Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


ANÁLISE E COMPARAÇÃO DE TRÊS PARADIGMAS TEÓRICOS SOBRE DESENVOLVIMENTO LOCAL

Autores e infomación del artículo

Andressa de Sousa Santos Ferreira *

Socrátes Jacobo Moquete Guzmán**

Aniram Lins Cavalcante ***

Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil

assfereira@uneb.br


RESUMO:

O objetivo deste artigo foi analisar as principais abordagens do Desenvolvimento Local (DL) através da perspectiva teórico-comparativa quanto à ênfase colocada e os impactos sociais na esfera local. O estudo adotou abordagem qualitativa, lastreado em um raciocínio predominantemente dedutivo. Tendo como fonte dados secundários, seguiu-se a análise de conteúdo. Foi realizada uma ampla revisão da literatura nacional e internacional sobre a temática, permitindo construir uma classificação, usando categorias analíticas, o que gerou três conjuntos de teorias. Foram identificadas as visões economicista, a heterodoxa e a holística sobre o DL. Constatou-se que a visão economicista tem uma atitude positiva sobre as potencialidades da aplicação de técnicas e modelos econômicos para atingir o DL. Já a visão heterodoxa identifica limites aos mecanismos de mercado e tende a ser mais crítica sobre as possibilidades de se alcançar o DL no contexto do capitalismo. A visão que denominamos holística incorpora, além dos fatores econômicos, políticos e sociais, elementos culturais e antropológicos agrupados no conceito de Sítios Simbólicos de Zaoual (2006) para analisar a viabilidade do DL. Ao parecer, essa visão se adequaria mais facilmente à realidade de comunidades pequenas, principalmente, rurais ou periferias de municípios de pequeno porte.

Palavras-chave: Desenvolvimento local. Análise comparativa. Teorias localistas.

ABSTRACT:

The objective of this article was to analyze the main approaches of Local Development (DL) through the theoretical-comparative perspective regarding the emphasis placed and the social impacts in the local sphere. The study adopted a qualitative approach, based on a predominantly deductive reasoning. Using secondary data as source, content analysis was followed. A broad review of the national and international literature on the subject was carried out, allowing the construction of a classification using analytical categories, which generated three sets of theories. The economist, heterodox and holistic visions of DL were identified. It was verified that the economist view has a positive attitude about the potentialities of the application of techniques and economic models to reach DL. The heterodox view, however, identifies limits to the market mechanisms and tends to be more critical about the possibilities of achieving DL in the context of capitalism. The vision we call holistic incorporates, in addition to the economic, political and social factors, cultural and anthropological elements grouped in the concept of Symbolic Sites of Zaoual (2006) to analyze the feasibility of DL. It would appear that this view would more easily fit the reality of small communities, mainly in the rural area or in the periphery of small municipalities.

Keywords: Local development. Comparative analysis. Local development theories.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Andressa de Sousa Santos Ferreira, Socrátes Jacobo Moquete Guzmán y Aniram Lins Cavalcante (2018): “Análise e comparação de três paradigmas teóricos sobre desenvolvimento local”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (diciembre 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2018/12/analise-desenvolvimento-local.html

//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1812analise-desenvolvimento-local

INTRODUÇÃO

O processo de desenvolvimento se confronta com uma dinâmica que envolve a adequação às exigências do mercado e do Estado e a manutenção da identidade e riqueza cultural do lugar. Essa relação, que por vezes se apresenta excludente, acentua-se ainda mais em municípios de pequeno porte1 , levando em consideração a ineficiência do aparelho do Estado e das estruturas de mercado reduzindo o potencial de qualidade de vida dos moradores.
A deficiência da intervenção do Estado reverbera em baixos índices de desenvolvimento humano, incluindo elevadas taxas de analfabetismo, altos índices de mortalidade infantil, assim como esvaziamento da população que migra para os médios e grandes centros urbanos em busca de melhores oportunidades. Por essa razão a estratégia territorial busca tornar mais nítida a realidade dos grupos sociais, das atividades econômicas e das instituições locais para facilitar o planejamento do desenvolvimento das regiões (ORTEGA, 2008).
As primeiras tentativas de modelos tradicionais para o desenvolvimento em menor escala começaram em países desenvolvidos em que a infraestrutura consolidada permitiu avanços de base econômica. Os Distritos Marshallianos na região do nordeste da Itália e, posteriormente, França com os Sistemas Industriais e os Estados Unidos da América com os Clusters expandiram essa concepção de desenvolvimento adaptando o modelo italiano com ênfase às vocações econômicas locais e a relação produto e território (ARAÚJO, 1999).
Em países do Sul, como o Brasil, a reprodução dos modelos tradicionais ainda encontra grande dificuldade, sendo observados poucos casos de sucesso. A frustração é, em grande parte, atribuída às carências locais, falta de infraestrutura e gestão pública precária que impedem resultados satisfatórios. Ortega (2008) destaca o município de pequeno porte é a escala que mais sofre as consequências da pobreza. Não há como desenvolver um território deprimido sem a (mínima) presença do Estado para intervir nas demandas básicas a fim de enfrentar a desigualdade social que retarda o desenvolvimento.
Considerando tais aspectos, será que o Brasil, assim como os países do Sul, se adequaria melhor a outro tipo de abordagem de desenvolvimento local que não apenas atenda à base econômica de reprodução? Pressupõe-se que os esforços devem ser voltados para uma intervenção que respeite a identidade local e que incentive a coesão sociocultural e dinâmicas informais. Bem como, investir em pesquisas científicas a fim de compreender o fenômeno do desenvolvimento para esses países e traçar caminhos alternativos, particularizados para as zonas rural e urbana. 
O objetivo deste artigo propõe analisar as principais abordagens do Desenvolvimento através da perspectiva teórico-comparativa quanto à ênfase econômica e os impactos sociais na esfera local. As teorias foram agrupadas em visão: i) economicista, ii) heterodoxa e iii) holística. Os conceitos de Pólo, Distrito Industrial, Cluster, APL e SPIL, Cadeia Produtiva (PORTER, 1999; CASSIOLATO; LASTRES, 2003a; 2003b) para a visão economicista; os olhares críticos de Brandão (2004, 2007), Nunes (1996), Oliveira (2001), Fischer (2002) e Dowbor (1995, 2007) sobre o DL na visão heterodoxa; e a visão holística foi identificada a partir da teoria dos Sítios Simbólicos de Zaoual (2006), um pensador contracorrente, não usual, originário de um país em desenvolvimento que assim como o Brasil enfrenta problemas semelhantes.
Hassan Zaoual (1950-2011) nasceu em Rabat, capital do Marrocos, era doutor em Economia, recebeu prêmios científicos como a láurea do Instituto das Nações Unidas para a Formação e Pesquisa, entre outros. Zaoual escreveu textos em coautoria com Amartya Sen, premiado com o Nobel de Economia em 1998. Na obra Nova Economia das Iniciativas Locais (ZAOUAL, 2006), o autor reúne vários ensaios, comunicações apresentadas em seminários internacionais e artigos publicados e atualizados sobre a realidade e pensamento local-global.

METODOLOGIA

A escolha dos procedimentos metodológicos seguiu a classificação proposta por Oliveira (2011) quanto ao objetivo e natureza da pesquisa, à técnica de coleta e análise dos dados. O objetivo da pesquisa é descritivo, pois a finalidade foi descrever os modelos de desenvolvimento voltados à escala local. Segundo Gil (2008) além de descrever as características de determinada população ou fenômeno, a pesquisa descritiva pode descobrir a existência de associações entre variáveis e até mesmo determinar a natureza dessa relação. Em se tratando da natureza da pesquisa, classifica-se em qualitativa de abordagem normativa, analisados dedutivamente, interpretando o fenômeno e a atribuição de significado ao tema.
No que diz respeito à técnica de coleta de dados, utilizou-se a pesquisa bibliográfica por meio do levantamento de dados secundários em livros, teses, dissertações, artigos científicos. Na medida do possível, priorizou-se autores nacionais para corroborar à análise das visões economicista e, principalmente, heterodoxa, por considerar a aplicação do tema mais condizente aos países do Sul. Gil (2008, p. 50) destaca que “embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho desta natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas”, assim como este artigo. A principal vantagem da pesquisa bibliográfica é conferir ao investigador a cobertura mais ampla dos fenômenos, caso pesquisasse o assunto diretamente (GIL, 2008).
A técnica de análise de dados adotada foi a análise de conteúdo, característico do modelo aberto, no qual as categorias tomam forma no decorrer do processo analítico, segundo Gil (2008). Oliveira (2011) estabelece cinco etapas da análise de conteúdo: i) definir unidades de análises (palavra, sentença, tema); ii) definir as categorias; iii) codificar o texto; iv) sistematizar os dados; e v) interpretar os dados. Para o estudo, definiu-se previamente a unidade de análise por tema em visão economicista, visão heterodoxa e a holística, dos Sítios.
Em seguida a foram definidas oito categorias para todos os agrupamentos, tendo em vista comparar as perspectivas teóricas. A categoria é descrita com base em suas respectivas propriedades ou características para alcançar o seu papel de explicar determinado fato, isto é, um conceito indicado pelos dados da pesquisa, utilizada para interpretá-los; não são os dados propriamente ditos (OLIVEIRA, 2011). Dessa forma, foi possível codificar e sistematizar os dados referentes às três visões do DL, resultando na interpretação apresentada no Quadro 1, adaptado de Capello (2011), por meio das categorias (eixo da teoria, espaço, natureza da teoria, nível de governança local, importância do poder público, caráter das relações, papel do gestor/empreendedor e palavras-chave) distribuídas na coluna “características teóricas”.

DESENVOLVIMENTO LOCAL

Originário da Geografia Econômica, o termo Desenvolvimento Local chama a atenção do desenvolvimento econômico para uma amplitude menor: o território. Este ganha papel de destaque como “sujeito do desenvolvimento”, conforme Cunha (2008, p. 56). Tal abordagem logo se expandiu pelo mundo Pós-Segunda Guerra Mundial, tendo em vista que a teoria busca promover o desenvolvimento nos territórios devastados. Processo contrário ao que o Estado recorria anteriormente, sob o caráter centralizado, tecnicista e planificado objetivando o crescimento econômico de algumas regiões.
O ponto de partida para a adesão do termo pelo mundo foi compreender o Desenvolvimento Local como um processo progressivo. Isto é, um ambiente político e social benéfico, com participação social, acesso às liberdades e governança forte, favorece resultados exitosos tendo em vista o desenvolvimento em nível local, pois se torna fruto da mobilização de todos os atores, da comunidade (CASTELLS; BORJA, 1996). Logo, Desenvolvimento Local se configura como um “[...] processo de mudança centrado numa comunidade que parte da constatação de que há necessidades por satisfazer uma lógica de participação, cidadania e democracia” (AMARO, 2000, p. 48).
Vale destacar que o local não deve ser visto apenas como mais uma dimensão do desenvolvimento, e sim como o locus privilegiado em que ocorre o desenvolvimento, pois o espaço é “[...] formado por relações sociais passadas, [...] remodelado por múltiplas iniciativas dos atores que buscam tirar partido de um espaço humano dado, mas fazendo isso, transformam este espaço, modificando o campo de força” (LIPIETZ; BENKO, 2000, p. 13). Reforça-se a premissa de que o território personifica o desenvolvimento que deve observar as particularidades locais, bem como o contexto histórico para construir a estratégia de ação.
Levando em consideração que o “desenvolvimento do indivíduo, da sociedade, da comunidade e de uma nação é um processo de evolução e de mudanças contínuas, de instabilidade, de ansiedades, de busca permanente de uma nova maneira de ser”, conforme Caron (2003, p. 37). Sendo assim, o Desenvolvimento Local abrange a complexidade dos seus stakeholders e do ambiente interno, bem como da dinâmica política e econômica de escalas externas. Sobretudo, o desafio de conceber uma sociedade civil organizada capaz de intervir e, junto ao Estado e mercado, tomar parte ativa no processo. 
Nóvoa et al. (1992) definem quatro características nominais e autoexplicativas que resumem a temática. A primeira característica é a “primazia do particular e do específico” que se refere ao reconhecimento de que cada comunidade possui potencialidades e problemas específicos, e que por isso o desenvolvimento deve ser construído como uma política bottom-up. A segunda característica é a “predominância da ação e da auto-organização dos atores locais” baseada na valorização dos atores enquanto agentes que se integram ao processo por meio de estratégias autogeridas e que impulsionam a dinâmica de projetos e empreendimentos.
A terceira característica é a “tônica na valorização dos recursos qualitativos locais” através da qualificação profissional, P&D e inovação. Para tanto, Nóvoa et al. (1992) reforçam a importância das universidades e centros de pesquisa em promover o espírito inovador entre os empreendedores locais e no fortalecimento da comunicação entre os atores. A quarta característica é a “perspectiva do desenvolvimento como um processo participado e negociado” que defende a ideia do compartilhamento do poder central para os níveis local e regional de modo que haja a cooperação contratual entre os parceiros locais em torno de projetos comuns.
O Desenvolvimento Local, portanto, refere-se ao desenvolvimento que prioriza aplicar todas essas premissas em uma escala menor: o local, o ambiente endógeno que pode ser interpretado desde uma comunidade, assentamento, município até microrregiões homogêneas de porte reduzido, conforme Buarque (1999). A delimitação do espaço local não deve significar o isolamento para outras escalas regional, nacional, global. O desafio está em controlar as variáveis endógenas diante das exógenas e fortalecer o mercado local tornando-o diligente e vantajoso competitivamente. Nesse sentido, Pecqueur (2000) enfatiza que o local só pode produzir vantagens advindas da aglomeração e das redes se as ações forem abertas ao mundo exterior, sinalizando que a interação com o global reforça as relações de proximidade, solidificadas pelo capital social e valores territoriais.
Até mesmo porque “o capital é global, mas a produção é local. O sonho e a existência são universais, mas o espaço físico da vida é temporal e territorial” (CARON, 2003, p. 36). Logo, a articulação entre os atores e o fortalecimento das relações da economia local proporcionam a capacidade competitiva de inserção aos mercados nacional e internacional, considerando que o desenvolvimento local é parte integrante da produção capitalista global.

Visão economicista sobre o Desenvolvimento Local

A corrente que denominamos economicista do Desenvolvimento Local enfatiza a questão da aglomeração de atividades como um fator de localização que agrega novas atividades, gerando crescimento e desenvolvimento para a comunidade. Originadas a partir da década de 1950 em busca do desenvolvimento de espaços subnacionais, houve forte influência das teorias da Economia Regional. Segundo Buarque (1999, p. 11), um aglomerado se caracteriza em “pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população [...]”.
As aglomerações produtivas definidas para essa análise foram: a) Distrito Industrial,b) Polo, c) Cluster, d) Arranjo Produtivo Local (APL), e) Sistema Produtivo e Inovativo Local e f) Cadeia Produtiva. O termo distrito industrial baseia-se nos estudos de Marshall, no século XIX, principalmente pela dinâmica empresarial de uma região da Itália, conhecida como “Terceira Itália”, segundo Araújo (1999). Sua influência é tamanha que os distritos industriais são chamados de “distritos marshallianos”. O distrito apresenta um vasto conglomerado de indústrias ao redor da indústria dominante, entretanto, o conceito tem sofrido distorções por resultar apenas de crescimento econômico (ARAÚJO, 1999).
Devido à dinâmica global, nota-se que atualmente os novos distritos englobam também empresas de médio e grande porte, uma característica que ampliou a condição inicial diferenciadora de um distrito: ser formado por pequenas empresas. E que, segundo alguns autores, tem proliferado a opção deste aglomerado como estratégia de desenvolvimento para municípios e estados em muitos países periféricos, como no Brasil, sob a promessa de melhoria socioeconômica e crescimento do território (CASSIOLATO; LASTRES, 2003a).
A definição de polo industrial, segundo Cassiolato e Lastres (2003a, p. 21), considera que são “[...] grandes áreas com infraestrutura necessária para unidades produtivas que realizam atividades de baixa ou grande escala”. Perroux (1955) traz grande contribuição por ressaltar o planejamento regional às ideias de pólos de crescimento e os pólos de desenvolvimento. Os polos de crescimento reforçam a questão econômica, mas os pólos de desenvolvimento visam o crescimento econômico associado a outras dimensões. Ou seja, os pólos de crescimento são engrenagens necessárias a uma atividade econômica que se desenvolve por meio de investimento exógeno e condições externas.
O conceito de cluster ganhou destaque a partir da teoria da Competitividade Nacional de Michael Porter (1999, p. 209), associada à tradição anglo-americana, que atribuiu papel de destaque aos aglomerados produtivos como “concentrações geográficas de empresas inter-relacionadas, fornecedores especializados, prestadores de serviços, empresas em setores correlatos e outras instituições específicas [...], que competem, mas também cooperam entre si”. Diante dos estudos de Porter (1999) o termo se popularizou, bem como sua aplicação, demonstrando melhores resultados aos implementadores que respeitam os pilares da atratividade, marketing, produtividade e gestão.
O cluster se diferencia das aglomerações já estabelecidas como um modelo consistente de crescimento localizado. Sobre esse aspecto, Suzigan et al (2002) ressaltam que um cluster diferencia-se de um distrito industrial no sentido de que este “embora possa conter formas de ação conjunta deliberada, ordinariamente não caracteriza como aglomeração de fabricantes especializados e seus agentes. Isto restringe o escopo das economias externas e limita o alcance da eficiência coletiva” (SUZIGAN et al, 2002, p. 3).
Segundo Cassiolato, Lastres e Maciel (2003b, p. 27), os Arranjos Produtivos Locais são “aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais, que têm foco em um conjunto específico de atividades econômicas e que apresentam vínculos entre si”. Há ainda a conotação de que APL foi o termo adotado no Brasil para substituir a palavra inglesa cluster, de acordo Teixeira, Guerra e Araújo (2011), ou como um tipo de cluster. Os arranjos se caracterizam por serem compostos, geralmente, por micro e pequenas empresas, situadas em uma região e que atuam no mesmo setor ou cadeia produtiva, aliado a participação do Estado, mercado e sociedade civil para a conjectura de um ambiente competitivo e de cooperação, propício ao desenvolvimento.
Em se tratando do Sistema Produtivo e Inovativo Local, Cassiolato e Lastres (2003a) apresentam o SPIL como um tipo de APL. Os Sistemas Produtivos e Inovativos Locais são aglomerados “[...] localizados, caracterizados por intensas interações de fabricantes com fornecedores e instituições de pesquisa, bem como pela presença de conhecimentos tácitos e específicos de natureza local, que levam a um processo de aprendizado coletivo e a capacitação inovativa”, segundo Galeti (2007, p. 52). De modo que a principal característica que diferencia os APLs dos SPILs é a fraca articulação entre os autores, pois os SPILs encaram a articulação como um sistema.
O termo Cadeia Produtiva se refere ao processo detalhado de diversas atividades/funções até o alcance do bem/serviço final, por isso importa destacar que não é um tipo de aglomeração, porém uma característica essencial para o estabelecimento de muitas. Segundo Cassiolato e Lastres (2003a), a cadeia produtiva engrena um sistema complexo que permite visualizar as atividades de forma integral, identificar as debilidades e potencialidades, bem como gargalos, possibilitando conhecer os fatores condicionantes de competitividade em cada segmento e incentivar cooperação técnica.

Visão heterodoxa sobre o Desenvolvimento Local

Apesar das importantes contribuições das escolas alemã, americana, francesa, faz-se importante compreender as forças centrípetas e centrífugas sob um olhar mais crítico. Ávila (2003, p. 15) alerta que “o significado desta expressão [Desenvolvimento Local] ainda é objeto de contínua análise e discussão, em virtude de sua ainda muito curta trajetória histórica [...]”.  Para tanto, os olhares críticos de Brandão (2004, 2007), Nunes (1996), Oliveira (2001), Fischer (2002) e Dowbor (1995, 2007) apresentam grande contribuição.
Dowbor (2007) apresenta o Desenvolvimento Local no Brasil como deficitário e aponta a necessidade de um processo de reorganização da sociedade, pois existem muitos problemas que circundam a discussão: polarização entre ricos e pobres, os desafios ambientais, a ausência ou ineficiência do Estado, o acesso à tecnologia, baixa coesão entre sistemas de integração, entre outros. Dowbor (1995) atribui à globalização uma nova hierarquização dos espaços, de acordo as diversas atividades produtivas, “como formação de blocos, fragilização do Estado-nação, [...] reforço do papel das cidades, e uma gradual reconstituição dos espaços comunitários desarticulados por um século e meio de capitalismo” (DOWBOR, 1995, p. 2).
Importa destacar que o autor não se exime da “dependência” que o local tem do global, afinal as iniciativas locais isoladas não são suficientes, entretanto quando sólidas iniciativas são fomentadas, resultantes de uma comunidade participativa e democratizada, a dinâmica global é fortemente beneficiada. O autor salienta que as tais mudanças estão intimamente ligadas ao rompimento da visão tradicional de participação social apenas entre Estado e empresa, público versus privado, para uma visão contemporânea, participativa que envolve todos os atores locais: empresários, cooperativas e associações, instituições de ensino, universidades. Resgatando a dimensão comunitária e dando voz às ideias de espaço articulado (DOWBOR, 1995).
Na mesma vertente, Nunes (1996) tece duras críticas à imposição de um desenvolvimento pautado na descentralização, poder local e democratização em escalas de gestão subnacionais. Atribui-se aos teóricos e práticos da temática, os formuladores de políticas (policy makers) a grande irresponsabilidade de aceitar como verdade os “refrãos da moda” e reproduzi-los aos municípios e regiões sem um filtro. Uma espécie de problema que todas as partes do jogo político transferem ao poder local para que este seja solucionado. Assim, a democratização é expandida e os representantes da sociedade nos eixos do Poder Executivo nacional, isentos da responsabilidade primária (NUNES, 1996).
Nunes (1996) considera que o poder nacional transfere funções para o nível e poder local, seguindo uma agenda de moda e imposta por agentes internacionais como o Banco Mundial. Porém, o faz tendo como referência a Teoria do Estado que enxerga os poderes locais como inimigos e concebem um lugar subordinado para os municípios, como níveis meramente administrativos. Por isso, as políticas de desenvolvimento no Brasil de municípios e unidades federativas são tão dependentes dos projetos nacionais. Nesse sentido, Nunes (1996, p. 33) sinaliza que “carece-se, portanto, [...] de uma teoria que ilumine o papel das práticas políticas locais na construção da ordem”.
Oliveira (2001) concebe o desenvolvimento focado na cidadania em que o desenvolvimento local é apenas um dos aspectos. O autor desconstrói a ideia de que o desenvolvimento local é um caminho para o desenvolvimento em sua totalidade, ao tempo em que esclarece a impossibilidade de compreender cidadania como sinônimo de bem-estar e qualidade de vida (direitos dos cidadãos). Desse ponto de partida, a noção de desenvolvimento local deve ser vista como âncora na cidadania, caso contrário será apenas uma concepção restrita “fadada ao fracasso” (OLIVEIRA, 2001, p. 13).
Oliveira (2001) aponta que um dos passos para alcançar o desenvolvimento em nível local se estabelece por meio do rompimento do pensamento neoliberal de que cidadania significa ausência de conflitos ou paz social. Até mesmo porque negar os desajustes entre os grupos sociais e respectivos objetivos individuais condena o território a permanecer na condição de subdesenvolvimento. Ou seja, o desenvolvimento deve buscar soluções para a complexidade que envolve cada sociedade, ao invés de fechar-se à realidade.
Por sua vez, Fischer (2002, p. 9) reitera a questão social e da mudança que deve começar individualmente para depois se fortalecer no coletivo. Sendo assim, a autora prefere usar a nomenclatura social, pois “desenvolvimento local ou é desenvolvimento social ou não é desenvolvimento”. Segundo Fischer (2002), o indivíduo e, por consequência, a comunidade precisa romper o protagonismo de um líder carismático que estabelece uma relação de dependência e apelo emocional quanto aos projetos de desenvolvimento. As pessoas devem se posicionar com uma concepção comunitária de desenvolvimento social, participativa.
Fischer (2002) ressalta a importância dos valores e ética de responsabilidade na gestão do desenvolvimento caracterizados por fluidez, agilidade e inovação, eficácia, do poder legitimamente conquistado, entre outros. Tendo em vista que compartilhar poder, construir organizações, estratégias e estruturas eticamente relacionais e eficazes é uma tarefa difícil no contexto das comunidades constituídas por diversos atores. Além de discutir a promoção do desenvolvimento via planejamento localizado em fatias de territórios ou esforços localizados, mantendo a noção de gestão social do desenvolvimento.
Brandão (2004) evidencia as consequências desastrosas que o pensamento localista exagerado pode causar, principalmente, em países subdesenvolvidos com democracias ainda incipientes, pois não se pode negligenciar a complexidade das hierarquias de geração e apropriação da riqueza nas diversas escalas e os instrumentos das políticas. Isto é, “países desiguais como o Brasil não se podem dar ao luxo de pôr em prática ideias que não conjugam estratégias para todas suas partes diferenciadas e não ‘coesionam’ o enorme território” (BRANDÃO, 2004, p. 73).
Brandão (2007) chama atenção para o fato do “localismo” ser posto no debate do desenvolvimento tendo em vista solucionar as falhas de mercado advindos do processo de internacionalização que agravou a desigualdade socioeconômica nos países subdesenvolvidos; ou seja, é repassado ao local a competência de solucionar entraves superiores ao seu poder de decisão. Para o autor, a visão exagerada do localismo teria provocado uma abordagem trivial ao desenvolvimento. Segundo Brandão (2007), o Estado se exime de suas funções nesse contexto da “aprendizagem coletiva” e os conflitos locais são ignorados, cabendo à cooperação e solidariedade dos atores locais estruturar um ambiente favorável, sendo que as relações de poder e hegemonia na acumulação de capital ainda são imperantes nos territórios.

Visão holística: teoria dos sítios simbólicos de pertencimento

Diferentemente das modelos economicistas convencionais, a Teoria dos Sítios chama a atenção para muitas dimensões que são desconsideradas na formulação de políticas, planos e projetos elaborados por especialistas que dizem entender as demandas locais, mas que na prática desconhecem ou não conseguem fazer a leitura condizente dos atores interessados na mudança. O arcabouço teórico proposto pela perspectiva dos sítios “desnuda comandos do capitalismo que se escondem por trás dos modelos de desenvolvimento veiculados nos países periféricos” (ZAOUAL, 2006, p. 9).
Para o autor, não existe um modelo único ou padrão de desenvolvimento porque as verdades se estabelecem aos poucos, diante da peculiaridade de cada situação. Zaoual (2006) propõe que as teorias caminhem para alcançar um “pragmatismo tolerante”. Já que as tentativas de desenvolvimento dos países do hemisfério Sul (África, América Latina e parte da Ásia) confirmam a defasagem dos modelos economicistas, postos como padrão. Ponderando as mazelas e desigualdade nos países do Sul, compreende-se que toda vez que um modelo for imposto e não considerar em termos prioritários o contexto histórico, político, cultural, de identidade e crenças de um sítio, o fracasso na tentativa de desenvolvimento é tido como certo.
Partindo do pressuposto que “o homem só se sente bem onde encontra seu lugar, seu sítio”, o autor chama atenção para o fato das ciências racionais ignorarem esse aspecto, pois o mercado não supre esse “imperativo existencial” do ser humano (ZAOUAL, 2006, p. 16). Isto é, os valores utilitaristas, mercantis e instrumentais não consideram a complexidade dimensional que congrega o homem. De modo que, o retraimento social tem se tornado um fenômeno comum em nível mundial.
Nesse viés, a Teoria “Sítios Simbólicos de Pertencimento” se fundamenta em princípios de diversidade, singularidade, prudência, monitoramento e valorização do ser humano. A teoria busca interpretar formas de adaptar abordagens localistas e evoluir sua abrangência às demais escalas de governo e ação, respeitando as dimensões culturais, de identidade e pertencimento do espaço vivido. Além de incentivar o diálogo interdisciplinar para a construção de um novo paradigma plural que respeita “as múltiplas dimensões da existência humana: identidade, civismo, cidadania, ajuda mútua, solidariedade, qualidade de vida” (ZAOUAL, 2006, p. 17).
O sítio é o espaço vivido, “um vínculo cognitivo entre o ator e seu entorno” (ZAOUAL, 2006, p. 88). Atribui-se diversidade e pluralidade que envolve o sítio simbólico ao homem que é múltiplo que enfrenta a complexidade da tomada de decisões morais e simbólicas nas práticas cotidianas. Como o ser humano que compõe o sítio simbólico, este passa a ser homo situs (o homem da situação), o elemento-chave da trajetória do desenvolvimento em nível local.
A teoria postula que o homo situs é um homem concreto que tem ética, identidade e racionalidade que são construídas e refletidas no comportamento do indivíduo no sítio de pertencimento. É considerado um conceito não reducionista, adaptado ao cenário universal complexo, ao realismo da natureza humana e que supera a ideia do homo sociologicus, caracterizado por aderir a uma norma social estática, e o homo economicus, resultado do indivíduo calculista e egoísta (ZAOUAL, 2006).
De modo geral, a abordagem dos sítios propõe um novo olhar que incorpora a dimensão ética do desenvolvimento quanto à estruturação do lugar, em relação ao sentido oculto que cada sítio atribui à sua realidade e direciona as ações individuais e coletivas. O contexto diverso que congrega questões éticas e de visão de mundo que não encontra o suporte necessário através da exportação de um “vulgar sistema econômico” de um espaço para outro (ZAOUAL, 2006.p.23).
O sítio é constituído como uma entidade imaterial que reúne o coletivo e o conjunto de vida que congrega três elementos: i) uma caixa preta, formada por crenças, mitos e ritos, valores e experiências passadas; ii) uma caixa conceitual que resume o saber social acumulado durante a vida, sejam conhecimentos empíricos ou teóricos; e iii) uma caixa de ferramentas, ou seja, o saber-fazer, as técnicas, a parte mais prática. Isto é, a vida econômica do ser humano está inserida nas dimensões espirituais, religiosas, culturais, sociais, históricas de seu espaço de vida. O mundo que forma o sítio integra as três caixas e não podem ser tratadas isoladamente (ZAOUAL, 2006).
Por isso, Zaoual (2006, p. 189) ressalta que “a arte de uma sociedade reside em sua capacidade de gerenciar as desordens que a assediam” já que o sítio é um local de sentido e que fica desprotegido quando não há coesão dos atores locais e sistemas sociais. Por sua vez, os conflitos precisam ser bem gerenciados, isso inclui a relação multidão, pânico e mercado. Nesse caso, o pânico é o mediador entre a multidão e o mercado. Um pequeno rumor ou flutuação local pode desencadear um caos que desestabiliza a economia de dada sociedade.
Para o autor, à medida que a globalização alcança níveis ainda maiores, o local se amplia porque as relações entre territórios não são motivadas apenas pelo viés econômico, mas também por parâmetros múltiplos que se contrapõem ao da uniformização, uma prática do “discurso dominante de caráter globalizante” (ZAOUAL, 2006, p. 68). A teoria dos sítios ainda ressalta a ética e a prática do desenvolvimento local com o sentido de concorrência, cooperação e diversidade, e com a necessidade de refletir sobre o desastre da “modernidade transposta”.

RESULTADOS: ANÁLISE COMPARATIVA

Apesar da finalidade comum às três vertentes, os métodos para alcançar o desenvolvimento se diferem (Quadro 1). A visão economicista se firma sobre o eixo teórico de que as aglomerações de atividades econômicas juntamente ao capital social são determinantes para o DL. Há um forte apelo, na mesma intensidade, à competitividade e à cooperação, pois a cooperação aumenta as vantagens competitivas, resultando em maior dinamismo econômico. Assim, o fortalecimento do nível de confiança nas relações converge para o capital social e reforça o institucionalismo em suas formas: normas sociais, firmas, indivíduos, entre outros. 

 

O eixo teórico da visão heterodoxa é muito crítico e estabelece um processo democrático em que a população participa ativamente, minorando as deficiências da visão economicista, ciente da complexidade dos impactos globais frente o local. Os autores heterodoxos –descaracterizam o local como escala autônoma, já que necessariamente o território está vinculado às economias globais, seguindo a tendência mundial capitalista. Logo, a ênfase da visão heterodoxa reforça a competitividade, porém destaca a vulnerabilidade da cooperação devido a distribuição desigual do poder que privilegia alguns grupos em detrimento de outros.
Na visão holística do Sítio, o eixo teórico centra-se na complexidade do ser humano e em suas diversas dimensões para o desenvolvimento local. A partir do homem e da sua interação com o sítio devem partir as decisões com base em uma economia não-violenta. Por isso, a teoria enfatiza a dimensão ética do desenvolvimento, principalmente, em se tratando de países subdesenvolvidos que mais sofrem com as imposições globais. Zaoual (2006) introduz a ótica do pensamento pós-global, ressaltando as categorias materiais e imateriais, essenciais ao desenvolvimento, ao questionar a hegemonia dos pressupostos neoliberais para embasar as iniciativas locais em países do Sul.
Entre competitividade e cooperação, a teoria dos sítios preconiza a cooperação. Entretanto, a dinâmica econômica atual torna inviável essa postura nas relações verticais (países do Norte versus países do Sul), pois a tendência é que o país mais rico dite as regras.  Estabelece-se então a primeira crítica ao modelo de Zaoual, pois a desarmonia é a força motriz do mercado e a concorrência não pode ser ignorada em um mundo predominantemente capitalista. Apesar de não ser o cenário ideal, é o cenário que comanda as políticas econômicas das nações e são repassadas às escalas menores.
Em se tratando do espaço, há um consenso em conceber o território como um espaço diversificado, reiterando suas diversas dimensões (ambiental, histórica, cultural, religioso, político, social etc.), porém, para a visão economicista considerou-se “diversificado-estilizado” e para as visões heterodoxa e holística de “diversificado-relacional”. Segundo Capello (2011), estilizado é usado para se referir ao que adotou uma forma estética diferente do original, que aplicado ao território seria um espaço vivido e físico diverso modificado em linhas tangível e intangível. Isto é, a visão economicista enfatiza a questão econômica, por isso, defende que somente as atividades produtivas concentradas são capazes de gerar desenvolvimento ao local.
Esse pensamento focado nas vantagens competitivas é um aspecto que contraria as relações humanas e a sustentabilidade do globo terrestre, pois o progresso de um território à custa do fracasso de outro não pode ser considerado sustentável. Por esse motivo, as visões heterodoxa e holística concebem o espaço como diversificado-relacional, ou seja, aquele cuja diversidade é respeitada e usada como fundamento para as relações humanas e socioeconômicas. Tanto os heterodoxos, quanto o paradigma teórico holístico prezam pela autonomia do indivíduo e bem-estar social. Importa salientar que, para os heterodoxos, o território não é um fim em si mesmo.
Considerando a natureza de cada conjunto de teorias, observa-se que a economicista tem natureza positiva do ponto de vista das potencialidades que enxerga no DL; a heterodoxa tem natureza crítica a respeito das poucas potencialidades de se chegar ao DL no contexto capitalista e poder do Estado nacional. A teoria ou paradigma holístico dos Sítios valoriza um DL cuja base seja a ética, o respeito ao sítio e o senso de pertencimento. A visão economicista sobre o DL tem como foco a disseminação do empreendedorismo, a inovação, com vantagens agregadas ao local, reforçando a dinâmica de mercado e do sistema capitalista. A visão de natureza heterodoxa é justificada por buscar extinguir o romantismo imposto ao local. Os heterodoxos não estabelecem um tipo ideal de desenvolvimento, mas apresentam dentro do cenário real o que precisa ser modificado para que o desenvolvimento seja efetivado. A natureza da teoria dos sítios é considerada um paradigma holístico porque se volta ao ser humano e em sua relação com o território e as pessoas ao seu redor (identidade e pertencimento). Esse resgate ao passado é o aspecto simbólico comumente oculto das práticas locais.
O nível de governança local aponta o grau de consolidação das relações entre as empresas (indivíduos) e poder público frente às dinâmicas do mercado, que na visão economicista é formalizada em contratos fechados e em parcerias de negócios que beneficiam as firmas dispostas na cadeia produtiva do aglomerado. Por meio da confiança consolidada, as redes cooperativas são instituídas e as relações não-comercializáveis formalizadas, resultando na redução de custos de transações interfirmas, praticidade e maior flexibilidade nas transações frequentes e recorrentes, finalmente, ampliando o nível de governança local. 
Para os heterodoxos, o nível de governança local é efetivado por meio da participação popular, quando há transferência de espaços de decisão mais próximos do cidadão. Por isso, a visão heterodoxa defende que em países cujo regime político seja democrático, como o Brasil, as ações e políticas sejam formuladas a fim de projetar formas diretas de articulação de poder entre os atores em nível local. Para o paradigma holístico o nível de governança é firmado na relação de confiança, senso de pertencimento e compartilhamento de crenças. O sítio e as formas de coordenação instituídas por ele são redutores de desordem (ZAOUAL, 2006).
Em se tratando da importância do poder público no processo de desenvolvimento, tanto a visão heterodoxa quanto a economicista ressaltam o financiamento de crédito para os empresários; o que, de fato, é essencial para a sustentabilidade do negócio, mas que não deve se limitar a isso. Não basta ver as metas de apoio financeiro sendo alcançadas; é preciso ir além, reivindicar também pelas demais políticas, específicas ou não, que corroboram para o desenvolvimento. É tornar-se um agente consciente e crítico. 
A teoria dos sítios não se delonga em descrever a função do Estado, por isso a breve referência na explicação da importância do poder público. Zaoual (2006) defende que o gestor público deve capacitar-se e desenvolver competências, agir com prudência, respeitando a dimensão ética do desenvolvimento. Mesmo assim, a supressão ou redução do Estado na teoria merece destaque negativo, bem como, a tentativa de “desglobalização” e de minimizar a influência do capitalismo sobre as escalas locais.
Em sua obra, Zaoual (2006) tece duras críticas às leis universais do sistema capitalista e, a todo tempo, cita as experiências fracassadas do Sul para contextualizar o impacto negativo sobre as iniciativas locais. Entretanto, não aborda o papel do Estado ou as falhas do poder público. Sua crítica, resume-se ao capitalismo e suas respectivas consequências, das quais a globalização é destacada; e aos modelos econômicos que reforçam a tendência capitalista. Essa abordagem recai na mesma crítica da visão economicista que atribui ao local e às aglomerações o potencial de não ser afetado pela dinâmica mundial capitalista, ao afirmar que “o sítio cria o seu mundo, organiza-o e se organiza no mesmo movimento. Trata-se de um fenômeno de auto-organização [...], ele mesmo em perpétua evolução” (ZAOUAL, 2006, p. 32).
O caráter das relações é outra característica teórica importante. Na visão economicista, seguindo o apelo econômico, as relações possuem um exagerado objetivo de competitividade territorial, ainda que haja o incentivo à cooperação entre indivíduos e firmas. Na visão heterodoxa, o caráter das relações se estabelece em dois níveis: primeiro em assegurar condições básicas de cidadania ao indivíduo e, posteriormente, em revelar a importância do elo social para a coletividade. Enquanto Zaoual (2006) resume o caráter das relações à dimensão ética do desenvolvimento, sob a égide da economia não-violenta.
Em relação ao papel do gestor ou empreendedor, os “economicistas” encaram como um indivíduo proativo, responsável pela dinâmica comercial e desenvolvimento local, no entanto, os heterodoxos o concebem como um cidadão crítico e reflexivo em busca de autonomia e eficiência, e enfim, na teoria holística, dos sítios, o papel se resume ter a capacidade de compreender a situação material e imaterial que envolvem o cenário para então participar do processo decisório que envolve seu município, bairro, distrito, povoado etc.
A última característica teórica apresentou as palavras-chave que sintetizam cada perspectiva, ou seja, as palavras ou conceitos mais recorrentes ou enfatizados pelos principais autores economicistas, heterodoxos e holístico, Zaoual (2006), e que foram analisados nos tópicos anteriores. Para a visão economicista, tem-se: competitividade, cooperação, ativo local, aglomeração e território. Enquanto para a visão heterodoxa foram elencadas: cidadania, relação local-global, cooperação, planejamento territorial. E, para a visão holística, dos sítios: diversidade, ética, identidade coletiva, singularidade e pertencimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desenvolvimento é a situação almejada pelas Nações nas escalas territoriais e suas dimensões, ao mesmo tempo que se configura como processo complexo, difícil de ser alcançado integralmente. Diante do emaranhado de considerações que envolve o contexto, nota-se que investigações sobre o tema não se findam, tornam-se cada vez mais recorrentes, com olhares mais profundos, pensamento interdisciplinar e metodologias que ultrapassam procedimentos quantitativos. Este passa a ser estudado enquanto condição e consequência.
Resguardada as devidas proporções, observa-se uma ascendência na construção da linha de pensamento do Desenvolvimento Local, antes focado na acumulação de riqueza como medidor de desenvolvimento, em seguida o despertamento sobre a necessidade de garantir o exercício da cidadania aos indivíduos e, por fim, a revalorização da dimensão ética dos símbolos que formam o território, o indivíduo e a comunidade.
Cada visão teórica posterior expande a perspectiva analítica e busca solucionar as limitações anteriores, conforme ocorreu com a passagem de crescimento econômico para desenvolvimento, até chegar ao Desenvolvimento Local, e assim sucessivamente. Por isso, em muitos momentos é possível observar um conceito melhor especificado na visão teórica posterior, como na definição de território ou nas características teóricas (Quadro 1) para cada perspectiva analisada.
Constatou-se que para o Brasil, assim como nos países do Sul, o desenvolvimento precisa ser construído com participação popular e (re) pensado sobre princípios abrangentes tal qual a complexidade que o termo exige. Haja vista que esses territórios nacionais possuem maior dificuldade em combater os problemas socioeconômicos, reflexo da trajetória de dependência da colonização de exploração, como nas colônias espanholas e portuguesas do continente americano (América do Sul e Central).
Especialmente em municípios de pequeno porte e até mesmo em bairros periféricos de municípios de médio e grande porte, que convivem com problemas e demandas semelhantes, a permanência das privações de liberdade aos indivíduos repele o processo de luta por melhores condições de vida e acentua a desigualdade socioeconômica. Não há como se pensar em desenvolvimento, em primeiro plano, se a vulnerabilidade social e falta de serviços públicos ainda são realidades comuns. Isso porque, associado à garantia dos direitos básicos, precisa haver a disposição constante do poder público a fim de mobilizar a participação popular e controle social.
Ao mesmo tempo, confirmou-se que a dimensão econômica é fundamental para o processo de desenvolvimento, dado a inserção dos territórios no mesmo sistema econômico: o capitalismo. A solução apontada pelos teóricos heterodoxos não nega essa dependência do sistema econômico formal, nem da relação global-local, mas adverte sobre as consequências negativas quando o DL é concebido apenas sob o viés econômico. Enquanto os economicistas supervalorizam o sistema e defendem o posicioidnto estratégico da firma e do empreendedor tendo em vista garantir vantagens competitivas e relações de confiança.
A teoria holística, dos sítios adverte que o sistema deve funcionar sob a perspectiva de uma economia não-violenta, focada na dimensão ética do desenvolvimento. Inclusive, o paradigma holístico da teoria dos sítios apresenta possuir maior adesão para comunidades, principalmente, rurais ou periferias de municípios de pequeno porte, em que o senso de pertencimento se configura como um elo social forte e que promove engajamento dos indivíduos. Afinal, o elo social reflete na capacidade de decifrar mudanças ou imposições globais através do pensamento aberto, porém enraizado nas práticas locais, na sintonia do sítio.
Desse modo, ratifica-se que o processo de desenvolvimento exige perseverança e engajamento de toda a sociedade, considerando a equidade e ética como princípios que nortearão as tentativas de desenvolvimento e as iniciativas locais. Portanto, o exercício da cidadania é o instrumento mais sensível e capaz de auferir autonomia e responsabilidade coletiva em busca da economia não-violenta, da sustentabilidade da vida no planeta Terra.

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*Mestra em Economia Regional e Políticas Públicas pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em 2018. Graduada em Administração pela UESC, em 2016. Bolsista do Escritório de Projetos e Consultoria Econômica (EPEC)/UESC no período entre 2016/2017 como coordenadora do projeto Santander Universidade Solidária 2014: Geração de renda através da produção de vestimentas realizada por três grupos sociais localizados no Sul da Bahia. Participou do projeto de extensão Cia Júnior Consultoria, empresa júnior dos cursos de Administração, Economia e Ciências Contábeis da UESC, entre 2012 a 2015. Bolsista CAPES no período entre 2017/2018 pelo mestrado - título da dissertação: "Desenvolvimento local no contexto de comunidades de pequeno porte: análise e comparações teóricas". Bolsista da FAPESB, no período entre 2014/2015, pelo projeto de Iniciação Científica cujo tema de pesquisa "Trajetória Institucional e Processo de Institucionalização de Políticas de Apoio a Arranjos Produtivos Locais (APLs): Um Estudo Comparativo". Tem experiência em Administração, com ênfase em negócios sociais, consultorias empresariais, políticas públicas, arranjos e sistemas produtivos locais.
** Concluiu o doutorado em Ciência Política pela Universidade federal do Rio Grande do Sul em 2003. Concluiu o mestrado em Economia pela mesma instituição. Atua nas áreas de Economia e Ciência Política, com ênfase em Economia do Setor Público, Economia Solidaria, Instituições Monetárias e Desenvolvimento Local. Em seu currículo lattes os termos mais frequentes na contextualização da produção cientifica, tecnológica e artístico-cultural são: independência do Banco Central e cidadania, ação empresarial e reformas neoliberais, governo local, incubação de empreendimentos solidários, economia solidaria.
*** Pós-Doutorado em Economia Regional e Politicas Públicas. Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente - PRODEMA/UESC. Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Santa Cruz/Ba (2006) e Mestrado em Desenvolvi mento Regional e Meio Ambiente - PRODEMA - UESC (2011). Professora das disciplinas: Gestão de Projetos; Economia; Metodologia, Economia e Mercado, dos cursos de Administração, Logística e Recursos Humanos da Faculdade Madre Thais em Ilhéus - Bahia ate março de 2016. Experiência na área de Economia, Microeconomia, Viabilidade Econômica e Meio Ambiente, com ênfase em Desenvolvimento Regional e políticas públicas, atuando principalmente nos seguintes temas: Gênero, sustentabilidade, comunidades extrativistas, unidades de conservação, mercado agrícola, agricultura familiar, comercialização agrícola e empreendimentos econômicos solidários na reserva extrativista de Canavieiras e coordenadora da "Rede de Mulheres pescadoras e marisqueiras do Sul da Bahia" - patrocinado pela Unifem - ONU Mulheres. Coordenadora do projeto Fortalecimento da Rede de Mulheres do Território Litoral Sul da Bahia, financiado pela Secretaria de Politicas para Mulheres do Estado da Bahia - SPM/BA. Delegada de Políticas Públicas para Mulheres Regional, Estadual e Nacional até 2014, Procuradora Institucional da FMT de 2013 a 2016 e integrante do Grupo Nacional Assessor ONU Mulheres no Brasil.
1 IBGE, Censo de 2010, sobre o porte dos municípios conforme sua população, estabelece: a) pequeno I (até 20.000 hab.); b) pequeno II (20.001 a 50.000 hab.); c) médio (50.001 a 100.000 hab.); c) grande (100.001 a 900.000 hab.); d) metrópole (acima de 900.000 hab) (IBGE, 2010).

Recibido: 04/09/2018 Aceptado: 26/12/2018 Publicado: Diciembre de 2018

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