatida em seu livro Ideologia e currículo, publicado nos Estados Unidos em 1979, sendo sua edição publicada no Brasil em 1982.
Para Apple, a força do conceito de ideologia reside no fato de ser um conceito constantemente ritualizado para convencimento no ambiente escolar, através das práticas cotidianas de alunos, professores e gestores, a utilização por estes de aparelhos ideológicos que reforçam a reprodução social especificada no conhecimento escolar.
Para se compreender melhor Apple e sua influência nos trabalhos quanto às teorias curriculares, sua organização a favor das ideologias hegemônicas supostamente ingênuas, produzindo simplesmente relações de desigualdades sociais e econômicas, cite-se o que expõe Silva (2015, p. 46) a esse respeito:
É essa preocupação que leva Apple a recorrer ao conceito de hegemonia, tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond Williams. É o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como um campo contestado, como um campo onde os grupos dominantes se veem obrigados a recorrer a um esforço permanente de convencimento ideológico para manter a dominação. É precisamente através desse esforço de convencimento que a dominação econômica se transforma em hegemonia cultural. Esse convencimento atinge sua máxima eficácia quando se transforma em senso comum, quando se naturaliza. O campo cultural não é um simples reflexo da economia: ele tem sua própria dinâmica. As estruturas econômicas não são suficientes para garantir a consciência; a consciência precisa ser conquistada em seu próprio campo.
Apple adverte para as ações estabelecidas na estrutura social, na institucionalização de hegemonias que obtêm consentimentos de liderança, com amplos aparelhos ideológicos na escola; é verdade que Apple é influenciado pelas críticas de Bourdieu e Passeron no tocante à reprodução cultural, e pela filosofia marxista de Louis Althusser, ficando convincente a estreita relação econômica e os aspectos educativos que Apple (2008, p. 35) denuncia ao relatar que “a educação não era um empreendimento neutro e de que, pela própria natureza da instituição, o educador estava envolvido em um ato político, estivesse ciente ou não disso”.
Assim, Apple responsabiliza o educador como forma de resistência política contra o modelo de conservação ideológica, dos grupos hegemônicos nas relações de controle contextualizadas no processo de ensino na escola. O currículo mecanizado dentro da ótica mercantilista é parte constitutiva do discurso de base econômica na formação de consciências que preservem a estrutura cultural de determinada hegemonia, incluindo atividades que fiquem receptivas às hegemonias dominantes a priori, implicando no fortalecimento das ideologias existentes no plano cultural.
Assim; a esfera cultural não é um “mero reflexo” das práticas econômicas. Ao contrário, a influência, reflexo ou determinação, é altamente mediada pelas formas humanas de ação. É mediada pelas atividades, contradições e relações entre homens e mulheres de verdade – como nós – à medida que exercem suas atividades cotidianas nas instituições que organizam suas vidas. O controle das escolas, do conhecimento e da vida cotidiana pode ser, e é, mais sutil, pois admite até situações aparentemente inconsequentes (APPLE, 2008, p. 38).
Para Apple, em nosso mundo vivido é consensual que as práticas hegemônicas sejam vinculadas a valores, significados e símbolos culturais compartilhados pela sociedade. O mecanismo do conjunto das práticas ideológicas fica consideravelmente oculto nas massas, nas relações interpessoais, a “hegemonia atua para ‘saturar’ nossa consciência, de maneira que o mundo educacional, econômico e social que vemos e com o qual interagimos, bem como as interpretações do senso comum que a ele atribuímos, se torna o mundo tout court, o único mundo” (APPLE, 2008, p. 39). Em outro momento ele finaliza, “a hegemonia se encontra no nível abstrato em algum lugar da parte superior de nossos cérebros” (Idem, ibidem).
A aplicação de conteúdos escolares em sala de aula, no processo de seleção de conteúdos escolares e com a validade epistemológica do conhecimento inserido no currículo, tem as análises de Apple. A preocupação dele é quanto às relações de poder de os conteúdos escolares atenderem apenas aos interesses hegemônicos nos currículos concernentes ao “currículo oculto”, que pode ser reforçado na escola através de processos de reprodução do conhecimento para o controle social, principalmente na educação formal.
Devemos ter ciência de que, historicamente, o currículo oculto não era em absoluto oculto, mas, ao contrário, era uma função aberta das escolas durante um bom tempo de sua vida como instituições. Ao longo do século XIX, a diversidade crescente de atributos e estruturas políticas sociais e culturais “forçou os educadores a dar continuamente, com novo vigor, à linguagem do controle social e da homogeneização que havia dominado a retórica educacional deste o período colonial” (APPLE, 2008, p. 87)
Apple, acima, se refere à educação formal nos Estados Unidos no século XIX, que na época a política educacional tinha como principal elemento a padronização dos ambientes educacionais, fortalecidos por práticas cotidianas, com valores morais e normativos transmitidos.
O procedimento de governança idealizado pela retórica educacional para a manutenção ideológica serve aos propósitos, segundo Apple (idem), dos estudos acerca da padronização do ensino no cotidiano escolar e sobre a funcionalidade econômica que serviram hoje como método de estudo do “currículo oculto”, cuja autoria deve-se a Philip Jackson, no ano de 1968.
A preocupação de Apple no saber desenvolvido nos currículos das escolas, levanta o debate sobre os interesses ideológicos das lutas pela hegemonia pelos grupos sociais envolvidos no papel de reprodução cultural. Frequentemente o papel exercido pelos currículos escolares está na importância de oficializar o conteúdo, com discursos democráticos e explícitos, com normas, regras e valores, mas com pressupostos determinados, principalmente ideológicos nas matrizes escolares de cada disciplina na prática docente.
O professor tem o papel importante no processo de relacionamento com a sua prática docente. Sua atividade no magistério pelo pensamento crítico de Adorno, conforme expresso no texto Tabus acerca do Magistério, proferido numa palestra em 1965, é o trabalho que reflete algumas questões quanto às situações de hierarquia e a normatização dos preconceitos que envolvem o magistério, aos quais Adorno atribui pensamento inconscientes, os preconceitos psicológicos em situações de aversão e a própria carreia no magistério; quanto à prática docente, para o filósofo “tabus significam, a meu ver, representações inconscientes ou pré-conscientes dos eventuais candidatos ao magistério”. (ADORNO, 1995, p. 98).
Tabus, então, como uma série de representações em torno do magistério podem ser elucidados na relação do professor com as atividades práticas e as possíveis imagens dessa profissão.
Adorno define esses tabus ao se referir ao magistério do sistema educacional da época na Alemanha, repleto de imagens do passado, no qual a imagem do professor era carregada pela responsabilidade de castigar, proibir certos comportamentos, havia o status no professor de um ser que não poderia ser questionado pelos alunos, sua relação com os alunos seguia uma hierarquia profundamente fundamentada em códigos conservadores próprios das classes burgueses.
Os castigos físicos exercidos eram na verdade um mecanismo de controle, com elementos de ameaças e violência simbólica. Somando-se a crença vinculada à ideologia militar dominante na Alemanha; Adorno identifica esse fenômeno como “notação militar”, e observa que as aulas em universidades eram no modelo das longas exposições, através de seminários, abrindo poucas oportunidades para estudantes perguntarem, uma certa negação do ato de aprender, pois Adorno (2006, p. 106-107) caracteriza a imagem do professor com o seguinte complexo:
A expressão “quem malha o traseiro”, acima referida, tem conotação militar; inconscientemente os professores talvez sejam imaginados como veteranos, como uma espécie de mutilados, como pessoas que no âmbito da vida propriamente dita do processo real de reprodução da sociedade não tem nenhuma função, contribuindo apenas a um modo pouco transparente e pela via de uma graça especial à continuidade do conjunto e de sua própria vida. [...] outra parte essencial desse complexo parece estar em que a sociedade que se apresenta como liberal-burguesa em hipótese nenhuma reconhece a necessidade da força física para a formação social baseada na dominação.
Adorno em seguida atribui à imagem do professor a de um agressor, afirmando que os tabus são os preconceitos inconscientes, existentes na mente humana, que se não forem combatidos, é possível retornar-se à barbárie como ocorreu em Auschwitz, pela falta de amor às pessoas e pelo modo de autoridade sobre os outros. O pensamento adorniano, tem como finalidade a emancipação do aluno, do indivíduo, e a educação tem por objetivo ser dirigida a uma autorreflexão crítica, mas podemos notar é que a educação na escola, em suas funções, envolve conflitos, não apenas na relação aluno e professor. As instituições educacionais exercem o papel ideológico, político e econômico legitimando e mantendo as contradições sociais, as obrigações de servir ao interesse em geral. Para o Estado, a ênfase do poder sobre as instituições de educação regulariza um modo de agir, pelo seu imenso alcance e aparelhado com discursos de consensos como política de hegemonia sobre outras ideologias. Nos estudos a respeito do poder, Apple (1989, p. 43), analisa o Estado.
O estado tornou-se um ingrediente essencial em minha análise à medida que comecei a perceber o poder, a quantidade e alcance da regulação e da intervenção do estado na economia e no processo social global, tendem a crescer, em parte, como uma função “do desenvolvimento gradual do processo de acumulação do capital”, de necessidade de consenso e de apoio popular em relação a esse processo e da correspondente e continuada “desclassificação” das pessoas, através da reorganização do discurso político, reelaborado agora em torno indivíduos enquanto agentes econômicos.
O filósofo neomarxista examina que nossa realidade no estado gerencial institucionalizado pelo liberalismo econômico preserva o processo de controle das classes dominantes, que no processo acumulativo do capital legitima uma forte competição nas universidades e escolas públicas e privadas para se adequarem aos interesses globais ideológicos e hegemônicos, os estudantes navegariam apenas no comum, na lógica do mercado. A qualidade de ensino emprega o desejo de obter consensos entre os grupos sociais, instituições, ideologias, reduzindo as dinâmicas sociais e subjetivas ao poder governamental e econômico, que a escola é aparelho reelaborado de controle ideológico empregando mecanismos coercitivos como reflexo das classes dominantes.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os pontos que foram tratados nesse artigo, mostram a contribuição do pensamento da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt em torno do campo de suas pesquisas do controle ideológico e econômico das classes dominantes sobre a classe dominada, que Adorno e Horkheimer demonstram na Dialética do Esclarecimento, os métodos de reprodução da indústria cultural que tem por finalidade a racionalização para o consumo em massa, favorecido pela razão instrumental.
A cultura para Adorno é objeto de reflexão no processo de formação dos homens, existindo uma relação intrínseca com a educação. É importante apresentar as investigações da superestrutura nas obras de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron e Louis Althusser quanto às análises sobre a escola sendo responsável por manter e reproduzir as ideologias das classes hegemônicas, para a manutenção do status quo sobre as classes subordinadas, existindo, assim, poucas perspectivas de se emanciparem.
Por fim, analisamos na obra Ideologia e currículo de Michael Apple a proposta de discussão na área de políticas educacionais, e que o professor é responsável pela luta cotidiana em torno do discurso das hegemonias, e a escola o campo onde os conflitos ideológicos visivelmente se desenrolam, pois os grupos sociais e o Estado manifestam interesse em implantar no senso comum os significados dos discursos econômicos e ideológicos dominantes, eixo este relacionado à teoria crítica de Adorno e Horkheimer de modo que a formação educacional atenda aos interesses da classe burguesa, determinando os conteúdos a serem estudados e as condutas morais legitimadas pela responsabilidade maior do Estado de assegurar a democracia.
A contestação que Apple figura quanto as atividades do Estado para a educação é o alinhamento sutil de políticas públicas que não atendem, nas relações sociais, senão aos interesses das classes conservadoras e hegemônicas, favorecendo a manutenção de um aparato caracterizado pelo conformismo. O Estado tem o papel de organizar e gerar novas possibilidades para o crescimento econômico, não se pode esperar dele a inclusão de muitos estudantes no processo de transformação social e cultural. O que acaba ocorrendo são em suas analises a continuação das relações de exploração e dominação da sociedade e da educação por poucos, identificados com a hegemonia de poder político, conhecimento e econômico.
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*UNIFAP arleydasilva@yahoo.com.br