Barbara Botassio *
Marcos Sepúlveda**
Universidade Federal de São Carlos, Brasil
barbara.botassio@gmail.com
RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar o processo decisório, em especial, o fundo partidário no aspecto intrapartidário do PSDB e MDB. Neste aspecto, surge o princípio da publicidade como uma das principais variantes nesse processo e que pode explicar como o fundo partidário é distribuído. Questiona-se: qual é o resultado do princípio da publicidade está inserido institucional e socialmente nos respectivos partidos? A hipótese é que quanto menos garantia institucional, mais centralizado é o partido, seja nas suas decisões, como na sua administração, e, especialmente, na distribuição do fundo partidário, ou seja, a administração seria de modo vertical, não havendo equidade entre seus membros. A metodologia aplicada é qualitativa, através de métodos outrossim quantitativa e de um processo de revisão bibliográfica. Ao final, conclui-se que partidos que possuem garantias institucionais e incorporam o princípio publicidade são mais descentralizados.
PALAVRAS-CHAVE
Publicidade; Partidos Políticos; Rawls; Kant.
ABSTRACT
The aim of the present study is to analyze the decision making process, especially the party fund in the intraparty aspect of the PSDB and MDB. In this aspect, the principle of advertising appears as one of the main variants in this process and that can explain how the party fund is distributed. It is questioned: what is the result of the publicity principle inserted institutionally and socially in the respective parties? The hypothesis is that the less institutional guarantee, the more centralized the party is, both in its decisions and in its administration, and especially in the distribution of the party fund, that is, the administration would be vertical, with no equity among its Member States. The methodology applied is qualitative, through quantitative methods and a bibliographic review process. In the end, it is concluded that parties that have institutional guarantees and incorporate the publicity principle are more decentralized
KEYWORDS
Publicity; Political parties; Rawls; Kant.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Barbara Botassio y Marcos Sepúlveda (2018): “O princípio da publicidade no processo decisório do PSDB e MDB”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (diciembre 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2018/12/publicidade-processo-decisorio.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1812publicidade-processo-decisorio
INTRODUÇÃO
Inserido como garantia constitucional, o princípio da publicidade afeta a todos na administração pública. É a partir deste que poderá ser realizado o controle por parte dos cidadãos, como também de outros poderes. Assim, como regra geral: se envolve o erário, a regra, a exceção são as informações reservas, secretas e ultrassecretas ou de segurança nacional. Nesse sentido, encontra-se os partidos políticos que recebem generosas quantias do erário, mas, como esse princípio está inserido nos partidos PSDB e MDB e qual é a sua consequência?
Em primeiro lugar, será feito uma abordagem teórica clássica sobre o princípio. Inicia-se com o debate de Kant sobre a importância da publicidade no mundo e o potencial de progresso dos povos. Nessa mesma linha, invoca-se os dois conceitos de Rawls (2011), assim como do consenso de justaposição para definir o procedimento ideal da organização partidária.
Posteriormente, será realizada uma análise das regras formais sobre distribuição de recursos dispostas nos estatutos e feita uma análise comparativa entre os partidos a partir de dados empíricos de distribuição de recursos presentes na prestação de contas partidárias disponíveis no site do TSE.
Por fim, conclui-se que as organizações partidárias que possuem mais garantias institucionais, e faz-se mais uso do princípio da publicidade de modo a garantir a participação dos filiados. Assim sendo, resulta que descentralização está também associado com esse princípio em estudo.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
De acordo com Kant (2016a), o princípio da publicidade deve estar inserido em toda norma jurídica, pois ao desconsiderá-lo degrada diretamente a pretensão pública, do bem comum entre os povos. Assim, Kant (2016a) assevera que não é possível falar em justiça sem a devida publicidade, tampouco sobre a paz. Logo, a publicidade é o princípio tanto ético como jurídico, afinal “todas as ações relativas ao direito de outros homens cuja máxima não se conciliar com a publicidade são injustas” (KANT, 2016a, p.76). Desse modo, o princípio impulsiona, em primeiro lugar, que as pessoas declarem sua intenção; estabeleçam seus motivos, a finalidade de todo ato. A importância é vista no debate e na reflexão pública que tendem a reconhecer como injusta todo ato que transgrida o direito de outrem, afinal “todas as máximas que necessitam da publicidade (para não malograr em seu fim) concordam com o direito e a política unidos” (KANT, 2016a, p.84).
Diante disso resultará como bem recorda Consani e Klein (2014), que a publicidade é o elo da democracia e da representação política, uma vez que sem conhecimento sobre os fatos, o processo decisório, pouco pode se falar em participação política. E como bem leciona Arendt (1993, p.27), a publicidade “é um dos conceitos-chave do pensamento político kantiano; nesse contexto, ele aponta a sua convicção de que os maus pensamentos são secretos por definição.”. No mesmo sentido, Mill (2006, p.38), “a publicidade não impede o mal nem estimula o bem se o público não prestar atenção ao que se que se faz; mas, sem a publicidade, como tal público poderia verificar ou incentivar o que não lhe permitem ver?”.
O papel negativo do conceito de publicidade exerce as funções de um filtro moral e jurídico, destinado a separar o irracional do racional, o injusto do justo; vale dizer, a publicidade kantiana constitui condição sine qua non para avaliar princípios que pretendem ser moral e juridicamente aceitáveis. Enquanto o parâmetro moral leva a identificar máximas capazes de constituírem regras bem-sucedidas de ação, o critério jurídico serve para identificar projetos de lei inaceitáveis porquanto injustos (HECK, 2009, p.296).
Logo, para Kant (1993) a publicidade é condição necessária para o Estado Democrático de Direito, e, por que não para os partidos? De acordo com Kant (1993), a publicidade está interligada ao progresso da sociedade: se esta é violada ou desconsiderada não se pode falar em progredimento, e, por isso que “[...] sistema de corrupção não deve, com certeza, ter publicidade, para ser bem sucedido (sic) ”.
Contudo, Rawls (2000, 2011, 2016) atribui condições sociais para o princípio da publicidade. Segundo Rawls (2000), a publicidade possui três níveis: a) princípios públicos que estão inseridos no modo de governo da sociedade; b) crenças gerais relacionadas aos princípios de justiça; c) o modo como a sociedade justifica através da publicidade a concepção pública de justiça e como esta será apresentado à própria sociedade. Desse modo, a publicidade está diretamente inserida na estrutura básica da sociedade, assim como nas instituições, na Constituição etc. Logo, para Rawls (2000), quando os três níveis estão completos, há um mútuo reconhecimentos entre os cidadãos das ações de cada um e sua justificação em prol do fortalecimento do entendimento público. Nesse contexto, a publicidade guia a construção de uma sociedade permeada pela cooperação social, e, por consequência estabilidade (RAWLS, 2016).
A publicidade garante que, na medida em que a forma realizável das instituições o permita, as pessoas livres e iguais estão em condições de conhecer e aceitar as influências do contexto social que modelam a concepção que elas têm de si mesmas como pessoas, bem como o seu caráter e a sua concepção do bem. Encontrar-se numa situação assim é uma condição prévia da liberdade, o que significa que nada é ocultado nem tem necessidade de sê-lo (RAWLS, 2000, p.85).
A cooperação social para ocorrer envolve, portanto, normas e procedimentos reconhecidos pelos cidadãos, que regulem as relações socais do povo. No entanto, vale destacar que esse processo deve ocorrer de forma equitativa entre os participantes, de modo que reforce a característica de reciprocidade entre os cidadãos, afinal o indivíduo só pode ser completo na união social (RAWLS, 2011).
Assim, a publicidade como princípio é objetiva por garantir condições mínima para a sociedade na qual vive-se, além de estabelecer regras, procedimentos, a fim que se possa alcançar uma sociedade justa e pacífica, e como bem recorda Kant (2016b, p.19):
Princípios práticos são proposições que contêm uma determinação geral da vontade, determinação que compreende sob si várias regras práticas. Elas são subjetivas, ou máximas, se a condição é considerada pelo sujeito como válida apenas sua vontade; mas são objetivas, ou lei prática, se a condição é reconhecida como objetiva, isto é, como válida para a vontade de todo o ser racional.
Não sendo outra a razão pela qual foi inserida na Constituição de 88, no art. 37:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...] (grifo nosso).
Assim, a publicidade está inserida no contexto do novo constitucionalismo, o qual aproxima o demos da atividade estatal, além de fortalecer as instituições e democracia do país. A Lei de Acesso à Informação (12.527/2011) é um dos exemplos mais emblemáticos nesse novo século de ampliação possibilidade participação, fiscalização e controle social por parte dos cidadãos brasileiros. Outra não sendo a lições do eminente professor Barroso (2010, p.112):
Na teoria democrática e na filosofia constitucional contemporânea, essa conciliação vem sendo amplamente explorada. Tem ganhado adesão a ideia de que, na configuração moderna do Estado e da sociedade, a ideia de democracia já não se reduz à prerrogativa popular de eleger representantes, nem tampouco às manifestações das instâncias formais do processo majoritário.
Para então, elencar dentre outros fatores a necessidade de “[...] prover mecanismos que garantam a boa administração, com racionalidade e transparência nos processos de tomada de decisão, de modo a propiciar governos eficientes e probos” (grifo nosso) (BARROSO, 2010, p.112).
Isso posto, é necessário transladá-la ao processo decisório dos partidos político. A problemática se insere nos partidos políticos, uma vez estes que recebem elevadas quantias do fundo partidário, objetivando a construção do bem comum e do bem-estar social. Como então, comportam-se os partidos políticos (PSDB e MDB) na distribuição do fundo partidário tendo em vista os princípios basilares da sociedade, e especialmente o princípio da publicidade?
Nesse aspecto, as lições sobre as fundamentações dos princípios no partido político promoverão inter alia, a priori, a estabilidade do partido político e de seus filiados, a cooperação entre os partidários, que seria equitativa, além de buscar solução visando o bem comum da sociedade. Isso dever ocorrer em virtude do partido político, apesar de ser pessoa jurídica de direito privado e representar interesses, não pode ter outra finalidade, senão aqueles elencados na Constituição Federal ou que estão em consonância com esta.
Nosso exercício do poder político é plenamente apropriado só quando é exercido em conformidade com uma Constituição, cujos elementos essenciais se pode razoavelmente esperar que todos os cidadãos, em sua condição de livres e iguais, endossem à luz de princípios e ideias aceitáveis para sua razão humana comum (RAWLS, 2011, p.161).
Diante do exposto, a participação ideal e a distribuição dos fundos partidário ideal seria aquela que estivesse próxima dos princípios de justiça de Rawls (2011) que mutatis mutandis poderia ser exposto resumidamente em direitos e liberdades iguais dentro partido, dentre dessas liberdades, as liberdades políticas para todos os filiados são garantidas e a desigualdade que possa haver na agremiação partidária deve visar maior benefício àqueles menos privilegiados. Ou seja: que o partido político não pode obstar a participação de alguém em prol de outrem (embora isso frequentemente ocorra na política brasileira, tendo em vista que os candidatos tentam cercear a possibilidade de haver convenções partidárias para definição do candidato a cargo majoritário) e que promoção da candidatura seja equitativa em prol daquele que esteja em menor condição, que equivale asseverar que a distribuição ideal do fundo partidário seria aquela que fosse repartida entre todos os candidatos, levando em consideração a condição social de cada.
a) garantia de valor equitativo das liberdades políticos, de modo que não se tornem puramente formais; b) igualdade equitativa (e de novo, não meramente formal) de oportunidades; e c) o denominado princípio de diferença, segundo o qual as desigualdades sociais e econômicas a cargos e posições devem ser ajustadas de tal modo que, seja qual for o nível dessas desigualdades grade ou pequeno devem redundar no maior benefício possível para os membros menos privilegiado da sociedade (RAWLS, 2011, p.7).
É nesse aspecto que se objeta que haja pessoas que detenham posições privilegiadas, que possam utilizar dos argumentos/ações coercitivos etc. Ao realizar tal procedimento através desses meios ou tendo tal posição numa instituição, por exemplo, destoa dos valores democráticos e fundamentais que formam uma sociedade, afinal, é “elemento básico da concepção política da justiça como equidade o fato de que, entre as virtudes políticas, encontram-se a tolerância e o respeito mútuo, além de um senso de equidade e civilidade” (RAWLS, 2011, p.145).
Logo as instituições são chaves para análise. No caso brasileiro, enquanto ainda se discute a possibilidade de candidatura avulsa, os partidos políticos seguem com o monopólio de avalizar as candidaturas aos cargos representativos de seu próprio povo. No entanto, o processo decisório dos partidos estudados (PSDB e MDB) estariam contidos nas normativas da organização (o estatuto partidário, por exemplo), mas, também em normas legais, no contexto da cultura política do país e dos princípios elementares para a atuação política: seja esta intrapartidária como também para todos os cidadãos - pelo menos em tese. Essas características, que podem variar para cada partido, é o objetivo principal da análise desse trabalho, quando se gravita sobre o principal recurso do partido: o fundo partidário e sua distribuição.
ORGANIZAÇÕES PARTIDÁRIAS E O DINHEIRO
Os recursos financeiros são um dos elementos que permitem o funcionamento institucional regular dos partidos políticos e o desenvolvimento de suas atividades primordiais. Com a crescente substituição do trabalho voluntário pelo profissional, a disputa por esses recursos tornou-se tão importante para a legenda quanto à própria disputa por votos (RIBEIRO, 2009).
Os partidos de massas têm seu surgimento atrelado à expansão do sufrágio universal e é um modelo de organização partidária que se define primordialmente, em torno de seus vínculos com a sociedade civil. Desta forma, o partido de massas tem se caracterizado muitas vezes em termos da representação e legitimidade, os partidos são, consequentemente, estudados e relacionados principalmente em termos de sua relação com a sociedade (DUVERGER, 1980).
No entanto, uma crescente desconexão da política convencional acentuou o enfraquecimento dos vínculos entre os partidos e a sociedade. A passagem de uma época bem-sucedida dos partidos de massa deu assim origem a debates sobre o “declínio” dos partidos no quesito representatividade. (Katz e Mair 1995). Como argumentam Bartolini e Mair (2001), as funções representativas (ou sociais) dos partidos declinam enquanto seu papel processual (ou institucional) ainda está intacto. Isso reflete um processo de transformação organizacional dos partidos políticos europeus que, segundo Katz e Mair (1995), sinaliza um enfraquecimento das suas ligações com a sociedade e uma simultânea intensificação da sua relação com o Estado. Os partidos se afastaram gradualmente e consistentemente da sociedade civil para o Estado, tornando-se cada vez mais fortemente enraizado dentro das instituições do Estado.
A introdução de apoio estatal aos partidos não implica que outros recursos se tornaram irrelevantes, contudo, o Estado assumiu uma importância ainda mais crucial para o financiamento de partidos particularmente porque o financiamento público é visto como um mecanismo chave para alcançar a igualdade de oportunidades. E, portanto, como um instrumento importante para o estabelecimento de uma democracia multipartidária eficaz (BIEZEN, 2003).
Uma das questões levantadas é que a introdução de subsídios públicos tornou os partidos políticos cada vez mais dependentes do Estado em detrimento dos seus vínculos financeiros com a sociedade, tais como contribuições de membros ou outras formas de financiamento de base. Além disso, pode consolidar o status quo, e contribuir para a caraterização do sistema partidário penalizando os partidos menores e dificultando a entrada de novos (BIEZEN E KOPECKY, 2014).
Desde a redemocratização do país um debate importante vem ocorrendo acerca das condições institucionais que dificultam o pleno “desenvolvimento” da democracia brasileira (BRAGA, 2008). Os argumentos elaborados sobre assunto dizem respeito, primordialmente, acerca da combinação de presidencialismo com representação proporcional e lista aberta que, necessariamente, produziria ingovernabilidade. Já no que diz respeito aos partidos e sistema partidário, o diagnóstico é que esse tipo de arranjo institucional incentivaria a existência de partidos organizadamente frágeis (MAINWARING, 1993).
Nessa perspectiva apresentada, excluindo os partidos de esquerda, os demais apresentariam organizações nacionais muito fracas, prevalecendo o poder decisório nas instâncias estaduais. Segundo Mainwaring (2001, p.309), a irrelevância das organizações partidárias nacionais, tem como consequência partidos de tipo cath-all com bancadas ideologicamente heterogêneas e dirigentes nacionais com pouco poder sobre os parlamentares, resultando em baixa disciplina parlamentar.
Por outro lado, esta perspectiva poderia estar assentada em um escasso embasamento empírico, que tornou corrente a ideia de que os partidos brasileiros seriam debilmente organizados. E por isso, pouco se saberia sobre a dinâmica organizativa dos partidos brasileiros, o financiamento ou estrutura decisório interna dos partidos brasileiros (RIBEIRO, 2013).
Esse déficit empírico deriva, em parte, na dificuldade de obtenção de dados precisos e confiáveis sobre as organizações partidárias. Embora as prestações de conta dos diretórios sejam públicas há muitos anos, a facilidade e acesso as informações avançaram lentamente, a respeito de maiores graus de eficiência, informatização e centralização de informações pelo Tribunal Superior Eleitoral (RIBEIRO, 2013). Nesse sentido, a análise de documentos partidários se coloca como estratégia para aumentar o conhecimento dos partidos brasileiros. Para Panebianco (1995, p.87), estatutos e regimentos constituem “pálidos” vestígios do funcionamento real dos partidos.
ESTATUTOS PARTIDÁRIOS E A DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS
Com a finalidade de atender os objetivos propostos de alocação intrapartidária dos recursos financeiros, serão utilizadas duas fontes de material empírico. Ambas as fontes produzidas pelos partidos políticos: a primeira os demonstrativos de receitas e despesas partidárias, e a segunda os estatutos partidários. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem regras consistentes para prestação de contas, e amplos mecanismos de controle de origem e de gastos, que são impostos aos partidos. Esses dados ficam à disposição na plataforma online do tribunal para consulta pública. Os estatutos serão utilizados para compreender se: a) existem normas para distribuição de recursos do Fundo Partidário; b) em caso positivo, se essas normas estipulam a centralização ou distribuição desses recursos; c) e se os estatutos estipulam responsabilidade às cúpulas nacionais pela sobrevivência financeira dos diretórios estaduais. Essa fonte tem por finalidade analisar composições normativas internas partidárias que possam influenciar na alocação interna. Segundo Katz e Mair (1992), as normas oficiais constituem uma referência que permite a comparação entre o funcionamento formal previsto e a dinâmica real da organização. As normas formais importam porque constituem as instituições que regulam a dinâmica intrapartidária, em termos da competição dos dirigentes, das relações entre as instâncias e do controle sobre os recursos.
O PSDB surge em 1988 em uma cisão de parlamentares do PMDB1 que se consideravam a ala mais progressiva do partido. Devido a isso, o PSDB teve uma origem exclusivamente parlamentar tendo em sua composição inicial políticos bastante influentes no cenário nacional. Segundo a literatura, houveram três fatores motivadores da criação do PSDB. O primeiro fator ocorreu com as distinções parlamentares existentes na bancada do PMDB durante os trabalhos na Assembleia Nacional Constituinte em 1987, o segundo motivo teria sido o predomino do grupo quercista no estado de São Paulo, que disputava posições de poder internas dentro do PMDB. O terceiro e último fator foi a candidatura de João Leiva para a prefeitura de São Paulo articulada no interior do PMDB paulista (ROMA, 2002).
Segundo Roma (2002), a reforma estatutária pela liderança do PSDB em 1999 aumentou a autonomia decisória das seções subnacionais acerca das coligações e da participação em governos. No entanto, o estatuto garantiu ao diretório e executiva nacionais a faculdade de ditar regras para as coligações estaduais, enquanto as municipais deveriam ser normatizadas pelas instâncias estaduais. Para Ribeiro (2013), o PSDB tem sinalizado uma maior disposição de interferência sobre os rumos da legenda em estados e municípios, minorando a descentralização decisório da sigla.
Quanto a distribuição interna do Fundo Partidário, consta no estatuto do PSDB a distribuição conforme prevista na Lei nº 9.096/95 de 20% dos seus recursos ao seu Instituto Teotônio Vilela para fins de pesquisa e doutrinação política. Subtraído esses 20% estipulados por lei, metade dos recursos são dirigidos aos Diretórios Estaduais e a outra metade permanece no Diretório Nacional do partido. Desses recursos que são distribuídos aos Diretórios estaduais metade são repassados igualitariamente e a outra metade é repassado conforme a proporção de representantes eleitos no Congresso nacional. Portanto, se observado apenas os estatutos do partido, suas regras formais apontam para uma descentralização na distribuição dos recursos para os diretórios estaduais.
No caso do PMDB, o partido foi fundado para abrigar as elites políticas que se opunham ao governo militar, sendo ele o partido mais antigo em atividade no país. Sua criação data 1966, posteriormente, para adaptar-se à nova alteração da legislação partidária em 1979 o então MDB foi refundado sob a sigla do PMDB, Partido do Movimento Democrático Brasileiro.
A unificação sob a mesma legenda de ex-trabalhista, ex-pessedistas, comunistas e outros opositores da ditatura militar conferiram ao MDB uma unidade precária, construída sobre a vontade e necessidade do reestabelecimento do movimento democrático. Além disso, o processo de formação forçado pela atuação do governo central, fez do partido uma organização fortemente vinculada à política parlamentar (KINZO, 1988).
O controle dos poderes executivos nacional, estadual e municipal nas capitais do país e o enfraquecimento do congresso sob a legislação e o autoritarismo vigente na época, fizeram com que as prefeituras de grandes municípios do interior assumissem a condição de espaços decisivos de poder para atuação oposicionista (KERBAUY, 2000). O MDB passou a concentrar seus esforços nos municípios, em decorrência dos recursos políticos que poderiam mobilizar com a máquina pública, e a partir dessas localidades, fazer emergir novas lideranças para a organização (BIZARRO, 2013).
Também em razão disso, o PMDB assumiu caráter localista, incentivando o estabelecimento e fortalecimento de suas bases locais, garantindo elevada autonomia para os órgãos partidários municipais e suas lideranças fazendo uma ponte estratégica entre seus interesses, os interesses das elites estaduais e nacionais (MELHEM, 1998). O partido, de maneira geral, enfatizou sua participação eleitoral como modo primordial de atuação da oposição política. Consequentemente, não apenas o partido foi bem-sucedido em pressionar o regime por meio das eleições como moldou a organização para atuação eleitoral (BIZARRO, 2013).
Na medida em que se reestabelecem as liberdades democráticas e condições de competição política as vitórias do PMDB, sofreram relativo impacto da fragmentação do sistema. Por outro lado, o partido passou a atrair políticos antes aliados a ditadura, que passaram a migrar para o partido de oposição quando este assumiu um protagonismo na transição democrática (KINZO, 1988). Isso conferiu ao partido uma faceta mais conservadora, que seria decisiva para as disputas da organização na Assembleia Nacional Constituinte e que contribuiu para o aumento de lideranças conservadoras no partido (MELHEM, 1998).
Desta forma, a heterogeneidade interna do PMDB, as disputas entre suas lideranças estaduais e a crise de identidade do partido, são traços marcantes nas interpretações recorrentes no período contemporâneo quando se fala em PMDB (KINZO, 1993; FERREIRA, 2002). Em grande medida, esse elemento somado ao fracasso do governo Sarney, foram responsáveis pelo insucesso das candidaturas presidenciais no período democrático que se seguiu (FERREIRA, 2002).
Após várias perdas nas eleições nacionais, inclusive para o PSDB em 1994, o PMDB não sabia se era de governo ou de oposição e, apesar de aceitar fazer parte da coalizão governista, os parlamentares não aceitavam e não votavam de acordo com as recomendações da Cúpula Nacional. Confirmando a incapacidade de a elite controlar de forma efetiva a organização, “em última análise, havia um vazio de lideranças nacionais capazes de arregimentar o partido nacionalmente e, em contrapartida, uma inflação de lideranças regionais” (FERREIRA, 2002, p.158).
Apesar dessas questões, o partido sempre teve um grande desempenho eleitoral para a Câmara dos Deputados e para o Senado, sendo um ator essencial para formação de coalizão. Esse surgimento do partido é necessário para compreender a organização interna e as formas como suas forças políticas agem. Resumidamente, a literatura aponta que o PMDB é um partido de organização localista, em que as lideranças locais e regionais gozam de elevada autonomia, com destacado papel na atuação parlamentar e difusa identidade partidária.
Dentre os partidos analisados o PMDB é apontando como o partido que menos alterou sua estrutura, o estatuto peemedebista de 1993 ampliou a autonomia organizativa e por outro lado, institucionalizou a descentralização de cunho federalista ao ampliar e adotar critérios regionais na composição do Diretório Nacional (FERREIRA, 2002; RIBEIRO, 2013).
Segundo as regras formais dispostas no estatuto de 2013 do partido no capítulo II “Da contabilidade”, art. 107 encontramos: I) 20% do total a Fundação Ulysses Guimarães Nacional; II) 15% do total ao Diretório Nacional; II) 60% do total aos Diretórios Estaduais que mantenham organizados 1/3, no mínimo, de Diretórios Municipais que representam 30% do eleitorado do Estado, distribuídos na forma seguinte: a) 30% igualmente entre todos; b) 30% proporcional ao número de eleitores inscritos no Estado em 31 de dezembro do ano anterior ao de competência orçamentária; c) 20% proporcional ao número de representantes eleitos para a Câmara dos Deputados na última eleição realizada anterior ao ano de competência; d) 20% proporcional ao número de representantes eleitos para a Assembleia Legislativa na última eleição realizada anterior ao ano de competência.
Segundo Braga e Bourdoukan (2009), essa estratégia mais descentralizada de distribuição do fundo partidário poderia ser um bom indicador da vitalidade dos grupos políticos estaduais em detrimentos das lideranças nacionais nas decisões intrapartidárias.
ANÁLISE DOS DADOS
A corrente que considera que os partidos políticos brasileiros seriam organizadamente frágeis, prevalecendo o poder decisório em instâncias estaduais que pode estar assentada em um escasso embasamento empírico, que tornou a ideia que os partidos brasileiros seriam debilmente organizados. Nesse sentido, a análise de documentos partidários se coloca como estratégia para aumentar o conhecimento dos partidos. Para Panebianco (2005, p.87), estatutos e regimentos constituem “pálidos” vestígios do funcionamento real dos partidos.
Além do mais, a forma como os partidos se organizam é fundamental para compreender a força, capacidade de respostas e estratégias políticas. Em um ambiente multinível como o Brasil, a organização partidária engloba a forma como os partidos políticos mantem organizações integradas em todos os níveis de governo E isso inclui a forma como organizações estaduais e federais são estruturalmente integradas, até que ponto os recursos e serviços são compartilhados por meio dessas ligações e até que ponto os níveis do partido são considerados homogêneos em metas e interesses compartilhados (RIBEIRO e FABRE, 2016).
Assim, por meio do quadro abaixo é apresentado a institucionalização e as regras formais de algumas organizações partidárias, em especial, as analisadas nesse trabalho: PSDB e MDB.
A partir da estrutura das regras formais dispostas nos estatutos em relação a distribuição de recursos, serão contrapostos com os dados empíricos de prestação de contas dos partidos. Essa comparação será útil para verificarmos as garantias institucionais dispostas nos estatutos partidários e também para compreendermos a dinâmica interna de alocação de recursos dessas organizações.
Dentre as regras formais dos partidos analisados, com exceção do PMDB e do PSDB, pode-se dizer que as regras dos estatutos em relação a distribuição de recursos apontam para organizações altamente centralizadoras em relação a seus recursos financeiros. Contudo, cabe aos dados empíricos revelar se há fatores informais e desconhecidos que impactam na distribuição dos recursos intrapartidários.
Logo, é necessário analisar empiricamente o percentual que os partidos políticos no Brasil destinam aos seus diretórios estaduais. Isso se deve, em virtude importância em saber o grau de descentralização, assim como de um certo grau de autonomia para com seus a diretiva nacional.
O PMDB tem estipulado em regras formais 60% de distribuição dos recursos oriundos do Fundo Partidário, mas sua média fica em 53% de distribuição, bem próximo do indicado no estatuto, enquanto o PSDB fica na média de 30% de distribuição, um meio termo entre o partido mais centralizado e o mais descentralizado quanto a recursos financeiros.
CONCLUSÃO
Como ressalta Lima Jr. (1999), são poucos os estudos sobre partidos políticos voltados para a organização partidária e a forma como ela se estrutura para garantir sua sobrevivência ao longo do tempo. Segundo Lima Jr. (1999, p.36), “há uma tendência para uma avaliação dos partidos, dentro e fora do ambiente acadêmico, eminentemente negativa, que os considera ‘sem raízes’, desprovidos de conteúdo programático, partidos de aluguel.”
A avaliação pode até ser correta, mas falta-nos base empírica - sobretudo comparações internacionais - para subsidiar tais juízos de valor. São estudos sobre recrutamento, organização, ideologia e filiação, para citar uns poucos temas, que poderão, juntamente com as comparações intra e internacionais, permitir que efetuemos generalizações sobre a natureza de nossos sistemas partidários e seus processos de mudança.
Nesse sentido, empreender um exame sobre a distribuição de recursos públicos nos partidos brasileiros tem o intuito de contribuir para o conhecimento sobre as organizações partidárias e alguns aspectos de seus processos internos, que muitas vezes são julgados como processos aleatórios por seu desconhecimento.
Logo, o princípio da publicidade se mostra revelador, em virtude de interligar o processo institucional e a prática de seus dirigentes. Se por um lado, PMBD o princípio está mais inserido e garantido para a ação partidária de seus dirigentes, por outro lado, é necessário notar que no PSDB os aspectos intra e interpartidários são menos descentralizados do que se esperava.
A hipótese apresentada de que os partidos mais descentralizados possuem maiores garantias institucionais se mostra verdadeira nesse caso. O PMDB, agora MDB, se caracteriza como mais descentralizado em seus estatutos e de fato a sua distribuição financeira é coerente com suas regras formais diferentemente do PSDB.
REFERÊNCIAS
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*Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); E-mail: barbara.botassio@gmail.com